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O SUBMARINO RIACHUELO

No próximo dia 14, a Marinha do Brasil lança ao mar o “Riachuelo”, primeiro submarino de sua classe fabricado no Brasil. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), uma parceria estratégica entre o Brasil e a França, prevê, além dele, a construção de mais 3 submarinos convencionais e um de propulsão nuclear.

Trata-se de uma grande vitória e de um momento histórico. Quase uma década após o marco inicial da construção, finalmente o S-40 Riachuelo vai navegar.

A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) são os documentos norteadores da política e da estratégia de defesa nacionais. Regulam, dentre muitas outras coisas, quais são os Objetivos Nacionais de Defesa do Brasil e como estes serão alcançados. Para alcançar o objetivo de “garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial”, dentre uma série de outras ações, a Marinha do Brasil tem a incumbência de garantir a tarefa estratégica de “negar o uso do mar a qualquer concentração de forças inimigas que se aproxime do Brasil por via marítima”.

O mar é fundamental para o Brasil. São mais de 8 mil Km de costa. Mais da metade da população vive em cidades situadas em até 60 Km do litoral. Aproximadamente 95% de nossas importações e exportações são feitas por via marítima. Mais do que isso, cerca de 90% do petróleo produzido no país, bem como a maior parte do gás natural, vem do mar. A riquíssima biodiversidade, o enorme potencial pesqueiro, as possibilidades da navegação de cabotagem e o turismo marítimo são outros aspectos que podem ser citados.

A Marinha, para chamar atenção para o tamanho e potencialidades do nosso mar, cunhou a expressão “Amazônia Azul”. A intenção da analogia com a Amazônia é demonstrar que a área marítima sob responsabilidade brasileira, somatório do mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental, chega a 4,5 milhões Km2, área comparável em extensão e biodiversidade à Amazônia propriamente dita. Ter jurisdição sobre uma área tão grande é uma pesada responsabilidade. A defesa de riquezas tão importantes não pode ser relegada.
Além da chamada Amazônia Azul, é importante considerar a relevância estratégica do Atlântico Sul. Desde 1986, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), congrega 24 países da América do Sul e da África banhados pelo Atlântico Sul. O Brasil, como signatário, assumiu compromissos com a manutenção da paz, da estabilidade e do desenvolvimento sustentável da região, além de também comprometer-se com a conservação do meio ambiente marinho.

O submarino é a arma por excelência para a negação do uso do mar por sua capacidade de se ocultar e surpreender possíveis invasores. Logo, é a arma ideal para dissuadir a presença de qualquer ameaça à Amazônia Azul ou a de qualquer ator que possa causar a desestabilização do Atlântico Sul.

O Riachuelo, submarino da classe Scorpène, tem mais autonomia, pode ficar mais tempo submerso e é mais silencioso que os demais submarinos atualmente em operação na Marinha do Brasil. Constitui-se, portanto, em um relevante ganho operativo para a Força de Submarinos da Esquadra. Por ser um submarino convencional, com propulsão diesel elétrica, precisa subir próximo à superfície para aspirar ar atmosférico em determinados intervalos de tempo, para renovar o ar ambiente e permitir o funcionamento dos motores.

Um submarino de propulsão nuclear, por sua vez, tem seu tempo sob a água limitado não por necessidades técnicas relacionadas à sua propulsão, mas sim pela capacidade de transportar os suprimentos e pela própria capacidade da tripulação de permanecer submersa. Assim, sua capacidade de deslocar-se de modo furtivo por longas distâncias e de surpreender possíveis invasores é muitas vezes aumentada.

A produção dos submarinos convencionais e do submarino nuclear previstos no PROSUB dá-se segundo um modelo conhecido como tríplice-hélice: governo, indústria e academia impulsionam de forma sinérgica o programa, gerando inovação. A Marinha, em cumprimento ao previsto na PND e na END e apoiada por uma política de Estado que se caracteriza por prolongar-se no tempo e estender-se por diferentes governos, definiu as necessidades, celebrou os acordos com a França, inclusive os de transferência de tecnologia, fechou os contratos e executa o programa. A Indústria Nacional produz de forma inovadora, apropriando-se de novas tecnologias, gerando renda e empregos. As universidades e institutos de tecnologia civis e militares fazem pesquisas aplicadas às necessidades do programa, geram novos conhecimentos, formam e aperfeiçoam recursos humanos.

A capacidade de projetar e de fabricar submarinos nucleares está hoje restrita a um rol muito pequeno de países. Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. Ao perseguir incansavelmente este objetivo, desde a década de 1970, a Marinha do Brasil dá provas de determinação e resiliência. O lançamento do Riachuelo é um passo importante e fundamental, que dá novo ânimo aos que perseguem incansavelmente este objetivo.

Que seja também uma oportunidade para a sociedade brasileira refletir sobre a importância do mar e de sua exploração econômica sustentável, levando em consideração a preservação do ecossistema marítimo. Que também se perceba o valor do desenvolvimento científico/tecnológico e industrial obtido no processo de aquisição de tecnologia e de construção do submarino. Mais ainda, que se consolide o entendimento por parte de toda a sociedade da relevância da manutenção do fluxo de recursos necessários para programas como o PROSUB. Afinal, esses programas estratégicos das Forças Armadas provêm segurança e defesa, desenvolvem tecnologias, produzem riquezas e colaboram sobremaneira para o desenvolvimento econômico e social do país.




ECOS DA GUERRA DO PACÍFICO

No último dia 1º de outubro, a Corte Internacional de Justiça de Haia, principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas, decidiu contrariamente à Bolívia, que havia levado àquele tribunal, no ano de 2013, uma solicitação no sentido de que o Chile fosse obrigado a negociar com a Bolívia uma solução para que esta voltasse a ter uma saída soberana para o mar. A decisão pode ser encontrada na página eletrônica do Tribunal, no endereço https://www.icj-cij.org/files/case-related/153/153-20181001-JUD-01-00-EN.pdf .

A decisão evidentemente repercutiu bastante na Bolívia. A Constituição daquele país, em seu artigo 267, estabelece que “o Estado boliviano declara seu direito irrenunciável e imprescritível sobre o território que lhe dê acesso ao Oceano Pacífico e seu espaço marítimo. A solução efetiva do desentendimento marítimo através de meios pacíficos e o exercício pleno da soberania sobre o dito território constituem objetivos permanentes e irrenunciáveis do Estado boliviano”. A decisão é também um revés político para o Presidente Evo Morales, que mantém a aspiração de alcançar a saída para o mar como um dos principais objetivos de sua política exterior.

