Essa é uma pergunta que vem sendo feita com cada vez mais frequência, em razão da vertiginosa ascensão política, econômica e militar da China e de sua retórica cada vez mais assertiva no sentido da inevitabilidade da reincorporação da ilha de Taiwan – que os chineses consideram ser uma província rebelde – à plena soberania chinesa.Muitas análises já foram produzidas sobre o tema, com resultados divergentes. Há os que alertam para a grande probabilidade de um conflito armado, que inexoravelmente envolveria os Estados Unidos, e há os que apostam em uma solução pacífica, na qual todos os interesses seriam acomodados.
Gosto muito do estudo feito por Graham Allison e sua equipe, descrito no livro “A Caminho da Guerra”, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca. Já escrevi um artigo sobre o livro, disponível aqui no blog, para os que queiram saber um pouco mais sobre aquela análise. Nele, Allison apresenta sua teoria, batizada de “Armadilha de Tucídides”, para descrever as tensões geradas pela ascensão de uma potência e o desafio que ela passa a representar para a potência estabelecida. Allison conclui que a guerra não é inevitável, mas a dinâmica de escalada de tensões pode sim, levar a um conflito de grandes proporções.
O atual comandante norte-americano no Indo-Pacífico, Almirante Philip Davidson, declarou a uma comissão do Senado de seu país, no início de março, que acreditava que a China invadiria Taiwan nos próximos seis anos. Certamente o Almirante Philip tem acesso a dados e informações que podem tê-lo levado a uma conclusão tão peremptória. Por outro lado, pode-se também considerar que o cenário apresentado pelo Almirante contribui para conscientizar o Senado do seu país da necessidade de se alocar recursos para as forças desdobradas no Oriente.
Ainda assim, as atividades militares chinesas na região estão intensas, o que reforça o cenário de guerra. No início deste mês, uma Força-tarefa aeronaval liderada pelo porta-aviões chinês Liaoning cruzou o estreito ao sul da ilha de Okinawa e ao norte de Taiwan, em seu caminho para o Pacífico. Neste exato momento, a marinha do país está realizando um exercício de tiro nas proximidades do arquipélago das Ilhas Pratas, controladas por Taiwan, mas também reclamadas pela China. O exercício se iniciou após a incursão simultânea de 25 aeronaves militares chinesas na chamada “Zona de Identificação Aérea” taiwanesa. Essas incursões, praticamente diárias no último ano, já se tornaram rotina. O que chamou atenção, desta vez, foi a quantidade de aeronaves, dentre as quais caças e bombardeiros, a maior registrada até hoje.
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Entretanto, uma invasão militar da Ilha de Taiwan seria uma tarefa muito difícil, mesmo para os chineses. A escolha militar mais óbvia seria por uma operação anfíbia, ou seja, os chineses teriam que conquistar uma praia no litoral de Taiwan – uma “cabeça de praia” – para, a partir dela, realizar a conquista da Ilha. Acontece que a geopolítica mais uma vez se impõe, determinando muitos fatores complicadores dentro do campo militar.
Taiwan dista cerca de 160 Km do litoral da China. Isso significa que a Força-Tarefa Anfíbia, composta pelas Unidades Navais e pela Força de Desembarque, levaria cerca de 5 horas para atravessar o Estreito de Taiwan até chegar à Área de Objetivo Anfíbio, onde ocorreria o assalto e a conquista das cabeças de praia.
Esse tempo de deslocamento aniquilaria a surpresa, um fator essencial nesse tipo de operação. Durante boa parte de seu deslocamento, as forças chinesas estariam sujeitas a um intenso bombardeio da artilharia taiwanesa, o que certamente cobraria, logo de início, um preço muito alto das forças chinesas.
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Outro fator muito favorável aos taiwaneses é a geografia da ilha. Em sua porção leste, o terreno é montanhoso e rochoso. As escarpas muitas vezes se aproximam bastante do mar, praticamente retirando a possibilidade de um assalto anfíbio naquela porção da ilha. Assim restariam poucos locais – estima-se em apenas 12 – passíveis de serem escolhidos pelos chineses para serem os objetivos anfíbios. É evidente que as Forças Armadas taiwanesas estão fortemente preparadas e com todos os planejamentos prontos para a defesa desses locais, o que tornaria a luta pela conquista dessas praias uma verdadeira carnificina.
Outras possibilidades militares clássicas seriam as operações aeromóveis ou aeroterrestres, nas quais a invasão seria iniciada por tropas paraquedistas ou tropas de assalto transportadas por aeronaves. De qualquer maneira, mesmo que um assalto dessa natureza seja exitoso, os suprimentos e reforços necessários à conquista da ilha exigiriam um esforço logístico tremendo, muito difícil de ser executado.
Mais um aspecto importante é a autolimitação de meios a que a China está submetida em relação à Taiwan. Seu arsenal nuclear, por exemplo, é inútil, uma vez que é impensável a utilização desse tipo de arma contra aquele que eles consideram ser seu próprio território. Além disso, o emprego de armas nucleares fatalmente retiraria a legitimidade da ação chinesa, tanto perante a comunidade internacional quanto perante sua própria população.
