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O Exército com os olhos no futuro

“Não importa quão claramente se pense, é impossível prever com precisão o caráter do conflito futuro. A chave é não estar tão longe do alvo que se torne impossível ajustar uma vez que o personagem seja revelado”.

Sir Michael Howard

Tentar prever os acontecimentos futuros é uma tarefa arriscada. Mas, identificar tendências e possíveis cenários vindouros é uma atividade fundamental para os planejadores das mais variadas atividades humanas, na iniciativa privada ou no setor público. Somente dessa forma as organizações poderão se preparar para os desafios que o futuro lhes reserva.

No campo militar, não poderia ser diferente. Pelo contrário, é famosa a máxima que critica os exércitos que se preparam para lutar sua última guerra, em vez da próxima guerra. Winston Churchill disse certa vez que era “uma piada na Grã-Bretanha dizer que o War Office está sempre se preparando para a última guerra. Mas isso provavelmente é verdade para outros departamentos e outros países, e certamente foi verdade para o Exército francês.” O primeiro-ministro britânico se referia à invasão da França pelo exército nazista, em 1940. Os estrategistas franceses estavam preparados pala lutar a guerra de 1919, mas os alemães inovaram com a blitzkrieg e venceram os franceses em poucos dias.

A guerra de alta intensidade em curso na Ucrânia relembrou aos militares de todo o mundo que um longo período de paz não é uma garantia de que não haverá mais conflitos armados. E que, para estarem em condições de cumprir suas destinações, as Forças devem estar preparadas para as próximas guerras.

Com esse objetivo, o Exército Brasileiro acaba de publicar o manual de fundamentos Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040. Trata-se de uma antevisão da forma como se espera que a Força Terrestre cumpra sua missão no horizonte temporal do ano de 2040.

No documento, os estrategistas do Exército Brasileiro delineiam o contexto operacional futuro, no horizonte temporal de 2040. Trata-se de um esforço em caracterizar as possibilidades de futuro e suas consequentes implicações para a Defesa Nacional e para a Força Terrestre.

Assim, visualiza-se um ambiente de acirramento da competitividade interestatal, de centralidade do setor científico-tecnológico e de rearranjos de balanças de poder regionais. Além disso, diversas questões relacionadas às mudanças climáticas potencializarão tensões geopolíticas, enquanto o espaço cibernético se tornará cada vez mais um palco de atuação, muitas vezes desestabilizadora, de Estados, grupos e indivíduos. Tudo isso com profundas implicações na forma como a Força Terrestre deverá se preparar para ser empregada no cumprimento de suas missões.

As operações militares em 2040 serão realizadas em um ambiente preponderantemente urbano, de hiperconectividade, no qual a informação e a percepção que a opinião pública terá dos acontecimentos será de extrema relevância. O combate será crescentemente digitalizado e automatizado, o que imporá uma aceleração no ritmo das ações. Os ciclos decisórios serão encurtados e os responsáveis pelas tomadas de decisão terão cada vez menos tempo à sua disposição. A letalidade será mais seletiva, e as ações no campo de batalha serão muito mais monitoradas por plataformas remotas e autônomas. Isso contribuirá para uma crescente judicialização dos conflitos, uma vez que as ações dos contendores nos campos de batalha serão expostas à opinião pública mundial com muito maior facilidade.

Para cumprir suas missões nesse ambiente, o Exército deverá estar preparado para, atuando de forma conjunta com as outras forças armadas, na presença de diversas agências, das mais distintas áreas de atuação, governamentais ou não, garantir a soberania nacional negando a eventuais oponentes o acesso e a liberdade de ação em áreas de interesse nacional.

O conceito operacional, ou seja, a maneira como o Exército aplicará suas capacidades para cumprir suas missões, deverá garantir a derrota do inimigo por meio da convergência de efeitos letais e não letais, de forma sincronizada, nos diversos domínios (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético e eletromagnético) e nas três dimensões do combate (física, humana e informacional).