Para entender o problema, é importante relembrar sua origem. Chile e Bolívia tornaram-se independentes da Espanha em 1818 e 1825, respectivamente. À época, a Bolívia possuía uma costa de aproximadamente 400 km junto ao Oceano Pacífico, na Região de Antofagasta. Em 1866 e 1874, os dois países estabeleceram tratados de limites que confirmaram a saída boliviana para o mar.

Em 05 de abril de 1879, o Chile declarou uma guerra à Bolívia e ao Peru, que ficou conhecida como Guerra do Pacífico.  A causa imediata do conflito foi o aumento dos impostos cobrados pelo governo boliviano das empresas chilenas que exploravam o salitre na região. Pelo entendimento do governo chileno, esse aumento contrariava uma das cláusulas do tratado de limites de 1874. O Peru foi envolvido na guerra em razão de um acordo que havia firmado com a Bolívia, comprometendo ambos os países a se apoiarem mutuamente em caso de guerra contra o Chile.

Ao final da guerra, em 1884, o Chile havia conquistado a região costeira boliviana, bem como a região peruana de Tarapacá. Em outubro de 1904, Chile e Bolívia celebraram um acordo definitivo de paz. Por esse acordo, os territórios ocupados pelo Chile durante a guerra seriam reconhecidos como chilenos “absoluta e perpetuamente”. As fronteiras entre os dois países foram demarcadas e o Chile se comprometeu a construir uma estrada de ferro ligando El Alto, no platô andino boliviano, ao porto de Arica. Essa estrada foi construída, sendo inaugurada em 1913. Além disso, o Chile garantiu à Bolívia o direito de estabelecer agências aduaneiras nos portos de Arica e Antofagasta, tendo “amplo e gratuito” direito de trânsito comercial.Apesar do acordo, em 1919 a Bolívia apresentou ao Chile seu pleito de reaver o território costeiro, independentemente do que havia sido estabelecido no tratado de paz de 1904. Desde então, tal pleito foi renovado inúmeras vezes, até os dias de hoje.

Outro fato relevante aconteceu em 1929, quando Chile e Peru celebraram um acordo, no qual os dois países se comprometeram a não ceder qualquer território a um terceiro país sem o prévio consentimento da outra parte. Este pacto acabou sendo determinante em 1975, quando o Chile e a Bolívia quase chegaram a um acordo, que foi desfeito pela não aceitação dos termos pelo Peru.

Assim, o revés boliviano determinado recentemente pela decisão do Tribunal de Haia é mais um que se soma a uma grande série de derrotas diplomáticas, desde 1919. Mas de forma nenhuma terá o condão de encerrar o assunto ou diminuir o ímpeto boliviano de alcançar aquele que é um dos objetivos nacionais permanentes, expresso em sua Constituição.

Há aspectos comerciais e econômicos envolvidos. A Bolívia, como país mediterrâneo, sempre dependerá dos países vizinhos para estabelecer seu comércio internacional. Altos custos de transportes, infraestrutura inadequada, dificuldades burocráticas no estabelecimento de negociações comerciais que envolvam terceiros países, tudo isto constitui gargalos que impedem que o país participe com mais efetividade do comércio internacional, dificultando seu crescimento econômico.

Há também o aspecto do orgulho nacional, ferido pela perda do território, que alimenta o desejo praticamente unânime na população boliviana de reaver o acesso ao mar. E este aspecto, que sempre foi relevante, torna-se ainda mais importante nos dias atuais de instantaneidade na comunicação. Nas mídias sociais bolivianas, o assunto, aglutinado em hashtags como as #MarParaBolivia e #MarParaLosPueblos atingiram milhares de postagens nos dias seguintes à decisão da Corte de Haia, galvanizando a opinião pública.

A decisão da Corte Internacional de Justiça, embora não obrigue o Chile a negociar, lembra que as partes não estão impedidas de continuar os diálogos e intercâmbios, que remontam à década de 1920, na busca de uma solução para a questão.

O caso nos alerta para as questões geopolíticas sul-americanas, no entorno imediato do Brasil. A busca boliviana por recuperar uma saída para o mar, perdida em uma guerra do século 19, é a reafirmação da importância que se deve dar ao estudo de tais questões, em especial as que afetam um país com o qual temos quase 3500 km de fronteira. O General Carlos de Meira Mattos, autor de vasta obra que merece ser mais bem conhecida pelos brasileiros, define em seu livro “Geopolítica e Modernidade”, que a geopolítica é a “aplicação da política aos espaços geográficos, sob a inspiração da história”. Parece uma definição feita sob medida para o caso: um espaço geográfico antes boliviano e agora chileno, no qual se travou uma guerra e que, há cem anos, é objeto de disputa diplomática.




TAMBORES DA GUERRA?

A Rússia acaba de encerrar a Operação Vostok 2018. Tratou-se certamente do maior exercício militar russo desde o fim da guerra fria. Talvez tenha sido o maior da História. O Ministério da Defesa daquele país divulgou que cerca de 300 mil militares participaram, utilizando mil aeronaves, 80 navios e 36 mil veículos. Tropas da China e da Mongólia também estavam presentes. Embora seja muito provável que esse número esteja consideravelmente inflado, a operação não deixa de ser impressionante. A título de comparação, as manobras do ano passado, chamadas Zapad 2017 e realizadas no Leste Europeu, envolveram, em números oficiais, 12.700 militares.

Manobras militares têm muitas finalidades. Do ponto de vista tático/operacional, servem como excelente ferramenta de treinamento, permitindo a imitação do combate e o emprego conjunto das forças de terra, ar e mar, além da prática dos sistemas de armas, dos sistemas de comando e controle, de cibernética, e de uma infinidade de outros aspectos da guerra. Do ponto de vista logístico, que parece ter sido um dos mais relevantes neste caso, é uma excelente oportunidade de verificar e testar as linhas de transporte, permitir a chamada “aproximação dos meios”, o deslocamento de tropas e de todo o apoio logístico desde suas bases até o teatro de operações – onde as operações militares são realizadas. Não esqueçamos que essa é uma tarefa especialmente complexa quando se trata da Rússia, país de dimensões continentais, que se estende por toda a Eurásia, das fronteiras com os países europeus até o Estreito de Bering e o Oceano Pacífico, no extremo oriental asiático.

