A frase “Confie em Deus e mantenha a pólvora seca”, atribuída a Oliver Cromwell, político e militar inglês do século XVII, sugere que, embora a confiança na providência divina seja fundamental, a preparação e a ação humana desempenham papéis cruciais. Esta sábia lembrança ressalta a importância de que os homens estejam preparados tomem medidas práticas para enfrentar os desafios da vida, especialmente em tempos de conflito e incerteza.
Indubitavelmente, os tempos atuais, especialmente no contexto das Relações Internacionais, Estratégia e Geopolítica, caracterizam-se por uma notável incerteza e conflitualidade. Portanto, não é surpreendente que os líderes das potências mundiais – e aqueles mais conscientes dos riscos iminentes – estejam atentos à condição de seus arsenais, garantindo que “a pólvora esteja seca”.
Traduzindo-se a metáfora para as ações práticas da realidade, “manter a pólvora seca” implica assegurar que o aparato militar do Estado esteja plenamente operacional. No caso da OTAN, há evidências que indicam uma crescente preocupação em manter a Aliança como um instrumento de combate eficiente e eficaz, dessa forma percebido pela opinião pública ocidental mas também, e talvez principalmente, por seus principais adversários.
Os investimentos em Defesa têm experimentado um aumento significativo em escala global. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), a despesa militar global total registrou um incremento[1] de 3,7% em termos reais em 2022, alcançando um patamar recorde de 2,240 trilhões de dólares. Notavelmente, as despesas militares na Europa apresentaram o maior aumento anual em pelo menos 30 anos. Paralelamente, a OTAN anunciou recentemente um substancial incremento[2] de 12%, elevando seus investimentos para 2.03 bilhões de Euros até 2024. Esses números refletem uma clara resposta ao conflagrado ambiente geopolítico atual, destacando o comprometimento dos países membros da aliança em fortalecer suas capacidades de defesa e a prontidão para enfrentar os desafios emergentes.
Na próxima semana, a OTAN dará início ao que se tornará o maior exercício militar desde o término da Guerra Fria: o “Steadfast Defender”. As manobras militares sinalizam uma clara e renovada ênfase na preparação militar e na coordenação entre os países-membros, evidenciando a determinação da aliança em responder às ameaças percebidas. O Steadfast Defense contará com a participação de 90 mil militares, mais de 50 navios de guerra, aproximadamente 80 aeronaves e 1,1 mil veículos de combate. Destaque-se que o exercício simulará um conflito contra um “adversário de poder militar semelhante” à OTAN, sendo a Rússia o inimigo subentendido, embora não explicitamente nomeado. Este exercício, de magnitude sem precedentes, reforça a prontidão da OTAN com vistas a fortalecer sua capacidade de enfrentar desafios complexos no cenário geopolítico atual.
A intensificação da cooperação entre os países-membros da OTAN é evidenciada por recentes acordos de cooperação e planejamentos estratégicos integrados. Notavelmente, os países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia – solidificaram seu compromisso ao assinar um acordo para a construção da “Linha Defensiva do Báltico”. Este projeto visa a estabelecer uma robusta linha defensiva na fronteira entre essas nações e a Rússia, bem como com a Bielorrússia. A linha defensiva coordenará ações conjuntas dos três países, integrando medidas ativas e passivas de defesa desde os primeiros metros do território, preparando-se para eventuais incursões russas. Essa iniciativa destaca a colaboração proativa dos membros da OTAN na região, fortalecendo a segurança coletiva diante de desafios específicos e reforçando a prontidão para proteger suas soberanias.
Além dos aspectos acima citados, é crucial ressaltar as declarações públicas proferidas por líderes da OTAN, tanto civis quanto militares, sublinhando a vital importância da prontidão militar e expressando inquietações específicas relacionadas aos desafios à segurança dos países-membros da aliança. O Almirante Rob Bauer, presidente do Comitê Militar da aliança, recentemente afirmou que, embora a OTAN não busque um conflito com a Rússia, está se preparando de maneira ativa para essa possibilidade. Já o ministro da defesa da Alemanha, Boris Pistorius, disse em entrevista que a Rússia poderia atacar a OTAN em menos de uma década, alertando que os estrategistas alemães acreditam que isso seria possível em um intervalo de 5 a 8 anos a partir do fim da guerra na Ucrânia. Essas declarações refletem não apenas o reconhecimento da complexidade do cenário geopolítico atual, mas também a determinação da OTAN em reforçar sua capacidade de resposta diante de potenciais ameaças à segurança coletiva.
Em síntese, a metáfora da “pólvora seca” ressoa de maneira notável no atual cenário geopolítico, onde os líderes da OTAN demonstram não estarem dispostos a deixar os acontecimentos correrem à própria sorte atuando proativamente para a construção de um instrumento militar capaz de fazer face às ameaças. A busca pela prontidão da OTAN para enfrentar desafios é evidenciada não apenas por investimentos substanciais em defesa, mas também pela realização do exercício militar “Steadfast Defender” e pela intensificação da cooperação entre os países-membros, como observado na construção da “Linha Defensiva do Báltico”.
A resposta unificada dos líderes da aliança, expressa por declarações públicas e estratégias coordenadas, reflete a seriedade com que a OTAN encara as ameaças percebidas, principalmente as relacionadas à Rússia. O compromisso declarado de se preparar para eventualidades, destaca a postura prudente adotada pela aliança.
À medida que a incerteza e a conflitualidade permeiam as Relações Internacionais, a OTAN busca integrar a cooperação entre os países-membros e a prontidão. Esta abordagem, alinhada à sabedoria da metáfora, oferece um paradigma eficaz para enfrentar os desafios do século XXI, onde a segurança global demanda uma preparação ativa e uma diplomacia assertiva.
[1] Veja em https://www.sipri.org/media/press-release/2023/world-military-expenditure-reaches-new-record-high-european-spending-surges
[2] Veja em https://www.reuters.com/world/nato-increases-military-budget-by-12-203-billion-euros-2023-12-13/