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Terrorismo em Moçambique

Tropas das Forças Especiais do Exército da África do Sul e militares de Botsuana desembarcaram em Moçambique no último dia 19, para auxiliar no combate aos insurgentes do grupo terrorista Ansar al-Sunna, responsável por mergulhar a região de Cabo Delgado, no nordeste do país, em uma espiral de violência. O grupo terrorista ataca aldeias, escolas e hospitais, já tendo causado cerca de 3 mil mortes e a fuga em massa de cerca de 732 mil pessoas[1] que hoje estão desabrigadas e em situação muito precária.

O desdobramento das forças ocorreu em razão de uma decisão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (CDAA), a comunidade de países do sul da África. Os soldados sul-africanos e botsuaneses, neste primeiro momento, devem cumprir missões de inteligência, reconhecimento e assessoria aos seus pares moçambicanos, preparando o terreno para um futuro desdobramento de uma brigada com cerca de três mil militares das forças de contingência da CDAA. Outros militares estrangeiros que estão em Moçambique são os ruandenses que, inclusive, já se engajaram em combates contra os insurgentes. A presença de forças armadas estrangeiras em território moçambicano atesta de forma cabal a incapacidade do país de, por seus próprios meios, encontrar uma solução para a crise.

O grupo terrorista Ansar al-Sunna foi criado em 2015, sob forte influência da corrente ortodoxa e ultraconservadora islâmica salafista, advogando a “purificação” do Islã pela negação das práticas sufistas, predominantes no islamismo praticado em Moçambique. As tensões entre salafistas e sufistas foram crescendo até que, em 2017, já sob influência de clérigos estrangeiros e de outros grupos, como o Daesh e o Al-Shabbab da Somália, os militantes do Ansar al-Sunna passaram a pregar a adoção da lei islâmica (Sharia) em Cabo Delgado e a se recusar a seguir as leis moçambicanas, consideradas anti-islâmicas.

Em 2020, as ações violentas se intensificaram. No dia 23 de março, a cidade de Mocimboa da Praia foi capturada pelos jihadistas. Nos meses seguintes, até os dias atuais, diversos ataques a vilarejos causaram o assassinato dos civis que se recusaram a se unir ao grupo. As ações das forças governamentais de Moçambique também se intensificaram e os combates recrudesceram na região. Milhares de civis fugiram em direção ao sul do país, em uma gravíssima crise humanitária.

Tudo isso ocorre em uma região com riquíssimas reservas minerais, como petróleo, ouro, rubis, mármore e, muito especialmente, gás natural. Em relação a este último, existem três grandes projetos de exploração: o Moçambique Gás Natural, liderado pela empresa francesa Total Energia, que paralisou suas operações em razão da crise; o Coral Gás Natural, das empresas ENI (italiana) e Exxon-Mobil (norte-americana); e o Rovuma Gás Natural, onde a chinesa CNPC se juntou à ENI e à Exxon-Mobil. A presença dessas empresas, com seus grandes investimentos, reforça o interesse mundial e o caráter geopolítico da crise, uma vez que há diversos governos estrangeiros atentos aos acontecimentos em Cabo Delgado.

A insurgência em Moçambique desperta temores de que a região se torne a próxima fronteira do jihadismo na África. Mas a explicação puramente religiosa para a radicalização dos jovens que aderem ao terrorismo é insuficiente. Se é verdade que as lideranças são formadas por radicais islâmicos, a grande maioria dos recrutados é composta por pessoas desesperançadas, marginalizadas do usufruto das riquezas geradas pela exploração dos recursos minerais da região.

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Em iniciativa liderada por Portugal, a União Europeia (UE) iniciou no último dia 30 de junho uma “ponte aérea humanitária”, como o envio de três voos com equipamento e suprimentos de ajuda humanitária. A UE também decidiu enviar uma missão militar de treinamento, que será liderada por um general português. Nesse sentido, Portugal também enviará, em entendimento bilateral com Moçambique, 60 militares em uma missão de treinamento de soldados moçambicanos. Os EUA também enviaram ajuda financeira para recuperação de infraestruturas destruídas pelos terroristas, por meio de sua Agência para Desenvolvimento Internacional – USAID.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), fórum que reúne Brasil e Moçambique, além de Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, manifestou-se timidamente até o momento. No documento de encerramento[2] da 13ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo, divulgado no último dia 17 de julho, ficou registrado que os países da CPLP repudiam as ações terroristas, manifestam sua consternação pela violência infligida à população e solidarizaram-se com as autoridades moçambicanas em seus apelos por convergência de apoio internacional.

A situação em Moçambique é grave, tanto em razão das mortes, já contadas aos milhares, quanto em razão da grave crise humanitária dos deslocados. Além disso, pode espalhar pela África Austral um problema até então pouco comum naquela porção do continente africano: o terrorismo islâmico. O Brasil, eleito membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o biênio 2022/23, poderá, naquele fórum, ser um importante agente catalisador da ação internacional de colaboração com Moçambique no enfrentamento dessa gravíssima questão.

[1] Disponível em https://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=9209&M=NewsV2&PID=10872

[2] Fonte – Escritório da ONU para coordenação de assuntos humanitários. Disponível em https://reports.unocha.org/en/country/mozambique