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A estratégia norte-americana no Indo-Pacífico

O governo dos EUA acaba de divulgar sua Estratégia para a Região do Indo-Pacífico. Logo na primeira frase do documento, os norte-americanos afirmam: “Os EUA são uma potência do Indo-Pacífico”. Tal afirmação se baseia em uma interpretação bastante elástica para definir os limites da área, muito mais ampla do que a habitualmente proposta pelos geógrafos, que restringem aquela região à bacia do Índico, ao Sul e Sudeste Asiático e à Oceania. Os EUA aproveitam o fato de serem banhados pelo Pacífico para definir a região como sendo a imensa área, estendida desde sua própria costa oeste até o Oceano Índico, lar de mais da metade da população do mundo, de quase 2/3 da economia mundial e de sete dos dez maiores exércitos do planeta.

Para os norte-americanos, o Indo-Pacífico é vital. Assim, eles resolveram reafirmar seu interesse na região, exatamente no momento histórico em que China e Rússia se posicionam como polos de poder mundial, declaram uma amizade mútua “sem limites” e desafiam abertamente o poderio norte-americano.

No documento, não só se ressalta a importância que a região tem para os EUA, mas também se afirma que os laços com os países da área remontariam a dois séculos, quando os norte-americanos teriam buscado estabelecer contatos comerciais na região. Tais laços teriam sido reforçados pela imigração asiática para os EUA. O documento ainda relembra a atuação de seus militares na 2º Guerra Mundial e as alianças do país com Japão, Coreia do Sul, Austrália, Filipinas e Tailândia.

A estratégia foca em cinco (5) objetivos principais, listados a seguir, os quais serão analisados na sequência:

1. Garantir que a região permaneça “livre eaberta”;
2. Construir conexões no interior e além da região;
3. Conduzir a região à prosperidade;
4. Fortalecer a segurança regional; e
5. Construir uma resiliência regional face às ameaças transnacionais do século 21.

Garantir que a região do Indo-Pacífico permaneça livre e aberta

O primeiro objetivo é um recado nada sutil aos chineses. Segundo o documento, os EUA garantirão aos países da região a tomada de decisões, consistentes com as leis internacionais, de forma independente e livre de coerção. Também ocorrerá o fortalecimento da liberdade de imprensa, das instituições democráticas e uma “vibrante sociedade civil”. A liberdade e a segurança da internet e do ciberespaço são listadas como prioridade, além da garantia do cumprimento das leis internacionais no que se refere aos mares do Sul da China e do Leste da China.

Construir conexões no interior e além da região

O segundo objetivo reforça a importância que os EUA atribuem às alianças com seus tradicionais parceiros na região, afirmando que se
pretende fortalecer as relações com outros países do Indo-Pacífico. Reafirma-se a importância da parceria com o Japão, a Austrália e a Índia no chamado “Diálogo Quadrilateral de Segurança – Quad” e se reforça a importância da Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN, afirmando-se o apoio à aproximação daquele grupo com o Quad e também com as nações do sul da Ásia. Os EUA afirmam, ainda, querer contribuir com a construção de pontes entre o Indo-Pacífico e a região Euro-Atlântica, além de estreitar a coordenação das ações dos países da região na Organização das Nações Unidas.

Conduzir a região à prosperidade

O terceiro objetivo reforça que a prosperidade dos americanos está diretamente ligada à região. O comércio entre os EUA e o Indo-pacífico somou US$$1,75 trilhões em 2020, gerando 5 milhões de empregos e os EUA pretendem estabelecer o “Indo-Pacific economic framework”, uma estrutura voltada para a facilitação do comércio, estabelecimento de padrões para a economia digital e tecnologia, criação de resiliência da cadeia de suprimentos, descarbonização e geração de energia limpa, infraestrutura, padrões de trabalho e outras áreas de interesse compartilhado.

Fortalecer a segurança regional

O penúltimo objetivo colimado pela Estratégia trata da segurança regional. O país está presente na região há 75 anos e lá permanecerá,
aperfeiçoando suas capacidades a fim de defender seus interesses e dissuadir agressões ou coerções feitas contra o próprio país ou contra aliados. O documento reafirma que o país continuará empenhado, junto com os parceiros e aliados regionais, na manutenção da estabilidade no Estreito de Taiwan. Afirma-se que a parceria de Defesa com a Índia será reforçada e que os EUA continuarão comprometidos com a
desnuclearização da Península Coreana.