Mas além desses aspectos eminentemente militares há os aspectos estratégicos e geopolíticos, talvez ainda mais relevantes. A dissuasão é uma antiga e importante estratégia de segurança. Por meio dela um país demonstra possuir poder militar suficiente e apto a ser empregado de imediato, capaz de se contrapor a qualquer ameaça. Nessa direção, a realização do Vostok 2018 faz todo o sentido: uma grande demonstração de força destinada a impressionar e dissuadir potenciais adversários.

Há também a participação da China. Divulgou-se que o Exército Popular de Libertação enviou ao Teatro de Operações 3.200 militares, cerca de mil veículos e 30 aeronaves. O emprego das tropas de forma combinada com a Rússia já havia sido utilizado em manobras no âmbito da Organização de Cooperação de Xangai (Shangai Cooperation Organization). Entretanto, aqueles exercícios usavam como cenário operações contra ameaças não tradicionais – terrorismo, catástrofes naturais e ilícitos transnacionais, por exemplo. Agora, pela primeira vez desde a década de 1960, os exércitos dos dois países operam juntos num cenário de guerra de alta intensidade. Esse tipo de treinamento é muito importante para a China. Operar com outro exército não é tarefa fácil. Conciliar diferentes doutrinas, técnicas, táticas, procedimentos, equipamentos, mentalidades, tudo isso enfrentando a barreira de um idioma completamente diferente, é complexo e exige muita prática.

Do ponto de vista geopolítico, as manobras enviam um recado aos Estados Unidos e seus aliados da Otan: China e Rússia são capazes de atuar em conjunto num cenário de guerra de alta intensidade e de amplo espectro. E essa capacidade é demonstrada exatamente neste momento de conflito comercial nas relações sino-americanas e de tensões políticas entre Rússia e EUA em razão das acusações de interferência nas eleições norte-americanas e pelas posições antagônicas assumidas por cada uma das potências na Síria e no Leste Europeu.

A China, além do mais, tenta demonstrar que é capaz de operar fora de seu território. Mas não só isso. Ao mesmo tempo que tenta impressionar os russos enviando tropas de elite, resultado de um processo de crescente modernização de suas Forças Armadas, os chineses têm a rara oportunidade de operar com um exército formado por soldados experimentados em combate. As lições aprendidas pelos comandantes russos nas guerras da Síria e da Ucrânia certamente serão de algum modo transmitidas aos inexperientes comandantes chineses.

Todo o cenário aponta para uma preocupação crescente dos estrategistas militares com a possibilidade de eclosão de um conflito de largas proporções envolvendo as grandes potências. Tratei desse assunto neste espaço, em 18 de abril, quando escrevi sobre a nova Estratégia de Defesa dos EUA, que reorienta a preparação de suas Forças Armadas na direção da preparação para conflitos de alta intensidade, ao invés da chamada guerra ao terror.

O analista militar russo Pavel Felgenhauer, citado pela versão eletrônica do jornal japonês The Japan Times em reportagem de 10 deste mês, diz que o Vostok 2018 “não é apenas sobre mandar um sinal, ou uma mensagem, mas a preparação para uma guerra real de grande magnitude”. O analista russo declara ainda que “o Estado-Maior russo acredita que uma guerra mundial acontecerá depois de 2020, ou em uma guerra global, ou em uma série de conflitos de magnitude”.

Não se trata de anunciar o fim do mundo, ou de afirmar que a humanidade caminha de forma inexorável para uma guerra de grandes proporções. As relações internacionais são sujeitas a um enorme número de variáveis e guerras sempre podem ser evitadas. Quase ao mesmo tempo que os tambores da guerra tocavam no Vostok 2018, perto dali, na Península da Coreia, os presidentes das Coreias do Norte e do Sul se encontravam, em mais um passo em favor da paz e na direção do encerramento formal da Guerra da Coreia.

Fazendo votos de que a paz sempre encontre o caminho, fica o alerta para que os espectadores, como nós aqui, do outro lado do mundo, não deixemos de estar atentos a eventos que certamente trarão consequências para o Brasil e para os brasileiros.




UM MUNDO MULTIPOLAR

O general fuzileiro naval James Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos, esteve em visita à Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, em 14 de agosto. Foi apenas uma das escalas do militar da reserva em sua viagem à América do Sul, que também incluiu a Argentina, o Chile e a Colômbia. Em sua palestra para os alunos do Curso de Altos Estudos, Política e Estratégia (Caepe), o experiente soldado, comandante de tropas nas guerras do Iraque e do Afeganistão, destacou que selecionara três prioridades no desempenho de sua função, equivalente à de Ministro da Defesa na estrutura brasileira.

A primeira prioridade seria aumentar a letalidade dos militares americanos, de modo a aumentar também a dissuasão em face de possíveis agressores. A segunda seria ampliar e fortalecer o relacionamento das Forças Armadas norte-americanas com as forças dos países aliados. E a terceira prioridade, melhorar as práticas gerenciais e o trato com o dinheiro público no âmbito do Departamento de Defesa.

Neste artigo, vou me ater às duas primeiras prioridades citadas. A primeira alinha-se perfeitamente com o movimento feito pelos EUA no sentido de redirecionar sua estratégia de defesa e reestruturar suas Forças Armadas. Após um período em que se dedicou quase que exclusivamente à guerra assimétrica, enfrentando oponentes que de forma alguma poderiam contrapor-se ao poderio econômico, bélico e industrial norte-americano, os EUA agora reconhecem que, na atual realidade de distribuição multipolar do poder, podem ser desafiados por oponentes com capacidade militar equivalente ou mesmo, em alguns aspectos, superior. Estamos falando da Rússia e da China.

Para fazer face a esse desafio os EUA reestruturam suas Forças Armadas. Recentemente foi criado um Comando para o Exército do Futuro, focado no desenvolvimento de novas capacidades e na adoção de novas tecnologias para o Exército. Isso para não falar na anunciada e ainda não muito clara criação da chamada Força Espacial, que seria mais uma força armada norte-americana.

