O Livro Branco da União Europeia e seus reflexos para o Brasil
União Europeia divulga Livro Branco de Defesa
1. Introdução
A comissão Europeia divulgou, no último dia 19 de março, um livro branco denominado Joint White Paper for European Defence Readiness 2030 . Ao fazer o lançamento do documento, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen declarou que “[…] A arquitetura de segurança na qual confiávamos não pode mais ser tomada como garantida. A Europa está pronta para dar um passo à frente. Devemos investir em defesa, fortalecer nossas capacidades e adotar uma abordagem proativa de segurança”(tradução nossa).
O livro branco é um esforço da União Europeia no sentido de oferecer soluções para resolver problemas críticos existentes na arquitetura de segurança europeia, bem como construir uma sólida base industrial de defesa.
O documento é divulgado no momento em que os europeus percebem que sua prontidão militar para fazer face às crescentes ameaças à segurança europeia, após décadas de investimentos baixos, está muito aquém de suas necessidades.
Esta análise tem a finalidade de destacar os principais pontos do documento europeu, concluindo sobre possíveis repercussões para o Brasil e o Exército Brasileiro.
2. O diagnóstico europeu para o atual ambiente de segurança
As duas primeiras seções do documento encarregam-se de fazer um diagnóstico que apresenta um relato bastante preocupante do ambiente de segurança europeu, enfatizando que a Europa está em um ambiente geopolítico bastante mais hostil e desafiador do que há uma década. Em tom alarmante, destaca que a Europa enfrenta ameaças crescentes por parte de atores externos
e que somente a prontidão militar proporcionará a dissuasão necessária para garantir a paz. Ao mencionar que adversários utilizam recursos e tecnologia para atingir seus objetivos estratégicos, destaca que dessa forma eles ameaçam o modo de vida democrático europeu.
O Livro Branco apresenta um sistema internacional que passa por mudanças não vistas desde 1945, que desestabilizam o equilíbrio político que emergiu do pós-Segunda Guerra e do pós-Guerra Fria. Em face a essa realidade, os europeus se veem perante uma escolha fundamental no que concerne ao seu futuro. Ou a UE age agora para moldar a nova ordem de forma a garantir sua soberania, segurança e prosperidade ou será passiva, o que trará retrocesso, divisão e vulnerabilidade.
O papel da OTAN e da UE na segurança europeia é reconhecido, mas o documento enfatiza que a Europa precisa fazer muito mais. Há uma preocupação com a mudança no foco estratégico dos EUA, que estão cada vez mais priorizando outras regiões em detrimento da Europa. Isso reforça a necessidade dos europeus desenvolverem uma defesa muito mais independente.
O documento trata o futuro da Ucrânia como fundamental para a Europa como um todo, destacando que o resultado da guerra será um fator determinante do futuro coletivo dos países do continente nas décadas que estão por vir. A China é citada como um país autoritário que “busca afirmar sua autoridade e controle sobre a sociedade e a economia” da Europa.
O Livro Branco propõe um massivo aumento nos gastos com defesa, coordenado entre os Estados-membros, visando restaurar a capacidade de dissuasão da Europa. Isso inclui: (1) reforço da base industrial de defesa; (2) desenvolvimento de inovação tecnológica no setor militar; (3) aceleração dos processos de aquisição e suprimento militar; (4) cooperação entre Estadosmembros da EU para enfrentar lacunas críticas nas capacidades de defesa.
Para isto, os europeus propõem o plano “ReArm Europe”, que estabelece um quadro para um aumento sem precedentes no investimento em defesa, com metas para 2030. Ele também propõe projetos comuns entre os Estados-membros para melhorar a interoperabilidade e garantir que a Europa tenha uma postura de defesa forte e suficiente dentro desse prazo.
Prosseguindo no diagnóstico, o documento enfatiza que a Europa enfrenta uma proliferação de ameaças que impactam diretamente seu modo de vida e estabilidade. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, acelerou essa percepção, mas o ambiente já era considerado perigoso antes disso. Essa deterioração tem efeitos negativos sobre a política, a economia e a coesão da
UE.
