Livro branco das forças armadas chinesas – 2019

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Íntegra do relatório do Pentágono sobre a China

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O combate aos ilícitos na faixa de fronteira

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A sociedade brasileira devota grande importância ao assunto segurança pública. Formadores de opinião, autoridades dos três Poderes da República (nos níveis federal, estadual e municipal), militares, policiais, além de cidadãos comuns são fortemente impactados pelo tema, tanto em razão de suas responsabilidades e atribuições funcionais, quanto pela sensação de insegurança vigente.Nesse contexto, a criminalidade urbana é a que mais repercute na sociedade, sendo, portanto, a que mais preocupa. A situação atual exige a adoção de medidas urgentes e eficazes que façam frente aos altos índices de violência, à presença de armas de grande calibre nas mãos de criminosos comuns, ao narcotráfico, à presença nacional de organizações criminosas e à situação carcerária caótica.As ações estatais que visam a coibir a criminalidade devem ocorrer em todo o território nacional. Entretanto, a faixa de fronteira ganha especial destaque, em razão de suas especificidades. Isso ocorre em decorrência da repercussão dos chamados ilícitos transfronteiriços sobre a criminalidade em geral. Delitos como o tráfico internacional de armas, de munições e de drogas cometidos nas fronteiras potencializam a violência dos grandes centros.




Por que os principais países do mundo estão investindo em suas forças blindadas

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As notícias, a verdade e a guerra

Na guerra, a verdade é a primeira vítima.
Ésquilo

As notícias que nos chegam em tempo de guerra são quase sempre
Contraditórias; na maior parte das vezes, confusas. As mais numerosas
são, em grande parte, sofrivelmente suspeitas.
Clausewitz

Na cacofonia da guerra, separar informação de opinião, boato ou propaganda nunca foi uma tarefa fácil. Desde o pai da tragédia grega, Ésquilo, cinco séculos antes de Cristo, passando por Carl Von Clausewitz, magistral teórico da guerra do século 19, até os dias atuais, em que cada celular, nas mãos de cada indivíduo afetado pela tragédia dos combates, transforma transeuntes comuns em uma fonte de informações, esta é uma realidade inegável.

Os mais recentes conflitos, transmitidos praticamente ao vivo pela internet, são somente a mais recente constatação desse fato. Tomemos por exemplo a guerra que ocorre neste exato momento na região de Nagorno-Karabakh, entre Azerbaijão e Armênia. A profusão de vídeos, relatos, análises e reportagens sobre o conflito, se interpretada literalmente, nada esclarece, muito pelo contrário, torna impossível o entendimento e a análise da guerra. Desinformação, análises equivocadas, ou simples mentiras se misturam a notícias verdadeiras e análises embasadas em argumentos sólidos.

Diferenciar umas das outras é uma tarefa árdua. Nesse sentido, são emblemáticos os vídeos de games populares, em que a artilharia antiaérea derruba aeronaves em sequências de cadências de tiros inacreditáveis e trajetórias de voo que desafiam as leis da física, espalhados pelas redes sociais como sendo cenas reais do campo de batalha.

Para se entender esse fenômeno com alguma propriedade, é necessário que se compreenda que aspectos culturais interferem na compreensão da construção das narrativas midiáticas e no jornalismo. E que a melhor ferramenta de que os leitores/ouvintes/espectadores dispõem é o desenvolvimento de um pensamento crítico capaz de refletir sobre as diferentes versões da realidade que se apresentam, de forma a analisá-las à luz de seus variados contextos socioculturais e históricos, suas intenções e objetivos, sejam estes ostensivos ou encobertos.

Seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. Toda ação social (aí incluída também a guerra, é claro) é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam, não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas interpretativos que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas, e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às ações humanas e nos permitem interpretar as ações alheias, constituindo, em conjunto, o que pode ser definido como sendo as nossas culturas[1].

Assim, é impossível analisar as notícias que nos chegam em tempo de guerra sem a compreensão da fundamental importância da cultura como mediadora dos relatos das partes envolvidas e mesmo dos observadores externos encarregados de sua cobertura midiática. Afinal, os fatos certamente serão relatados à luz de interpretações humanas, sujeitas a influências culturais das mais diversas ordens.

Além de considerar o aspecto cultural, é importante que se verifique o conceito de “narrativa dominante”, qual seja, a percepção majoritária da opinião-pública de uma sociedade imersa em um conflito, ou mesmo da comunidade internacional, ou das potências regionais ou extrarregionais que detêm a capacidade econômica ou militar de interferir nos destinos de um conflito armado. O controle dessa chamada narrativa dominante é objeto de permanente disputa pelas partes em conflito. Esse é um dado da realidade, amplamente documentado, presente na doutrina de emprego militar dos principais exércitos do mundo.