Quando falou da segunda prioridade, o general Mattis deixou clara a finalidade de sua visita. Estava tratando justamente de tentar “ampliar e fortalecer o relacionamento com os países aliados”. Fez referência a um valor caríssimo aos militares de todo o mundo: a camaradagem e a amizade forjada nos campos de batalha. Citou o fato histórico da aliança que uniu brasileiros e americanos nos campos de batalha da Itália durante a 2.ª Guerra Mundial e lembrou o fato de sermos, Brasil e Estados Unidos, as duas maiores democracias do Ocidente. Elogiou a Escola Superior de Guerra e lembrou a presença constante de estudantes americanos na instituição.

Falou ainda sobre o que entende ser o objetivo de nações que têm “valores comuns” e “interesses compartilhados”: a construção de um hemisfério que seja uma “ilha de democracia e prosperidade num mundo instável”. A transcrição do discurso do general Mattis pode ser encontrada no site da ESG.

O movimento da diplomacia militar norte-americana em direção aos principais países sul-americanos coincidiu com um fato diplomático significativo. Como se sabe, a China considera Taiwan uma província rebelde e não aceita que os países mantenham relacionamento diplomático com o governo da ilha. Fazer essa escolha implica necessariamente abrir mão de ter relações diplomáticas com a China.

Pois bem, praticamente ao mesmo tempo que Mattis visitava a América do Sul, na América Central, El Salvador, que mantinha relacionamento diplomático com Taiwan, mudou de posição e passou a reconhecer a República Popular da China. Atualmente, apenas 16 países no mundo, além do Vaticano, ainda optam por se relacionar com Taiwan, ao invés da China, a grande maioria da América Central e do Caribe – Belize, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas são exemplos. O movimento de El Salvador foi feito pouco tempo depois de o Panamá e a República Dominicana terem feito o mesmo. É desnecessário salientar quão significativo do ponto de vista geopolítico é a balança mudar de lado justamente nesses países localizados geograficamente tão perto dos EUA.

O aumento da influência econômica chinesa nas Américas do Sul e Central é evidente. As trocas comerciais entre o gigante asiático e a América Latina e o Caribe chegaram a US$ 244 bilhões ano passado, duas vezes mais que uma década antes, de acordo com o Global Development Policy Center, da Boston University. Desde 2015 a China é o principal parceiro comercial da América do Sul. As vendas de equipamentos militares também são crescentes. Destaca-se a Venezuela, mas várias outras nações das América do Sul e Central e do Caribe têm adquirido diversos tipos de materiais de defesa dos chineses.

Isso ao mesmo tempo que do outro lado do mundo a “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative, na tradução chinesa para o inglês), a principal ação de relações exteriores do governo Xi Jinping, ganha impulso. Trata-se de uma iniciativa que visa a fortalecer os laços econômicos com os países da Ásia, África e Europa, o que poderia, em tese, criar uma dependência econômica que alinharia esses países à China e aos seus interesses geopolíticos.

O mundo vive uma era de crescentes riscos para a segurança e nós deveríamos estar atentos aos “tombos dos dados” que podem afetar-nos como país, conforme bem destacou o professor Celso Lafer em artigo neste espaço, em 19 de agosto. E como ele lembrou, citando Hanna Arendt, “somos do mundo, e não apenas estamos no mundo”.

As disputas geopolíticas estão sendo travadas à luz do dia e nos afetam. O Brasil, por seu tamanho, sua importância, sua História e seu destino, não pode ficar a reboque dos acontecimentos.




O ENCONTRO DE CÚPULA DE HELSINQUE

Um dia após premiar os franceses, campeões da Copa da Rússia, perante uma audiência global de mais de 1 bilhão de pessoas, Vladimir Putin viajou a Helsinque, capital da Finlândia, para encontrar-se com o presidente dos EUA, Donald Trump.

O encontro ocorreu após uma intensa movimentação diplomática de ambos os presidentes. Putin vinha de encontrar-se na semana anterior com Ali Akbar Velayati, ex-ministro das Relações Exteriores do Irã, homem de confiança e conselheiro do presidente Ali Khamenei. Antes disso, em 11 de julho, reunira-se com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A guerra civil na Síria certamente esteve na pauta das conversas.

Trump encerrou com o encontro de Helsinque uma atribulada viagem à Europa, que se iniciou em Bruxelas, com a reunião dos países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Foi um encontro tenso, no qual Trump exigiu que países-membros da aliança militar aumentassem seus gastos com defesa. Ao mesmo tempo, criticou fortemente a Alemanha por, no seu entender, depender excessivamente do fornecimento de gás natural russo. De Bruxelas, seguiu para Londres, para encontrar-se com a primeira-ministra Thereza May. Lá, concedeu uma entrevista em que criticou May pela forma como está conduzindo a saída do Reino Unido da União Europeia. Trump ainda encontrou tempo para chocar os líderes europeus declarando que a União Europeia seria “inimiga comercial” dos EUA.

A semana que antecedeu a reunião de Helsinque contextualiza o encontro e mostra como é o momento dos dois presidentes. Putin vive fase de grande visibilidade, surfando a onda positiva de ter sido o anfitrião de uma Copa do Mundo. Trump, bastante criticado no seu país e na Europa, acusado de tratar melhor os russos, inimigos históricos, do que os próprios aliados europeus. Como se não bastasse, no dia do encontro uma sequência inacreditável de publicações no Twitter expôs Trump a uma onda de críticas ainda maior. Ele escreveu que o relacionamento entre os EUA e a Rússia nunca tinha estado tão ruim quanto atualmente graças a muitos anos de “tolices e estupidez” dos próprios EUA. Imediatamente depois, a conta oficial do Ministério das Relações Exteriores russo respondeu simplesmente: “Nós concordamos”. Talvez seja um caso único na história em que um presidente publicamente e algumas horas antes de se encontrar com o maior adversário reconhece que os problemas que existem entre seus países são de sua própria culpa.

