Vinte anos de guerra no Afeganistão
Em 11 de setembro de 2001, terroristas da Al Qaeda sequestraram quatro aviões comerciais e os lançaram contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e contra o Pentágono, em Washington. Uma das aeronaves caiu na Pensilvânia, sem chegar ao seu alvo, que era o prédio do congresso norte-americano. Cerca de três mil pessoas morreram nos ataques.
Em resposta, o governo norte-americano exigiu que o governo afegão, conduzido à época pelos talibãs, extraditasse Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda responsável pelos ataques. Ante a recusa dos talibãs, os EUA, apoiados por seus aliados britânicos, iniciaram a operação “Enduring Freedom”, bombardeando posições do Talibã e da Al Qaeda em território afegão. Por terra, elementos de forças especiais dos EUA apoiavam grupos contrários ao Talibã, em especial da chamada “Aliança do Norte”. Em 9 de dezembro, menos de três meses depois dos ataques aos EUA, o regime talibã foi deposto. Em 16 de dezembro, entretanto, Osama Bin Laden consegue escapar em direção ao Paquistão, fugindo do seu complexo de comando e controle localizado nas montanhas de Tora Bora.
Ainda em dezembro de 2001, em uma conferência realizada em Bonn, na Alemanha, as facções afegãs vitoriosas, em especial a Aliança do Norte, concordaram em estabelecer um governo interino, liderado por Hamid Karzai. Ao mesmo tempo, a ONU estabeleceu uma operação de paz para a segurança de Cabul.
Em 2002, os EUA, na sua estratégia de “Guerra ao terror”, voltam sua atenção ao Iraque de Saddam Hussein, apontado pelos EUA como uma grande ameaça à sua segurança.
Em 2003, ao mesmo tempo em que o presidente Bush declara que a missão “foi cumprida” no Iraque, o Secretário de Defesa norte-americano Donald Rumsfeld declara que os combates mais importantes no Afeganistão estão encerrados. O país mantém apenas 8 mil soldados no terreno e a OTAN substitui a ONU na missão de estabilização do Afeganistão.
Em 2004, após a aprovação de uma nova constituição, Karzai é eleito presidente da república na primeira eleição democrática da história do Afeganistão. Três semanas após as eleições, Osama Bin Laden reaparece para o mundo, em uma declaração em vídeo transmitida pela rede Al Jazeera, na qual zomba dos norte-americanos e assume a autoria dos ataques de 11 de setembro.
Em 2005, os presidentes Bush e Karzai assinam um acordo, firmando uma parceria estratégica, que permite que os EUA tenham acesso às instalações militares afegãs na luta contra “o terror e o extremismo”. Além disso, o país firma acordos para que os EUA possam treinar, equipar, modernizar e suprir as forças militares afegãs. No mesmo ano, 6 milhões de afegãos votam nas eleições legislativas, celebradas como um marco em direção à democratização do país.
Em 2006 a violência ressurge, com um grande aumento de ataques suicidas e detonações de explosivos a distância. Os países da OTAN divergem sobre a necessidade de se mandar mais tropas para o Afeganistão.
Em 2009, o presidente Obama, recém-eleito, reafirma a centralidade do Afeganistão na guerra contra o terror e anuncia o envio de mais 17 mil soldados para o país. No final daquele ano, ao lançar uma grande ofensiva contra o Talibã, as forças norte-americanas já contam com cerca de 60 mil militares.
Em 2010, em uma conferência em Lisboa, a OTAN decide estabelecer um plano de retirada do Afeganistão. O prazo-limite para a presença das tropas da Aliança é estabelecido como sendo o ano de 2014.
Em 1º de maio de 2011, Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda responsável pelos ataques de 11 de setembro, é morto no Paquistão por tropas norte-americanas. A morte do causador do envio de tropas ao Afeganistão alimenta um acalorado debate nos EUA sobre a continuação de uma guerra que já durava dez anos. Obama anuncia planos para retirar 33 mil soldados até o verão de 2012, mas há sérias dúvidas sobre a capacidade do governo afegão de manter o controle do país face a uma insurgência tão resiliente. O presidente norte-americano também anuncia estar mantendo “conversas preliminares de paz” com o Talibã.
Em março de 2012 o Talibã se retira das negociações, acusando os EUA de não cumprir promessas de trocas de prisioneiros. Ao mesmo tempo, diversos incidentes envolvendo militares norte-americanos, como a queima acidental de alcorões e acusações de assassinatos de aldeões golpeiam a credibilidade dos militares ocidentais perante a população afegã.
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Em 2013, as tropas afegãs assumem a responsabilidade pela segurança da maior parte do país, enquanto a OTAN se mantém responsável por 95 distritos. O Talibã abre uma representação no Catar, o que desagrada o presidente Karzai, que acredita que este movimento confere legitimidade ao Talibã. Em resposta, ele suspende as negociações com os EUA.