A importância do estudo da narrativa está na necessidade de se estabelecer a diferença entre as representações factuais e fictícias do mundo.

O jornalismo é – ou deveria ser – um exemplo de narrativa objetiva, onde se buscaria representar fielmente o real. Mas isso nem sempre é fácil, ainda mais quando se tem a tarefa de tentar relatar fielmente o que está acontecendo em uma guerra. Essa dificuldade, ou impossibilidade mesmo, de se representar os fatos fielmente, é explicada não só pela cultura, como abordamos acima, mas também pela sobreposição de três narradores, ou três vozes, na comunicação jornalística. A primeira é a do veículo jornalístico, a segunda é a do jornalista e a terceira, da personagem. Esses três narradores vivem uma relação mais tensa do que harmônica e a força de cada um deles se refletirá na configuração final do que será publicado.[2]

No conflito ou na guerra, a disputa desses três narradores será também influenciada pela tentativa, pelas partes em conflito, de fazer sobrepujar sua narrativa. Assim, os exércitos em guerra buscam atuar sobre os três narradores da comunicação jornalística, de modo a influenciá-los. Mas não somente isso. Tentarão também atuar diretamente sobre a opinião pública, de forma ostensiva ou velada.

De uma perspectiva puramente militar, da lógica do conflito, essa é a coisa certa a se fazer, uma vez que a opinião pública nacional e internacional é decisiva para o resultado da guerra. Nesse sentido, o caso mais emblemático é o da Guerra do Vietnã, que poderia ter ser vencida até com alguma facilidade no campo militar, e foi perdida quando a opinião pública norte-americana se colocou em posição contrária à continuidade da guerra.

Na segunda Guerra do Golfo, em 2003, Muhammad Saeed al-Sahhaf era o Ministro da Informação do governo iraquiano. A ele cabia fazer prevalecer a narrativa de seu país sobre o andamento do conflito. Suas entrevistas eram tão descoladas da realidade que ele logo foi apelidado de “Comical Ali”. O exemplo caricato mostra o insucesso da estratégia. Mas na maioria das vezes o trabalho é bem feito e o público nem mesmo percebe que ele está ocorrendo, ainda mais nos tempos de mídias sociais, fake news e pós-verdades. Convido o leitor a fazer uma experiência. Acesse as informações sobre a guerra de Nagorno-Karabakh primeiro pelas fontes armênias, depois pelas azeris, e as compare. Tenho certeza de que parecerão dois conflitos diferentes. Outro exemplo pode ser o conflito de fronteira entre Índia e China, ocorrido recentemente. O resultado será o mesmo.

Assim, é essencial que o leitor/ouvinte/espectador externo, não diretamente envolvido no conflito, entenda que para além do conflito bélico, também há em curso, sempre, uma guerra de narrativas, na qual o seu coração e sua mente são o objetivo a ser conquistado.

Retornando-se à questão que abre este artigo, qual seria, então, a melhor ferramenta disponível para que o cidadão comum enfrente essa cacofonia informacional presente sempre que há um conflito?

O pensamento crítico parece ser a melhor ferramenta de que dispõe o público em geral para lidar com a desinformação, a dúvida, a orquestração, as versões contraditórias e as fakes news[3] que surgem da montanha de dados e informações que emergem dos conflitos.

Pensar criticamente significa avaliar atentamente argumentos feitos por outros e construir bons argumentos por si mesmo. Exige um certo grau de ceticismo e permanente contestação dos fatos apresentados. O leitor/ouvinte/espectador deve perguntar-se constantemente: de onde vem essa informação? Quem a produziu é capaz (tem conhecimento suficiente, tem acesso aos dados e informações) de informar tal fato? As evidências apresentadas permitem que se chegue à conclusão descrita? Qual é o interesse do produtor da informação, qual seu partido no conflito? A fonte é primária ou está apenas retransmitindo o que foi produzido por outros?

Mas reconheça-se que a tarefa é árdua, especialmente considerando-se a tal “pós-verdade”. A Universidade de Oxford a elegeu como a “palavra do ano” de 2016, definindo-a como algo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A luta interior daquele que quer se aproximar da verdade também é contra suas próprias emoções e crenças pessoais. Há, portanto uma pergunta ainda mais difícil a se fazer: creio nessa informação porque ela é verdadeira ou porque ela simplesmente reforça minhas crenças pessoais, preferências ou desejos?

Ésquilo e Clausewitz continuam a ter razão. A verdade é a primeira vítima da guerra. E para que o leitor/ouvinte/espectador não seja a segunda, só conheço uma ferramenta: o pensamento crítico.

