As Ilhas Salomão são novo palco de disputa geopolítica no Pacífico
BEIJING, Oct. 9, 2019 -- Chinese President Xi Jinping meets with Solomon Islands' Prime Minister Manasseh Sogavare at the Diaoyutai State Guesthouse in Beijing, capital of China, Oct. 9, 2019. (Photo by Yao Dawei/Xinhua via Getty)
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O recente anúncio de um de acordo entre a China e as Ilhas Salomão, um arquipélago formado por centenas de ilhas localizado a cerca de 2 mil quilômetros da Austrália causou apreensão na própria Austrália, na Nova Zelândia e nos Estados Unidos.

O acordo possibilitará que a China utilize os portos da capital Honiara para reabastecimento e ressuprimento dos navios da sua marinha. O texto ainda prevê a possibilidade de a China manter efetivos militares na ilha, com a finalidade de proteger empresas e cidadãos chineses, além de um acordo que forneceria “imunidade legal e judicial” para todo o pessoal chinês.

O aumento da influência chinesa na área acende a disputa geopolítica em curso na região do Indo-pacífico. Para se compreender melhor esse fenômeno, é necessário entender as condicionantes históricas e geopolíticas das Ilhas Salomão.

O arquipélago, constituído por seis ilhas principais e centenas de ilhas menores, localiza-se a leste de Papua Nova Guiné, a cerca de 2.000 Km da Austrália.

Figura 1 – Ilhas Salomão / Fonte – Google Maps

No ano de 1900, alemães e britânicos entraram em acordo, com os ingleses efetivando seu domínio colonial sobre o arquipélago. Durante a Segunda Guerra Mundial, as ilhas foram palco de várias batalhas entre japoneses e aliados. A vitória aliada na batalha de Guadacanal, em agosto de 1942, marcou o ponto de virada do conflito naquele Teatro de Operações, com os norte-americanos freando o avanço japonês e iniciando a contraofensiva.

Somente em 1978 as ilhas se tornaram independentes do Reino Unido, passando a integrar a Comunidade Britânica. A partir do final dos anos 1990, a violência étnica tomou grandes proporções no país, com o surgimento de movimentos nacionalistas nas ilhas de Guadacanal e Malaita. Em 2001, a crise econômica tomou graves proporções e o Estado faliu, incapaz de arcar com suas obrigações.

Em 2003, a Austrália liderou uma missão de pacificação nas ilhas, denominada Missão de Assistência Regional às Ilhas Salomão (RAMSI), que contou também com tropas da Nova Zelândia e Papua Nova Guiné, além de outras nações insulares do Pacífico. Essa missão se estendeu até 2013, quando foi encerrada, com o retraimento da maior parte das tropas. Entretanto, pequenos efetivos ainda foram mantidos em missão de “assistência policial”.

Em 2019, Manasseh Sogavare, político influente desde 2000, é eleito primeiro-ministro e Salomões muda sua política em relação à China. O país, que tinha um antigo relacionamento com Taiwan, corta relações com os taiwaneses e celebra relações com os chineses. A decisão não encontra unanimidade no país. O líder político da ilha de Malaita critica com veemência a mudança e sugere que a ilha deveria buscar independência.

Visto o contexto histórico que emoldura a atual aproximação da China com o arquipélago, passemos a algumas observações de caráter geopolítico.

A China tem sua saída para o Oceano Pacífico contida por duas cadeias de ilhas.

Figura 2 – Duas cadeias de ilhas / Fonte wikipedia

As duas cadeias de ilhas foram definidas pelos EUA e seus aliados, na década de 1940, como uma forma de conter a então União Soviética e a China Comunista. Assim, tais ilhas, se mantidas dentro da esfera de influência norte-americana, serviriam de obstáculo ao avanço dos interesses dos adversários dos EUA na região do Pacífico. A primeira cadeia de ilhas compreende as Curilas, as principais ilhas do Japão, Okinawa, Taiwan, a parte norte dos arquipélagos das Filipinas, e a Península Malaia. A segunda cadeia consiste nas ilhas do Japão que se estendem até Guam e as ilhas da Micronésia.

