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Mudanças climáticas e soberania

As mudanças climáticas e o aquecimento global já são percebidos como ameaças à segurança dos seres humanos há algumas décadas. A inclusão do tema nos documentos e estratégias que tratam de segurança e defesa dos principais atores políticos mundiais, entretanto, é acontecimento relativamente recente, mas de grande importância por incluir a temática na “grande estratégia” desses países.

Para além das missões clássicas dos exércitos nacionais na defesa da pátria contra ameaças externas representadas por forças militares inimigas, normalmente incluídas em um amplo espectro de atividades militares abrangido pelas “operações de guerra”, em praticamente todos os países as forças armadas têm também um papel na mitigação dos efeitos de desastres naturais, de controle de fronteiras em situações de crises de refugiados, e de manutenção da ordem e da segurança públicas em situações excepcionais, especialmente quando as forças policiais não tenham mais condições de atuar. Esse último grupo de situações congrega as chamadas “operações de não-guerra”.

É nesse contexto que as consequências das mudanças climáticas são tratadas, em razão de seu potencial para afetar a segurança das pessoas e, em consequência, as relações entre os Estados e outros atores internacionais relevantes.

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No documento NATO 2030 – United for a New Era, tornado público em novembro de 2020, a OTAN cita a expressão “mudança climática” dezenove vezes. A questão é apresentada como um dos “desafios definidores” dos tempos atuais, representando sérias implicações para a segurança e para os interesses econômicos dos 30 países que integram a aliança militar. As mudanças climáticas são identificadas como um multiplicador de ameaças, responsável pela crescente escassez de recursos – em especial a escassez de água – e pela insegurança alimentar. A aliança militar também aponta o fenômeno como gatilho para o aumento de tensões geopolíticas, para disputas sobre a liberdade de navegação no Oceano Ártico e para a intensificação do fluxo de refugiados em direção aos seus países-membros.

A Rússia, principal rival da OTAN, também incluiu o tema em sua mais recente Estratégia Nacional de Segurança. A “proteção do meio ambiente, a conservação dos recursos naturais, o gerenciamento ambiental e a adaptação às mudanças climáticas” são interesses nacionais listados no documento. A Estratégia também afirma que o intenso crescimento da produção e do consumo no mundo tem sido acompanhado por um aumento da taxa de degradação causada pelo homem sobre o meio ambiente, o que acarretaria uma mudança significativa nas condições de vida na Terra. Assim, o uso predatório de recursos naturais levaria à degradação do solo e redução de sua fertilidade, escassez de água, deterioração do meio marinho e dos ecossistemas, além de redução da diversidade biológica. A poluição ambiental estaria se intensificando, resultando em um declínio na qualidade da vida humana. Muitos países estariam, sempre segundo o documento, enfrentando uma escassez de recursos naturais. A mudança climática teria um impacto cada vez mais negativo sobre as condições da atividade econômica e do meio ambiente.

O documento russo prossegue afirmando que o desenvolvimento de uma economia verde e de baixo carbono estaria se tornando um dos principais temas da agenda internacional. O aumento da competição por recursos naturais seria um dos fatores que amplificariam as tensões internacionais e conflitos entre Estados. Após esse diagnóstico, os russos afirmam que a preservação ambiental é fundamental para a melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos e listam uma série de objetivos para que essa condição seja alcançada.

Mas é interessante notar que o documento russo também aponta a ameaça de instrumentalização da questão ambiental por países adversários: “a crescente atenção dada pela comunidade internacional à questão das mudanças climáticas e à manutenção do meio-ambiente é usada como pretexto para limitar o acesso de empresas russas ao mercado exportador, restringir o desenvolvimento da indústria russa, estabelecer o controle sobre rotas de transporte e impedir o desenvolvimento da Rússia no Ártico”.

Ao se ler os documentos da OTAN e da Rússia, fica claro que tanto a Aliança Atlântica quanto seu maior adversário reconhecem na questão ambiental e nas mudanças climáticas um desafio à segurança de seus povos, além de um estopim para o agravamento de tensões geopolíticas de outras naturezas. Além desses dois exemplos, diversos outros documentos da mesma natureza, de outros países, também dedicam ao assunto a mesma importância.

A questão ambiental e as mudanças climáticas são, sem dúvida, uma questão fundamental do nosso tempo, que afeta a segurança de todos, inclusive dos brasileiros. Ela pode e deve ser abordada desde diferentes pontos de vista, inclusive, como se vê, pelo olhar da segurança e da defesa.