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O fantasma do emprego de uma bomba nuclear volta a assombrar

A possibilidade de emprego de uma arma nuclear tática pelos russos, na guerra da Ucrânia, embora remota, não pode ser descartada. Antes de tratar desta possibilidade assustadora, vejamos como tudo começou.

A Era nuclear, ou atômica, teve início com o teste do primeiro artefato dessa natureza, no deserto do Novo México, nos EUA, em 16 de julho de 1945. Cerca de mês depois, os EUA lançariam as duas únicas bombas nucleares lançadas até hoje em uma situação de conflito, sobre as cidades japonesas de Hiroshima (06 de agosto 1945) e Nagasaki (09 de agosto 1945).

Em Hiroshima, apenas uma fração de segundo após a detonação, a temperatura ao nível do solo ultrapassou 7.000o C e uma poderosa onda de choque varreu a paisagem. De uma população de 343.000 habitantes, cerca de 70.000 pessoas morreram instantaneamente, e até o final do ano, o número de mortos ultrapassou 100.000. Dois terços da área da cidade foram destruídos. “Sombras nucleares” eram tudo o que restava das pessoas que haviam sido submetidas à intensa radiação térmica. Uma enorme nuvem em forma de cogumelo subiu a uma altura de mais de 12 km.

Na manhã de 09 de agosto, os soviéticos, que acabavam de declarar guerra ao Japão, já haviam invadido a Manchúria e as ilhas Sakalinas. Os japoneses, mesmo atacados em Hiroshima, não falavam em rendição. Então aconteceu o ataque a Nagasaki, com 40 mil vítimas instantâneas. No dia 14, os japoneses aceitavam os termos aliados. Era o fim da 2ª Guerra Mundial. O impacto do ataque norte-americano causou profundas transformações na forma como os estrategistas da época passaram a encarar as possibilidades de conflitos entre potências nucleares.

A estratégia atômica, ou melhor, a aplicação pela estratégia das consequências da arma atômica, produziu importantes reviravoltas na concepção do emprego das forças, sob o ponto de vista da guerra ou da manutenção da paz.

A arma atômica não é uma arma como as outras, apenas mais poderosa. Por sua potência, ela está fora de proporção com tudo que a humanidade havia conhecido até o seu desenvolvimento. Além disso, os vetores que transportam as armas nucleares podem atingir qualquer local do Globo terrestre, com precisão notável, com uma rapidez que, na maior parte das vezes, inviabiliza uma resposta defensiva. Esses vetores compõem a capacidade de lançamento de um arsenal nuclear, comumente conhecida por “tríade nuclear”. Os componentes dessa tríade são os mísseis balísticos intercontinentais terrestres, os bombardeiros estratégicos e os mísseis balísticos lançados por submarinos.

Essa característica de incomparável poder destrutivo, os terríveis efeitos da radiação nuclear, aliada ao fato de poder ser lançada sobre qualquer ponto da Terra pelos modernos meios de lançamento, criou uma situação inteiramente nova: uma única bomba passou a ser capaz de produzir os efeitos que antes só poderiam ser alcançados com enormes quantidades de bombas, granadas, aviões, canhões e obuseiros.

As bombas nucleares liberam sua energia pelos processos de fissão ou fusão nuclear, ou pela combinação dos dois processos. As bombas de fissão são comumente chamadas de bombas atômicas. As bombas de fusão são as termonucleares, ou de hidrogênio. Seu poder destrutivo é de tal magnitude, que duas unidades de medidas tiveram que ser criadas: o quiloton, que corresponde 1.000 Ton de TNT, e o megaton, que corresponde a 1.000.000 Ton do mesmo explosivo. A bomba de Hiroshima, por exemplo, era de cerca de 15 quilotons. A maior bomba já testada, a russa “Tsar”, chegou à inacreditáveis 57 megatons, potência suficiente para destruir uma grande cidade, do porte das maiores capitais do mundo.

As armas nucleares tiveram um imenso e rápido desenvolvimento durante a Guerra Fria, o enfrentamento entre os EUA e seus aliados, de um lado, e União Soviética e seus satélites, de outro, entre 1945 e 1991. Para se ter uma ideia, em 1966, o arsenal nuclear norte-americano alcançava cerca de 32 mil armas, de 30 diferentes tipos. Os soviéticos, por sua vez, em 1988 chegaram a possuir um arsenal de 33 mil bombas. Após a desintegração da URSS, seu arsenal foi herdado pela Rússia.

Mas EUA e Rússia não são os únicos países possuidores de armamento nuclear. Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel, embora este último país não reconheça, também possuem tais armas em seus arsenais.