Para poder atuar desta forma em 2040, o Exército planeja e age de forma a aperfeiçoar as capacidades já existentes e a criar outras ainda não disponíveis, em um processo de contínuo aperfeiçoamento. A ferramenta para isso é o Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEX). Ele contém, dentre outras coisas, o Plano Estratégico do Exército que, em ciclos de quatro anos, planeja as ações e iniciativas estratégicas que vão proporcionar ao Exército as condições de fazer face aos desafios atuais e futuros. Dessa forma, os próximos quatro ciclos, que se iniciam em 2024, delineiam a trajetória do Exército até atingir o estado que se deseja alcançar em 2040.

Algumas dessas ações demonstram o acima descrito.  No que concerne aos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP), os conhecidos drones, há um projeto em andamento, inclusive com o recebimento do primeiro sistema de categoria 2[1], o Nauru 1000C. Trata-se de um sistema de fabricação nacional, composto por três aeronaves remotamente pilotadas, uma base móvel com três estações de controle de solo, duas câmeras estabilizadas, radares GMTI e SAR, scanners 3D, dois terminais de transmissão de dados de 60km e um terminal de enlace de dados de 100km. Esse equipamento adiciona importante capacidade de vigilância e sensoriamento do campo de batalha, fundamental ao combate moderno, como se comprova diariamente no conflito em curso na Ucrânia.

O programa estratégico Forças Blindadas é fundamental para a necessária transformação do Exército, especialmente na mecanização das brigadas de infantaria motorizadas[2], e na modernização das brigadas de cavalaria, ações absolutamente necessárias para a construção de um instrumento militar compatível com os desafios atuais e futuros. Contempla as diversas famílias de blindados. É no escopo desse projeto que estão o desenvolvimento e a aquisição dos blindados Guarani em suas múltiplas versões, das Viaturas Blindadas Leves Multirarefas e das modernas Viaturas Blindadas de Combate de Cavalaria Centauro 2.

O programa Astros abrange a aquisição de plataformas móveis de lançamento de foguetes e mísseis. Esses armamentos, como a guerra na Ucrânia comprova mais uma vez, são muito importantes para o combate de alta intensidade na atualidade, e permanecerão relevantes no horizonte temporal de 2040. Uma iniciativa considerável no âmbito do projeto é o desenvolvimento, pela indústria nacional, de mísseis com a capacidade de atingir, com precisão, alvos à distância de 300km, o que aumentará a capacidade dissuasória nacional.

Evidentemente, a execução de todos os programas, seus projetos, ações e iniciativas são condicionados pelas disponibilidades orçamentárias. Nesse sentido, o Exército tem aprimorado sua governança, de modo utilizar de modo ótimo os recursos que lhe são disponibilizados.

Os exemplos acima ilustram apenas alguns aspectos mais visíveis dos projetos em curso. O Plano Estratégico do Exército (2024-2027) lista cerca de 400 ações e iniciativas estratégicas que levam ao atingimento dos objetivos estratégicos do Exército.

Dessa forma, fica claro que o Exército Brasileiro está atento às grandes questões geopolíticas e às conjunturas nacional e internacional, que naturalmente condicionarão seu emprego em atendimento à suas missões constitucionais. Tudo isso para atender à máxima de “estar preparado para a próxima guerra”, e não para “as guerras já travadas”, proporcionando à nação brasileira as ferramentas militares terrestres necessárias ao enfrentamento dos complexos desafios atuais e futuros.

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[1] Equipamentos de até 150 Kg

[2] Até o momento, duas Brigadas de Infantaria Motorizadas já foram mecanizadas pelo projeto: A 15ª Bda Inf Mec, de Cascavel/PR e a 11ª Bda Inf Mec, de Campinas/SP. A 9ª Bda Inf Mtz, do Rio de Janeiro/RJ e a 3ª Bda Inf Mtz, de Cristalina/GO já começaram a receber as viaturas Guarani e as Viaturas Blindadas Leves Multitarefas.