Os europeus consideram que a posição geográfica do continente os expõe a desafios específicos, além da ameaça russa proveniente do Leste: no Sul, a proximidade com o Norte da África e o Oriente Médio, que resultam em impactos de guerras, migração e mudanças climáticas. Ao Norte, o Ártico, que está se tornando um novo palco de competição geopolítica. À Oeste, os EUA,
que estão reavaliando sua presença na Europa, reduzindo seu papel de principal garantidor da segurança europeia.
O documento prossegue constatando que a segurança europeia está ameaçada por ataques híbridos e novas dinâmicas que envolvem: (1) terrorismo e extremismo violento; (2) crime organizado internacional e redes de cibercriminosos; (3) conexões entre esses grupos e Estados hostis, facilitadas por novas tecnologias; (4) ataques cibernéticos, sabotagem e campanhas de desinformação; (5) uso da migração como arma geopolítica.
A Rússia é retratada como a principal ameaça militar convencional à Europa. O país está conduzindo uma guerra mecanizada de alta intensidade, não vista no continente desde 1945, além de ter transformado sua economia em uma economia de guerra, com 40% do orçamento federal e até 9% do PIB dedicados à defesa em 2024 (ante a 6% em 2023). Espera-se que, em 2025, a Rússia supere o gasto militar dos Estados-membros da UE em termos de paridade de poder de compra. O documento cita o fato de Belarus, Coreia do Norte e Irã apoiarem o esforço de guerra russo, além de acusar o país de ameaçar a estabilidade dos Bálcãs, Geórgia, Moldávia e Armênia. Por fim, a apreciação sugere que se a Rússia atingir seus objetivos na Ucrânia, sua ambição territorial se expandirá para outros territórios europeus.
A China é caracterizada como uma ameaça sistêmica, distinta da ameaça russa, lembrando que a potência asiática possui um modelo autoritário incompatível com os valores da UE, além de buscar primazia econômica, tecnológica e militar e de expandir de forma acelerada suas capacidades nucleares, espaciais e cibernéticas. O documento alerta que uma mudança no status de Taiwan traria graves consequências econômicas e estratégicas para a Europa, especialmente no acesso a tecnologias críticas.
O texto aborda outros fatores de instabilidade global que impactam a segurança europeia. No Oriente Médio, a relação entre Rússia e Irã, o papel de grupos armados e a instabilidade persistente em Israel/Palestina, Síria e Líbano. Na África, os conflitos no Sahel, Líbia e Sudão, além da presença russa e chinesa. No Mar Báltico e Mar Negro, o aumento de sabotagens e ameaças à infraestrutura subaquática crítica. No Espaço, onde há uma crescente contestação da liberdade de operação europeia em domínios estratégicos.
Encerrando o diagnóstico, o Livro Branco destaca que a corrida armamentista global agora é também uma corrida tecnológica, com impacto direto na segurança e competitividade europeias. Tecnologias críticas (IA, computação quântica, biotecnologia, robótica, hipersônicos) são fundamentais tanto para o crescimento econômico quanto para a superioridade militar. O documento lembra ainda que países rivais estão investindo pesadamente em inovação, enquanto a UE precisa melhorar sua capacidade nesse campo e que a dependência excessiva de matérias-primas estratégicas pode ser explorada geopoliticamente.
3. As recomendações sobre o que fazer
3.1 Criar prontidão europeia 2030
Após fazer o diagnóstico, o documento passa a apontar as possíveis soluções para que a Europa construa uma capacidade militar suficiente para dissuadir a ocorrência de uma guerra de agressão no futuro.
Destacando o papel dos Estados-membros da UE, o documento lembra que esses continuam responsáveis por suas próprias forças armadas, incluindo doutrina, mobilização e definição de necessidades militares. Entretanto, o documento reforça a ideia de que a UE deverá ter um papel de facilitação e coordenação, sem interferir diretamente na soberania nacional sobre as forças
armadas. O documento reconhece ainda as especificidades das políticas de defesa dos Estados-Membros, respeitando diferentes graus de envolvimento na segurança coletiva.
