Este artigo foi originalmente publicado no jornal O Estado de S, Paulo no dia 25 Março 2020
O acrônimo VUCA (Volatility/volatilidade, Uncertainty/incerteza, Complexity/complexidade, Ambiguity/ambiguidade), criado por T. Owen Jacobs, no livro Strategic Leadership: The Competitive Edge, popularizou-se entre os estudiosos do fenômeno da liderança a partir de sua adoção pelo War College, do Exército dos EUA, na década de 2000. Os termos servem para definir as principais características do ambiente na Era da Informação, que influenciam os líderes nos níveis político e estratégico na tomada de suas decisões.
A volatilidade se manifesta pela extrema velocidade dos acontecimentos, pela natureza efêmera e dinâmica das relações, que exigem constantes adaptações e realinhamento de planejamentos e estratégias. Lembra que, nos dias de hoje, mesmo a informação mais atual pode ser insuficiente para subsidiar uma adequada tomada de decisão. Reforça que líderes devem estar em condições de se antecipar aos acontecimentos, preparando-se para as mudanças que virão.
A incerteza, causada pela volatilidade, demonstra que é impossível deter todas as informações acerca de uma situação. Ela advém das múltiplas soluções e alternativas que competem entre si e, via de regra, causa atrasos no processo de tomada de decisões, uma vez que aumenta a quantidade de opiniões discordantes sobre o que vai acontecer no futuro.
A complexidade deriva da dificuldade de entendimento das múltiplas interações, entre os múltiplos fatores, que impedem que se identifique com clareza relações de causa e efeito. A complexidade, assim como a volatilidade, contribui para o aumento da incerteza.
Finalmente, a ambiguidade caracteriza-se por ser um tipo especial de incerteza. Ela decorre do fato de que diferentes grupos sociais podem ter distintas interpretações sobre um mesmo acontecimento. Isso em razão de diferenças de perspectivas, discordâncias ideológicas, discrepâncias culturais.
A crise causada pela pandemia da COVID-19 apresenta claramente todas essas características, obrigando os líderes das esferas governamentais e privadas, em todo o mundo, a decidirem sob estresse e pressão. Não é uma tarefa fácil, mas as ações de enfrentamento da crise definirão consequências sociais, econômicas, políticas, diplomáticas e militares.
Apesar do ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo, procurar antever os cenários pós-crise é fundamental para que os líderes criem uma visão de futuro e trabalhem no sentido de estabelecer prioridades e promover as mudanças necessárias à adaptação que a nova realidade exigirá.
No sistema internacional, as organizações multilaterais e intergovernamentais devem sair enfraquecidas, uma vez que foram incapazes de apresentar soluções. O fechamento das fronteiras entre a Alemanha e a França, principais líderes da União Europeia, é emblemático nesse sentido.
A COVID-19 chega em um momento em que os EUA estão se retraindo do cenário internacional. A reorganização das relações internacionais em um mundo com menor presença norte-americana, especialmente no Oriente Médio, abre espaço para uma reorganização que retorna a um modelo semelhante ao da guerra fria, de “esferas de influência”. A pandemia acirra a disputa entre EUA e China, uma vez que desorganiza relações comerciais e gera disputas por influência no campo psicossocial, com reflexos inclusive em terceiros países, que passam também a ser palco dessa disputa.
O agravamento de crises já em curso é outro efeito da pandemia: a violência crescente na região do Sahel, no norte da África; a emergência alimentar causada pelas nuvens de gafanhotos que destroem as plantações da região da Somália, e já migram para o Oriente Médio; a guerra civil no Iêmen e na Síria, com suas enormes quantidades de refugiados; a crise do petróleo, motivada pela baixa intencional dos preços pela Arábia Saudita, que ameaça prejudicar ainda mais as já muito debilitadas economias do Irã e da Venezuela. Todos esses são exemplos de crises que, apesar de terem desaparecido dos noticiários, se intensificam a cada dia.
A desorganização da economia mundial talvez seja a mais grave consequência no plano das relações internacionais. A redução drástica do consumo e da produção industrial, além do desarranjo das cadeias globais de suprimentos, podem fazer as corporações transnacionais repensarem seus padrões produtivos, com profundas modificações no atual modelo de comércio internacional. Isso para mencionar apenas alguns aspectos do cenário que se aproxima.
Segundo a teoria geopolítica chamada “Desafio e Resposta”, desenvolvida pelo sociólogo inglês Arnold Toynbee, em 1934, as civilizações que aceitaram e venceram os desafios, representados por obstáculos e inferioridades, sobreviveram e se desenvolveram. Além disso, o autor afirmou que “o estímulo humano aumenta de força na razão direta da dificuldade”. Espera-se que, desafiadas, as lideranças de todo o mundo, em todos os níveis, nas esferas governamentais e privadas, saibam encontrar as melhores respostas.