Em 2014, Obama anuncia a retirada da maioria das tropas norte-americanas do Afeganistão, que deveria acontecer até o final de 2016. Ashraf Ghani é eleito presidente, em substituição a Karzai, e assina um acordo de divisão de poder com seu principal oponente, Abdullah Abdullah.
Em 2017, o presidente Trump declara que, embora sua intenção inicial fosse recuar, manteria as tropas no país para evitar um “vácuo de poder”.
Em 2018, o Talibã aumenta a ousadia dos ataques terroristas a Cabul, matando 115 pessoas na capital. Os ataques acontecem enquanto o governo Trump implementa seu plano para o Afeganistão, destacando tropas para a zona rural do país e lançando ataques aéreos contra laboratórios de ópio para tentar dizimar as finanças do Talibã.
Em 2019, as negociações entre os EUA e o Talibã avançam, até que, em 2020, um acordo de paz é assinado. De um lado, os EUA assumem o compromisso de retirar todas as tropas, de outro, o Talibã se compromete a não permitir que o país seja usado por terroristas. O acordo diz que as negociações intra-afegãs devem começar no mês seguinte, mas o presidente afegão, Ghani, diz que o Talibã deve atender às condições de seu governo antes de entrar em negociações.
Em 12 de setembro de 2020, pela primeira vez depois de quase 20 anos de guerra, representantes do governo afegão, do Talibã e da sociedade civil se encontram, em Doha, no Catar. As negociações ocorreram depois que o governo libertou 5 mil talibãs que estavam presos. Todos os lados disseram desejar restabelecer a paz no país após a retirada das forças norte-americanas. O governo afegão pressionou por um cessar-fogo, enquanto os talibãs exigiam o estabelecimento de um governo religioso islâmico.
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Em 14 de abril de 2021, o presidente Biden anuncia a retirada completa das tropas até 11 de setembro, data que marca os 20 anos dos atentados de 2001. “É hora de encerrar a guerra mais longa da América”, ele diz. A retirada acontecerá independentemente de haver progressos nas negociações de paz. As tropas da OTAN também abandonarão o país. Os EUA prometem continuar a “ajudar as forças de segurança afegãs e apoiar o processo de paz”.
Assim, os vinte anos de operações militares norte-americanas no Afeganistão estão prestes a se encerrar.
A maior parte do território afegão já está novamente sob o domínio do Talibã. Em três dias neste início de agosto, pelo menos três capitais de províncias também caíram sob o domínio do grupo. Muitas autoridades simplesmente abandonaram seus cargos e fugiram.
Muitos analistas consideram apenas uma questão de tempo até que o Talibã volte a dominar completamente o país. Essa parece ser também a opinião do governo chinês que, preocupado com a questão – não se pode esquecer que o Afeganistão faz fronteira com a China e que os asiáticos têm seus próprios problemas com o terrorismo islâmico na província de Xinjiang – já entabula suas próprias negociações com o Talibã, a despeito de ainda haver um governo em Cabul. O mulá Abdul Ghani Baradar, chefe do Comitê Político do Talibã, foi recebido pelo Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na cidade chinesa de Tianjin.
Planejadores militares têm sempre em mente, ao iniciar uma operação, um objetivo político e uma “situação final desejada” a ser atingida ao término das operações militares. Vinte anos depois do início das operações que retiraram o Talibã do poder, o grupo está prestes a reavê-lo enquanto as tropas da OTAN e dos EUA estão completando sua retirada. É inescapável se constatar que a situação final alcançada é bastante diferente da situação final desejada no início da guerra.
Esse fracasso advém de múltiplas causas, que passam pela dificuldade tática de se enfrentar um inimigo perfeitamente adaptado ao terreno, ideologicamente comprometido com sua causa e decisivamente engajado nos combates. Também advém das consequências econômicas da crise de 2008, que tornaram os custos da guerra muito pesados para os contribuintes ocidentais. Podem também, de alguma forma, ser creditados à dificuldade dos próprios afegãos de compreenderem como benéficas as mudanças políticas introduzidas pelo Ocidente, que no final das contas, poucas melhorias trouxeram às suas condições de vida.
A saída dos EUA deixa um vácuo que provavelmente será preenchido pela China. Inicialmente, é provável que ela apoie fortemente a reconstrução do país por intermédio de investimentos econômicos, com objetivo de dar estabilidade ao regime e, com isso, tenha uma ferramenta para pressionar o regime a impedir qualquer apoio aos separatistas uigures de Xinjiang. Em um segundo momento, embora não seja provável, caso ocorra algum recrudescimento nas atividades terroristas no interior da China, é possível que o país se engaje militarmente no Afeganistão, o que seria um passo inédito por parte dos chineses.
O Afeganistão é conhecido como “cemitério dos impérios”. A fama se deve aos reveses que Alexandre, o Grande, o Império Britânico por duas vezes no século 19 e os soviéticos, no século 20, colheram nas áridas montanhas do país. O retorno do Talibã ao poder, neste século, reforçará ainda mais o mito da invencibilidade dos afegãos diante dos grandes impérios da história.