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[1] A definição de cultura aqui apesentada é de Stuart Hall, no texto “A centralidade da cultura”.
[2] As três personagens aqui apresentadas foram definidas por Luiz Gonzaga Motta, na obra “Análise crítica da narrativa”.
[3] O termo fake news, ou notícia falsa, em português, é mais antigo do que aparenta. Segundo o dicionário Merriam-Webster, essa expressão é usada desde o final do século XIX. O termo se tornou popular em todo o mundo para denominar informações falsas que são publicadas, principalmente, em redes sociais.




MUDANÇAS NA GEOPOLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO

Árabes e israelenses já foram à guerra várias vezes desde 1948, ano da criação de Israel. A recorrência dos conflitos armados e a chamada Questão Palestina mantiveram a rivalidade entre eles como a principal questão geopolítica do Oriente Médio na segunda metade do século 20 e no início deste século 21. Entretanto, acontecimentos recentes indicam que essa situação começa a mudar.

No intervalo de cerca de um mês, em acordos intermediados pelo governo norte-americano, que foram batizados de “Acordos de Abraão”, os governos de Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein celebraram tratados de normalização das relações diplomáticas entre os dois países árabes e Israel. As duas nações juntaram-se, dessa forma, ao grupo que até então era composto por apenas outros dois países: Egito e Jordânia, como nações árabes que mantém relações diplomáticas normais com os israelenses.

É evidente que um acordo desse tipo pode ser comemorado, afinal, é mais uma oportunidade para a paz na região. Além da troca de embaixadores, da ativação de voos diretos e da intensificação das trocas comerciais, há vários outros campos onde pode haver oportunidades de integração com benefícios mútuos, como turismo, agricultura, ensino e pesquisa, cultura, tecnologia, telecomunicações e muitos outros.

Mas, nem todos compartilham dessa opinião. Os mais insatisfeitos são os palestinos, que consideraram o acordo uma traição à sua causa. O ministro das relações exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, declarou que o acordo desconsiderava a decisão da Iniciativa Árabe para a Paz, segundo a qual a normalização das relações árabe-israelenses somente seria aceitável em troca do retorno das fronteiras à situação anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967, ou seja, com a desocupação israelense dos territórios ocupados na Cisjordânia e com a capital da Palestina em Jerusalém Oriental.

O fato de a Liga Árabe ter se recusado a condenar os acordos também frustrou os palestinos, porque indica que outros países do Golfo Pérsico, como Omã, ou mesmo a Arábia Saudita, podem, no futuro, tomar o mesmo caminho. Aliás, é certo que os Emirados Árabes Unidos e o Barein só decidiram por aceitar o acordo com Israel por contarem com a anuência da Arábia Saudita, potência regional com muita influência sobre os governos de ambos os países.

O Irã também declarou forte contrariedade, chamando os Acordos de Abraão de “ato vergonhoso que permanecerá para sempre na memória dos palestinos e das nações livres do mundo”. Gigante regional não árabe, cuja maioria da população é persa, o Irã trava uma guerra por procuração contra a Arábia Saudita no Iêmen desde 2015, apoiando a milícia xiita Houthi contra o governo iemenita que, por sua vez, é apoiado pelos sauditas. Além disso, a assertividade iraniana na região, caracterizada pelo apoio ao governo xiita do Iraque, ao governo do Catar, ao grupo Hezbollah, no Líbano, ao governo de Bashar al Assad, na Síria, ao Hamas, na Faixa de Gaza, bem como à diversas milícias regionais xiitas, é motivo de desconfiança da parte dos sauditas, que veem sua posição de liderança no mundo árabe cada vez mais ameaçada.

Assim, fica claro que a disputa entre Arábia Saudita e Irã pela liderança regional contribuiu, com grande peso, para que os acordos acontecessem. Do ponto de vista dos sauditas, contar com o apoio político, militar e de inteligência, mesmo que velado, dos israelenses, pode ser decisivo.

Os israelenses, por sua vez, ao se aproximarem dos sauditas, obtêm uma grande vitória geopolítica, pois tiram do centro do palco a questão palestina e empurram para a ribalta a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, que passa a ser considerada, pela comunidade internacional e, principalmente, pelos países da região, o principal problema de segurança do Oriente Médio.

Os palestinos sentiram imediatamente o enfraquecimento do apoio árabe à sua causa. A normalização das relações diplomáticas entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein serviu de estímulo para que as duas facções palestinas rivais, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, buscassem um entendimento. Em uma reunião realizada em Istambul, na Turquia, seus representantes decidiram realizar eleições nos territórios palestinos em um prazo de seis meses, para escolha do presidente da Autoridade Palestina, bem como dos integrantes do legislativo e do Comitê Central da Organização para a Libertação da Palestina. Trata-se de uma tentativa de se buscar o consenso no âmbito dos próprios palestinos, que depois de mais de uma década de disputas internas, veem sua causa enfraquecida.

