Árabes e israelenses já foram à guerra várias vezes desde 1948, ano da criação de Israel. A recorrência dos conflitos armados e a chamada Questão Palestina mantiveram a rivalidade entre eles como a principal questão geopolítica do Oriente Médio na segunda metade do século 20 e no início deste século 21. Entretanto, acontecimentos recentes indicam que essa situação começa a mudar.
No intervalo de cerca de um mês, em acordos intermediados pelo governo norte-americano, que foram batizados de “Acordos de Abraão”, os governos de Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein celebraram tratados de normalização das relações diplomáticas entre os dois países árabes e Israel. As duas nações juntaram-se, dessa forma, ao grupo que até então era composto por apenas outros dois países: Egito e Jordânia, como nações árabes que mantém relações diplomáticas normais com os israelenses.
É evidente que um acordo desse tipo pode ser comemorado, afinal, é mais uma oportunidade para a paz na região. Além da troca de embaixadores, da ativação de voos diretos e da intensificação das trocas comerciais, há vários outros campos onde pode haver oportunidades de integração com benefícios mútuos, como turismo, agricultura, ensino e pesquisa, cultura, tecnologia, telecomunicações e muitos outros.
Mas, nem todos compartilham dessa opinião. Os mais insatisfeitos são os palestinos, que consideraram o acordo uma traição à sua causa. O ministro das relações exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, declarou que o acordo desconsiderava a decisão da Iniciativa Árabe para a Paz, segundo a qual a normalização das relações árabe-israelenses somente seria aceitável em troca do retorno das fronteiras à situação anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967, ou seja, com a desocupação israelense dos territórios ocupados na Cisjordânia e com a capital da Palestina em Jerusalém Oriental.
O fato de a Liga Árabe ter se recusado a condenar os acordos também frustrou os palestinos, porque indica que outros países do Golfo Pérsico, como Omã, ou mesmo a Arábia Saudita, podem, no futuro, tomar o mesmo caminho. Aliás, é certo que os Emirados Árabes Unidos e o Barein só decidiram por aceitar o acordo com Israel por contarem com a anuência da Arábia Saudita, potência regional com muita influência sobre os governos de ambos os países.
O Irã também declarou forte contrariedade, chamando os Acordos de Abraão de “ato vergonhoso que permanecerá para sempre na memória dos palestinos e das nações livres do mundo”. Gigante regional não árabe, cuja maioria da população é persa, o Irã trava uma guerra por procuração contra a Arábia Saudita no Iêmen desde 2015, apoiando a milícia xiita Houthi contra o governo iemenita que, por sua vez, é apoiado pelos sauditas. Além disso, a assertividade iraniana na região, caracterizada pelo apoio ao governo xiita do Iraque, ao governo do Catar, ao grupo Hezbollah, no Líbano, ao governo de Bashar al Assad, na Síria, ao Hamas, na Faixa de Gaza, bem como à diversas milícias regionais xiitas, é motivo de desconfiança da parte dos sauditas, que veem sua posição de liderança no mundo árabe cada vez mais ameaçada.
Assim, fica claro que a disputa entre Arábia Saudita e Irã pela liderança regional contribuiu, com grande peso, para que os acordos acontecessem. Do ponto de vista dos sauditas, contar com o apoio político, militar e de inteligência, mesmo que velado, dos israelenses, pode ser decisivo.
Os israelenses, por sua vez, ao se aproximarem dos sauditas, obtêm uma grande vitória geopolítica, pois tiram do centro do palco a questão palestina e empurram para a ribalta a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, que passa a ser considerada, pela comunidade internacional e, principalmente, pelos países da região, o principal problema de segurança do Oriente Médio.
Os palestinos sentiram imediatamente o enfraquecimento do apoio árabe à sua causa. A normalização das relações diplomáticas entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein serviu de estímulo para que as duas facções palestinas rivais, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, buscassem um entendimento. Em uma reunião realizada em Istambul, na Turquia, seus representantes decidiram realizar eleições nos territórios palestinos em um prazo de seis meses, para escolha do presidente da Autoridade Palestina, bem como dos integrantes do legislativo e do Comitê Central da Organização para a Libertação da Palestina. Trata-se de uma tentativa de se buscar o consenso no âmbito dos próprios palestinos, que depois de mais de uma década de disputas internas, veem sua causa enfraquecida.
O Oriente Médio passa por aceleradas transformações, com os atores regionais ganhando cada vez mais proeminência. O frágil equilíbrio geopolítico regional, construído com base nas linhas fronteiriças desenhadas pelas potências europeias, está sendo desafiado. Sua reconstrução, em bases diferentes, não será fácil.