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A ameaça nuclear de Putin

No discurso feito no último dia 21 de setembro, em que anunciou a “mobilização parcial” dos meios em pessoal e material para a guerra na Ucrânia, o presidente Putin ameaçou utilizar seu arsenal nuclear: “…gostaria de lembrar àqueles que fazem afirmações sobre a Rússia que o nosso país também dispõe de vários meios de destruição e que, em alguns casos, eles são mais modernos do que os dos países da Otan. Se a integridade territorial russa for ameaçada, utilizaremos todos os meios disponíveis para proteger a Rússia e o nosso povo.” Não é a primeira vez que Putin ou outras autoridades russas acenam com a carta nuclear desde o início da guerra. Em maio, o chanceler Sergey Lavrov, já havia afirmado que o perigo de uma escalada nuclear era “sério, real e não deveria ser subestimado”.

A frase de Putin foi dita no contexto da realização dos referendos que os russos e seus proxies promoveram em quatro províncias ucranianas que atualmente se encontram parcialmente ocupadas pelas tropas russas: Lugansk, Donetsk, Zaporzhizia e Kherson. O resultado do referendo, como era evidente, decidiu pela incorporação dos territórios à Rússia, o que já foi formalizado pelo governo russo.

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Uma vez anexadas, na narrativa engendrada por Putin, aquelas áreas passaram a ser Rússia, e suas populações, “povo russo”, mesmo que toda a comunidade internacional permaneça considerando-as solo e povo ucranianos.

Assim, a guerra, na narrativa russa, deixa de ser travada em solo ucraniano e passa a ser disputada em território da própria Rússia. O emprego de “todos os meios disponíveis” passa a ser legitimado pela narrativa da defesa do próprio território. O uso da arma nuclear pelos russos deixaria de ser uma ação ofensiva, uma vez que se tratava de uma invasão de um país soberano, para ser uma ação defensiva, a defesa de seu próprio território.

É evidente que a maior parte da comunidade internacional não aceitou a anexação. Mas, para Putin, isso não faz a menor diferença. A guerra claramente não saiu como ele previa e a contraofensiva ucraniana, que causa enormes perdas em pessoal e material às suas forças armadas, já o obrigou a mobilizar tropas pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, uma medida que vem se mostrando muito impopular na Rússia. Não conquistando os objetivos iniciais e vendo sua popularidade diminuir, Putin precisa pelo menos salvar as aparências, propósito a que a anexação das quatro províncias pode servir, pois seria uma situação que poderia ser apresentada aos cidadãos russos como uma vitória.

Mas, os ucranianos já demonstraram não estar dispostos a renunciar a seus territórios e uma paz que exigisse essa condição certamente seria recusada por Kiev. Caso a ofensiva ucraniana continue obtendo êxitos, teme-se que Putin, cada vez mais acuado pelos insucessos na guerra e pelas pressões internas, resolva fazer o impensável: apelar ao seu arsenal nuclear.

Caso tomasse essa decisão, Putin ultrapassaria seu Rubicão, provocando reações por parte dos EUA, da OTAN e da Ucrânia que podem não ser exatamente aquelas que ele prevê. O mais provável é que ele fizesse isso como uma demonstração de força e de disposição para escalar o conflito, lançando um artefato nuclear tático. Há várias formas de se definir esse tipo de armamento nuclear, mas, para simplificar, basta dizer que se trata de uma arma com menor alcance e menor poder explosivo, destinada a ser utilizada no próprio Teatro de Operações, muitas vezes na presença das tropas da própria força que a utiliza.

Também se especula que os russos a lançariam sobre o mar – poderia ser no Mar Negro, por exemplo – ou em alguma região rural, pouco habitada e relativamente isolada na Ucrânia que, não nos esqueçamos, é um país de grande extensão territorial. Os russos também poderiam lançar suas bombas sobre efetivos militares ucranianos, o que exigiria a utilização de várias armas ao mesmo tempo. Em um cenário ainda mais grave, as bombas poderiam ser utilizadas contra cidades ucranianas.

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A lógica russa por trás desse ataque seria o pressuposto – correto – de que os EUA e a OTAN não desejam escalar o conflito para se contrapor diretamente aos russos. Nessa linha de raciocínio, uma ação nuclear não ensejaria uma resposta nuclear, dada a mútua destruição assegurada de um conflito dessa natureza. Mas, ao lançar as bombas atômicas, Putin tentaria demonstrar que diferentemente dos ocidentais, não temeria essa escalada e que seria exatamente isso que estaria prestes a acontecer caso a Ucrânia não mudasse de rumo e aceitasse negociar uma paz nos termos russos. Seria o que se denomina “escalar para desescalar”: levar o conflito a um nível insuportável para obrigar a rendição do inimigo.

Ocorre que mesmo no cenário mais brando, da explosão sobre o mar ou em áreas desabitadas, causando relativamente poucas baixas, essa seria uma escalada no conflito que exigiria que os principais atores do sistema internacional se posicionassem, e eles o fariam, isolando ainda mais a Rússia.

Países que tem evitado posicionar-se contra a Rússia, em especial China e Índia, certamente desaprovariam vigorosamente a ação. Embora provavelmente continuassem a manter distância do conflito, evitando envolvimentos, e provavelmente pugnassem pela imediata negociação entre as partes, eles acabariam por aderir a novos embargos e sanções contra a Rússia, deixando o país presidido por Putin completamente isolado.

Já os EUA e a OTAN, poderiam reagir, em tese, de uma das seguintes formas:

  1. Contra-atacando o território russo com armas nucleares
  2. Atacando convencionalmente as forças russas na Ucrânia ou mesmo fora daquele território.
  3. Aumentando ainda mais o apoio à Ucrânia, fornecendo mais armamentos, de tipos ainda não disponibilizados, como mísseis de longo alcance, e recursos financeiros, além de assessoria militar e de inteligência.
  4. Pressionando a Ucrânia a resolver o conflito, dando à Rússia uma saída honrosa.

As hipóteses 1 e 2 mudariam fundamentalmente a natureza do conflito, uma vez que a OTAN e os EUA passariam a estar diretamente envolvidos. A hipótese 4 é politicamente inviável, dada a solidariedade e o apoio até aqui oferecidos à Ucrânia pelo Ocidente. Mais do que isso, significaria que a chantagem nuclear teve sucesso, um desdobramento que os EUA e a OTAN não podem admitir. Assim, considero as hipóteses 1 e 4 muito improváveis. A segunda hipótese, pouco provável, somente seria adotada caso o ataque nuclear russo à Ucrânia causasse muitas e insuportáveis baixas.

Dessa forma, creio que a terceira hipótese seja a que seria adotada, à qual se somaria a organização de embargos que isolariam quase completamente a Rússia do Sistema Internacional. O problema de se aumentar ainda mais o apoio à Ucrânia em armamento convencional, é que isso poderia estimular os russos a novos empregos de armas nucleares táticas, com alvos mais relevantes, levando o conflito a uma nova e mais perigosa escalada.

Potências nucleares já foram derrotadas em guerras convencionais. Os EUA, no Vietnã, e os próprios russos, no Afeganistão. Mas a situação que se apresenta na guerra da Ucrânia é inteiramente nova pois, pela primeira vez, desde 1945, um país que detém armamento nuclear admite empregá-lo contra um adversário que não possui o mesmo recurso. Isso leva a um questionamento. Nesta circunstância, uma potência nuclear pode ser derrotada?

Por considerar que não pode, é que Putin e os seus generais acenam com a possibilidade de usar a arma atômica. Os desdobramentos, caso isso aconteça, serão gravíssimos.

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