Nesse sentido, o Livro Branco prevê que a UE criará as condições necessárias para um investimento maciço antecipado no setor de defesa, reduzindo a burocracia e garantindo previsibilidade para a indústria. A fim de aprimorar a interoperabilidade entre os Estados-Membros, o documento prevê a possibilidade de coordenação na produção e aquisição de armamentos; criação de padrões comuns para armamentos e tecnologia militares e um estímulo às compras coletivas, o que reduzirá os custos de aquisição.
Além disso, a UE pretende apoiar a criação de infraestrutura de uso dual (civil e militar), o que inclui incremento da mobilidade militar (transporte rápido de tropas e equipamentos) e dos recursos espaciais de comunicação, navegação e observação.
3.2 Completar as lacunas críticas de capacidades
Os estrategistas europeus consideram que, para efetivamente dissuadir qualquer agressão armada externa, os países devem possuir as capacidades necessárias para conduzir todo o espectro de atividades militares. Para isso, os exércitos da UE devem preencher as lacunas de capacidade hoje existentes, “em um espaço de tempo razoavelmente curto”, em estreita colaboração com
a OTAN.
O Livro Branco lista sete áreas prioritárias críticas para a construção de uma “defesa europeia robusta”.
- Defesa Antiaérea, contra todo o espectro de ameaças (aeronaves, mísseis de cruzeiro, balísticos e hipersônicos, e aeronaves não tripuladas).
- Sistemas de Artilharia de campanha e de mísseis, inclusive de longo alcance.
- Criar um estoque estratégico de munições e mísseis, por intermédio do “Plano Munição 2.0”, com capacidade de fabricação suficiente na indústria de defesa para garantir o reabastecimento oportuno.
- Sistemas de Drones e Sistemas Anti-drones, aéreos, terrestres, e navais (de superfície e subaquáticos), que podem ser operados por um ser humano ou autônomos.
- Mobilidade militar, com o desenvolvimento de uma rede paneuropeia de corredores terrestres, aeroportos, portos e infraestrutura de apoio que facilite o transporte rápido de tropas e equipamentos dentro da UE e dos países parceiros.
- Inteligência artificial, segurança cibernética e guerra eletrônica, melhorando a segurança no ambiente digital, utilizando sistemas com inteligência artificial e computação quântica.
- Sistemas estratégicos e proteção de infraestrutura crítica, com o desenvolvimento de capacidades estratégicas tais como o transporte aéreo e o reabastecimento de aeronaves, a inteligência, as operações espaciais, os meios seguros de comunicação e a infraestrutura de combustível.
O documento enfatiza a necessidade de as ações de cada um dos Estados da UE no preenchimento de cada uma das capacidades acima listadas seja feita de forma colaborativa, uma vez que a ausência dessa característica foi apontada em documentos da UE como causas de ineficiência e de custos desnecessários.
Embora os autores do texto enfatizem que a segurança de toda a Europa é importante, há um destaque especial para a fronteira oriental da UE, ou seja, os limites do bloco com a Rússia e Belarus, onde serão estabelecidas barreiras físicas e modernos sistemas de vigilância.
Ao mesmo tempo, será lançado um “Diálogo Estratégico com a Indústria de Defesa”, para que sejam discutidas formas de identificar os obstáculos regulatórios e os desafios que impedem que a indústria de defesa europeia possa responder com a máxima agilidade às necessidades dos Estados europeus.
4. A questão da guerra na Ucrânia
O documento destaca que a Ucrânia está na linha de frente da segurança europeia, e que suas necessidades de segurança permanecerão altas, mesmo depois da eventual celebração de um cessar-fogo, o que exigirá dos países europeus, de forma urgente, um aumento na assistência à Ucrânia, com o foco em duas prioridades.
A primeira será a de aumentar a assistência militar ao país invadido pela Rússia em fevereiro de 2022. Para isso, foram listados uma série de objetivos: fornecer munição de artilharia de campanha, sistemas de defesa antiaérea e drones; treinar e equipar brigadas do exército ucraniano; apoiar a indústria de defesa daquele país, bem como melhorar a mobilidade estratégica, de modo que os corredores de mobilidade europeus sejam integrados aos ucranianos. Por fim, o documento lista como um objetivo melhorar o fornecimento do acesso ucraniano aos equipamentos e serviços espaciais europeus.
