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As tensões na Ucrânia

Artigo primeiramente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 20/01/2022

Desde novembro do ano passado, o mundo tem assistido ao acirramento das tensões entre a Rússia, a Ucrânia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em razão da concentração de 100 mil soldados russos, com meios blindados, artilharia e helicópteros, nas proximidades da fronteira com a Ucrânia. Dados de inteligência ucraniana e da própria aliança atlântica alertaram que os russos estariam planejando uma invasão, que poderia acontecer a partir de fevereiro deste ano. A Rússia nega a intenção de desencadear a ofensiva militar.

O emprego de forças militares de vulto, em um ataque a um país europeu soberano, mudaria o cenário de segurança da Europa de uma forma ainda não vista desde a Segunda Guerra Mundial, com consequências graves para a própria Europa e para todo o mundo.

Os EUA e seus aliados europeus, embora tenham descartado uma atuação militar direta em território ucraniano, reagiram à concentração de forças, ameaçando a Rússia de sanções econômicas “nunca vistas”, que fariam o país “pagar um alto preço pela invasão”, além de garantir que forneceriam armas, munições e materiais de emprego militar ao exército ucraniano, apoiando-o em uma eventual invasão.

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Autor – Steven Lee Myers

Em dezembro, os russos apresentaram suas exigências em um documento contendo uma proposta de tratado sobre “garantias de segurança”, entre a Rússia e os EUA. Na sequência, houve um encontro virtual entre os presidentes Putin e Biden e três reuniões foram agendadas para janeiro, as quais acabaram de ocorrer.

A primeira, somente entre os representantes dos EUA e da Rússia, a segunda, entre a Otan e a Rússia e a terceira, reunindo todos os 57 integrantes da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Interessante notar que foi apenas nessa terceira reunião que Ucrânia e Rússia tiveram oportunidade de se sentar à mesma mesa.

O resultado das negociações não apontou para a solução do impasse. Os norte-americanos propuseram aos russos o agendamento de novas conversas. Os russos falaram em “beco sem saída”. Foi um resultado previsível, uma vez que parte das exigências russas são claramente incompatíveis com a própria natureza da aliança militar que congrega os principais países do Ocidente.

As demandas russas são, basicamente, quatro: 1) que a Otan não posicione tropas em território de países que não pertenciam ao grupo em 1997, data em que a Aliança e a Rússia celebraram o “Ato de Relações Mútuas, Cooperação e Segurança”; 2) o compromisso de não instalação, pela Otan, de mísseis de curto e médio alcance em posições que os possibilitem atingir alvos em território russo; 3) que a Otan se comprometa a não se expandir para o leste, não agregando nenhuma ex-república soviética, especialmente a Ucrânia e; 4) que a Otan se comprometa a não conduzir nenhuma atividade militar no território ucraniano, bem como em outros Estados da Europa Oriental, do sul do Cáucaso e da Ásia Central. A Rússia assumiria o mesmo compromisso em faixa territorial correspondente do seu lado da fronteira.

Em resposta, os EUA e a Otan reiteraram que a política de “portas abertas” da Aliança é inegociável. A Aliança considera que, como um país soberano, cabe somente à Ucrânia a decisão de solicitar a integração ao grupo e somente aos 30 membros da organização a decisão de aceitar ou não um novo membro. Isso elimina a possibilidade de a Rússia – ou qualquer outro país que não seja membro da Otan – vetar de antemão qualquer expansão da organização em qualquer direção.

O segundo ponto inegociável é a liberdade que a Aliança arroga de posicionar tropas e material de emprego militar no território de qualquer Estado-membro, a qualquer tempo, nas quantidades que julgar necessárias. Isso evidentemente inclui os 14 países, muitos deles ex-repúblicas soviéticas, que aderiram à Otan entre 1999 e 2020.

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Apesar de se posicionar de forma irredutível quanto aos dois aspectos acima, a Otan deixou alguma margem de manobra em relação às propostas referentes ao posicionamento de mísseis de curto e médio alcance, bem como no que concerne à limitação de exercícios militares na porção leste da Europa, convidando o lado russo a agendar novas rodadas de negociações sobre esses pontos específicos.

Os russos, por sua vez, mostraram-se descontentes com os resultados, afirmando que as negociações não tinham avançado e que levavam a “um beco sem saída”. Entretanto, não fecharam as portas para futuras negociações.

É importante notar que a simples realização das reuniões já pode ser considerada uma vitória para o presidente Putin. Ele conseguiu mostrar ao mundo – e aos próprios cidadãos russos – uma Rússia forte, uma potência militar que obrigou os EUA e a Otan a negociarem em termos escolhidos pelos russos. A iniciativa das ações continua em suas mãos, podendo escalar ou desescalar a crise ao seu bel-prazer, para grande infortúnio dos ucranianos, ameaçados há meses por um poderoso exército postado à porta da antiga Rus Kievana, origem primeira da atual Federação Russa. Um nó górdio para os diplomatas ocidentais desatarem nesse início de 2022.

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