UMA NOVA GUERRA NAS ESTRELAS?

No dia 27 de março, um evento causou surpresa e chamou a atenção para uma corrida silenciosa que está sendo travada pelas maiores potências militares do planeta: a disputa pelo domínio militar na última fronteira da humanidade, o espaço. A Índia anunciou ao mundo o sucesso no lançamento de um míssil que tinha por alvo um satélite do próprio país.

O alvo, que estava a altitude aproximada de 300 km, foi atingido e destruído. Assim a potência hindu se juntou ao seletíssimo grupo de três países, EUA, Rússia e China, capazes desse extraordinário feito militar.

O primeiro-ministro Narendra Modi comemorou: “A Índia obteve uma conquista inédita hoje. O país gravou seu nome dentre as potências espaciais”.

Os satélites desempenham papel fundamental na guerra moderna. Por eles transitam os fluxos de comunicações e dados. Guiam as famosas “armas de precisão cirúrgica” e as aeronaves remotamente pilotadas, os drones. São responsáveis pelo imageamento do campo de batalha, desempenhando papel decisivo na obtenção e difusão de dados de inteligência. Compõem as constelações responsáveis pelos sistemas GPS e similares, onipresentes em aplicações militares e em diversos e muito populares aplicativos em uso pela moderna sociedade civil.

Mas o sucesso da Missão Shakti, como foi batizada, não está somente na constatação de que agora os indianos podem destruir satélites inimigos. Como os avanços tecnológicos são na maioria das vezes de uso dual, o êxito também significa que o país atingiu invejável avanço na tecnologia que permite a fabricação de mísseis capazes de interceptar mísseis inimigos.

As reações internacionais foram imediatas. A mais veemente veio do Paquistão, país que está envolvido em disputa militar com a Índia pela posse da região da Caxemira, há décadas. O ministro das Relações Exteriores declarou que “o espaço é uma herança comum da humanidade e toda nação tem a responsabilidade de evitar ações que possam levar à sua militarização”.

A China, que na década de 1960 travou conflito armado com a Índia pela região do Tibete do Sul, reagiu cautelosamente. Expressou sua esperança de que “todos os países possam promover a paz e a tranquilidade no espaço”. Interessante notar que a China já tinha efetuado teste semelhante em 2007.

O secretário de Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, alertou para os riscos causados pelos detritos produzidos por esse tipo de teste. O general David D. Thompson, subcomandante do Comando Espacial da Força Aérea dos EUA, expressou-se na mesma direção. Questionado por repórteres, declarou que esse tipo de teste preocupa não só pelo risco para os satélites dos EUA, “mas também pela produção de detritos que podem permanecer no espaço por longo tempo, o que pode causar danos em efeito cascata”.

Apesar da reação internacional, parece ser tarde para impedir a militarização do ambiente espacial. Embora até hoje nunca tenha havido uma ação militar àquela altitude, as potências militares do planeta preparam-se a passos largos para essa realidade. A Estratégia de Defesa dos EUA reconhece que a competição entre as grandes potências é o principal desafio à sua segurança e que o espaço é um dos domínios onde essa competição se travará. Reconhece, ainda, que China e Rússia têm capacidade de atuar militarmente no espaço, reduzindo gravemente a efetividade militar do país e de seus aliados. Para se contrapor a isso, em 2018, o presidente Trump declarou a intenção de criar a United States Space Forces (USSF), Força Espacial dos EUA, uma nova Força Armada. Em março deste ano o Ministério da Defesa americano encaminhou a proposta de criação da nova Força ao Congresso. Caso o Congresso aprove, a nova Força será criada em 2020.

Em 2015 a China promoveu uma grande reestruturação de suas Forças Armadas. Foram criadas duas novas Forças, a Força de Foguetes e a Força Estratégica de Apoio, esta para atuar nos domínios cibernético e espacial. Apesar da pouca informação disponível, parece claro que essas Forças foram criadas, dentre outras finalidades, com o foco no domínio espacial.

A Rússia, a exemplo da China, também reorganizou recentemente suas Forças militares. Em 2015 as capacidades espaciais dispersas pelas Forças Armadas foram reunidas numa nova Força, batizada como Força Aeroespacial de Defesa. A doutrina russa de defesa, de 2010, assim como a norte-americana, atribui ao espaço uma função essencial, afirmando que “assegurar a supremacia na terra, no mar, no ar e no espaço será fator decisivo para que os objetivos sejam atingidos”.

A década de 1940 assistiu ao nascimento das Forças Aéreas. O lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki mostrou a um mundo estarrecido a capacidade destruidora do armamento transportado e lançado por aviões bombardeiros. Foi o auge da teoria geopolítica do poder aéreo, cujo maior expoente, Alexander Seversky, em sua obra A Vitória Pela Força Aérea, já destacava a importância estratégica dos vetores aéreos de combate e do domínio do espaço aéreo. Setenta anos se passaram e agora assistimos ao surgimento das Forças Espaciais. Mas, diferentemente das Forças Aéreas, que foram criadas em praticamente todos os países soberanos, a criação das Forças Espaciais exige tecnologias ainda muito restritas, sem falar de uma reserva de capitais indisponível para a grande maioria das nações.

Se é certo que o mundo ainda é castigado pela guerra, que neste momento assola muitos países, ceifando a vida de soldados e civis, também é correto afirmar que o equilíbrio obtido pela ameaça de destruição mútua assegurada dos tempos da guerra fria impediu que se deflagrasse uma guerra nuclear entre as superpotências do planeta. Resta saber se esse equilíbrio será mantido também no ambiente espacial.




A CRISE NA CAXEMIRA

“Eu sou o comandante Abhinadan, meu número é 27981, sou piloto de caça, minha religião é hindu. Desculpe-me. Isso é tudo o que tenho a dizer.” A declaração do piloto indiano abatido em território paquistanês segue estritamente os manuais militares. Ele se identifica conforme os tratados internacionais e deixa claro que não vai falar mais nada. Apesar de estar vendado, sabe que, na era da informação, certamente a entrevista seria filmada. E foi. O vídeo com a imagem do oficial espalha-se pelo mundo rapidamente, para a alegria nacionalista dos paquistaneses e fúria dos indianos. A mais recente crise entre as duas potencias asiáticas atinge o ápice.

É claro que a escalada de uma crise entre países que detêm armamento nuclear é muito grave e preocupante. Qualquer erro de cálculo de um dos lados pode provocar uma ação que ultrapasse um ponto irreversível. E a prisão filmada de um piloto de caça que teve sua aeronave abatida é um desses eventos que mobilizam as populações de ambos os lados, inserindo um componente bastante perigoso pelo potencial de influenciar emocionalmente os governantes na condução da crise.