O Oriente Médio passa por aceleradas transformações, com os atores regionais ganhando cada vez mais proeminência. O frágil equilíbrio geopolítico regional, construído com base nas linhas fronteiriças desenhadas pelas potências europeias, está sendo desafiado. Sua reconstrução, em bases diferentes, não será fácil.




GUERRA NO CÁUCASO



Azerbaijão e Armênia estão em guerra. O conflito de alta intensidade explodiu há seis dias, mas na verdade trata-se da continuidade de uma disputa que tem suas origens na independência dos países da antiga União Soviética, no final dos anos 1980.

Para entender as causas da guerra, suas repercussões regionais e possíveis desdobramentos, é fundamental entender o contexto político, histórico e geográfico das duas partes em conflito.

O Cáucaso é a área geográfica que divide a Europa oriental da Ásia. Trata-se de uma faixa de terra espremida entre o Mar Negro, à Oeste e o Mar Cáspio, a Leste. Seu nome é emprestado da grande cordilheira que atravessa toda a região, de leste para oeste, separando a Rússia, ao Norte, da Georgia e do Azerbaijão, ao Sul.

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Cáucaso. Fonte – http://www.asia-turismo.com/mapas/caucaso-mapa.htm

 

Na região, existem três países independentes: Geórgia, Armênia e Azerbaijão. Os dois primeiros são considerados, normalmente, europeus, enquanto o último normalmente é vinculado ao continente asiático. Além dos três países, as partes vizinhas mais próximas de Rússia, Turquia e Irã também podem ser consideradas como parte do Cáucaso.

Armênia, Azerbaijão e Geórgia eram repúblicas da antiga União Soviética (URSS). A independência desses países ocorreu no final da década de 1980, durante o processo de esfacelamento soviético. Após a independência, o impasse sobre a região de Nagorno-Karabakh explodiu. O enclave tem sua população majoritariamente armênia mas localiza-se em território reconhecido internacionalmente como sendo azerbaijano. Esta é uma situação herdada do tempo em que toda aquela área era URSS, quando o governo central entregou o enclave ao Azerbaijão.

O descontentamento da maior parte dos moradores da região, que não se consideram azerbaijanos, levou ao conflito, travado entre 1988 e 1994 e que foi interrompido com um saldo de 30 mil mortes, por meio de um acordo de cessar-fogo que não resolveu politicamente a questão. Desde então diversas escaramuças fronteiriças vêm ocorrendo, com o Azerbaijão tentando retomar o controle sobre o autodeclarado (mas que não reconhecido por nenhum país, nem mesmo a Armênia) Estado de Nagorno-Karabakh.

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Conflito em Nagorno Karabakh. Fonte – BBC

 

Dessa forma, há cerca de uma semana, o conflito ressurgiu, desta vez com alta intensidade. As imagens divulgadas por todas as mídias mostram colunas de blindados, artilharia, aviação, sistemas de aeronaves remotamente pilotadas (SARP), enfim, o pleno emprego dos meios militares à disposição das partes em conflito. Como em qualquer guerra, como já disse Clausewitz, “as notícias que nos chegam da guerra são quase sempre contraditórias, na maior parte, também falsas. As mais numerosas são em grande quantidade sofrivelmente suspeitas.” Assim, no calor do momento e entre as campanhas de desinformação e de operações psicológicas de ambos os lados, o mundo vai tomando conhecimento das operações militares no terreno. Entretanto, pelo que se pode vislumbrar através da bruma da guerra, e em uma avaliação bastante preliminar, o emprego dos SARP e o apoio decisivo dos turcos aos azerbaijanos talvez desequilibre o poder de combate em favor dos últimos.

As potências regionais e globais vão se alinhando às partes em conflito, sempre na defesa de seus próprios interesses. A Turquia e a Rússia são os principais atores externos envolvidos e, mais uma vez, assim como na Líbia e na Síria, estão em lados opostos. Os turcos apoiam abertamente os azerbaijanos, com quem possuem grande identificação histórica, linguística e cultural. Mas também há fortes interesses econômicos. O Azerbaijão é parceiro da Turquia na operação do gasoduto Transanatoliano, uma alternativa de fornecimento energético que reduz a dependência turca em relação ao gás russo.

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Gasoduto TANAP. Fonte – https://www.researchgate.net/figure/The-TANAP-TAP-and-Nabucco-pipelines_fig1_322927029

 

Já os russos, que integram juntamente com Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão uma aliança militar com a Armênia, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), e já têm problemas na Líbia, Síria, Ucrânia e Bielorrússia, não parecem muito dispostos a se engajar decisivamente em um conflito no Cáucaso.