Construir uma resiliência regional face às ameaças transnacionais do século 21

O quinto e último objetivo traçado é o de construir uma resiliência regional face às ameaças transnacionais do século 21. A ameaça destacada é a crise climática, cujo epicentro seria a própria região do Indo-Pacífico, área onde ocorrem 70% dos desastres naturais do mundo. Assim, os EUA se comprometem a estabelecer, junto com os parceiros da região, objetivos, estratégias, planos e políticas com vistas a limitar o aquecimento global a 1,5° Celsius. O enfrentamento da pandemia da Covid-19 também é destacado como um dos esforços que será apoiado pelos EUA.

Para implementar a estratégia e alcançar os objetivos mencionados, o documento lista ações que serão adotadas em até dois anos, reunidas em 10 linhas de esforço, as quais estão resumidas a seguir.

  1. Direcionar novos recursos para a região do Indo-Pacífico: abrir novos consulados e embaixadas, particularmente no sudeste asiático e nas ilhas do Pacífico, expandir a cooperação da Guarda Costeira norte-americana aos países insulares do Pacífico e aos do sudeste asiático
  2. Lançar a Indo-Pacific Economic Framework, uma nova parceria econômica que pretende promover e facilitar as transações econômicas, criar uma governança para a economia digital, melhorar a resiliência das cadeias de suprimentos, catalisar investimentos em infraestrutura e conectividade digital, de forma a dobrar os laços econômicos dos EUA com a região.
  3. Reforçar a dissuasão, de modo a defender os interesses dos EUA e de seus aliados na região, inclusive no Estreito de Taiwan, pelo incremento das capacidades militares, aumento das atividades militares e das iniciativas da Indústria de Defesa. Outro caminho mencionado é a busca do melhor formato para a parceria AUKUS, de modo que a Austrália tenha um submarino de propulsão nuclear no mais curto prazo.
  4. Fortalecer a ASEAN. Os Estados Unidos estão fortalecendo os laços EUA-ASEAN, inclusive promovendo uma Cúpula Especial EUA-ASEAN – a primeira a ser realizada em território norte-americano, em Washington.
  5. Apoiar o crescimento da Índia e sua liderança regional, desenvolvendo a parceria estratégica com o país, de modo a “promover a estabilidade no Sul da Ásia”.
  6. Fortalecer o Quad, de modo que o grupo trate das questões que importam para a região do Indo-Pacífico. O grupo estimulará o desenvolvimento de tecnologias emergentes, e fomentará a cooperação em diversas áreas.
  7. Expandir a cooperação trilateral entre EUA, Japão e Coreia do Sul, não somente nos assuntos relativos à Coreia do Norte e à segurança da península coreana, mas também na área de tecnologias críticas e questões de cadeias de suprimentos.
  8. Parceria para aumentar a resiliência das nações insulares do Pacífico, especialmente em relação aos efeitos das mudanças climáticas, além de colaboração em outros setores, como na tecnologia da informação e comunicações, transportes, navegação e pesca.
  9. Apoio à boa governança e à prestação de contas, apoiando ações dos governos que erradiquem a corrupção e também a sociedade civil e jornalistas para que se garanta que eles possam “expor e mitigar o risco de interferência estrangeira e manipulação da informação”. Os EUA continuarão a defender a democracia em Mianmar pressionando a junta militar a proporcionar um retorno do país à democracia.
  10. Apoiar a manutenção de uma estrutura tecnológica digital aberta, segura e confiável, especialmente garantindo diversidade de fornecedores de serviços de nuvem e de telecomunicações, inclusive por meio de tecnologias inovadoras, e aumentando a resiliência e a segurança cibernéticas.

Na conclusão do documento, o governo norte-americano afirma que sua política exterior entra em um novo período, que exigirá que os EUA se dediquem à região do Indo-Pacífico de uma forma que não lhes foi exigida desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Afirma que os interesses vitais do país na região se tornaram ainda mais claros e difíceis de proteger, e que a próxima década será decisiva para o futuro da região, dos EUA e do mundo.

Como se vê, os EUA reagem ao exponencial crescimento da influência chinesa na região, que ganhou muita velocidade com a iniciativa Belt and Road (Cinturão e Rota), que injetou bilhões de dólares em obras de infraestrutura em toda a região. Também reage à maior assertividade geopolítica chinesa, que vem desenvolvendo aceleradamente suas forças armadas, em especial sua marinha, que se projeta cada vez mais para a toda a região do Indo-Pacífico.

O lançamento da Estratégia consubstancia a reação norte-americana, demonstrando que o país não pretende renunciar a sua liderança política, econômica, militar e cultural, nem mesmo na região do Indo-Pacífico, natural área de influência da China. Mais do que isso, a Estratégia indica com clareza, que a prioridade dos norte-americanos não pode ser mais identificada na Europa ou no Oriente-Médio. Ela migrou, definitivamente, para o extremo Oriente.

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