A Caxemira é uma área ao norte do subcontinente indiano disputada por Paquistão e Índia desde a independência desses países, em 1947. Uma guerra foi travada à época, mas o problema não foi solucionado. O acordo de cessar-fogo previu a divisão da área, parte menor sob autoridade paquistanesa, parte maior sob autoridade indiana. Mas a questão permaneceu não resolvida. Desde então houve vários conflitos. A partir da década de 1980 a situação se agravou pela atuação de terroristas favoráveis às pretensões paquistanesas.

Em 14 de fevereiro deste ano, 42 paramilitares indianos foram mortos num ataque suicida na parte da Caxemira administrada pela Índia, causando grande comoção popular. Foi o ataque que causou o maior número de baixas nestas três décadas de ações terroristas. O grupo terrorista Jaish-e-Mohammad (Exército de Maomé), que tem sua base na Caxemira paquistanesa, reivindicou a autoria do ataque.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, acusou o Paquistão de usar o grupo para atacar indianos. O Paquistão negou envolvimento. Então, em 26/2 aeronaves indianas cruzaram a linha de controle que demarca a fronteira e atacaram o que foi descrito como um grande campo de treinamento do grupo terrorista, na região de Balakot, Caxemira paquistanesa.

No dia seguinte, 24 caças paquistaneses foram identificados pelos radares indianos voando provocativamente próximos à linha de fronteira. Três F-16 teriam cruzado a linha na direção do espaço aéreo indiano. Em resposta, oito caças indianos decolaram para interceptar as aeronaves paquistanesas. O que aconteceu a seguir foi um combate aéreo em que o Mig-21 do comandante Abhinadan foi abatido. Embora pudesse ter sido previsto, provavelmente um combate aéreo não era o resultado esperado pelos paquistaneses quando planejaram a ação militar.

A História está cheia de exemplos em que guerras foram iniciadas por erros de avaliação, falhas de interpretação ou simples enganos. A crise escala de lado a lado até que não há alternativa senão a guerra.

Esse parece ser um exemplo de como uma crise pode escalar rapidamente, quase saindo do controle. De um lado, o governo da Índia, às vésperas de eleições gerais, sentiu-se compelido a agir contra o grupo terrorista que matou dezenas de indianos. Do outro, ao atacar uma região além da linha de controle, em área paquistanesa, os indianos claramente cruzaram uma linha vermelha. Do ponto de vista paquistanês, o ataque causou sério dano à reputação do governo do primeiro-ministro Imran Khan e à honra das Forças Armadas do país. Era óbvio que o Paquistão se sentiria compelido a retaliar. A retaliação causou o abate de uma aeronave e a prisão de um piloto. Um rastilho de pólvora galvanizando a opinião pública de ambos os lados.

A decisão de devolver o piloto indiano em boas condições de saúde, dois dias após a captura, de forma digna, foi uma saída encontrada pelo governo paquistanês para desescalar a crise, oferecendo à Índia a possibilidade de também abrandar o discurso. Colaboraram para esse desfecho as manifestações de diversos líderes mundiais, além da ONU, clamando por comedimento. A situação permanece explosiva, mas no momento em que escrevo parece que as tensões retrocederam alguns pontos.

O caso traz ensinamentos e relembra questões muito importantes e por vezes ignoradas. Há formas corretas e métodos próprios para o gerenciamento de crises. Os erros e acertos do passado estão aí para ser relembrados e estudados. São exemplos o acerto na condução norte-americana da crise dos mísseis em Cuba, que impediu uma guerra nuclear entra EUA e URSS, e os erros do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain ao conduzir as negociações com a Alemanha nazista, uma das causas da 2.ª Guerra Mundial.

Por mais que se discorde dos princípios, da ideologia e das ações do adversário, reconhecer seus dilemas, entendendo a lógica que norteia seu comportamento, é um princípio fundamental a ser observado na condução de uma crise. Outro é manter abertos os canais de comunicação, proporcionando “saídas honrosas”, de modo a evitar que, emparedado, o oponente não veja outra solução a não ser aumentar o grau de enfrentamento.

A passionalidade que normalmente acompanha uma crise entre Estados vizinhos faz acontecimentos muitas vezes banais tomarem rumos inesperados. Para tentar minimizar essa possibilidade todos os agentes do Estado que podem vir a ter alguma participação nos eventos devem receber diretrizes muito claras, normas e regras de fácil interpretação, para que enganos, dificuldades de entendimento ou erros de avaliação não resultem em consequências ainda mais graves.




A CRISE NA VENEZUELA E A CONFRONTAÇÃO GEOPOLÍTICA

Como se sabe, a Venezuela tem hoje um governo de facto, do presidente Nicolás Maduro, não reconhecido por grande parte da comunidade internacional, e um presidente autoproclamado, Juan Guaidó, aceito pela maioria dos países das Américas, o Brasil incluído, e por grande parte dos países europeus. Isso em meio a uma crise política, econômica e social gravíssima, com milhares de pessoas fugindo do país, num fluxo migratório inédito na América do Sul. Os venezuelanos convivem ainda com hiperinflação, escassez de alimentos, denúncias de fraudes eleitorais, de censura à imprensa e de uso de força desproporcional pelas tropas do governo contra os manifestantes oposicionistas.

Esta crise pode ser analisada de vários pontos de vista. Há o viés humanitário, decorrente do grave sofrimento imposto à população, em que o acesso aos itens mais básicos de alimentação e aos serviços de saúde, sem contar inúmeros outros aspectos fundamentais para o bom funcionamento de uma sociedade, simplesmente não estão mais disponíveis para os cidadãos. E há o aspecto político, pela confrontação ideológica entre os que ainda defendem o regime chavista de Maduro e os que mostram a falência do modelo político-ideológico que se aplicou por lá. O aspecto econômico também pode ser analisado: como o país chegou ao caos econômico? Que efeitos podem advir das sanções econômicas aplicadas pelos EUA? Enfim, há espaço para discussão nos campos político, econômico, psicossocial e militar.

Este texto abordará o campo da confrontação geopolítica entre as grandes potências – EUA, Rússia e China -, tendo a Venezuela como pano de fundo. Como estão se posicionando? Como isso afeta o desenrolar dos acontecimentos?

Os EUA foram o primeiro país a reconhecer Guaidó como presidente da Venezuela, acusando o governo Maduro de ilegitimidade pelas fraudes eleitorais no processo de reeleição que o reconduziu à presidência. Além da crise humanitária e econômica, aspectos criadores de instabilidade que podem trazer graves consequências para a América do Sul e o Caribe, os EUA veem com preocupação a crescente influência chinesa e russa na área.

Dessa forma, os EUA atuaram com muita firmeza. O presidente Donald Trump declarou que “todas as opções estão sobre a mesa”, afirmação que, obviamente, mostra que não se descartaria uma intervenção militar. Além disso, impôs duras sanções econômicas que afetam diretamente o coração da economia venezuelana: a exportação de petróleo.

A China, por sua vez, há muito advoga que as relações entre os países devem respeitar o princípio da não intervenção. Esse princípio é fundamental para o país, que considera inadmissível a interferência estrangeira em seus próprios problemas, como a questão da Ilha de Taiwan e o separatismo dos uigures na província de Xinjiang.