Assim, vê-se que a resposta calculada da Rússia frustra a Armênia, cuja solicitação formal de apoio militar à OTSC não foi atendida até o momento, em contraste com o decisivo apoio turco aos Azerbaijanos.

Os EUA, completamente concentrados em suas questões internas e nas eleições presidenciais, não passaram de exortações protocolares pela paz. A Europa, com o presidente Macron à frente, assim como as Nações Unidas, também fizeram declarações em favor da paz que não alcançaram qualquer resultado prático.

Assim, parece que a solução do conflito dependerá de as partes envolvidas chegarem a um acordo, ou da ação da Turquia e Rússia. Mais exatamente de até onde os russos tolerarão a expansão da influência turca, também naquela região.

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O RELATÓRIO DO PENTÁGONO SOBRE A CHINA



Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas.
Sun Tzu

Os EUA construíram a mais poderosa máquina de guerra que o mundo já conheceu. E todo o Exército, para se manter no topo, precisa conhecer perfeitamente seus possíveis inimigos. Aliás, isso já era ensinado pelo chinês Sun Tzu, há 2,5 mil anos.

O Ministério da Defesa dos EUA acaba de enviar ao Congresso seu relatório anual sobre a China. É a 20ª edição do estudo, que analisa cuidadosamente as políticas e estratégias chinesas na área de Defesa e acompanha o desenvolvimento material e doutrinário do Exército de Libertação Popular (ELP).

Com 200 páginas, o documento constata que o ELP se fortaleceu e se modernizou em quase todas as dimensões possíveis. Há alguns aspectos, inclusive, em que as capacidades militares chinesas já superam as capacidades norte-americanas.

De início, o relatório descreve a estratégia chinesa, que tem por objetivo levar o país, no ano de 2049, centenário da revolução que levou o Partido Comunista ao poder, ao “Sonho Chinês”, descrito pelo presidente Xi Jinping: uma posição de prosperidade, força e liderança no cenário internacional.

Para atingir esse objetivo, a estratégia define que a completa “reunificação” da nação chinesa é inegociável, o que significa o retorno de Taiwan à plena soberania da China e a total reintegração de Hong Kong e Macau. O relatório também destaca uma postura crescentemente assertiva no campo da política exterior chinesa, em especial nos últimos anos, momento em que o poder militar chinês passou a ter melhores condições de respaldar as aspirações do país.

O desenvolvimento econômico chinês é central para que o país atinja seus objetivos de modernização em todas as áreas, inclusive a militar. Sempre segundo o entendimento do Pentágono, o governo chinês utilizaria como principais ferramentas de indução econômica as iniciativas “One Belt, One Road”, de investimento em infraestrutura, “Made in China 2025”, de fomento ao desenvolvimento tecnológico e industrial, bem como políticas protecionistas, além de ferramentas de “coerção econômica”.

Ao se concentrar nas forças armadas chinesas, os analistas norte-americanos destacam seus esforços de modernização, com vistas a se tornarem forças de “classe mundial”, em 2049. Isso significa ser proficiente no combate terrestre, naval, aéreo, bem como nos ambientes espacial, de guerra eletrônica e cibernética. O documento alerta que a China já teria alcançado paridade – e mesmo ultrapassado – as capacidades militares norte-americanas em várias áreas, em especial nas capacidades de construção naval, na de mísseis balísticos convencionais e de cruzeiro e nos sistemas integrados de defesa antiaérea.

São seis as forças armadas chinesas, todas elas integrantes do ELP e subordinadas diretamente ao Comitê Militar Central do Partido Comunista Chinês. Além do exército, marinha e força aérea, o país conta com a “Força de Foguetes”, responsável pelos mísseis balísticos convencionais e nucleares; com a “Força de Apoio Estratégico”, encarregada de centralizar as operações espaciais, cibernéticas, eletrônicas e psicológicas e a “Força Conjunta de Apoio Logístico”,  incumbida do apoio logístico integrado a todo o ELP.

Nos últimos anos, o esforço chinês em aumentar o nível de prontidão para o combate é evidente. Os exercícios conjuntos e em larga escala têm alcançado níveis cada vez mais altos de complexidade. Os cenários dos treinamentos são cada vez mais realistas, com utilização de tecnologias de simulação e a presença de uma “força azul” inimiga que avalia com rigor e exige cada vez mais do desempenho dos comandantes em todos os níveis.

Além disso, a China mantém uma capacidade nuclear suficiente para dissuadir qualquer ataque ao seu território. Essa capacidade está baseada na crença de que o país seria capaz de preservar seu armamento nuclear de um primeiro ataque e, em retaliação, contra-atacar com seu arsenal.