A segunda prioridade listada é a de associar a Ucrânia aos esforços europeus de desenvolvimento de capacidades militares e de integração da indústria de defesa europeia. Neste ponto, o Livro Branco destaca que a guerra obrigou a Ucrânia a tornar-se um laboratório para a inovação tecnológica da indústria de defesa, e que as indústrias europeias poderiam se beneficiar de uma transferência de tecnologia de primeira mão sobre como usar a inovação para atingir a superioridade no campo de batalha.
5. Fortalecimento e inovação da Indústria de Defesa
A indústria de defesa da Europa tem, segundo expresso no documento, um papel indispensável para a prontidão da defesa da Europa, bem como para a construção de sua dissuasão. Entretanto, avalia-se que essa base industrial possui fragilidades estruturais. A primeira é a de não ter a capacidade de produzir sistemas e equipamentos na quantidade e na velocidade requeridas pelos países europeus. Outra, é a de ser muito fragmentada, atendendo primordialmente mercados nacionais, e não a Europa como um todo. Uma terceira fragilidade apresentada é a de o setor receber menos investimentos do que o necessário e ter uma excessiva dependência de fornecedores externos.
Para fazer face a essas fragilidades, a UE propõe apoiar a indústria de defesa em seis eixos estratégicos: (1) Reforço das capacidades industriais em toda a UE. (2) Segurança no fornecimento de insumos críticos e redução de dependências. (3) Criação de um verdadeiro Mercado Europeu de Equipamentos de Defesa. (4) Simplificação de regras e burocracia. (5) Fomento à P&D e à inovação tecnológica. (6) Formação, atração e retenção de talentos especializados.
Nesse sentido, o documento propõe medidas para aumentar a capacidade produtiva da indústria de defesa, sugerindo pedidos estáveis e de longo prazo, com contratos plurianuais e aquisições conjuntas; o lançamento de uma plataforma conjunta de compra de matérias-primas críticas e o desenvolvimento de alternativas locais e apoio à diversificação de fornecedores, reduzindo riscos geopolíticos.
Propõe-se ainda um mercado europeu plenamente integrado, com harmonização regulatória, reconhecimento mútuo de certificações e facilitação de transferências intra-EU, tudo com o objetivo de se ter uma escala industrial, competitividade global e segurança do abastecimento.
O documento reconhece que tecnologias como IA, computação quântica, conectividade segura, robótica, energia alternativa e armas hipersônicas estão transformando a guerra e que a UE deverá encontrar meios de fomentar o desenvolvimento desses campos, investindo em tecnologias de uso dual e na formação de talentos e mão-de-obra qualificada.
6. Aumento dos investimentos em Defesa
A seção 7 do Joint White Paper for European Defence Readiness 2030 apresenta a estratégia para impulsionar significativamente os investimentos em defesa na Europa, considerando que o atual nível de gasto, apesar do aumento recente, ainda é insuficiente frente às ameaças e à comparação com EUA, Rússia e China.
O panorama atual dos investimentos é apresentado da seguinte forma, desde 2021, os gastos de defesa dos Estados-Membros da UE aumentaram 31%, alcançando um nível recorde de €102 bilhões, quase o dobro do que em 2021.
Apesar disso, os estrategistas europeus alertam que a UE ainda gasta menos que a Rússia ou a China, sendo necessário um investimento maciço e sustentado, público e privado, para reconstruir a capacidade de defesa europeia.
Nesse sentido, está sendo lançado o plano “ReArm Europe”, com cinco pilares para aumentar os investimentos de defesa da Europa de forma urgente e significativa:
- Criação de um novo instrumento financeiro (Security and Action for Europe – SAFE) – Concessão de empréstimos aos EstadosMembros da UE, garantidos pelo orçamento do bloco, com até €150 bilhões para apoiar investimentos nacionais em defesa.
- Ativação coordenada da “cláusula de escape” do Pacto de Estabilidade – Desbloqueio dos limites de gastos para gastos em defesa, permitindo mais flexibilidade fiscal para os Estados Membros gastarem com defesa.