Além disso, a Venezuela é uma grande parceira comercial e destino de investimentos e empréstimos chineses na América do Sul. Somente entre 2007 e 2012, o Banco de Desenvolvimento da China emprestou a Caracas a impressionante quantia de US$ 42,5 bilhões. Grande parte dos pagamentos desses empréstimos foi feita diretamente em petróleo venezuelano.

Assim, a posição da China, até o momento, é de apoio ao governo Maduro, defendendo uma solução pacífica e interna para o imbróglio político.

Já o presidente russo, Vladimir Putin, e seu primeiro-ministro, Dmitry Medvedev, elevaram o tom da retórica e acusaram os EUA de hipocrisia e de apoiarem um golpe. Medvedev chegou a perguntar como os americanos reagiriam se a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, deputada oposicionista a Trump, se autoproclamasse presidente dos EUA.

A Rússia, que trava uma batalha para manter ou reassumir a influência sobre os países do Leste Europeu, sua área de influência, como as ações na Ucrânia demonstram claramente, dá uma espécie de troco nos EUA ao atuar contra seus interesses na Venezuela. Não se pode descartar que esse tipo de ação possa ser útil como uma espécie de moeda de troca em relação à posição dos EUA em alguma questão no Leste Europeu no futuro.

Os países europeus, inicialmente hesitantes, exigindo que Maduro convocasse novas eleições, após a negativa deste passaram, em sua maioria, a reconhecer Guaidó, liderados por Reino Unido, França, Espanha e Alemanha.

O Brasil, que sofre os efeitos da crise venezuelana ao receber grandes contingentes de refugiados, ficou fortemente contra o governo Maduro, reconhecendo Guaidó como presidente interino. Alinhou-se à posição norte-americana, dispondo-se até a prestar ajuda humanitária, se necessário.

O mundo já assistiu a esse tipo de confrontação. Parece que estamos de volta à guerra fria. Mas a História, que nos dá valiosas pistas sobre o desenrolar futuro dos acontecimentos, não se repete sob as mesmas circunstâncias. Trata-se, desta vez, de uma confrontação num mundo globalizado, com interesses econômicos entrelaçados como nunca antes.

Os militares são o centro de gravidade que mantém Maduro no poder. E a pressão está cada vez maior. No momento em que os comandantes perceberem que o presidente corre o risco de perder o apoio chinês e russo, desembarcarão do governo. Se isso se concretizar de forma que se salvem as aparências de uma “solução interna”, em que não tenha havido “interferência externa nos problemas de uma nação soberana”, China e Rússia poderão alegar que o povo venezuelano encontrou sua saída, apoiando o novo governo. Assim, não se descarte a possibilidade de um “autogolpe” para o qual se encontrará um verniz legal, que “mudaria sem mudar”, mantendo o establishment e tentando reduzir a pressão internacional, com o apoio russo e chinês. Caso isso se confirme, será o prenúncio de nova crise.




TRUMP E A DEFESA DOS EUA

“Em 2024, a China realiza um ataque surpresa, para impedir Taiwan de declarar independência. As forças chinesas desencadeiam ataques aéreos e de mísseis, e realizam desembarques anfíbios na ilha, tornando clara a necessidade de intervenção norte-americana. Infelizmente, os EUA não podem mais intervir a um custo aceitável. As capacidades militares chinesas referentes aos domínios aéreos, marítimos e de superfície continuaram a se desenvolver, enquanto as dos EUA estagnaram. Áreas do oeste do Pacífico se tornaram proibidas para as forças dos EUA. O Pentágono informa ao presidente americano que os EUA podem derrotar a China numa guerra de longa duração, em que toda a capacidade nacional seja mobilizada, com perda de grande número de navios e aeronaves, milhares de vidas e grandes transtornos econômicos – tudo isso sem garantias de que haja um impacto decisivo antes de Taiwan ser invadida. Permitir que Taiwan seja incorporada pela China seria um golpe terrível para a credibilidade norte-americana e para a sua posição na região. Mas impedir que isto aconteça agora exigirá assumir perdas horrendas.”

Da mesma fonte de onde se extrai o texto acima podem ser retiradas outras situações hipotéticas que envolvem desafios ao poderio norte-americano: uma situação de escalada de tensões nucleares envolvendo a Coreia do Norte; uma situação de caos doméstico ocasionada por ações russas contra satélites, cabos interoceânicos de fibra ótica e ataques cibernéticos; a proibição do acesso dos navios comerciais e de guerra dos Estados Unidos ao Mar do Sul da China.

Nenhuma dessas situações foi retirada de livros de ficção. Elas foram extraídas de relatório elaborado pela Comissão da Estratégia Nacional de Defesa. Trata-se de um painel suprapartidário instituído pelo Congresso dos EUA com a missão de avaliar a Estratégia de Defesa desse país e de fazer as sugestões que julgasse adequadas. Os especialistas da comissão encerraram seu trabalho em novembro de 2018.

A comissão, em seu relatório – disponível na internet -, concorda com as conclusões da Estratégia de Defesa Norte-Americana, publicada também em 2018 e sobre a qual tratei neste espaço em 18 de abril do ano passado. Ambos inferem que a competição estratégica entre estados nacionais, e não a chamada guerra ao terror, é a primeira prioridade da segurança nacional dos EUA.

E como se pode claramente aduzir da situação hipotética do ataque chinês a Taiwan, os estrategistas e consultores, tanto do Congresso quanto do Pentágono, concordam que a superioridade da capacidade militar norte-americana em relação a seus possíveis adversários, especialmente a China, vem sendo reduzida ano a ano.

Dentro desse cenário, destaca-se a preocupação com a disponibilidade orçamentária. Os especialistas alertam para o fato de que em 1996, para cada dólar gasto por Rússia e China em pesquisa e desenvolvimento científico, os EUA gastavam US$ 8,21. Vinte anos mais tarde os gastos dos EUA na mesma área superam os de seus adversários em apenas seis centavos.

Ao mesmo tempo, a China sob a liderança de Xi Jinping adota uma postura cada vez mais incisiva em relação a Taiwan. No início deste ano Jinping reafirmou que a “China deve ser – e será – reunificada”. Dirigindo-se ao Comitê Central Militar do Partido Comunista, instância máxima das Forças Armadas do país, ele alertou que “o mundo está passando por uma era de mudanças drásticas” e que “riscos previsíveis e imprevisíveis” estavam aumentando.

Por outro lado, Tsai Ing-wen, presidente de facto de Taiwan, repetidas vezes tem conclamado a comunidade internacional a reafirmar “os valores de democracia e liberdade, com a finalidade de conter a China e minimizar a expansão de sua influência hegemônica.”