O ELP tem ampliado sua atuação global. Uma maior presença em missões de ajuda humanitária, escoltas navais de comboios mercantes, operações de paz da ONU, intercâmbios militares, venda de armamentos e exercícios militares multinacionais são as ferramentas mais visíveis dessa projeção de poder.

A análise detalhada do documento elaborado pelo Pentágono para o Congresso norte-americano é um exercício interessante para todos aqueles que se dispõem a entender a dinâmica das relações entre os dois países, em especial as preocupações do estamento de defesa dos EUA. É evidente que um documento dessa natureza sempre é redigido com a intenção de demonstrar a grande quantidade de recursos necessária para se manter as forças armadas norte-americanas na posição de liderança global em que se encontra hoje. E é o congresso daquele país que detém a chave do cofre. Mas trata-se de um estudo baseado em dados e argumentos sólidos, que desvela de forma acurada o poderio militar chinês.




Por que os homens lutam?



Os gregos lançavam-se contra o inimigo com inteiro desprezo pela vida, mas vendendo-a a alto preço […] Mas os bárbaros, atacando-os sem trégua uns de frente, depois de haverem posto abaixo a muralha, e os outros por todos os lados, depois de os terem envolvido, aniquilaram a todos.[1]
Heródoto

A cena, narrada por Heródoto, retrata a Batalha das Termópilas, na qual os “Trezentos de Esparta”, liderados por Leônidas, resistiram até a morte ante a invasão persa, no ano de 480 AC. A história, recontada muitas vezes, chegou ao grande público no filme “300”, de Zack Snyder, em 2006.

A imagem de um grupo de guerreiros lutando até a morte, renunciando às possibilidades de fuga e permanecendo em combate até a morte certa, intrigou e intriga a muitos pensadores que se debruçaram sobre o assunto. Militares, estrategistas, psicólogos, etnólogos e antropólogos, políticos e cidadãos comuns se perguntam desde a antiguidade até os dias atuais quais são as causas e as motivações que levam os homens a lutar. Em 401 AC, o grego Xenofonte já aludia à “força da alma” como condição para combater e vencer. Aproximadamente na mesma época, na China, Sun Tzu ressaltava a importância da “lei moral” que motivava os soldados a lutarem por seus exércitos. Napoleão Bonaparte comparava a “força moral” e a “força física” de um exército na proporção de três para um em importância para o sucesso na batalha.[2]

A partir dos séculos 19 e 20, com o desenvolvimento das ciências sociais, estudos e experimentos melhor sistematizados passaram a se debruçar sobre as motivações (ou a “força da alma”, “lei moral” ou “força moral”, referidas anteriormente) dos seres humanos, incluindo-se aí os motivos para a guerra, os elementos culturais dos conflitos e as dinâmicas que envolvem a violência. As próprias circunstâncias históricas contribuíram para esse interesse. O mundo era sacudido por revoluções e guerras, incluindo-se as duas guerras mundiais que vitimaram dezenas de milhões de pessoas e afetaram praticamente todo o planeta.

Duas figuram icônicas do século 20 chegaram a se corresponder[3] sobre o assunto: Albert Einstein e Sigmund Freud. “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra?”, perguntou o físico ao psicanalista, em 1932, apenas seis anos antes da invasão nazista à Áustria.

Em sua resposta, Freud afirma que a violência humana é inerente à condição biológica do homem, manifesta-se em todos os conflitos de relação a partir do processo mais remoto de socialização.

Além disso, recorre à sua teoria, na qual assevera que o homem é mobilizado por dois instintos ou pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos.

Assim, por serem as pulsões inerentes ao ser humano, seriam inúteis as tentativas de se eliminar as tendências agressivas do homem. Como se vê, Freud tem uma noção naturalista da violência, por conseguinte, da guerra. Lembra Leroi-Gourhan[4], segundo quem a agressão como comportamento, isto é, o uso da violência, relaciona-se à humanidade como espécie.

Na resposta à Einstein, Freud prossegue afirmando que uma comunidade humana só se mantém unida graças a duas coisas: a coação da violência e o estabelecimento de vínculos afetivos, tecnicamente chamados de “identificações”, que unem seus membros.

Dessa forma, ele concorda com o físico (que em sua missiva já havia sugerido a ideia) de que somente uma espécie de “governo mundial” que ao mesmo tempo criasse tais identificações e tivesse suficiente poder de coação, ao qual se conferiria a solução de todos os conflitos de interesses, poderia preservar a paz entre as nações.

Como observador atual, é impossível deixar de notar que a ONU, criada no pós-guerra para abolir a guerra entre as nações, falhou miseravelmente em seu intento. Talvez justamente por não conseguir criar as chamadas “identificações” e, por isso mesmo, nem de longe se colocar como uma autoridade supranacional capaz de mediar conflitos com êxito.