As “Duas Sessões” – as mais importantes reuniões políticas da China

As “Duas Sessões” estão começando hoje, na China. Neste evento, que acontece apenas uma vez a cada ano reunindo cerca de 5 mil delegados de todas as regiões da China, são realizadas as reuniões da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e do Congresso Nacional do Povo (CNP). Embora sejam realizadas ao mesmo tempo, as duas reuniões têm finalidades distintas.

O 14º Congresso Nacional do Povo está inaugurando nova legislatura, empossando os cerca de 3000 delegados que permanecerão em suas funções por 5 anos, até março de 2028. Trata-se do maior corpo legislativo do mundo. Nesse período, somente reunirá todos os seus membros em 5 oportunidades anuais, por cerca de 15 dias a cada vez, justamente nas chamadas “Duas Sessões”. Na reunião de agora, sua tarefa mais importante será dar posse às mais altas autoridades chinesas, inclusive ao Presidente Xi Jinping, para seu terceiro mandato como presidente. Também empossará o primeiro-ministro, vice-ministros e as diversas instâncias administrativas de mais alto nível do governo chinês. Além disso, ocorrerão diversas votações para se aprovar as decisões do executivo chinês.

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Os integrantes do CNP são escolhidos de forma indireta, pelos congressos das províncias, regiões autônomas, municipalidades diretamente controladas pelo governo central e regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. Esses congressistas, por sua vez, foram escolhidos pelos congressos dos níveis municipais. Os de nível municipal e distrital, por sua vez, foram eleitos diretamente, por mais de um bilhão de votantes, em um processo eleitoral ocorrido no ano passado. A exceção são os deputados das forças armadas, eleitos em processos internos do Exército Popular de Libertação. Ao todo, somando-se todos os níveis, existem cerca de 2,6 milhões de parlamentares na China. A grande maioria deles integra o Partido Comunista Chinês, mas também há representantes de partidos não comunistas – sim, há outros partidos na China – e mesmo pessoas sem afiliação política. Todos os assuntos que serão tratados na reunião do CNP são agendados com antecedência e é altamente improvável que alguma votação saia em desacordo com o desejado pelo alto escalão do Partido Comunista Chinês.

A CCPPC, por sua vez, é integrada por cerca de 2,2 mil delegados, dentre os quais membros do Partido Comunista, integrantes de outros partidos, organizações de massa, pessoas sem afiliação política, representantes de classes, pessoas influentes, minorias étnicas e convidados. A Conferência não tem funções executivas ou legislativas. Seu papel é o de servir como um órgão consultivo e de assessoramento político. Ao término de duas semanas de reunião, suas dezenas de subcomitês apresentarão propostas, sobre os mais variados assuntos, ao governo.

A constituição da China, que define o Partido Comunista como a principal força política do país, especifica que oito “partidos democráticos”, oficialmente reconhecidos, têm o direito de “participar do governo” do país. Porém, na prática, esse direito é estritamente limitado a fazer propostas que o Partido Comunista pode optar por implementar ou simplesmente ignorar. Assim, diferentemente do que um observador ocidental poderia ser levado a acreditar, os partidos não-comunistas da China não são partidos de oposição e nem podem almejar o poder. O maior desses partidos é a  Liga Democrática da China – que é composta por intelectuais ligados à cultura, educação, ciência e tecnologia, com cerca de 330 mil membros. O menor partido é a Liga de Autogoverno Democrático de Taiwan, formada por taiwaneses pró-Partido Comunista e que teria cerca de 3.000 membros.

Dada a atual importância econômica e geopolítica da China, o mundo presta cada vez mais atenção aos acontecimentos políticos do gigante asiático. Compreender o seu funcionamento político, com a finalidade de prever seus movimentos e compreender suas intenções passou a ser fundamental para todos que se interessam política internacional, geopolítica, economia ou relações internacionais.

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No aniversário da guerra, dois discursos que aumentam as tensões

No dia 21 de fevereiro, no intervalo de poucas horas, os presidentes das duas maiores potências nucleares do planeta discursaram, tendo a guerra na Ucrânia, que no dia 24 completará um ano de duração, como pano de fundo.