Os problemas a que o presidente Trump se refere e que colocaram as relações entre Rússia e EUA num nível alto de tensão são variados e complexos. Há a questão da interferência dos russos, acusados de atuar por meio de ações de guerra cibernética nas eleições americanas de 2016. Há, também, a guerra civil na Síria, com toda a sua complexidade, que opõe nos campos de batalha sírios coalizões lideradas, de um lado, pelos EUA e, de outro, pelos russos. Outro ponto de grande sensibilidade são a anexação da Crimeia e a ação militar russa (encoberta, mas nem tanto) na Ucrânia, que é a causa das sanções econômicas impostas à Rússia pelos EUA e por seus aliados.

Como se vê, assuntos a serem resolvidos – ou pelo menos que merecessem alguma tentativa de encaminhamento de soluções futuras – não faltavam. Entretanto, na entrevista coletiva concedida ao término da reunião, Trump focou suas respostas na política interna, preocupado em tentar demonstrar que os russos não interferiram nas eleições que o conduziram ao poder. Afinal, admitir tal interferência, tida como certa pelas próprias autoridades das agências de inteligência norte-americanas, seria de alguma forma admitir uma sombra de ilegitimidade no processo eleitoral que o conduziu à presidência. Para isso, disse que Putin negara peremptoriamente tais ações e que ele não tinha nenhum motivo para desconfiar de que isso não fosse verdade. Evidentemente, Putin disse o mesmo. Quanto à crise da Ucrânia/Crimeia, nenhuma novidade. Quanto à Síria, a reafirmação de que ambos os países estão combatendo os terroristas. Ou seja, quanto aos assuntos que realmente importam do ponto de vista geopolítico, nada de relevante.

Ou quase nada. Putin e Trump afirmaram que a era de desconfianças da guerra fria não deveria existir mais, que o mundo hoje mudou e que não deveria haver razão para tensões entre Rússia e EUA.

Essa afirmação não encontra amparo na realidade e é negada pelos próprios documentos de nível político/estratégico de ambos os países. A Estratégia Nacional de Defesa dos EUA, documento de janeiro deste ano, portanto da administração Trump, identifica que os EUA enfrentam uma era em que a competição estratégica entre os Estados é a maior ameaça à segurança e cita a Rússia como um país que viola fronteiras e pressiona diplomática e economicamente seus vizinhos.

Já os russos, em sua Estratégia de Segurança Nacional, publicada em 31 de dezembro de 2015, citam que os EUA e aliados, a fim de manter a atual dominância sobre os assuntos internacionais, adotam uma “política de contenção” que se opõe à implementação de uma política externa russa independente. Expressa, ainda, que a Otan atua em violação às normas do Direito Internacional, expandindo as atividades militares em direção às fronteiras da Rússia, sendo uma ameaça à segurança daquele país.

Ou seja, o discurso de Trump foi focado em seus problemas internos e não levou em consideração os graves desafios geopolíticos identificados nos documentos produzidos por sua própria administração. Já Putin, para aproveitar a metáfora futebolística, entrou em campo e nem precisou se defender. O adversário cedeu o terreno e ele jogou solto, fez embaixadinhas para a torcida e correu para o abraço. A torcida adversária e os comentaristas não entenderam nada…




A CÚPULA DE CINGAPURA

Se não houver nenhuma surpresa – e isso sempre é possível em se tratando de Kim Jong-un e Donald Trump –, terça-feira, 12/6, às 9 horas locais, no Hotel Capella, em Cingapura, será realizada a aguardada reunião de cúpula entre os presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte.

O encontro é inédito, pois pela primeira vez vão se reunir presidentes desses países. Esse fato certamente será explorado por ambos como uma vitória. Trump poderá apresentar-se ao público como um estadista, capaz de negociar como nunca um presidente americano conseguiu. Kim Jong-un se fortalecerá perante os cidadãos de seu país como o líder que obrigou a superpotência a negociar. A vitória para ambos será ainda maior se for anunciada alguma ação concreta em favor da paz. Nesse aspecto, não se descarte a possibilidade da celebração de um tratado de paz entre as Coreias. Há notícias de que o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, estaria trabalhando nesse sentido e poderia juntar-se a Trump e Kim para fazer esse anúncio. Seria um grande troféu a ser exibido pelos três líderes e um significativo passo em favor da paz na Península Coreana.

Quando se concretizar, a formalização do fim da Guerra da Coreia, mais de 60 anos depois do fim dos combates, certamente será um acontecimento a ser comemorado. Será politicamente relevante e encerrará uma página triste da História, sendo um primeiro passo em direção da normalização da relação entre as Coreias e entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos. Infelizmente, contudo, terá pouquíssimo peso na solução definitiva da atual questão coreana.

Isso porque a chave do problema é a “desnuclearização” da Península Coreana. Essa é a exigência da comunidade internacional e será essa a cobrança que os Estados Unidos farão. Uma “completa, verificável e irreversível” desnuclearização. A Coreia do Norte dirá que também deseja uma península livre de armamento nuclear. Entretanto, para Kim Jong-un isso significa a retirada dos cerca de 24 mil soldados, a maior parte integrantes do 8.º Exército norte-americano, que estão na Coreia do Sul desde o fim das hostilidades, em 1953. Além disso, Kim exigirá o fim da ameaça de emprego de armamento nuclear pelos Estados Unidos.

Bem, sobre esse aspecto fundamental, a chance de um acordo é remotíssima. Em primeiro lugar, o próprio presidente da Coreia do Sul recentemente declarou que a presença de tropas americanas no país é resultado da aliança militar com os Estados Unidos e deverá ser mantida, mesmo com a celebração da paz. Jim Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos, também declarou que a manutenção das tropas na Coreia do Sul é inegociável.

Neste ponto devemos lembrar que a Península Coreana não é o único foco de tensão na Ásia. Ao contrário. A atitude cada vez mais desafiadora da China, as tensões que envolvem as disputas territoriais no Mar do Sul da China, a questão de Taiwan, a rivalidade sino-japonesa, que envolve até mesmo disputas territoriais, tudo isso são fatores que exigem, do ponto de vista dos Estados Unidos, mais presença militar na região, não menos.

Além disso, uma menor presença militar norte-americana na área afetaria profundamente o Japão, que provavelmente se sentiria forçado a rever sua postura, modificar sua Constituição – chamada pacifista – e ampliar sensivelmente sua capacidade militar, trazendo ainda mais tensão à área.