Os chineses sabem que para se tornar um poder dominante na Ásia precisam controlar as rotas marítimas do Oceano Pacífico. Por isso, eles têm dado prioridade à sua marinha, que tem se desenvolvido de forma impressionante nos últimos anos. Ela é, atualmente, em número de navios, a maior marinha do mundo, com cerca de 350 plataformas, dentre navios de superfície, submarinos, navios de assalto anfíbio, navios-aeródromo (porta-aviões), navios anti-minas, dentre outros.

O Livro Branco de Defesa da China, de 2019, ressalta que a marinha do país está deixando o patamar de ser uma marinha que faz a “defesa dos mares próximos” para passar a ser uma marinha que cumpre “missões de proteção em mares distantes”.

A marinha é composta por seus meios navais, sua aviação e pelo corpo de Fuzileiros Navais. Dispõe de três frotas, subordinadas aos Teatros Norte, Leste e Sul. Conta com dez submarinos nucleares, sendo quatro lançadores de mísseis intercontinentais e seis de ataque, além de outros 50 submarinos convencionais. Conta, ainda, com dois porta-aviões, um deles construído localmente.

O Corpo de Fuzileiros Navais, com 8 Brigadas, tem aumentado sua capacidade anfíbia, com foco no Mar do Sul da China e em Taiwan. Além disso, eles mobíliam a base que a China mantém no Djibuti.

Apoiada nesse poderio militar, a China vem estabelecendo instalações de comunicações, campos de pouso e portos, posições fixas de armas e guarnições militares nas Ilhas Spratly, no Mar do sul da China, desde 2018.

Figura 3 – Mar do Sul da China / Fonte wikipedia

A Guarda Costeira Chinesa, por sua vez, frequentemente assedia embarcações de pesca e pesquisa de outros Estados com os quais o país disputa a posse e a exploração econômica no Mar do Sul da China. São recorrentes episódios como aquele em que um navio de guerra chinês marcou a laser um navio da Marinha das Filipinas, ou outro, em que um navio de pesquisa chinês entrou ilegalmente na zona econômica exclusiva marítima da Malásia e perseguiu um navio contratado de uma empresa estatal de petróleo daquele país. Há também casos em que navios da Guarda Costeira chinesa assediaram navios de pesca japoneses nas Ilhas Diaoyu/Senkaku, disputadas entre os dois países (e também pelos taiwaneses, que as denominam Tiaoyutai).

Figura 4 – Ilhas Senkaku/Dyaoyu / Fonte wikipedia

O assédio de navios estrangeiros de Diaoyu/Senkaku até a Península Malaia, e a militarização das ilhas contestadas, no sul, expõe a intenção e a estratégia da China de controlar a primeira cadeia de ilhas, aspiração que somente poderá ser alcançada, de fato, com o retorno de Taiwan à soberania chinesa.

O desenvolvimento de uma presença militar forte e permanente na primeira cadeia de ilhas daria à China o controle das principais rotas marítimas na Ásia e a ajudaria a se estabelecer como uma potência global dominante. Mas não seria suficiente. Projetar poder em áreas mais distantes, e além, inclusive, da segunda cadeia de ilhas, seria um passo decisivo.

A aproximação chinesa das Ilhas Salomão, quando observada em conjunto com outras ações estratégicas recentes, como a aproximação de Vanuatu, onde já se especulou a possibilidade de o país estar preparando a construção de uma base naval[1], de Papua Nova Guiné, transformada em parceira estratégica da China em 2018[2], das obras chinesas na Base Naval de Ream, no Camboja[3], além das atividades no Oceano Índico, como a aquisição do Porto de Hambantota no Sri Lanka[4], além do Porto de Gwadar, no Paquistão[5], demonstra claramente que as ambições do país vão muito além da primeira cadeia de ilhas.

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[1] Saiba mais em  https://www.smh.com.au/politics/federal/china-eyes-vanuatu-military-base-in-plan-with-global-ramifications-20180409-p4z8j9.html

[2] Saiba mais em https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/2173654/china-agrees-upgrade-relations-strategically-important-papua

[3] Saiba mais em https://amti.csis.org/changes-underway-at-cambodias-ream-naval-base/

[4] Saiba mais em https://revistacargo.pt/hambantota-sri-lanka-china/

[5] Saiba mais em https://www.revistamilitar.pt/artigo/217

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