Na Rússia, o presidente Vladimir Putin fez seu discurso anual ao congresso e às maiores lideranças civis e militares do país. Na Polônia, o presidente dos EUA, que chegava de uma histórica visita à Kiev, capital da Ucrânia, discursou para uma multidão do lado de fora do Castelo Real da Polônia.

As duas visões de mundo apresentadas não poderiam ser mais contraditórias.

Putin reafirmou sua narrativa, sem surpresas. Responsabilizou o Ocidente e a OTAN, a quem acusa de querer “destruir a Rússia”, pela guerra na Ucrânia. Atacou o governo ucraniano, chamando-o de “regime neonazista”, enfatizando que a Rússia não desistiria de seus objetivos.

Além disso, Putin reforçou a narrativa da guerra cultural, colocando a Rússia como o país que protege os verdadeiros valores cristãos e acusando o Ocidente de “destruição da família”.

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Joe Biden, por sua vez, reafirmou o compromisso dos EUA com a Ucrânia, instando as demais nações do mundo a assumirem um compromisso com o país. Afirmou que a democracia global estava em jogo e acusou a Rússia de cometer graves crimes contra civis.

Em resposta à acusação que Putin tinha feito horas antes, disse que foi a Rússia quem escolheu a guerra e que o Ocidente nunca havia planejado invadir a Rússia. Mas, afirmou que os EUA, a Europa e o mundo foram testados pela invasão russa, uma vez que teriam que escolher entre apoiar os ucranianos ou fazer vista grossa. A decisão, de acordo com o presidente dos EUA, não poderia ser outra a não ser apoiar os ucranianos.

Entretanto, foi um anúncio de Putin que teve maior repercussão. O presidente russo anunciou que seu país suspenderia o cumprimento do previsto no tratado Novo Start, de 2011, que limita em 1.550 o número de ogivas nucleares, além de controlar a quantidade de lançadores e de mísseis balísticos intercontinentais que podem ser desdobrados por EUA ou Rússia.

O acordo prevê 18 visitas anuais das equipes de controle de cada um dos lados, de modo a garantir o cumprimento das resoluções. Essas visitas já estavam, na prática, interrompidas há três anos, primeiramente em razão da pandemia da Covid-19 e, depois, por causa da guerra na Ucrânia. Com a decisão anunciada por Putin, a Rússia simplesmente não aceitará mais as visitas.

Os russos afirmaram, entretanto, que não se trata de “se retirar” do acordo, e que não têm intenção de aumentar seu arsenal nuclear, mantendo-o na quantidade atual. Mas, Putin afirmou que “se os EUA realizarem testes, nós também o faremos”.

Dessa forma, o último acordo que regulava os arsenais nucleares entre as duas potências cai por terra. Outros acordos de não proliferação, incluindo o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, do qual os EUA se retiraram em 2018, no que foram seguidos pela Rússia em retaliação, desmoronaram nos últimos anos.

O fim dos acordos de controle das armas nucleares entre EUA e Rússia, em um contexto em que os dois países acirram suas retóricas, em plena guerra na Ucrânia, não é um bom presságio. Ainda mais se se juntam a este contexto o desenvolvimento cada vez maior da missilística intercontinental da Coreia do Norte, o desenvolvimento do programa nuclear iraniano e a intenção chinesa de elevar seus estoques de armas nucleares ao mesmo nível dos russos e norte-americanos.

O resultado dessa conjuntura é a possibilidade cada vez maior de o mundo observar o surgimento de novos atores com capacidade nuclear. Recentes pesquisas na Coreia do Sul indicam que 76% dos sul-coreanos defendem que o país desenvolva e adote armas nucleares como forma de dissuasão.

Desconfio que se essa pergunta for feita em vários outros países, os resultados podem ser semelhantes.

A sensação de insegurança, cada vez maior, já está acelerando os gastos militares em todo o mundo. Os discursos de Putin e Biden nada mais fizeram do que explicitar cabalmente essa insegurança.