Outra pensadora que se dedicou ao estudo dos conflitos e da violência foi Hannah Arendt. Sua posição acerca da permanência do fenômeno da guerra descarta um desejo secreto de morte da espécie humana, ou um instinto de agressão irreprimível, ou os sérios perigos econômicos e sociais do desarmamento. Segundo a pensadora, a razão seria o simples fato de que não teria aparecido na cena política esse “árbitro final”. Ou seja, embora discorde da teoria freudiana acerca da existência, nos seres humanos, de um impulso inato à violência, Arendt concorda que a ausência de uma instância arbitral externa é a causa principal para a permanência dos conflitos armados.

Ela prossegue, exemplificando. Diz que a destruição mútua assegurada, situação de impossibilidade de existência de um vencedor em uma guerra nuclear entre as superpotências, retirou a atratividade da atividade bélica, e que a partir daquele momento, ela previa, as guerras seriam restritas aos países subdesenvolvidos, incapazes de desenvolver armamentos nucleares ou biológicos.

Neste ponto é importante destacar o momento histórico em que Arendt escreve. Era o final da década de 1960. Na França, na Tchecoslováquia, nos EUA e em outros lugares havia um clima de revolta estudantil, muitas vezes violenta. Os EUA estavam mergulhados no atoleiro da Guerra do Vietnã e vivia-se o auge da Guerra Fria, acontecimentos que, evidentemente, influenciaram sobremaneira as ideias da pensadora.

Mas, retornando à reflexão de Arendt, ela concorda com Fanon[5] e Gray[6], quando estes afirmam que em uma ação militar, como na revolucionária, o individualismo é o primeiro valor que desaparece. Em seu lugar passa a existir um tipo de coerência de grupo, de nexo mais intensamente sentido e muito mais forte, ainda que menos duradouro, que todas as variedades de amizade civis ou particulares. Está a se tratar da irmandade no campo de batalha. De todos os niveladores, a morte é o mais potente. Mas, no enfrentamento coletivo e em ação, a morte troca sua personalidade; nada parece ser mais capaz de intensificar a vitalidade dos sujeitos como sua proximidade. De alguma forma, esses passam a crer que a própria morte é acompanhada da imortalidade potencial do grupo a que eles pertencem. Essa compreensão passa a ser o centro de suas experiências.

Passados 2500 anos da Batalha das Termópilas e mais de meio século desde as reflexões de Freud e Arendt, e apesar de toda a experiência acumulada pela humanidade, o mundo permanece um lugar conflitivo. Como James Hillman[7] apontou, “a guerra é normal”, afinal é constante e universal. Na verdade, as soluções apresentadas por Einstein e Freud para o fim das guerras não se mostraram eficazes. A ONU, uma tentativa de esboçar uma “autoridade mundial”, que arbitrasse as relações interestatais e impedisse a guerra, como se vê diariamente, fracassou nesse sentido. A “mútua destruição assegurada”, descrita por Arendt, embora tenha servido de dissuasão para que a guerra final entre as superpotências nucleares não ocorresse, não impediu essas mesmas superpotências de travarem diversas outras guerras regionais.

A resposta à pergunta do título parece estar na complexidade das relações humanas, nos sentimentos de perda e de justiça, de honra e de frustração; na lealdade atávica que os seres humanos, profundamente gregários, devotam às suas comunidades, suas cidades, suas nações, suas civilizações.

Ao fim e ao cabo, somos os mesmos, seja nas Termópilas, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial ou nas comunidades Nuer investigadas por Evans-Pritchard[8]. Consideramos estrangeiros todos os que não pertencem às nossas comunidades. E, como tais, potenciais inimigos.

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[1] Heródoto. História. Livro VII
[2] Exemplos reunidos pelo General Fernando Goulart no livro “Ação sob fogo!”
[3] Leia a carta aqui (em inglês)
[4] Citado por Pierre Clastres, em Arqueologia da violência (2004)
[5] Frantz Fanon, The wretched of the Earth (1961)
[6] J. Glenn Gray, The Warriors (Nova York, 1959)
[7] James Hillman, A terrible love of War (Nova York, 2004)
[8] Edward Evans-Pritchard, (2008). Os Nuer.



O FUTURO DA BIELORRÚSSIA



A Bielorrússia está sendo sacudida por uma onda de protestos contra o presidente Alexander Lukashenko. Os milhares de manifestantes exigem a renúncia do presidente, que se mantém no poder há 26 anos, acusando-o de fraudar o pleito eleitoral do último dia 9 de agosto. O resultado oficial, que não foi reconhecido por seus vizinhos na União Europeia, apontou uma vitória de Lukashenko com 80% dos votos.