A Coreia do Norte, por sua vez, alegará que a presença das tropas norte-americanas estacionadas no vizinho do sul são uma ameaça e que não pode abrir mão de seu armamento nuclear, que seria exclusivamente utilizado para a “autodefesa”. Assim, estará dado o motivo para não proceder a uma “completa, verificável e irreversível” desnuclearização.

Mas a pressão dos embargos econômicos é muito grande e o caos econômico poderia ter consequências graves para a sobrevivência do próprio regime. Em razão disso, muito provavelmente os norte-coreanos serão obrigados a fazer algumas concessões. Tentarão uma solução faseada, com a assunção de compromissos vagos, ao longo de anos, para ganhar tempo e obter o levantamento dos embargos e vantagens econômicas.

Não se pode tratar da questão coreana sem falar da China. País-chave na geopolítica asiática e fundamental para o encaminhamento da solução do caso, a China é a fiadora da estabilidade política e econômica da Coreia do Norte. Dessa forma evita um desastre humanitário de proporções enormes em suas fronteiras, ao mesmo tempo que contrabalança a influência norte-americana no nordeste da Ásia.

O governo chinês comemoraria um acordo selado na cúpula de Cingapura. Xi Jinping certamente trabalhou nesse sentido nas recentes reuniões que teve com Kim Jong-un, uma vez que isso iria ao encontro de seus interesses, pois contribuiria para a estabilidade político-econômica da Coreia do Norte e para o aumento da sensação de segurança na Coreia do Sul. A diminuição do temor de guerra entre os sul-coreanos contribuiria para uma gradual mudança da percepção dos cidadãos quanto à necessidade da presença das tropas norte-americanas em seu território. E a retirada das tropas dos Estados Unidos da Península Coreana seria uma vitória estratégica para a China.

Como se vê, não há muitas razões para otimismo. Mas pode-se esperar um acordo entre Donald Trump e Kim Jong-un que atenda, ainda que por diferentes motivos, aos objetivos de quase todos os países envolvidos ou interessados na solução do problema. E algum entendimento provavelmente virá. Não um definitivo, que resolva de vez a questão. Mas um que ao menos alivie as tensões e atenda aos interesses imediatos de todos os envolvidos. Que seja, ao menos, o muito esperado acordo de paz que porá um ponto final formal e definitivo na Guerra da Coreia.




ENCONTRO DE INTERESSES NA FRONTEIRA ENTRE AS COREIAS

O mundo assistiu à cena entre incrédulo e maravilhado. Um jovem chefe de Estado, risonho, corte de cabelo peculiar, caminha sabendo que a atenção de todo o mundo está voltada para ele naquele momento. Salta a demarcação da fronteira entre o seu país e o vizinho do sul, com o qual está formalmente em guerra há mais de 60 anos, e cumprimenta o sorridente presidente inimigo. Braços dados, convida o anfitrião a dar um passo em direção ao norte. Pronto. Agora ambos cruzaram o paralelo 38 norte e estão no país do jovem governante. Mais uma vez retornam ao sul e dão início à mais surpreendente visita de um chefe de Estado dos últimos tempos.

A visita foi realizada após a escalada da crise verificada nos últimos anos na Península Coreana. Os testes de mísseis intercontinentais e de armamentos nucleares realizados pela Coreia do Norte de forma sucessiva e aparentemente bem-sucedida foram duramente criticados pela comunidade internacional e pesadas sanções econômicas foram impostas ao país, até mesmo por seu maior aliado, a China.

Existem algumas regras gerais teóricas para a condução de uma crise. Deixar aberturas para o entendimento e saídas honrosas para os oponentes, procurar o apoio da opinião pública nacional e internacional e manter abertos os canais de diálogo são apenas alguns exemplos. Uma análise cuidadosa dos fatos que cercam o encontro entre os líderes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul mostrará que esses princípios foram seguidos pelos principais atores internacionais envolvidos.

China, Estados Unidos e Coreia do Sul deixaram, embora não possam expressar isso claramente, uma saída honrosa para o jovem Kim Jong-un. Ele prometeu interromper os testes nucleares e desativar algumas instalações, mas em contrapartida, perante a opinião pública de seu próprio país, pôde apresentar-se como um líder forte e respeitado mundialmente, que é recebido com honras pelos principais chefes de Estado. Além disso, e mais importante, a posse do armamento nuclear, que, tudo indica, já foi suficientemente testado, não é de forma alguma ameaçada.

Vejamos os outros atores envolvidos. Comecemos pela China. É do interesse chinês a estabilidade do regime norte-coreano. Por questões pragmáticas, como evitar uma crise humanitária gigantesca e de reflexos imprevisíveis em suas fronteiras; e por motivações geopolíticas, para contrabalançar a influência norte-americana na Península Coreana. Entretanto, a Coreia do Norte é um aliado constrangedor para uma China que deseja apresentar-se ao mundo como um país moderno e responsável. Assim, não é agradável para os chineses terem de ficar se explicando sobre o apoio ostensivo ou velado ao regime norte-coreano. Em razão disso, desde 2017 a China vem se alinhando à comunidade internacional e impondo sanções comerciais mais duras à Coreia do Norte. No final de março, Kim Jong-un esteve em Pequim, em visita ao presidente Xi Jinping. É bastante provável que todos os passos seguintes, incluída essa visita à Coreia do Sul, tenham sido discutidos na ocasião.

O líder da Coreia do Sul, por sua vez, ganha muito. Moon Jae-In, que assumiu o governo após o impeachment da presidente Park Geun-hye, se fortalece perante a opinião pública de seu país e tem grandes possibilidades de passar para a História como o presidente que assinou a paz com a Coreia do Norte. Ao mesmo tempo, a população sul-coreana, cansada da tensão permanente, vislumbra a possibilidade de virar essa página triste da História e de implementar ações que possibilitem uma maior integração com seu vizinho do norte. Entretanto, é bastante improvável que haja qualquer modificação na aliança militar existente entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos.

Por falar em Estados Unidos, o presidente Donald Trump ganha muitos pontos. Capitaliza os resultados daquela reunião na distante Península Coreana como uma vitória pessoal. No Twitter comemorou os progressos e divulgou os preparativos para a reunião que terá, em breve, com o líder norte-coreano. Ora, para um líder bastante contestado, especialmente pela grande imprensa do seu país e da Europa, exibir um resultado como esse não deixa de ser surpreendente. Um acordo de paz que formalmente ponha fim à Guerra da Coreia, episódio marcante para a sociedade norte-americana, em que milhares de soldados perderam a vida, será uma grande vitória da administração Trump.