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As implicações militares e estratégicas do balão chinês

A identificação de um balão chinês sobrevoando a base de Malmstrom, no estado norte-americano de Montana, causou alarme nos norte-americanos e uma nova crise diplomática entre EUA e China. O incidente acabou por redundar no cancelamento da visita que o chefe do Departamento de Estado dos EUA, Antony Blinken, faria à China nos próximos dias. Afinal, a base de Malmstron abriga 150 silos dos mísseis balísticos intercontinentais LGM-30 Minuteman III, a arma estratégica baseada em terra de que os EUA dispõem para, transportando ogivas nucleares, realizarem bombardeios de longo alcance.

Embora tenha sido abatido por caças F-22 quando chagava ao Oceano Atlântico, o fato de o balão ter permanecido por algumas horas monitorando um local sensível, bem como ter sobrevoado por dias o território norte-americano, causou grande desconforto entre as autoridades norte-americanas. Os chineses, por seu lado, reconheceram que o balão é de propriedade de uma empresa chinesa, porém, afirmaram tratar-se apenas de um balão meteorológico que teria se desviado da rota, protestando contra o que definiram como uma “resposta exagerada” dos EUA. Mas, é forçoso reconhecer que a versão chinesa de desvio de rota de um simples balão meteorológico é pouco verossímil.

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O uso de balões com finalidades militares não é nenhuma novidade. Os franceses os utilizaram, pela primeira vez, em 1794, nas batalhas que se seguiram à Revolução Francesa. A atuação mais importante ocorreu na batalha de Fleurus, em 1794, quando as tropas francesas venceram austríacos e holandeses. Na guerra da Secessão, nos EUA, os balões cativos foram utilizados em muitas batalhas, inclusive para regular o tiro de artilharia. O sucesso do emprego dos balões levou o exército da União a montar um Corpo de Aeroestação, com quatro balões. Os norte-americanos, inclusive, passaram a instalar telégrafos com fios nos balões, possibilitando aos observadores a transmissão das informações em tempo real.

Durante a Guerra da Tríplice Aliança, o Duque de Caxias levou o Brasil a ser o primeiro país sul-americano a utilizar os balões em combate. Foram mais de vinte ascensões do aeróstato, que forneceram importantes informações de inteligência ao estado-maior das forças brasileiras, especialmente na marcha de flanco da segunda fase das operações contra a fortaleza de Humaitá, no segundo semestre de 1867.

Na Primeira Guerra Mundial, os alemães utilizaram os zepelins para realizarem 51 ataques à Inglaterra, causando centenas de mortes. Mas, o rápido desenvolvimento da antiaérea e facilidade de se alvejar os enormes zepelins, levaram os alemães a rapidamente desistir de empregá-los nesse tipo de operação.

Em 1947, os EUA enviaram balões para sobrevoar a União Soviética, para procurar evidências de testes nucleares. Na década seguinte, no chamado Projeto Moby Dick, os EUA enviaram milhares de balões espiões sobre os países da cortina de ferro. Sempre que um balão era identificado, a desculpa era a mesma dada pelos chineses agora: um balão meteorológico que se desviou da rota.

Voltando ao caso do balão chinês, esse tipo de equipamento, nos dias de hoje, oferece valiosas oportunidades para a inteligência militar. A empresa World View, em sua página eletrônica, informa que um balão pode permanecer vários dias sobre um determinado ponto, a uma altitude de 50 mil pés (cerca de 15 Km), fornecendo imagens com uma resolução de 5 cm. Isso significa que objetos a partir deste tamanho já podem ser identificados nas imagens.

Também é provável que o balão estivesse realizando atividades de inteligência, a chamada SIGINT (sigla em inglês para signals intelligence). Trata-se da coleta de informações através da interceptação de sinais de comunicações, de radares, ou de outros sistemas eletrônicos.

Talvez mais importante do que saber o que este balão especificamente conseguiu – ou não – obter de informações estratégicas de inteligência, seja reconhecer que esta seja uma possibilidade. E certamente é isso que preocupa mais preocupa os norte-americanos.