O presidente Donald Trump, por sua vez, emite sinais contraditórios. Ao mesmo tempo que reforça o orçamento de defesa e endurece a posição comercial dos EUA, travando uma verdadeira batalha no campo econômico contra a China, anuncia a retirada das forças norte-americanas da Síria, ação que enfraquece a posição dos EUA no Oriente Médio, área de enorme importância estratégica. O gesto causou o imediato pedido de demissão de Jim Mattis, respeitadíssimo general fuzileiro naval que era secretário de Defesa e assinou a Estratégia de Defesa de 2018. Não havia forma mais clara de Mattis demonstrar a sua insatisfação.

Confirmando-se a saída dos EUA da Síria, abre-se um vácuo que será necessariamente preenchido. Irã e Rússia, países citados como adversários estratégicos nos documentos de defesa, ganham espaço e os alertas feitos pela Comissão da Estratégia Nacional de Defesa tornam-se mais evidentes, com o enfraquecimento ainda maior das posições relativas dos EUA em mais uma área de importância vital para seus interesses estratégicos.

Mattis não foi o primeiro militar a sair do governo Trump por discordância na condução dos rumos estratégicos da defesa. Em março do ano passado, apenas um ano após sua nomeação como assessor de segurança nacional, outro militar respeitadíssimo, o general H. R. McMaster foi demitido. Assim como Mattis, McMaster dificilmente teria concordado com a retirada das tropas norte-americanas da Síria neste momento.

Alguns analistas internacionais têm definido a política externa de Trump, especialmente em assuntos de defesa, como “errática e cambiante”. Ao mesmo tempo que aprovou a nova Estratégia de Defesa, indicando a necessidade de maior assertividade e alertando para o crescente enfraquecimento da posição estratégica de seu país em várias regiões de interesse vital, Trump toma decisões que vão exatamente na contramão do que seria esperado para a efetivação daquela estratégia. Os aliados e rivais dos EUA acompanham, entre surpresos e incrédulos, para onde caminhará a maior potência militar do planeta.




O PASSADO COMO PRÓLOGO

“Tolhidos pela mudança acelerada, os líderes importantes atuais parecem não ter tempo ou inclinação para olhar para o passado para pedir ajuda”

A citação acima é de autoria de Williamson Murray e Richard Sinnreich. Os autores da obra O passado como prólogo (Bibliex, 2017) alertam para o fato de que líderes responsáveis por decisões de segurança nacional teriam a convicção de que a história tem pouco a oferecer ao elaborador de políticas nos dias de hoje. Isto ocorreria em virtude da velocidade com que os eventos se sucedem. Ao lidarem com um presente exigente e um futuro ameaçador, poucos líderes, civis e militares, estariam dispostos a cair em uma reflexão sistemática sobre o passado.

Na verdade, não creio tratar-se de um problema exclusivo das chamadas “lideranças”. Formadores de opinião – aqui incluídos os presentes nas novas mídias, chamados de “influenciadores digitais” – analistas, acadêmicos e jornalistas, além da famosa categoria dos “intelectuais e artistas” despejam opiniões diariamente, aparentemente, como escrevem Murray e Sinnreich, sem olhar o passado para pedir ajuda.

O grego Tucídides, 2400 anos atrás, que escreveu a monumental História da Guerra do Peloponeso, disse tê-lo feito para informar “àqueles que quisessem entender com clareza os eventos que ocorreram no passado e que, sendo a natureza humana como ela é, em algum momento e das mesmas formas, repetir-se-iam no futuro.” O caminhar da humanidade ao longo dos séculos confirmou a previsão.

Como anteviu o grego, talvez o maior de todos os historiadores militares, a história das guerras é particularmente rica em casos onde o estudo do passado talvez tivesse evitado fracassos e mudado o curso da história. O episódio mais emblemático é o da Operação Barbarossa (1941), a invasão nazista da União Soviética. É claro que, depois dos fatos acontecidos e sabedores do fracasso da invasão, é inevitável lembrar que invasões anteriores, tentadas por Carlos XII (1700) e Napoleão (1812) já haviam fracassado. Será que os planejadores nazistas se detiveram com necessário cuidado sobre o passado antes de decidir pela invasão?

E as atuais lideranças globais? Será que estão atentas às lições da história? Para ficar em um exemplo óbvio, no campo das relações internacionais: seria o surgimento de uma potência global emergente, desafiando a potência dominante, um fato inédito na história do mundo? Certamente que não. Desde Atenas desafiando Esparta, passando pela Espanha ultrapassando Portugal na época dos grandes descobrimentos, pelos Estados Unidos suplantando a Inglaterra após a I Grande Guerra e a Alemanha desafiando a Europa, na II Guerra Mundial, o mundo já viu muitas vezes situações como esta em que a ascensão da China desafia os Estados Unidos.

Como estes atores vão se comportar, quais serão as consequências políticas, econômicas, sociais e científico-tecnológicas de tais comportamentos para o mundo, inclusive para nós aqui na periferia global? Haverá crise? A crise evoluirá para uma guerra? Como isto vai nos afetar? Certamente o estudo da história não traria todas as respostas. Afinal, causas semelhantes nem sempre produzem efeitos similares e estas causas também interagem de maneira imprevisível em cada momento histórico. Mas, certamente, do passado podem surgir modelos que levem a suposições de potenciais desfechos para as situações presentes.

E os nossos planejadores, professores, analistas, formadores de opinião? Estão hoje se detendo sobre os acontecimentos humanos passados, na busca da compreensão global de todo o fluxo de eventos que nos trouxeram ao ponto em que nos encontramos? Ou são reféns dos preconceitos aos quais servem, procurando encontrar justificativas para reforçar visões pré-concebidas, comprometidas pela ideologia ou pelo posicionamento político que adotam?

Líderes e formadores de opinião que ignoram a história, que não têm a intenção de consultar o passado e de escutar seus ecos, abrem mão de decidir com base em rica experiência anterior. Ignoram de antemão circunstâncias similares, relações de causa e efeito, tradições. Tratam repetidamente de “reinventar a roda”. Desperdiçam tempo, recursos e paciência de tantos quantos são os afetados por suas decisões.

No Brasil “até mesmo o passado é incerto”. A frase, atribuída a um famoso economista teria sido dita levando-se em conta a incerteza jurídica que atrapalharia o ambiente econômico do país. Ela demonstra, em seu tom jocoso e algo cínico, toda a problemática do estudo deficiente dos acontecimentos humanos do passado, que tento demonstrar neste artigo.

O país vive um momento de acirramento de ânimos, fruto de uma grave crise política e econômica, acompanhada de uma perigosa perda de legitimidade de alguns atores políticos, flagrados em casos de corrupção. Este acirramento inclui uma disputa pela preeminência de uma narrativa favorável ao posicionamento político/ideológico do autor. Informações mentirosas, as tristemente famosas “fake news”, são tomadas por verdades, contanto que estejam alinhadas e contribuam para o fortalecimento da narrativa defendida. Neste ambiente tóxico, em que a verdade é a primeira vítima, falar em estudo sistemático dos acontecimentos do passado parece pregar no deserto…

É urgente a superação deste momento. Se o ambiente interno do país está conturbado, o cenário geopolítico externo não parece animador. Não há tempo a perder. Que os decisores consultem o passado e ouçam seus ecos no presente, evitando que os mesmos erros sejam repetidos.




