Trump abandona aliados e abraça a Rússia

Donald Trump surpreendeu o mundo ao postar em sua rede social um comentário no qual culpava a Ucrânia pela guerra, distorcia a verdade ao chamar o presidente Zelensky de “ditador” por não ter convocado eleições no prazo previsto — apesar de seu país estar em guerra — e afirmava que os EUA tinham enviado US$ 350 bilhões à Ucrânia, um valor quase três vezes superior ao montante efetivamente enviado aos ucranianos.

Nos primeiros 30 dias de governo, a administração Trump tem adotado uma postura de confronto com aliados e aproximação com a Rússia. No entanto, essa não foi sempre a visão do presidente. Ou, se foi, seus atos no passado sugerem o contrário.

Em dezembro de 2017, durante seu primeiro mandato, Trump assinou a Estratégia Nacional de Segurança dos EUA. No documento de 68 páginas, a Rússia é mencionada 25 vezes, sempre de forma negativa. O texto alertava que China e Rússia buscavam moldar um mundo contrário aos valores e interesses dos EUA, destacando que Moscou pretendia restaurar seu status de grande potência e estabelecer esferas de influência regionais.

O documento prosseguia em seu diagnóstico, afirmando que a Rússia tinha como objetivo enfraquecer a influência dos EUA no mundo e dividir os norte-americanos de seus aliados e parceiros. Além disso, ressaltava que a Rússia via a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a União Europeia (UE) como ameaças (NSS, p. 25).

Imagem da página 25 da National Security Strategy (2017)

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Outro trecho do documento alertava para o uso, pela Rússia, de operações de desinformação como parte de seus esforços para influenciar a opinião pública global (NSS, p. 35).

Esse alerta parece mais relevante do que nunca. Segundo o presidente Zelensky, os russos tiveram êxito ao influenciar, pelo menos, um líder mundial: Donald Trump. Após a declaração do presidente norte-americano de que Zelensky contava com apenas 4% de apoio popular, o líder ucraniano rebateu, afirmando que Trump estava imerso na bolha russa de desinformação. De fato, essa alegação sobre a popularidade de Zelensky é uma das muitas narrativas falsas espalhadas pela propaganda russa na internet. Pesquisas independentes, como as realizadas pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kyiv, apontam que, apesar da queda em sua popularidade, Zelensky ainda conta com o apoio de 57% da população ucraniana[1] — um índice superior à aprovação atual de Trump entre os norte-americanos[2].

A guinada de Trump na política externa americana foi drástica. O G7 tenta elaborar um documento sobre os três anos da invasão russa à Ucrânia, mas enfrenta impasses, pois os EUA vetaram o uso da expressão “agressão russa” ou qualquer menção que atribua responsabilidade pelo conflito a Moscou.

Tudo isso favorece a Rússia e fortalece Vladimir Putin em um momento crucial. A mudança de postura que Trump impõe à política externa dos EUA desorienta aliados históricos, especialmente os europeus, que repentinamente se veem isolados diante da ameaça russa. Além disso, essa guinada inaugura uma fase de incerteza que poderá impactar outros atores estratégicos, como Coreia do Sul, Japão, Taiwan e Filipinas, que podem começar a questionar se terão dos EUA o mesmo apoio dispensado no passado. Os próximos meses e anos serão marcados por instabilidades e realinhamentos no cenário internacional, com o risco crescente de conflitos regionais e disputas de poder que poderão redefinir a ordem global.

[1] https://www.bbc.com/news/articles/c9814k2jlxko

[2] https://www.reuters.com/world/us/trumps-approval-rating-slips-americans-worry-about-economy-2025-02-19/

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