Além disso, nada impede que um balão desses carregue armas, ao invés de câmeras e radares ou equipamentos de guerra eletrônica. O pesquisador William Pulido, em artigo para a Revista Ejercitos, levanta a possibilidade de esses balões detonarem armas nucleares sobre as bases de mísseis intercontinentais norte-americanas, não para destruí-las fisicamente, mas para que o pulso eletromagnético desabilitasse a eletrônica dos mísseis inutilizando-os. Tratou-se portanto, da constatação de uma vulnerabilidade na segurança do espaço aéreo dos EUA, que certamente será objeto de uma pormenorizada análise pelos órgãos competentes.

Para os chineses, o incidente do balão pode ter servido para testar as modernas técnicas de dirigibilidade desse tipo de artefato, bem como verificar como se daria a resposta norte-americana.

Este incidente é mais um a acentuar a disputa em curso entre norte-americanos e chineses. Demonstra claramente as desconfianças mútuas e remete, inevitavelmente, às tensões do auge da guerra fria entre EUA e União Soviética. Se o mundo vive ou não, nos dias de hoje, uma nova guerra fria, desta vez entre norte-americanos e chineses, é uma discussão acadêmica em aberto, com estudiosos defendendo posições antagônicas com bons argumentos. Mas, que é um mais um incidente a marcar com clareza o crescimento das tensões entre os dois lados, isso é inegável.

 

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REFERÊNCIAS

Revista Ejercitos – Reportagem de Will Pulido – https://www.revistaejercitos.com/2023/02/04/el-globo-espia-chino-y-las-aplicaciones-militares-de-los-aeroestatos/

Breaking Defense – https://breakingdefense.com/2022/07/way-up-in-the-air-world-view-looks-to-expand-customer-base-for-its-stratollite-balloon/

Os balões de observação na Guerra do Paraguai – https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_os_baloes.pdf

DW – https://www.dw.com/pt-br/1915-dirig%C3%ADveis-bombardeiam-londres/a-297928

 




Conheça o Challenger 2, o carro de combate principal que o Reino Unido está mandando para a Ucrânia

O Reino Unido decidiu enviar 14 unidades do Challenger 2, o suficiente para mobiliar um Esquadrão de Carros de Combate, para o exército ucraniano.

O Challenger 2 começou a operar no exército britânico na segunda metade da década de 1990, tendo sido empregado na Bósnia e no Kosovo, além da invasão do Iraque, em 2003.

É um carro pesado, de 62,5 toneladas, armado com um canhão 120 mm capaz de empregar tanto munições de energia cinética (flecha), quanto munições explosivas, além de duas metralhadoras 7,62 mm, uma coaxial e outra de emprego geral. A aparelhagem de pontaria óptica e termal, disponíveis tanto para o atirador do carro quanto para o comandante, são integradas à torre estabilizada, que permite um rápido engajamento dos alvos. O motor diesel Perkins CV12 de 12 cilindros e 1.200 hp, com uma caixa de câmbio David Brown TN54, fornecem seis marchas à frente e duas marchas à ré.

Em maio de 2021, o Ministério da defesa do Reino Unido fechou um contrato de £ 800 milhões com a Rheinmetall BAE Systems Land (RBSL) para atualizar 148 Challenger 2 para o exército britânico. O veículo atualizado, a ser chamado de Challenger 3, será um carro de combate principal “digital, habilitado para combate em rede, com letalidade de última geração, capacidade de sobrevivência atualizada, além de recursos de aquisição de alvos de última geração.




A OTAN dobra a aposta

A ajuda militar à Ucrânia anunciada nos últimos dias por Estados Unidos, França e Alemanha, além das promessas no mesmo sentido feitas por outros países europeus, aumentará significativamente o poder de combate ucraniano para a guerra contra a Rússia em 2023. 

Embora o apoio ocidental à Ucrânia até aqui tenha sido fundamental para evitar uma derrota para os russos, é importante notar que o que aconteceu recentemente, com os anúncios de novas levas de ajuda militar feitos de forma praticamente simultânea por EUA, França e Alemanha, foi uma indicação de que esses países dobram a aposta e se comprometem definitivamente com a causa ucraniana. 