O DRAMA DOS REFUGIADOS

A crise política e econômica na Venezuela já provocou, segundo dados da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), desde 2015, a fuga de cerca de 3 milhões de cidadãos. Atualmente, estima-se que cerca de 5 mil pessoas deixem o país a cada dia.

O principal destino dos venezuelanos é a Colômbia, que já recebeu cerca de 1 milhão de pessoas. Para o Peru já foram cerca de 500 mil. Equador, Chile, Argentina e Panamá também são destinos bastante procurados, bem como o Brasil.

Aliás, os reflexos imediatos da crise para o Brasil já se fazem sentir há mais de um ano. Em 16 de junho do ano passado este jornal publicava editorial alertando para a gravidade do problema. Atualmente, segundo dados do governo federal, mais de 54 mil venezuelanos já solicitaram refúgio no Brasil. Outros 18 mil solicitaram residência temporária e 12 mil haviam agendado atendimento na Polícia Federal até setembro.

O Brasil começa a lidar com uma situação que não é novidade no planeta. Estima-se que existam hoje mais de 25 milhões de refugiados em todo o mundo. A Europa convive com as tristes cenas de barcos à deriva, com centenas de pessoas amontoadas tentando cruzar o Mediterrâneo, vindas do Norte da África. Hoje, na Turquia há quase 3 milhões de refugiados sírios. Em 2016 o Paquistão recebeu cerca de 1,4 milhão de refugiados afegãos. Uganda abriga quase 1 milhão de refugiados do Sudão do Sul.

Enquanto isso, a coluna de cerca de 5 mil migrantes, em sua maioria hondurenhos, que cruza o México com destino à fronteira com os EUA foi tema importante das recentes discussões eleitorais naquele país. O presidente Trump assinou decreto proibindo por 90 dias que imigrantes ilegais solicitem refúgio e determinou o deslocamento de militares do Exército para a fronteira, mostrando-se firme na decisão de impedir a entrada da massa de migrantes.

O problema dos refugiados alcança proporções alarmantes. Mas estamos falando de refugiados ou de migrantes? Ao tratar desse assunto, é muito importante que a distinção entre essas duas categorias fique clara. Migrante é a pessoa que muda seu lugar de residência por tempo indeterminado. Essas pessoas estão sujeitas às normas e políticas migratórias de cada nação, que permitem ou não a entrada e permanência no país. Segundo a Organização Internacional para Migração, organismo da ONU que trata do tema, existiam em 2015 cerca de 243 milhões de migrantes internacionais no mundo, ou seja, uma em cada 30 pessoas vivia num país diferente de onde nasceu.

Se os migrantes estão sujeitos às normas de cada país para terem seu acesso pela fronteira aceito, os refugiados contam com situação diferente. Estes são “pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido a grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados”. E por esse status, de acordo com a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, da qual o Brasil e a maior parte dos países do mundo são signatários, “nenhum país expulsará ou rechaçará, de maneira nenhuma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas”.

Assim, fica claro que o tratamento a ser dado a um refugiado é completamente diferente daquele a ser dispensado a um migrante. No Brasil, de acordo com o Estatuto do Refugiado, lei promulgada em 1997, qualquer estrangeiro que chegue ao País, mesmo irregularmente, e se apresente a uma autoridade migratória na fronteira expressando sua vontade de ser reconhecido como refugiado não poderá ser deportado até que lhe seja concedido ou não o refúgio. Caso o migrante não expresse essa condição, será tratado normalmente e de acordo com as normas migratórias.

Os milhares de venezuelanos que chegam ao Brasil vêm causando grande impacto econômico e social ao Estado de Roraima – problemas na rede hospitalar, aumento da violência urbana e impacto na oferta de empregos, entre muitos outros problemas. O governo local, pressionado, cobrou do governo federal a ampliação da ajuda econômica e chegou a solicitar ao Supremo Tribunal Federal o fechamento temporário da fronteira. Como se viu acima, tal decisão seria polêmica, em razão do status de refugiados que os venezuelanos almejam alcançar, o que impediria o seu rechaço na fronteira. Por outro lado, o Ministério da Defesa determinou o estabelecimento da Operação Acolhida, de modo que as Forças Armadas, num ambiente interagências, dessem uma resposta mais eficiente às demandas de toda ordem que surgem em razão desse enorme afluxo de pessoas.

Outro aspecto a ser considerado é que a crise humanitária sem precedentes na América do Sul poderá causar tensões ainda maiores entre a Venezuela e os seus vizinhos sul-americanos, em especial a Colômbia, país mais fortemente afetado por ser o principal destino dos venezuelanos. Qualquer tensão entre vizinhos afetaria o Brasil, que por sua importância no subcontinente não se poderia manter indiferente.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), por ser o foro por excelência para tratar dos assuntos de segurança hemisférica, deveria patrocinar os maiores esforços na busca de soluções para a crise migratória venezuelana. Nesse sentido foi criado um grupo de trabalho para estudar o problema (www.oas.org/legal/spanish/gensec/EXOR1803.pdf). Espera-se que, ao final dos trabalhos, o grupo chegue a recomendações que mitiguem o sofrimento dos venezuelanos que deixaram sua pátria e, ao mesmo tempo, auxiliem os governos sul-americanos a encontrar as melhores soluções para lidar com a situação.




O SUBMARINO RIACHUELO

No próximo dia 14, a Marinha do Brasil lança ao mar o “Riachuelo”, primeiro submarino de sua classe fabricado no Brasil. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), uma parceria estratégica entre o Brasil e a França, prevê, além dele, a construção de mais 3 submarinos convencionais e um de propulsão nuclear.

Trata-se de uma grande vitória e de um momento histórico. Quase uma década após o marco inicial da construção, finalmente o S-40 Riachuelo vai navegar.

A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) são os documentos norteadores da política e da estratégia de defesa nacionais. Regulam, dentre muitas outras coisas, quais são os Objetivos Nacionais de Defesa do Brasil e como estes serão alcançados. Para alcançar o objetivo de “garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial”, dentre uma série de outras ações, a Marinha do Brasil tem a incumbência de garantir a tarefa estratégica de “negar o uso do mar a qualquer concentração de forças inimigas que se aproxime do Brasil por via marítima”.

O mar é fundamental para o Brasil. São mais de 8 mil Km de costa. Mais da metade da população vive em cidades situadas em até 60 Km do litoral. Aproximadamente 95% de nossas importações e exportações são feitas por via marítima. Mais do que isso, cerca de 90% do petróleo produzido no país, bem como a maior parte do gás natural, vem do mar. A riquíssima biodiversidade, o enorme potencial pesqueiro, as possibilidades da navegação de cabotagem e o turismo marítimo são outros aspectos que podem ser citados.