O ponto é que esse encontro entre os líderes das duas Coreias, um espetáculo midiático bem ensaiado, com direito a transmissão ao vivo para todo o mundo, atendeu aos anseios de todos os países envolvidos. Talvez acene com uma esperança de acordo de paz, o que não deixa de ser uma boa notícia. Mas dificilmente significará uma Península Coreana livre de armamento nuclear, ou uma distensão do regime ditatorial norte-coreano, ou a reunificação.

A Coreia do Norte fará promessas bem-intencionadas, que servirão de pretexto perfeito para o afrouxamento das sanções econômicas chinesas. Serão adotados novos procedimentos para que familiares separados pela guerra possam reencontrar-se, cruzando o tristemente famoso paralelo 38 norte. Donald Trump se reunirá com Kim Jong-un perante os olhos do mundo todo. Talvez seja celebrada a paz entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Não se vislumbra, entretanto, modificação relevante na presença militar norte-americana na península. Nem que a Coreia do Norte destrua seu arsenal nuclear. Nem que os chineses deixem de colaborar para a estabilidade do regime de Kim Jong-un.

O encontro na fronteira das Coreias não muda o fato de que hoje a paz possível naquela região é a paz armada, baseada na dissuasão militar, aos moldes da bastante conhecida guerra fria. Talvez não seja a paz ideal, mas ainda assim é infinitamente melhor do que a guerra.




NOVA ESTRATÉGIA DE DEFESA DOS EUA E ATAQUE À SIRIA

Na sexta-feira 13 de março, EUA, Reino Unido e França lançaram um ataque contra instalações governamentais sírias que seriam locais de produção e armazenamento de armas químicas. As potências ocidentais justificaram a ação como sendo uma retaliação pelo emprego desse tipo proibido de armamento pelo governo de Bashar Assad contra rebeldes na localidade de Douma.

Analistas apressam-se a encontrar explicações e justificativas para o ataque. Neste texto pretendo mostrar que uma leitura da nova Estratégia de Defesa dos EUA, tornada pública em janeiro, pode auxiliar no entendimento global da situação.

A nova Estratégia de Defesa é assinada por Jim Mattis, atual secretário de Defesa. Mattis é general fuzileiro naval da reserva. Trata-se de um secretário de Defesa respeitado entre os profissionais militares, experiente e experimentado em combate.

Logo no primeiro parágrafo do documento está escrito que o emprego das Forças Armadas dos EUA são opção para, reforçando as tradicionais ferramentas diplomáticas do país, o presidente e os diplomatas negociarem em posição de força. A estratégia reconhece claramente que a superioridade militar que os EUA ainda têm sobre seus possíveis adversários está diminuindo. Isso confere ao texto um sentido de urgência na busca do restabelecimento de uma superioridade militar que volte a ser ampla e incontestável.

A edição marca uma nova visão norte-americana em relação à defesa. A chamada guerra ao terror perde importância. A competição entre Estados nacionais passa a ser (novamente, a exemplo dos tempos de guerra fria) a primeira preocupação dos EUA no que se refere à segurança nacional.

Os adversários nominalmente citados são China, Rússia, Coreia do Norte e Irã. O primeiro é acusado de militarizar o Mar do Sul da China e de usar o poder econômico para intimidar vizinhos. Ao segundo se atribui violação de fronteiras e intimidação de países lindeiros. A Coreia do Norte é listada pela busca do desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins militares e pelo programa de desenvolvimento de mísseis intercontinentais. Ao Irã se atribui a instabilidade no Oriente Médio, especialmente pela busca de hegemonia regional e pelo patrocínio de atividades terroristas.

Neste momento em que o governo sírio parece estar cada vez mais próximo de retomar o controle sobre todo o país, dois dos adversários citados na Estratégia de Defesa, Rússia e Irã, aliados de Assad, desempenham papel cada vez mais influente na Síria e no Oriente Médio. Na ação realizada na Síria os EUA demonstram mais uma vez aos dois antagonistas que o país ainda detém inegável superioridade militar e não vai ficar inerte vendo seus adversários ampliarem a influência política naquela região.

Voltando à leitura do documento, encontra-se a afirmação de que um ambiente internacional muito mais complexo, de mudanças tecnológicas e de crescentes desafios à segurança exige Forças Armadas mais letais, resilientes e inovadoras. Determina ainda o fortalecimento das alianças e a atração de novos parceiros internacionais. Ora, o que se viu na ação da última sexta-feira foi a reafirmação da aliança das maiores potências militares da Otan e do Ocidente, não por acaso membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: EUA, Reino Unido e França.

A Estratégia de Defesa mostra ainda outros pontos que merecem atenção. Afirma que a construção de uma Força Armada preparada para vencer a guerra exige que se atribua alta prioridade à sua preparação e ao seu adestramento. Assim, cita-se a necessidade de uma suficiente e contínua dotação orçamentária. Da mesma forma, capacidades-chave devem ser modernizadas. As forças nucleares, o espaço e o ciberespaço, os sistemas de comando e controle e de comunicações, as defesas antimísseis, inteligência artificial, robótica e logística, dentre outros, são aspectos que devem merecer atenção e modernização.

É uma espécie de reencontro das Forças Armadas com sua vocação primária. Após uma fase em que a guerra ao terror enfatizava técnicas, táticas e procedimentos adequados ao combate de contrainsurgência, completamente diferentes dos destinados ao combate convencional, retorna-se agora com toda a ênfase ao clássico inimigo identificado como sendo um ente estatal. Isso certamente trará grandes e profundas consequências no preparo e no emprego das tropas norte-americanas. Apenas um exemplo dessas mudanças: forças sobre rodas e com blindagens leves deverão gradativamente ser substituídas por forças pesadas e de maior blindagem.

No campo das relações internacionais, o documento enfatiza a importância de reforçar alianças e atrair novas parcerias. Enfatiza as regiões do Indo-Pacífico, da Europa e do Oriente Médio, sem deixar de citar a importância de um Hemisfério Ocidental estável. Chamam a atenção, pelo claro desafio aos interesses chineses e russos, as diretrizes de expandir as alianças na região do Indo-Pacífico, especialmente pelo estabelecimento de relações bilaterais e multilaterais de segurança com os países daquela área, e de fortalecer a Otan, com o objetivo de dissuadir ações russas e de controlar o arco de instabilidade na periferia da Europa.