Restaria aos chineses a opção de ações indiretas, como a conquista dos arquipélagos de Quemoy e Matsu, sob controle de Taiwan, mas praticamente colados à China continental, e de Pescadores, a 2/3 do caminho. As primeiras conquistas (Quemoy e Matsu), poderiam causar menos reação internacional. Já a conquista do arquipélago de Pescadores causaria forte reação, mas é um objetivo bem menos complicado que a Ilha principal, possibilitaria uma progressiva aproximação dos meios, e serviria de ensaio para as operações futuras. Não se deve esquecer que as Forças Armadas chinesas não possuem experiência de combate real. Sua última campanha militar foi em 1979, contra o Vietnã, e não se pode considerar que tenha sido um sucesso. Nesse contexto, uma ação preliminar, uma espécie de ensaio, seria importante tanto para os comandantes, quanto para as forças chinesas no teatro de operações.
Outra ação indireta seria a larga utilização da guerra híbrida, com ações na chamada “área cinzenta”, abaixo da linha da guerra. Propaganda, guerra cibernética, pressões econômicas, infiltração de agentes subversivos visando à desestabilização do governo taiwanês, todas essas são ações possíveis de serem implementadas desde já, e provavelmente algumas delas já estão em andamento. Um exemplo atual desse tipo de ação é a que a Rússia patrocina na região de Dombass, leste da Ucrânia.
Ponderadas as dificuldades militares, certamente conhecidas dos estrategistas chineses, resta saber se elas serão suficientes para conter o ímpeto político. Afinal, a decisão de ir à guerra não é dos militares e, sim, dos políticos.
Xi Jinping já divulgou, em diversos documentos, seu “Sonho chinês”, que consiste, basicamente, em devolver à China seu papel predominante na Ásia, retirado pela intromissão das potências europeias no século 19, restabelecer o controle de todos os territórios chineses, onde se inclui a questão de Taiwan, e exigir que a China seja respeitada como uma potência perante as demais potências mundiais e organismos internacionais. Como se vê, Taiwan é a principal peça que falta para a construção do sonho chinês de Xi Jinping.
Allison alerta em seu livro que potências emergentes normalmente são superconfiantes, embriagadas por sua sequência de sucessos. Tucídides, o historiador grego que escreveu “A história da Guerra do Peloponeso”, lista a “honra” como uma das principais causas daquela guerra. Esse conceito pode ser interpretado como a ideia que o Estado faz de si mesmo, suas convicções sobre o reconhecimento e o respeito que merece receber dos demais Estados, seu “orgulho nacional”.
Muitas vezes na história, sentimentos como esses levaram à guerra, superando quaisquer análises estratégicas, operacionais ou táticas dos militares. Talvez sejam esses os fatores preponderantes na análise feita pelo Almirante Philip Davidson ao prever a invasão de Taiwan para os próximos seis anos.
Excelente narrativa, nos resta aguardar e esperar um desfecho favorável a soberania de Taiwan.
Obrigado pelo comentário!
Muito bom. A atual escalada chinesa esta no movimento de ganhar velocidade e ascendência, não o contrário. Logo se nenhum evento a convence-la do contrário chegará o momento que a dissuassão de Taiwan e dos seus aliados na região podem não surtir mais efeito (imaginando a via nuclear como uma via bloqueada para ambos os lados)
Muito obrigado pelo comentário, meu amigo Professor Tassio. Parabéns pelo excelente trabalho no Instituto Meira Mattos da ECEME!
Vamos acompanhar os acontecimentos e esperar que a razão prepondere nos processos de tomada de decisão dos líderes envolvidos.
É o que esperamos! Obrigado!
Acredito que um dos principais intuitos da China em Taiwan, é o interesse nos microchips ou semicondutores, uma tecnologia extremamente importante atualmente. Taiwan é um dos principais produtores do mundo dessa tecnologia. A China vem planejando sabotagem para colocar em prática, para posteriormente entrar em um conflito direto.
Sempre tive curiosidade em saber como poderá ser um ataque chinês à ilha.
Gostei demais da texto.
Mas não seria inevitável um ataque aéreo inicial pra depois tentar o desembarque anfíbio?
Parabéns novamente
A permanência americana no controle e na proteção de Taiwan fere a honra e põe um objetivo ao povo chinês, que além de jamais desistir da recuperação do território subtraído, tem um tempo e usa um relógio próprios. Mas farão o possível para superar todo este problema sem guerra, apesar de constantemente mostrar que não tem preço para a reconquista. Por mais que venham a possuir os meios militares para a solução, tentarão sempre outras medidas. O problema é se os americanos saberão entender esta linguagem chinesa, os quais, creio é que começarão com as hostilidades.
Tawan e o grande divisor de aguas, a comunidade internacional nao aceitara a invasao de Tawan, esse e o cenario em que a America sempre se baseia, desta forma nunca esta so, nem rema contra a mare! Definitivamente a China nao estar preparada para isso! A Russia por sua vez podera dar um apoio, simbolico, pois tambem teme uma China muito forte no seu quintal!!