A Marinha, para chamar atenção para o tamanho e potencialidades do nosso mar, cunhou a expressão “Amazônia Azul”. A intenção da analogia com a Amazônia é demonstrar que a área marítima sob responsabilidade brasileira, somatório do mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental, chega a 4,5 milhões Km2, área comparável em extensão e biodiversidade à Amazônia propriamente dita. Ter jurisdição sobre uma área tão grande é uma pesada responsabilidade. A defesa de riquezas tão importantes não pode ser relegada.
Além da chamada Amazônia Azul, é importante considerar a relevância estratégica do Atlântico Sul. Desde 1986, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), congrega 24 países da América do Sul e da África banhados pelo Atlântico Sul. O Brasil, como signatário, assumiu compromissos com a manutenção da paz, da estabilidade e do desenvolvimento sustentável da região, além de também comprometer-se com a conservação do meio ambiente marinho.

O submarino é a arma por excelência para a negação do uso do mar por sua capacidade de se ocultar e surpreender possíveis invasores. Logo, é a arma ideal para dissuadir a presença de qualquer ameaça à Amazônia Azul ou a de qualquer ator que possa causar a desestabilização do Atlântico Sul.

O Riachuelo, submarino da classe Scorpène, tem mais autonomia, pode ficar mais tempo submerso e é mais silencioso que os demais submarinos atualmente em operação na Marinha do Brasil. Constitui-se, portanto, em um relevante ganho operativo para a Força de Submarinos da Esquadra. Por ser um submarino convencional, com propulsão diesel elétrica, precisa subir próximo à superfície para aspirar ar atmosférico em determinados intervalos de tempo, para renovar o ar ambiente e permitir o funcionamento dos motores.

Um submarino de propulsão nuclear, por sua vez, tem seu tempo sob a água limitado não por necessidades técnicas relacionadas à sua propulsão, mas sim pela capacidade de transportar os suprimentos e pela própria capacidade da tripulação de permanecer submersa. Assim, sua capacidade de deslocar-se de modo furtivo por longas distâncias e de surpreender possíveis invasores é muitas vezes aumentada.

A produção dos submarinos convencionais e do submarino nuclear previstos no PROSUB dá-se segundo um modelo conhecido como tríplice-hélice: governo, indústria e academia impulsionam de forma sinérgica o programa, gerando inovação. A Marinha, em cumprimento ao previsto na PND e na END e apoiada por uma política de Estado que se caracteriza por prolongar-se no tempo e estender-se por diferentes governos, definiu as necessidades, celebrou os acordos com a França, inclusive os de transferência de tecnologia, fechou os contratos e executa o programa. A Indústria Nacional produz de forma inovadora, apropriando-se de novas tecnologias, gerando renda e empregos. As universidades e institutos de tecnologia civis e militares fazem pesquisas aplicadas às necessidades do programa, geram novos conhecimentos, formam e aperfeiçoam recursos humanos.

A capacidade de projetar e de fabricar submarinos nucleares está hoje restrita a um rol muito pequeno de países. Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. Ao perseguir incansavelmente este objetivo, desde a década de 1970, a Marinha do Brasil dá provas de determinação e resiliência. O lançamento do Riachuelo é um passo importante e fundamental, que dá novo ânimo aos que perseguem incansavelmente este objetivo.

Que seja também uma oportunidade para a sociedade brasileira refletir sobre a importância do mar e de sua exploração econômica sustentável, levando em consideração a preservação do ecossistema marítimo. Que também se perceba o valor do desenvolvimento científico/tecnológico e industrial obtido no processo de aquisição de tecnologia e de construção do submarino. Mais ainda, que se consolide o entendimento por parte de toda a sociedade da relevância da manutenção do fluxo de recursos necessários para programas como o PROSUB. Afinal, esses programas estratégicos das Forças Armadas provêm segurança e defesa, desenvolvem tecnologias, produzem riquezas e colaboram sobremaneira para o desenvolvimento econômico e social do país.




ECOS DA GUERRA DO PACÍFICO

No último dia 1º de outubro, a Corte Internacional de Justiça de Haia, principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas, decidiu contrariamente à Bolívia, que havia levado àquele tribunal, no ano de 2013, uma solicitação no sentido de que o Chile fosse obrigado a negociar com a Bolívia uma solução para que esta voltasse a ter uma saída soberana para o mar. A decisão pode ser encontrada na página eletrônica do Tribunal, no endereço https://www.icj-cij.org/files/case-related/153/153-20181001-JUD-01-00-EN.pdf .

A decisão evidentemente repercutiu bastante na Bolívia. A Constituição daquele país, em seu artigo 267, estabelece que “o Estado boliviano declara seu direito irrenunciável e imprescritível sobre o território que lhe dê acesso ao Oceano Pacífico e seu espaço marítimo. A solução efetiva do desentendimento marítimo através de meios pacíficos e o exercício pleno da soberania sobre o dito território constituem objetivos permanentes e irrenunciáveis do Estado boliviano”. A decisão é também um revés político para o Presidente Evo Morales, que mantém a aspiração de alcançar a saída para o mar como um dos principais objetivos de sua política exterior.

Para entender o problema, é importante relembrar sua origem. Chile e Bolívia tornaram-se independentes da Espanha em 1818 e 1825, respectivamente. À época, a Bolívia possuía uma costa de aproximadamente 400 km junto ao Oceano Pacífico, na Região de Antofagasta. Em 1866 e 1874, os dois países estabeleceram tratados de limites que confirmaram a saída boliviana para o mar.

Em 05 de abril de 1879, o Chile declarou uma guerra à Bolívia e ao Peru, que ficou conhecida como Guerra do Pacífico.  A causa imediata do conflito foi o aumento dos impostos cobrados pelo governo boliviano das empresas chilenas que exploravam o salitre na região. Pelo entendimento do governo chileno, esse aumento contrariava uma das cláusulas do tratado de limites de 1874. O Peru foi envolvido na guerra em razão de um acordo que havia firmado com a Bolívia, comprometendo ambos os países a se apoiarem mutuamente em caso de guerra contra o Chile.

Ao final da guerra, em 1884, o Chile havia conquistado a região costeira boliviana, bem como a região peruana de Tarapacá. Em outubro de 1904, Chile e Bolívia celebraram um acordo definitivo de paz. Por esse acordo, os territórios ocupados pelo Chile durante a guerra seriam reconhecidos como chilenos “absoluta e perpetuamente”. As fronteiras entre os dois países foram demarcadas e o Chile se comprometeu a construir uma estrada de ferro ligando El Alto, no platô andino boliviano, ao porto de Arica. Essa estrada foi construída, sendo inaugurada em 1913. Além disso, o Chile garantiu à Bolívia o direito de estabelecer agências aduaneiras nos portos de Arica e Antofagasta, tendo “amplo e gratuito” direito de trânsito comercial.Apesar do acordo, em 1919 a Bolívia apresentou ao Chile seu pleito de reaver o território costeiro, independentemente do que havia sido estabelecido no tratado de paz de 1904. Desde então, tal pleito foi renovado inúmeras vezes, até os dias de hoje.