- Maior flexibilidade no uso de instrumentos financeiros e políticas estruturais já existentes da UE – Reorientação de fundos europeus já existentes, e destinados a outras áreas, como desenvolvimento regional, inovação e infraestrutura, para apoiar a indústria e capacidades de defesa.
- Maior envolvimento do Banco Europeu de Investimento (BEI) – Dobrar o financiamento para projetos de defesa e expandir o escopo de atuação do BEI.
- Mobilização de capital privado – Facilitar acesso a financiamento para empresas de defesa, com foco em pequenas e médias empresas, inovação e garantias contra risco.
Além dos cinco pilares acima, o documento destaca a necessidade de previsibilidade financeira, tratando de explorar novas fontes de financiamento (como o Mecanismo Europeu de Estabilidade), reforçar o próximo orçamento plurianual na área de defesa e sustentar o investimento em longo prazo.
7. Fortalecer a segurança por intermédio de parcerias
O documento prossegue, destacando que os desafios à segurança europeia, como a guerra na Ucrânia, têm implicações globais e exigem respostas coordenadas com parceiros internacionais.
Nesse sentido, os estrategistas europeus reputam a cooperação como sendo crucial para reduzir dependências externas de insumos e tecnologias, diversificar fornecedores estratégicos e desenvolver capacidades militares e fomentar inovação.
A OTAN continua sendo vista como o pilar da defesa coletiva na Europa. Dessa forma, a cooperação UE-OTAN segue sendo indispensável para desenvolver as capacidades europeias. Os Estados Unidos continuam sendo considerados aliados cruciais, mas demandam que a Europa assuma mais responsabilidade pela sua própria defesa.
O Reino Unido é visto como um aliado europeu essencial, com potencial para firmar uma parceria formal de segurança e defesa com a UE.
Outros dois aliados da OTAN externos ao bloco são citados: a Noruega, que participa plenamente dos programas de defesa da UE, e o Canadá, país com o qual o bloco tem estreitado o diálogo de segurança.
Além disso, a UE buscará manter e ampliar a cooperação com países europeus de fora do bloco, candidatos à adesão ou vizinhos, como Albânia, Islândia, Montenegro, Moldávia, Macedônia do Norte, Suíça. A Turquia merece uma citação especial, uma vez que é parceira de longa data na Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD).
Fora da Europa e da OTAN, o documento indica o desejo da UE de aprofundar a cooperação industrial e em segurança com parceiros-chave da região do Indo-Pacífico, com foco na segurança marítima, com destaque para o Japão, a Coreia do sul, a Austrália, a Nova Zelândia e a Índia.
8. O caminho a seguir
A seção final do Joint White Paper for European Defence Readiness 2030 apresenta uma convocação à ação imediata, destacando a urgência de fortalecer a defesa europeia diante de um contexto geopolítico volátil e de ameaças crescentes.
O White Paper propõe ações concretas e urgentes, a serem tomadas já nos próximos meses:
- Ativação da “Cláusula de Escape Fiscal” pelos Estados-Membros até abril de 2025.
- Adoção urgente do regulamento SAFE, para financiar investimentos em defesa com €150 bilhões.
- Aprovação do Programa Europeu da Indústria de Defesa (EDIP), incluindo apoio à Ucrânia.
- Revisão do Fundo de Desenvolvimento Regional da UE, permitindo redirecionamento voluntário de recursos para defesa.
- Meta de 40% de compras conjuntas de defesa, conforme a Estratégia da Indústria de Defesa Europeia (EDIS).
- Novo pacote de apoio militar à Ucrânia, com foco em artilharia, defesa aérea e treinamento.
- Integração da indústria ucraniana de defesa no Mercado Único Europeu e extensão de corredores de mobilidade militar até a Ucrânia.
- Ampliação do apoio do Banco Europeu de Investimento (BEI) à indústria de defesa.
- Início de um Diálogo Estratégico com a indústria de defesa, com participação da Agência Europeia de Defesa (EDA) e do Estado Maior Militar da UE.
- Proposta de um pacote de medidas para simplificar as regras para empresas de defesa que operam na Europa, a fim de ajudá-las a ter melhor acesso ao financiamento e facilitar a produção e a aquisição, chamado “Defence Omnibus”, até junho de 2025.
