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TAMBORES DA GUERRA?

A Rússia acaba de encerrar a Operação Vostok 2018. Tratou-se certamente do maior exercício militar russo desde o fim da guerra fria. Talvez tenha sido o maior da História. O Ministério da Defesa daquele país divulgou que cerca de 300 mil militares participaram, utilizando mil aeronaves, 80 navios e 36 mil veículos. Tropas da China e da Mongólia também estavam presentes. Embora seja muito provável que esse número esteja consideravelmente inflado, a operação não deixa de ser impressionante. A título de comparação, as manobras do ano passado, chamadas Zapad 2017 e realizadas no Leste Europeu, envolveram, em números oficiais, 12.700 militares.

Manobras militares têm muitas finalidades. Do ponto de vista tático/operacional, servem como excelente ferramenta de treinamento, permitindo a imitação do combate e o emprego conjunto das forças de terra, ar e mar, além da prática dos sistemas de armas, dos sistemas de comando e controle, de cibernética, e de uma infinidade de outros aspectos da guerra. Do ponto de vista logístico, que parece ter sido um dos mais relevantes neste caso, é uma excelente oportunidade de verificar e testar as linhas de transporte, permitir a chamada “aproximação dos meios”, o deslocamento de tropas e de todo o apoio logístico desde suas bases até o teatro de operações – onde as operações militares são realizadas. Não esqueçamos que essa é uma tarefa especialmente complexa quando se trata da Rússia, país de dimensões continentais, que se estende por toda a Eurásia, das fronteiras com os países europeus até o Estreito de Bering e o Oceano Pacífico, no extremo oriental asiático.

Mas além desses aspectos eminentemente militares há os aspectos estratégicos e geopolíticos, talvez ainda mais relevantes. A dissuasão é uma antiga e importante estratégia de segurança. Por meio dela um país demonstra possuir poder militar suficiente e apto a ser empregado de imediato, capaz de se contrapor a qualquer ameaça. Nessa direção, a realização do Vostok 2018 faz todo o sentido: uma grande demonstração de força destinada a impressionar e dissuadir potenciais adversários.

Há também a participação da China. Divulgou-se que o Exército Popular de Libertação enviou ao Teatro de Operações 3.200 militares, cerca de mil veículos e 30 aeronaves. O emprego das tropas de forma combinada com a Rússia já havia sido utilizado em manobras no âmbito da Organização de Cooperação de Xangai (Shangai Cooperation Organization). Entretanto, aqueles exercícios usavam como cenário operações contra ameaças não tradicionais – terrorismo, catástrofes naturais e ilícitos transnacionais, por exemplo. Agora, pela primeira vez desde a década de 1960, os exércitos dos dois países operam juntos num cenário de guerra de alta intensidade. Esse tipo de treinamento é muito importante para a China. Operar com outro exército não é tarefa fácil. Conciliar diferentes doutrinas, técnicas, táticas, procedimentos, equipamentos, mentalidades, tudo isso enfrentando a barreira de um idioma completamente diferente, é complexo e exige muita prática.

Do ponto de vista geopolítico, as manobras enviam um recado aos Estados Unidos e seus aliados da Otan: China e Rússia são capazes de atuar em conjunto num cenário de guerra de alta intensidade e de amplo espectro. E essa capacidade é demonstrada exatamente neste momento de conflito comercial nas relações sino-americanas e de tensões políticas entre Rússia e EUA em razão das acusações de interferência nas eleições norte-americanas e pelas posições antagônicas assumidas por cada uma das potências na Síria e no Leste Europeu.

A China, além do mais, tenta demonstrar que é capaz de operar fora de seu território. Mas não só isso. Ao mesmo tempo que tenta impressionar os russos enviando tropas de elite, resultado de um processo de crescente modernização de suas Forças Armadas, os chineses têm a rara oportunidade de operar com um exército formado por soldados experimentados em combate. As lições aprendidas pelos comandantes russos nas guerras da Síria e da Ucrânia certamente serão de algum modo transmitidas aos inexperientes comandantes chineses.

Todo o cenário aponta para uma preocupação crescente dos estrategistas militares com a possibilidade de eclosão de um conflito de largas proporções envolvendo as grandes potências. Tratei desse assunto neste espaço, em 18 de abril, quando escrevi sobre a nova Estratégia de Defesa dos EUA, que reorienta a preparação de suas Forças Armadas na direção da preparação para conflitos de alta intensidade, ao invés da chamada guerra ao terror.

O analista militar russo Pavel Felgenhauer, citado pela versão eletrônica do jornal japonês The Japan Times em reportagem de 10 deste mês, diz que o Vostok 2018 “não é apenas sobre mandar um sinal, ou uma mensagem, mas a preparação para uma guerra real de grande magnitude”. O analista russo declara ainda que “o Estado-Maior russo acredita que uma guerra mundial acontecerá depois de 2020, ou em uma guerra global, ou em uma série de conflitos de magnitude”.

Não se trata de anunciar o fim do mundo, ou de afirmar que a humanidade caminha de forma inexorável para uma guerra de grandes proporções. As relações internacionais são sujeitas a um enorme número de variáveis e guerras sempre podem ser evitadas. Quase ao mesmo tempo que os tambores da guerra tocavam no Vostok 2018, perto dali, na Península da Coreia, os presidentes das Coreias do Norte e do Sul se encontravam, em mais um passo em favor da paz e na direção do encerramento formal da Guerra da Coreia.

Fazendo votos de que a paz sempre encontre o caminho, fica o alerta para que os espectadores, como nós aqui, do outro lado do mundo, não deixemos de estar atentos a eventos que certamente trarão consequências para o Brasil e para os brasileiros.