O presidente bielorrusso, por sua vez, reprime violentamente os protestos, coloca suas forças armadas em prontidão e acusa a União Europeia de fomentar uma “revolução colorida” para derrubá-lo e a OTAN de aproximar suas tropas das fronteiras de seu país. Não há nenhum indício de que a OTAN tenha feito tal movimento, mas a intenção de Lukashenko é clara: lembrar Putin de que a Bielorrússia é a porta de entrada da Rússia para a aliança militar ocidental.

Nesse ponto, para se tentar antever os próximos acontecimentos políticos na Bielorrússia, é interessante se consultar um mapa da Europa Oriental. Com ele nas mãos, uma primeira informação salta aos olhos: se você estivesse em Varsóvia, Berlim ou Paris e quisesse ir de carro a Moscou, certamente o caminho mais curto seria pela Bielorrússia, mais especificamente por sua capital, Minsk.

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Fonte – http://www.asrie.org/2020/01/why-belarus-matters-now-minsk-moscow-crisis-and-the-opportunities-for-eu-and-china/

E a história já ensinou aos russos, em várias oportunidades, que exércitos podem marchar por esse caminho. Como já escreveu Tim Marshall, no excelente livro Prisioneiros da Geografia, você pode pensar que ninguém pretende invadir a Rússia, mas não é isso que os russos acham, e com razão. Nos últimos quinhentos anos eles foram invadidos várias vezes a partir do Oeste. Quase todas as vezes, o caminho utilizado foi a Bielorrússia.

Desse modo, fica fácil entender por que aos governantes russos ao longo da história, incluindo Vladimir Putin, interessa saber quem estará sentado no gabinete presidencial em Minsk. Lukashenko tenta convencer Putin de que ele é o sujeito ideal, acusando os manifestantes de estarem a serviço de uma trama do ocidente e denunciando que a OTAN estaria às suas fronteiras.

A atuação militar russa na Ucrânia, com a anexação da Crimeia, em 2014, serve de alerta para a comunidade internacional de que os russos poderiam atuar militarmente também na Bielorrússia. Mas há algumas diferenças importantes. Se na Ucrânia, russos e ocidentais disputavam – e ainda disputam – esferas de influência, uma vez que naquele país a população está dividida entre pró-ocidentais e pró-russos, o mesmo não ocorre na Bielorrússia, onde a grande maioria da população, inclusive os manifestantes, são muito mais próximos, por laços históricos, culturais e linguísticos de russos do que ocidentais. Russos e bielorrussos são todos integrantes da mesma “civilização ortodoxa”, em conflito permanente com a “civilização ocidental”, de acordo com a teoria proposta por Samuel Huntington em “O Choque das Civilizações”. Desse ponto de vista, arriscar uma ação militar na Bielorrússia não faria sentido, uma vez que um novo governo provavelmente não afastaria o país da esfera de influência russa.

A hipótese da solução pela via política, desconsiderando qualquer ação militar, é reforçada por outro exemplo recente: o caso da Armênia, onde, em 2018, irromperam diversos protestos. Os manifestantes, a exemplo do que acontece agora na Bielorrússia, acusavam o então primeiro-ministro e por duas vezes consecutivas presidente, Serge Sarkissian, de tentar perpetuar-se no poder. Onze dias depois do início dos protestos, Sarkissian renunciou, abrindo caminho para uma solução política para a crise.

Mas, também em relação ao caso da Armênia, há uma diferença marcante. Lukashenko não dá nenhuma demonstração de que estaria disposto a deixar o poder. Pelo contrário, no último domingo, se deixou filmar a bordo de um helicóptero, sobrevoando o local da concentração dos manifestantes, vestindo um colete tático/balístico e portando a tiracolo um fuzil Kalashnikov. Estava acompanhado de seu filho, um adolescente de 16 anos, que a exemplo do pai, portava colete e fuzil, além de estar usando capacete balístico. A mensagem transmitida pelas imagens não poderia ser mais clara: demonstrar a indisposição de Lukashenko em deixar o poder.

Além de todos os aspectos elencados, há ainda que se destacar a sempre crucial questão econômica. A Rússia é o destino de 46% das exportações bielorrussas e origem de mais da metade das importações do país. Além disso, a Bielorrússia é altamente dependente do petróleo e do gás natural russos, importado a preços subsidiados. A dependência econômica é mais um fator a indicar que qualquer novo governo que porventura substitua o atual não poderá se afastar da esfera de influência russa em direção ao ocidente.

Parece evidente que a Rússia vai desempenhar um papel central no destino de Lukashenko. Um cenário otimista seria algo que se assemelhasse ao ocorrido na Armênia, onde a alternância de poder exigida pela população foi alcançada e a Rússia não foi acusada pelo ocidente de intervir nos assuntos internos de outro país. Talvez seja isso que Putin tenha em mente.