Outro fato relevante aconteceu em 1929, quando Chile e Peru celebraram um acordo, no qual os dois países se comprometeram a não ceder qualquer território a um terceiro país sem o prévio consentimento da outra parte. Este pacto acabou sendo determinante em 1975, quando o Chile e a Bolívia quase chegaram a um acordo, que foi desfeito pela não aceitação dos termos pelo Peru.

Assim, o revés boliviano determinado recentemente pela decisão do Tribunal de Haia é mais um que se soma a uma grande série de derrotas diplomáticas, desde 1919. Mas de forma nenhuma terá o condão de encerrar o assunto ou diminuir o ímpeto boliviano de alcançar aquele que é um dos objetivos nacionais permanentes, expresso em sua Constituição.

Há aspectos comerciais e econômicos envolvidos. A Bolívia, como país mediterrâneo, sempre dependerá dos países vizinhos para estabelecer seu comércio internacional. Altos custos de transportes, infraestrutura inadequada, dificuldades burocráticas no estabelecimento de negociações comerciais que envolvam terceiros países, tudo isto constitui gargalos que impedem que o país participe com mais efetividade do comércio internacional, dificultando seu crescimento econômico.

Há também o aspecto do orgulho nacional, ferido pela perda do território, que alimenta o desejo praticamente unânime na população boliviana de reaver o acesso ao mar. E este aspecto, que sempre foi relevante, torna-se ainda mais importante nos dias atuais de instantaneidade na comunicação. Nas mídias sociais bolivianas, o assunto, aglutinado em hashtags como as #MarParaBolivia e #MarParaLosPueblos atingiram milhares de postagens nos dias seguintes à decisão da Corte de Haia, galvanizando a opinião pública.

A decisão da Corte Internacional de Justiça, embora não obrigue o Chile a negociar, lembra que as partes não estão impedidas de continuar os diálogos e intercâmbios, que remontam à década de 1920, na busca de uma solução para a questão.

O caso nos alerta para as questões geopolíticas sul-americanas, no entorno imediato do Brasil. A busca boliviana por recuperar uma saída para o mar, perdida em uma guerra do século 19, é a reafirmação da importância que se deve dar ao estudo de tais questões, em especial as que afetam um país com o qual temos quase 3500 km de fronteira. O General Carlos de Meira Mattos, autor de vasta obra que merece ser mais bem conhecida pelos brasileiros, define em seu livro “Geopolítica e Modernidade”, que a geopolítica é a “aplicação da política aos espaços geográficos, sob a inspiração da história”. Parece uma definição feita sob medida para o caso: um espaço geográfico antes boliviano e agora chileno, no qual se travou uma guerra e que, há cem anos, é objeto de disputa diplomática.




TAMBORES DA GUERRA?

A Rússia acaba de encerrar a Operação Vostok 2018. Tratou-se certamente do maior exercício militar russo desde o fim da guerra fria. Talvez tenha sido o maior da História. O Ministério da Defesa daquele país divulgou que cerca de 300 mil militares participaram, utilizando mil aeronaves, 80 navios e 36 mil veículos. Tropas da China e da Mongólia também estavam presentes. Embora seja muito provável que esse número esteja consideravelmente inflado, a operação não deixa de ser impressionante. A título de comparação, as manobras do ano passado, chamadas Zapad 2017 e realizadas no Leste Europeu, envolveram, em números oficiais, 12.700 militares.

Manobras militares têm muitas finalidades. Do ponto de vista tático/operacional, servem como excelente ferramenta de treinamento, permitindo a imitação do combate e o emprego conjunto das forças de terra, ar e mar, além da prática dos sistemas de armas, dos sistemas de comando e controle, de cibernética, e de uma infinidade de outros aspectos da guerra. Do ponto de vista logístico, que parece ter sido um dos mais relevantes neste caso, é uma excelente oportunidade de verificar e testar as linhas de transporte, permitir a chamada “aproximação dos meios”, o deslocamento de tropas e de todo o apoio logístico desde suas bases até o teatro de operações – onde as operações militares são realizadas. Não esqueçamos que essa é uma tarefa especialmente complexa quando se trata da Rússia, país de dimensões continentais, que se estende por toda a Eurásia, das fronteiras com os países europeus até o Estreito de Bering e o Oceano Pacífico, no extremo oriental asiático.

Mas além desses aspectos eminentemente militares há os aspectos estratégicos e geopolíticos, talvez ainda mais relevantes. A dissuasão é uma antiga e importante estratégia de segurança. Por meio dela um país demonstra possuir poder militar suficiente e apto a ser empregado de imediato, capaz de se contrapor a qualquer ameaça. Nessa direção, a realização do Vostok 2018 faz todo o sentido: uma grande demonstração de força destinada a impressionar e dissuadir potenciais adversários.

Há também a participação da China. Divulgou-se que o Exército Popular de Libertação enviou ao Teatro de Operações 3.200 militares, cerca de mil veículos e 30 aeronaves. O emprego das tropas de forma combinada com a Rússia já havia sido utilizado em manobras no âmbito da Organização de Cooperação de Xangai (Shangai Cooperation Organization). Entretanto, aqueles exercícios usavam como cenário operações contra ameaças não tradicionais – terrorismo, catástrofes naturais e ilícitos transnacionais, por exemplo. Agora, pela primeira vez desde a década de 1960, os exércitos dos dois países operam juntos num cenário de guerra de alta intensidade. Esse tipo de treinamento é muito importante para a China. Operar com outro exército não é tarefa fácil. Conciliar diferentes doutrinas, técnicas, táticas, procedimentos, equipamentos, mentalidades, tudo isso enfrentando a barreira de um idioma completamente diferente, é complexo e exige muita prática.

Do ponto de vista geopolítico, as manobras enviam um recado aos Estados Unidos e seus aliados da Otan: China e Rússia são capazes de atuar em conjunto num cenário de guerra de alta intensidade e de amplo espectro. E essa capacidade é demonstrada exatamente neste momento de conflito comercial nas relações sino-americanas e de tensões políticas entre Rússia e EUA em razão das acusações de interferência nas eleições norte-americanas e pelas posições antagônicas assumidas por cada uma das potências na Síria e no Leste Europeu.

A China, além do mais, tenta demonstrar que é capaz de operar fora de seu território. Mas não só isso. Ao mesmo tempo que tenta impressionar os russos enviando tropas de elite, resultado de um processo de crescente modernização de suas Forças Armadas, os chineses têm a rara oportunidade de operar com um exército formado por soldados experimentados em combate. As lições aprendidas pelos comandantes russos nas guerras da Síria e da Ucrânia certamente serão de algum modo transmitidas aos inexperientes comandantes chineses.