Na Guerra Fria, cada um dos lados se deparou com a realidade de que a única maneira de evitar um ataque nuclear por parte do adversário, que certamente resultaria na destruição completa do Estado, seria impor ao oponente o medo de represálias. Para isso, era preciso possuir uma força de ataque de potência suficiente para desviar o adversário do propósito de empregar a sua força. É a chamada Estratégia da Dissuasão.

dissuasão repousa antes de tudo sobre o fator material: é preciso ter um grande poder de destruição, um alcance adequado e uma boa precisão. Outro fator a se considerar é, qual dos dois partidos será o primeiro a atirar. Este cálculo não tinha grande importância na época dos aviões relativamente lentos, porque os prazos de execução decorrentes do alerta eram tais que o ataque e a resposta se cruzavam no ar.

Com os mísseis, entretanto, não há mais dissuasão se a primeira rajada do atacante possuir capacidade de destruição tal que a resposta do defensor seja consideravelmente enfraquecida. Assim, o valor da dissuasão encontra-se ligado não à potência de fogo da força de ataque, mas à sua potência de fogo restante, após ter sofrido os efeitos da primeira rajada do defensor.

Assim, é importante o fator psicológico. O que se quer é impressionar o adversário até o ponto de impedi-lo de usar sua força de ataque. Então é preciso, antes de mais nada, ter uma capacidade de destruição tal que ele a tema suficientemente. Em seguida, é imperioso levá-lo a crer que se é capaz de desencadear uma represália em resposta, ou numa primeira rajada, qualquer que seja a hipótese.

Todos os cálculos levados em consideração para o desenvolvimento da Estratégia da Dissuasão Nuclear levavam em consideração as armas nucleares estratégicas. É sobre elas que estamos a falar até este ponto. São as armas de grande poder destrutivo que podem ser levadas pelos vetores da tríade nuclear a qualquer parte do Globo Terrestre.

Mas, e aqui começamos a nos aproximar da questão referente ao temor que envolve o atual conflito na Ucrânia, existem também as chamadas armas nucleares táticas. Elas são armas de muito menor poder explosivo, desenvolvidas para serem utilizadas no campo de batalha, mesmo na proximidade de tropas amigas ou em territórios em disputa ou contestados.

Podem ser bombas de gravidade, lançadas por bombardeiros, ou podem ser mísseis de curto alcance, granadas de artilharia, minas terrestres, cargas de profundidade, ou torpedos que estejam equipados com cabeças de guerra nucleares. Não há uma definição universalmente aceita para a potência de tais armas, mas elas podem ser bastante limitadas, de 0,5 a 5Kt, por exemplo.

Estima-se que, hoje em dia, a Rússia possua cerca de 2 mil armas nucleares táticas em seus arsenais. Dois sistemas de armas que podem conduzir em seus mísseis cabeças de guerra deste tipo são o “Kalibr”, míssil lançado a partir de submarinos e o “Iskander”, lançado de plataformas terrestres móveis.

Os russos utilizam em seus planejamentos militares uma estratégia chamada de “Escalar para Desescalar”. Tal ideia pressupõe uma ação de alto impacto — como o lançamento de uma arma nuclear tática no campo de batalha — de modo a causar tamanha repercussão no adversário, e na sua opinião pública, que ele será forçado a recuar.

A preocupação, cada vez maior, é a de que o presidente Putin, caso sinta-se encurralado, ou perceba que seus planos na Ucrânia estão falhando e pressinta que o insucesso pode ameaçar até mesmo sua permanência no poder, determine o uso de uma bomba nuclear tática como um “divisor de águas”, para reverter a situação e evitar a derrota.

Tal cálculo leva em consideração a premissa, provavelmente verdadeira, de que o uso de uma bomba atômica de pequeno porte não provocaria uma reação no Ocidente que causasse uma confrontação nuclear. Para isso, o alvo seria cuidadosamente escolhido para, mesmo provando a determinação russa de usar tal arma, causar uma destruição limitada, não muito diferente da que está atualmente em curso na guerra.

É claro que esta não é uma decisão simples e fácil de ser tomada. Putin quebraria um tabu e seria o primeiro líder a usar tal armamento desde Hiroshima e Nagasaki. Outro aspecto a ser considerado é o de que ele afirma que os povos russo e ucraniano são na verdade um só povo, o que o colocaria na absurda posição de lançar uma arma atômica contra aqueles que seriam, nas suas próprias palavras — seus compatriotas. Há ainda o fortíssimo impacto que tal atitude teria na opinião pública internacional e nos governos de todo o mundo, inclusive naqueles que lhe são favoráveis. A China e a Índia, por exemplo, teriam muita dificuldade em apoiar a Rússia em uma atitude como essa. O emprego da arma nuclear certamente significaria, portanto, o completo isolamento da Rússia no cenário internacional.

Mas, como a própria invasão da Ucrânia comprovou, Putin nem sempre toma as decisões consideradas mais racionais. Assim, é bom recordar dos conselhos dados por Sun Tzu, o autor da magistral obra Arte da Guerra, escrita há 2.500 anos. O general chinês aconselhava, no capítulo VII do livro, a quando cercar um exército, deixar uma saída, pois um inimigo aflito e sem escapatória poderá tomar medidas desesperadas para tentar sobreviver.

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