- Apresentação da Rota Tecnológica Europeia para Armamentos, com foco em tecnologias avançadas de uso dual.
- Comunicação conjunta sobre Mobilidade Militar, com propostas legislativas até o fim de 2025.
O documento conclui com um apelo à construção de uma “União de Defesa”, capaz de proteger os cidadãos europeus, defender os interesses e valores da UE e reforçar a resiliência estratégica da Europa diante de um mundo mais perigoso.
A mensagem final do documento indica que a UE deve fazer escolhas ousadas e responder ao desafio histórico de construir uma Europa segura, soberana e preparada, por dever para com seus cidadãos, seus aliados na OTAN, a Ucrânia e os valores democráticos que representa.
9. Reflexos para o Brasil
O Livro Branco divulgado pelos europeus oferece dois grandes eixos de reflexão estratégica para o Brasil, representando tanto alertas sobre vulnerabilidades internas quanto oportunidades de cooperação, aprendizado e inserção em um novo cenário global de segurança.
9.1 Oportunidades de cooperação
O esforço da União Europeia para fortalecer sua base industrial de defesa — com foco em inovação, tecnologias emergentes e redução de dependências externas — abre espaço para o Brasil buscar parcerias tecnológicas e industriais, especialmente nas áreas de uso dual. Nesse sentido, vislumbra-se como sendo possível o surgimento de oportunidades de cooperação nas áreas de inteligência artificial, robótica, cibernética, guerra eletrônica, sistemas não tripulados, dentre outros.
Com o objetivo europeu de diversificar fornecedores e reduzir dependências, há espaço para o Brasil se posicionar como fornecedor confiável de insumos críticos, componentes ou até produtos acabados para a indústria de defesa europeia, sobretudo em áreas como minerais estratégicos (nióbio, terras raras, etc), produtos químicos e metais especiais, dentre outros. A abertura da UE a “parceiros com valores semelhantes” e a busca por novas parcerias pode ser uma oportunidade para o Brasil, por exemplo, realizar exercícios conjuntos, missões de paz, transferência tecnológica ou formação e intercâmbio militar, dentre outros.
9.2 Alertas para as vulnerabilidades brasileiras
O Livro Branco parte do reconhecimento de que a Europa viveu décadas de subinvestimento em defesa, o que comprometeu sua capacidade de dissuasão. Essa constatação serve como alerta direto ao Brasil, que enfrenta desafios orçamentários crônicos no setor de defesa.
A proposta europeia de desenvolver infraestrutura de uso dual (civil e militar), como corredores logísticos, portos, aeroportos e redes de comunicação, é um exemplo relevante para o Brasil, que também tem vasto território, infraestrutura frágil e vulnerabilidades logísticas.
O documento analisado reconhece que a dependência excessiva dos europeus de terceiros comprometeu sua segurança. O Brasil, que historicamente buscou certa autonomia estratégica, deve refletir sobre seu atual estágio de autonomia estratégica, considerando reforçar esse princípio em suas políticas de defesa e indústria. Nesse sentido, parece claro a necessidade brasileira de
aprimorar suas capacidades próprias em áreas críticas (produção de munição, sensores, sistemas de comando e controle) e aumentar a resiliência em setores chave como energia, cibernética e mobilidade estratégica. Além disso, o incremento da interoperabilidade entre as forças armadas brasileiras, e também com parceiros sul-americanos, dentro do conceito de se buscar uma dissuasão extra regional, parece igualmente relevante.
REFERÊNCIAS
Joint White Paper for European Defence Readiness 2030, divulgado em 18 de março
de 2025 pela Comissão Europeia. Disponível em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_25_793
Dois documentos muito interessantes, que merecem atenção: Relatório Niinisto, disponível em https://commission.europa.eu/document/5bb2881f-9e29-42f2-8b77-8739b19d047c_en e Relatório
Draghi, disponível em https://commission.europa.eu/topics/eu-competitiveness/draghi-report_ en#paragraph_47059
Este artigo foi originalmente publicado na página eletrônica do
Centro de Estudos Estratégicos do Exército