A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mais poderosa aliança militar da história, acaba de publicar um documento[1] com análises e recomendações elaboradas por um Grupo de Trabalho designado especialmente para essa tarefa pelo Secretário Geral da Organização.
Ao grupo, foi solicitado que se dedicasse a encontrar formas de aumentar a unidade, coesão, solidariedade e coordenação entre os países-membros da Aliança. Além disso, o grupo também deveria buscar maneiras de reforçar o papel político da organização, além de indicar instrumentos para enfrentar as ameaças atuais e futuras, tudo isso tendo o ano de 2030 como horizonte temporal.
De início, o relatório diagnostica que o ambiente estratégico atual é caracterizado pelo retorno à rivalidade sistêmica, com a Rússia apontada como persistentemente agressiva e a China, como potência emergente. O ambiente ainda é marcado pelo surgimento acelerado de tecnologias disruptivas e pela elevação de ameaças e riscos transnacionais de toda a ordem.
O retorno à competição geopolítica é definido como sendo a principal característica do ambiente internacional de segurança. A Rússia é mantida no posto de principal ameaça à OTAN. O país é acusado de continuada agressão à Ucrânia e à Geórgia, ao mesmo tempo em que se volta para o Atlântico Norte e para o Oceano Ártico. Além disso, os russos estariam ampliando suas ações de guerra híbrida, com o objetivo de atuar no interior dos países da Aliança, para dividi-los e erodir sua coesão social. Os russos são ainda acusados de usar proxies e mercenários para atuarem em defesa de seus interesses em países do Norte da África e Oriente Médio.
Em relação à China, o documento aponta que sua maior assertividade constitui um desafio bastante diferente daquele representado pela Rússia. Embora os chineses não sejam considerados, no presente, uma ameaça militar direta à área Euro-atlântica, sua agenda internacional se apoia cada vez mais em seu peso econômico e crescente poderio militar. Isso indicaria que, em breve, os interesses chineses poderão colidir com os dos países da Aliança. Sua estratégia de fusão civil-militar presente no desenvolvimento tecnológico nas áreas nuclear, naval e de mísseis, para dar alguns exemplos, é um fator complicador, como demonstra a disputa que a China trava com países europeus na tecnologia de internet de 5ª geração.
O terrorismo tem sido, e permanecerá sendo, uma das ameaças mais imediatas aos países da Aliança e aos seus cidadãos. Embora o combate ao grupo Estado Islâmico tenha sido exitoso ao reduzir a capacidade de atuação daquele grupo, que vinha se constituindo na principal origem das ameaças terroristas, outros atores não-estatais motivados por extremismos religiosos ou políticos permanecem atuando.
Nos próximos dez anos, as tecnologias disruptivas representarão, tanto oportunidades, quanto ameaças à segurança dos países aliados e de suas populações. Essas tecnologias mudarão a natureza da guerra, possibilitando, por exemplo, ataques com misseis hipersônicos e operações de natureza híbrida ainda mais efetivas. A guerra estará cada vez mais presente no domínio espacial.
Sempre segundo as conclusões do relatório, mudanças climáticas poderão acelerar a escassez de recursos e gerar insegurança alimentar. Maiores efetivos populacionais sofrerão com a falta de água. Os níveis dos oceanos poderão se elevar. Tudo isso poderá aumentar ainda mais os fluxos de migrantes e refugiados em direção aos países da OTAN. O derretimento da calota polar ártica aumentará as disputas geopolíticas pelo controle das rotas marítimas comerciais que passarão a ser viáveis no Norte.
Para enfrentar essa realidade, o documento faz 138 recomendações. Dentre essas, podemos citar a proposição de que a OTAN mantenha, em relação à Rússia, uma dupla abordagem, ao mesmo tempo dissuasória e aberta ao diálogo. No que se refere à China, os aliados devem devotar muito mais recursos, tempo e ações para fazer face aos desafios de segurança impostos pelo gigante asiático.
Para o enfrentamento do terrorismo a Aliança deve prover recursos adequados ao fortalecimento dos sistemas de segurança cibernética e de defesa contra ameaças hibridas.
Quanto ao armamento nuclear, ao mesmo tempo em que o relatório aponta a necessidade do fortalecimento do controle desse tipo de arsenal, indica que a dissuasão nuclear deve ser mantida.
Outra recomendação relevante do documento é a de se criar um centro de excelência em segurança climática. As ameaças não militares à segurança, tais como as oferecidas pelo clima, mas também de outros tipos, como as pandêmicas, devem receber maior atenção da organização.
Enfim, o documento alerta os países membros da Aliança acerca dos muitos, variados e complexos riscos que se apresentam no curto espaço de tempo que nos separa de 2030. Mais uma vez os estrategistas alertam para o ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo que caracteriza o atual momento do Sistema Internacional.
Para nós, que estamos aqui na América do Sul, a leitura do documento é interessante não somente pela análise de cenário e pelas conclusões, mas também por desnudar a maneira de pensar dos formuladores das estratégias da Aliança. Quando 2030 chegar, é provável que nem todas as previsões se confirmem. Mas há uma boa possibilidade de que algumas já tenham se tornado realidade. Como seremos afetados? Estaremos prontos? São boas perguntas, para as quais não se deve ter necessariamente respostas. O importante é que, acompanhando cenários como os descritos no documento da OTAN, sejamos capazes de conhecer melhor as ameaças e nos preparemos adequadamente para as múltiplas possibilidades que o século XXI nos reserva.
[1] Disponível em https://paulofilho.net.br/wp-content/uploads/2020/12/Relatorio-OTAN.pdf
Muito preciso e objetivo o texto, o comentário tem a característica de ter um fundo estratégico de uma conclusão real e não alarmista, sem se descuidar daquilo que, para nó brasileiros deve ser o foco … a preparação estratégica para o futuro “próximo” ! Parabéns Paulo Filho