A novela do BREXIT finalmente chegou ao seu final. Desde o dia 31 de janeiro, o Reino Unido não faz mais parte da União Europeia. Em uma análise superficial, o BREXIT não afetaria a segurança do continente. Porém, creio que ele é mais um fato que se soma ao crescente protagonismo russo, às ameaças terroristas, à crise imigratória, à ascensão chinesa e à presidência de Donald Trump nos EUA, conformando uma nova realidade para a segurança daquela região.
A arquitetura da segurança europeia baseia-se na Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O coração do tratado é o seu Art 5º: “Um ataque armado contra um ou mais países membros será considerado uma agressão contra todos”. Para os países europeus, desde a criação da Aliança, em 1949, a presença dos EUA serve como um seguro valioso. Afinal, é bastante reconfortante saber que uma agressão ao seu território equivale a uma agressão ao território norte-americano e, em razão disto, ensejará uma reação da maior potência militar do planeta. Essa situação confortável, aliada ao fim da guerra fria e à sensação de que as ameaças à Europa estavam bastante minimizadas, levou muitos países europeus a diminuírem drasticamente seus investimentos de defesa. A Alemanha, por exemplo, desde 1998 não gasta 2% do PIB com defesa. O mesmo ocorre com Itália, Espanha e outros 17 (de um total de 29) países da aliança.
Entretanto, a realidade atual é bastante diferente daquela do pós-guerra, que motivou a criação da Aliança, ou mesmo do “pós-guerra fria”, até a primeira década do século 21, antes das ações militares russas na Geórgia e na Ucrânia, com a anexação da Criméia, ou do crescimento exponencial da importância da Ásia na geopolítica mundial, ou da postura mais isolacionista, do “America First”, adotada pelo Presidente Donald Trump.
Uma série de acontecimentos alertam os estrategistas e líderes europeus, a ponto de o Presidente francês ter declarado, por ocasião da cúpula dos 70 anos da OTAN, que a Aliança vivia uma “morte cerebral”. Em primeiro lugar, o crescimento de forças centrífugas na Europa, à exemplo do BREXIT, dificultando a definição de objetivos, ações, estratégias e políticas comuns e em proveito de todo o continente. Em segundo lugar, o crescimento do protagonismo russo, demonstrado pela crescente desenvoltura em atuar, inclusive militarmente, de acordo com os seus interesses, no leste europeu, no norte da África e no Oriente Médio. Acrescente-se em terceiro lugar a desconfiança em relação à postura dos EUA, que age cada vez mais unilateralmente, como quando denunciou o tratado nuclear com o Irã, à revelia de França, Alemanha e Reino Unido, ou quando o país abandonou o tratado firmado com os russos, para eliminação de mísseis nucleares de curto e médio alcance, o que levou os russos a também denunciarem o acordo. Este fato é especialmente desfavorável aos Europeus, que se veem repentinamente obrigados a encarar a realidade de que a vizinha Rússia está novamente à vontade para produzir mísseis nucleares que alcancem a Europa. Uma quarta razão para o desconforto europeu é a pressão exercida pelos EUA para que os demais países da OTAN aumentem seus gastos em defesa, deixando implícita a mensagem de que eles devem caminhar com suas próprias pernas, dependendo menos dos norte-americanos.
Os EUA, percebendo a desconfiança aliada, age por intermédio de seu estamento militar procurando reafirmar seu compromisso com os Europeus. O país executa, a partir deste mês e até julho, o maior exercício de desdobramento de tropa em continente europeu, partindo dos EUA, dos últimos 25 anos. O terceiro maior em toda a história. É o “Defender Europe”. Cerca de 20 mil homens e equipamentos cruzarão o Atlântico para participar das manobras. Outros 17 países europeus participarão do exercício, inclusive o Reino Unido, que enviará cerca de 2,5 mil homens. A presença britânica, com um efetivo significativo, também deve ser lida como uma mensagem de manutenção do compromisso do país com a OTAN, apesar da separação da União Europeia.
Governos tendem a se preocupar com defesa somente quando impelidos pela necessidade. Especialmente em sociedades democráticas, que tendem a priorizar necessidades mais prementes do que manter dispendiosas forças armadas. Ocorre que capacidades militares, quando perdidas, levam muito tempo para serem restabelecidas. Os europeus terão que decidir, em breve, se continuarão a basear grande parte de sua segurança nas capacidades militares norte-americanas, ou se partirão para o desenho de um modelo mais genuinamente europeu.
E se for essa a escolha, caberá ainda mais um enorme desafio. A segurança será baseada em um “exército da comunidade europeia”, de uma Europa politicamente integrada de fato, ou o BREXIT indicará uma tendência centrífuga de retorno à valorização das soberanias nacionais, onde cada Estado volte a gerar suas próprias capacidades de defesa? A resposta virá, inevitavelmente, nos próximos anos.