Todo o cenário aponta para uma preocupação crescente dos estrategistas militares com a possibilidade de eclosão de um conflito de largas proporções envolvendo as grandes potências. Tratei desse assunto neste espaço, em 18 de abril, quando escrevi sobre a nova Estratégia de Defesa dos EUA, que reorienta a preparação de suas Forças Armadas na direção da preparação para conflitos de alta intensidade, ao invés da chamada guerra ao terror.

O analista militar russo Pavel Felgenhauer, citado pela versão eletrônica do jornal japonês The Japan Times em reportagem de 10 deste mês, diz que o Vostok 2018 “não é apenas sobre mandar um sinal, ou uma mensagem, mas a preparação para uma guerra real de grande magnitude”. O analista russo declara ainda que “o Estado-Maior russo acredita que uma guerra mundial acontecerá depois de 2020, ou em uma guerra global, ou em uma série de conflitos de magnitude”.

Não se trata de anunciar o fim do mundo, ou de afirmar que a humanidade caminha de forma inexorável para uma guerra de grandes proporções. As relações internacionais são sujeitas a um enorme número de variáveis e guerras sempre podem ser evitadas. Quase ao mesmo tempo que os tambores da guerra tocavam no Vostok 2018, perto dali, na Península da Coreia, os presidentes das Coreias do Norte e do Sul se encontravam, em mais um passo em favor da paz e na direção do encerramento formal da Guerra da Coreia.

Fazendo votos de que a paz sempre encontre o caminho, fica o alerta para que os espectadores, como nós aqui, do outro lado do mundo, não deixemos de estar atentos a eventos que certamente trarão consequências para o Brasil e para os brasileiros.




UM MUNDO MULTIPOLAR

O general fuzileiro naval James Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos, esteve em visita à Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, em 14 de agosto. Foi apenas uma das escalas do militar da reserva em sua viagem à América do Sul, que também incluiu a Argentina, o Chile e a Colômbia. Em sua palestra para os alunos do Curso de Altos Estudos, Política e Estratégia (Caepe), o experiente soldado, comandante de tropas nas guerras do Iraque e do Afeganistão, destacou que selecionara três prioridades no desempenho de sua função, equivalente à de Ministro da Defesa na estrutura brasileira.

A primeira prioridade seria aumentar a letalidade dos militares americanos, de modo a aumentar também a dissuasão em face de possíveis agressores. A segunda seria ampliar e fortalecer o relacionamento das Forças Armadas norte-americanas com as forças dos países aliados. E a terceira prioridade, melhorar as práticas gerenciais e o trato com o dinheiro público no âmbito do Departamento de Defesa.

Neste artigo, vou me ater às duas primeiras prioridades citadas. A primeira alinha-se perfeitamente com o movimento feito pelos EUA no sentido de redirecionar sua estratégia de defesa e reestruturar suas Forças Armadas. Após um período em que se dedicou quase que exclusivamente à guerra assimétrica, enfrentando oponentes que de forma alguma poderiam contrapor-se ao poderio econômico, bélico e industrial norte-americano, os EUA agora reconhecem que, na atual realidade de distribuição multipolar do poder, podem ser desafiados por oponentes com capacidade militar equivalente ou mesmo, em alguns aspectos, superior. Estamos falando da Rússia e da China.

Para fazer face a esse desafio os EUA reestruturam suas Forças Armadas. Recentemente foi criado um Comando para o Exército do Futuro, focado no desenvolvimento de novas capacidades e na adoção de novas tecnologias para o Exército. Isso para não falar na anunciada e ainda não muito clara criação da chamada Força Espacial, que seria mais uma força armada norte-americana.

Quando falou da segunda prioridade, o general Mattis deixou clara a finalidade de sua visita. Estava tratando justamente de tentar “ampliar e fortalecer o relacionamento com os países aliados”. Fez referência a um valor caríssimo aos militares de todo o mundo: a camaradagem e a amizade forjada nos campos de batalha. Citou o fato histórico da aliança que uniu brasileiros e americanos nos campos de batalha da Itália durante a 2.ª Guerra Mundial e lembrou o fato de sermos, Brasil e Estados Unidos, as duas maiores democracias do Ocidente. Elogiou a Escola Superior de Guerra e lembrou a presença constante de estudantes americanos na instituição.

Falou ainda sobre o que entende ser o objetivo de nações que têm “valores comuns” e “interesses compartilhados”: a construção de um hemisfério que seja uma “ilha de democracia e prosperidade num mundo instável”. A transcrição do discurso do general Mattis pode ser encontrada no site da ESG.

O movimento da diplomacia militar norte-americana em direção aos principais países sul-americanos coincidiu com um fato diplomático significativo. Como se sabe, a China considera Taiwan uma província rebelde e não aceita que os países mantenham relacionamento diplomático com o governo da ilha. Fazer essa escolha implica necessariamente abrir mão de ter relações diplomáticas com a China.

Pois bem, praticamente ao mesmo tempo que Mattis visitava a América do Sul, na América Central, El Salvador, que mantinha relacionamento diplomático com Taiwan, mudou de posição e passou a reconhecer a República Popular da China. Atualmente, apenas 16 países no mundo, além do Vaticano, ainda optam por se relacionar com Taiwan, ao invés da China, a grande maioria da América Central e do Caribe – Belize, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas são exemplos. O movimento de El Salvador foi feito pouco tempo depois de o Panamá e a República Dominicana terem feito o mesmo. É desnecessário salientar quão significativo do ponto de vista geopolítico é a balança mudar de lado justamente nesses países localizados geograficamente tão perto dos EUA.

O aumento da influência econômica chinesa nas Américas do Sul e Central é evidente. As trocas comerciais entre o gigante asiático e a América Latina e o Caribe chegaram a US$ 244 bilhões ano passado, duas vezes mais que uma década antes, de acordo com o Global Development Policy Center, da Boston University. Desde 2015 a China é o principal parceiro comercial da América do Sul. As vendas de equipamentos militares também são crescentes. Destaca-se a Venezuela, mas várias outras nações das América do Sul e Central e do Caribe têm adquirido diversos tipos de materiais de defesa dos chineses.

Isso ao mesmo tempo que do outro lado do mundo a “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative, na tradução chinesa para o inglês), a principal ação de relações exteriores do governo Xi Jinping, ganha impulso. Trata-se de uma iniciativa que visa a fortalecer os laços econômicos com os países da Ásia, África e Europa, o que poderia, em tese, criar uma dependência econômica que alinharia esses países à China e aos seus interesses geopolíticos.

O mundo vive uma era de crescentes riscos para a segurança e nós deveríamos estar atentos aos “tombos dos dados” que podem afetar-nos como país, conforme bem destacou o professor Celso Lafer em artigo neste espaço, em 19 de agosto. E como ele lembrou, citando Hanna Arendt, “somos do mundo, e não apenas estamos no mundo”.

As disputas geopolíticas estão sendo travadas à luz do dia e nos afetam. O Brasil, por seu tamanho, sua importância, sua História e seu destino, não pode ficar a reboque dos acontecimentos.