Ao anunciar claramente suas novas prioridades estratégicas, o documento marca a firme tomada de decisão da superpotência global pela manutenção do seu status. Resta saber quais serão os movimentos das potências militares (re)emergentes que terão seus interesses político-estratégicos diretamente afetados, especialmente China e Rússia. As regiões do Mar do Sul da China e o Leste Europeu, além da Península Coreana e o Oriente Médio, devem ser as mais afetadas pelo nova posição norte-americana.




MUDANÇAS NAS PRIORIDADES DE DEFESA NORTE-AMERICANAS

No último dia 19 de janeiro, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América publicou uma sinopse da sua Estratégia de Defesa – o texto completo não foi disponibilizado por ser secreto. A versão tornou públicos os aspectos ostensivos daquela Estratégia e significa uma guinada nos rumos das Forças Armadas daquela superpotência, capaz de influenciar bastante as relações entre EUA, China e Rússia.

O documento é assinado por Jim Mattis, atual Secretário de Defesa. Mattis é General Fuzileiro Naval da reserva. Sua última função na ativa, como general de exército, o mais alto posto da carreira militar, foi a de Comandante do US Central Command, um dos seis Grandes Comandos Conjuntos dos Estados Unidos. No posto de tenente-coronel, em 1991, comandou um Batalhão na Guerra do Iraque. Como coronel, em 2001, liderou um Regimento de Fuzileiros na Guerra do Afeganistão e, promovido a general em 2003, comandou uma Divisão dos Marines na invasão do Iraque. Trata-se, portanto, de um Secretário de Defesa respeitado entre os profissionais militares, experiente e experimentado em combate.

A Estratégia reconhece, claramente, que a superioridade militar dos EUA sobre seus possíveis adversários está diminuindo. Isto confere ao texto um sentido de urgência na busca do restabelecimento de uma superioridade militar que volte a ser ampla e incontestável.

A edição marca nova visão norte-americana em relação à defesa. A chamada “Guerra ao terror” perde importância. A competição entre Estados Nacionais passa a ser (novamente, a exemplo dos tempos de Guerra Fria) a primeira preocupação dos EUA em relação à Segurança Nacional.

Os adversários nominalmente citados são China, Rússia, Coréia do Norte e Irã. O primeiro é acusado de militarizar o mar do Sul da China e de usar o poder econômico para intimidar vizinhos. Ao segundo, atribui-se violação de fronteiras e intimidação de países lindeiros. A Coréia do Norte é listada pela busca do desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins militares e pelo programa de desenvolvimento de mísseis intercontinentais. Ao Irã é conferida a instabilidade do Oriente Médio, especialmente pela busca de uma hegemonia regional e pelo patrocínio de atividades terroristas.

Um ambiente internacional muito mais complexo, de mudanças tecnológicas e de crescentes desafios à segurança, exige, na visão apresentada pelo documento, forças armadas mais letais, resilientes e inovadoras. Determina, ainda, o fortalecimento das alianças e a atração de novos parceiros internacionais.

Além disso, de acordo com o documento, a construção de uma força armada preparada para vencer a guerra exige que se atribua alta prioridade para a sua preparação e o seu adestramento. Assim, cita-se a necessidade de uma suficiente e contínua dotação orçamentária. Da mesma forma, capacidades-chave devem ser modernizadas. As forças nucleares, o espaço e o ciberespaço, os sistemas de comando e controle e as comunicações, as defesas antimísseis, a inteligência artificial, a robótica e a logística, entre outras capacidades, são aspectos que devem merecer atenção e modernização.

É uma espécie de reencontro das forças armadas com a sua vocação primária. Após uma fase em que a guerra ao terror enfatizava técnicas, táticas e procedimentos adequados ao combate de contra-insurgência, completamente diferentes daqueles destinados ao combate convencional, retorna-se, agora, com toda ênfase ao clássico inimigo identificado como sendo um ente estatal. Isto certamente trará grandes e profundas consequências no preparo e no emprego das tropas norte-americanas. Apenas um exemplo dessas mudanças: forças sobre rodas e com blindagens leves deverão, gradativamente, ser substituídas por forças pesadas e de maior blindagem.

O documento também se dedica à formação dos recursos humanos das forças armadas. Afirma, com todas as letras, que a educação militar profissional está estagnada, mais preocupada com o cumprimento dos currículos previstos do que com a letalidade ou a engenhosidade. Reafirma a importância da iniciativa em combate e da capacidade dos líderes de decidirem por si mesmos e com grande iniciativa, na eventualidade cada vez mais provável de as comunicações serem afetadas pela guerra cibernética das potências inimigas.

No campo das relações internacionais, o documento enfatiza a importância de reforçar alianças e atrair novas parcerias. Destaca as regiões do Indo-Pacífico, da Europa e do Oriente Médio, sem deixar de citar a importância de um hemisfério ocidental estável. Chamam atenção, pelo claro desafio aos interesses chinês e russo, as diretrizes para se expandirem as alianças na região do Indo-Pacífico, sobretudo pelo estabelecimento de relações bilaterais e multilaterais de segurança com os países daquela região, e para se fortalecer a OTAN, com o objetivo de dissuadir ações russas e de controlar o arco de instabilidade na periferia da Europa.

A nova Estratégia de Defesa norte-americana deve ser estudada não só pelos interessados nos assuntos de defesa, mas também por todos os observadores da cena internacional. Ao anunciar claramente suas novas prioridades estratégicas, o documento marca a firme tomada de decisão da superpotência global pela manutenção do seu “status”. Resta saber quais serão os movimentos das potências militares (re) emergentes que terão seus interesses político-estratégicos diretamente afetados, principalmente as mencionadas China e Rússia. As regiões do Mar do Sul da China e do Leste Europeu, além da Península Coreana e do Oriente Médio, devem ser as mais afetadas pelo novo posicionamento norte-americano.

Oxalá a nova realidade internacional exposta claramente na Estratégia de Defesa dos EUA desperte estudiosos e acadêmicos brasileiros para um maior interesse pelo estudo dos assuntos de defesa.