Samuel Huntington e a ética militar profissional
Samuel P. Huntington foi um cientista político norte-americano, nascido em 1927 e falecido em 2008. Formou-se em Yale e doutorou-se em Harvard, onde lecionou até 2007. É autor, coautor e editor de 17 livros e de mais de 90 artigos acadêmicos. Dedicou-se ao estudo das relações civis-militares e à geopolítica. Sua tese de maior impacto foi a que ficou conhecida como a teoria do “Choque das Civilizações”.
Huntington escreveu O Soldado e o Estado: teoria e política das relações entre civis e militares, livro que se tornaria um clássico para a análise das relações civis-militares, em 1957. A obra, republicada no Brasil pela Biblioteca do Exército em 2016, está dividida em três partes: na primeira, o autor trata das perspectivas teóricas e históricas das instituições militares e do Estado. Na segunda, analisa o poder militar nos EUA, de 1789 a 1940. Finalmente, na última parte, aborda a crise nas relações entre civis e militares nos EUA, no período de 1940 a 1955.
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Neste artigo, faço um resumo das ideias defendidas pelo autor no terceiro capítulo da obra, que integra a primeira parte, A mentalidade militar: o realismo conservador da ética militar.
O autor sustenta que a melhor maneira de se chegar à substância da “mentalidade militar” é defini-la como uma “ética profissional”. Isso porque “as pessoas que agem igual durante um longo período de tempo tendem a desenvolver hábitos característicos e persistentes de pensamento. A singular relação que elas mantêm com o mundo lhes dá uma peculiar perspectiva dele, levando-as a racionalizar o próprio comportamento e o próprio papel.” Nesse sentido, a mentalidade militar consistiria em valores, atitudes e perspectivas inerentes ao desempenho da função militar.
A ética militar seria, segundo o autor, um padrão constante para os agrupamentos militares profissionais, pelo qual se poderia julgar o profissionalismo da oficialidade em qualquer tempo e lugar. Nesse sentido, portanto, seria universal. A partir dessa constatação, Huntington passa a listar quais seriam as características dessa ética, ou desse ethos, entendido como um conjunto de traços ou comportamentos que conformam o caráter ou a identidade de uma coletividade.
Em primeiro lugar, prossegue o autor, a ética militar considera o conflito como um padrão universal. Logo, os militares seriam, por natureza, céticos em relação à natureza humana, tendendo a considerar o conflito um padrão universal, e a violência permanentemente enraizada na natureza biológica e psicológica do homem.
A ética militar também é fundamentalmente corporativa, uma vez que, para cumprir suas responsabilidades e garantir a segurança do Estado, os militares trabalham em grupo. Assim, conceitos como espírito de grupo, unidade e comunidade são altamente valorizados, em detrimento do individualismo.
O militar profissional, por característica, acumula seus conhecimentos pelas experiências. Se tem poucas oportunidades de vivenciar experiências próprias, utiliza-se da de outros militares. Daí advém o valor que a ética militar empresta ao estudo metódico e objetivo da história, desde que este estudo possibilite o desenvolvimento de princípios capazes de futura aplicação.
Outra premissa de Huntington defende que a existência da profissão militar depende da existência de Estados-nação capazes de manter um estamento militar apto a protege-los das ameaças à sua segurança. Assim, a ética militar tenderia a considerar o Estado a forma suprema de organização política.
Além disso, se as causas da guerra estão na própria natureza humana, então é impossível abolir a guerra por completo. Essa é a razão pela qual a mentalidade militar é tão cética em relação a dispositivos destinados a evitar a guerra, tais como tratados, leis, cortes ou organismos internacionais.
O autor defende ainda que nem sempre os militares desejam a guerra. Pelo contrário, eles tendem a se julgar vítimas das fomentações de guerra dos civis. Afinal, seriam os políticos e o povo, a opinião pública e os governos que iniciariam a guerra, mas seriam os militares que teriam a obrigação de travá-la.
Quanto à profissão militar, Huntington a caracteriza como técnica e especializada. Suas competências são adquiridas mediante treinamento profissional e experiência. A política, por sua vez, se situa além do escopo da competência militar e a participação de militares na política enfraqueceria o profissionalismo por permitir que valores estranhos ao ethos militar substituam valores eminentemente profissionais.
Assim, seriam três as responsabilidades do militar perante o Estado: a primeira seria de natureza representativa, pois ao militar compete manter as autoridades governamentais informadas quanto ao que ele considera ser indispensável para a manutenção da segurança do Estado. A segunda seria consultiva. Nesse sentido, caberia aos militares relatar os reflexos das políticas governamentais para a segurança do Estado. Finalmente, a última responsabilidade do militar seria executiva, implementando as decisões do Estado na área de defesa.
Huntington reitera ainda que o profissionalismo militar só ocorre quando sua lealdade se dirige exclusivamente ao ideal militar. Afirma que outras lealdades são transitórias e divisoras. Reafirma que as forças mais eficientes e competentes são aquelas em que a oficialidade é motivada por seus ideais profissionais, mais do que por objetivos políticos ou ideológicos.
Encerrando o capítulo, o autor enfatiza que o controle civil é essencial ao profissionalismo militar, tecendo considerações à obediência e seus limites.
Assim, segundo Samuel Huntington, a ética militar seria pessimista, coletivista, historicamente influenciada, orientada para o poder, nacionalista, militarista mas voltada para a obtenção e manutenção da paz, e instrumentalista em sua visão da profissão militar. Em resumo, o ethos militar seria realista e conservador.
Embora escrito há mais de sessenta anos, O Soldado e o Estado continua a ser leitura obrigatória para todos os militares profissionais e para todos aqueles que queiram compreender o pensamento militar.