Isso porque, desta vez, além de fornecer os itens que já vinham repassando desde o início da guerra, os ocidentais resolveram apoiar com materiais militares que podem fazer grande diferença em favor dos ucranianos. Os alemães anunciaram o envio de 40 Viaturas Blindadas de Combate de Infantaria (VBCI) Marder. Os norte-americanos, por sua vez, enviarão 50 VBCI Bradley M2A2 e 18 obuseiros autopropulsados M109 Paladin. Já os franceses, garantiram o envio de Viaturas Blindadas de Combate de Cavalaria (VBCCav) AMX-10 RC. Em conjunto, essas viaturas vão aumentar a potência de fogo, a mobilidade, a proteção blindada, a ação de choque e a capacidade de comunicação das tropas de infantaria, cavalaria e artilharia ucranianas, o que sem dúvida será muito útil na ofensiva de primavera, a ser provavelmente desencadeada pelos ucranianos assim que as condições meteorológicas se mostrarem mais favoráveis. 

Ainda não são os Carros de Combate Principais, os mais importantes meios blindados para uma operação ofensiva, como os Leopard II alemães, os Leclerc franceses ou os Abrams norte-americanos. Mas, parece que esses, apesar de escassos nos inventários de todos os exércitos do mundo, também poderão ser enviados à Ucrânia em curto prazo.  Finlândia e Polônia já declararam que podem ceder seus carros à Ucrânia, caso a Europa encontre uma forma de doação coletiva que mantenha o poder de combate dos países doadores. Outra possibilidade que vem sendo aventada é a de o Reino Unido enviar os carros Challenger II. 

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É claro que o simples envio dos blindados não resolve a questão. É necessário providenciar o treinamento das tripulações e assegurar a complexa cadeia logística de cada um dos blindados. O carro francês, por exemplo, possui um canhão de calibre 105 mm, que não usa munição padrão OTAN, exigindo uma cadeia de suprimentos específica. Não é um esforço trivial ou simples de ser executado. 

O movimento das potências ocidentais certamente provocará reações por parte da Rússia. O Kremlin reforçará a retórica, especialmente para sua própria população, de que a Rússia não enfrenta apenas a Ucrânia, e sim toda a OTAN. Com isso, a população russa poderia ser levada a aceitar com mais facilidade as provações a que está sendo submetida pela guerra, incluindo-se aí uma nova mobilização de recrutas. Serviços de inteligência ocidentais teriam informações de que, dessa vez, o objetivo seria o de recrutar meio milhão de soldados, e que tal movimento poderia ocorrer a partir de março.

Ao mesmo tempo, os russos intensificarão seu esforço de guerra, como já anunciou o presidente Putin. Além disso, provavelmente buscarão novos fornecedores externos de material de emprego militar, além de intensificar as importações que já fazem do Irã e, muito provavelmente, também da Coreia do Norte. A Rússia poderá ainda pressionar seus aliados por mais apoio, especialmente Belarus e demais países aliados da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC): Armênia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. China e Índia dificilmente concordarão em exportar armas ao país, pelo menos de forma ostensiva, mas continuarão fundamentais aos russos do ponto de vista econômico. 

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Também é provável que a Rússia amplifique sua retórica nuclear, reforçando em declarações de suas autoridades as capacidades do país e enfatizando aos líderes do Ocidente que poderia usar armas atômicas caso alguma “linha vermelha” russa venha a ser ultrapassada pelos ucranianos ou pelo próprio Ocidente. 

Em síntese, o que se vê com esse movimento Ocidental de reforçar as doações de material bélico à Ucrânia é a OTAN redobrando sua aposta na Ucrânia. Entretanto, o inimigo não é débil. Longe disso, está aprendendo com os erros que cometeu até aqui.  

Assim, não se pode fazer nenhuma previsão de encerramento do conflito em curto prazo. Pelo contrário, 2023 provavelmente será um ano de combates ainda mais encarniçados em território ucraniano. 

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Os principais pontos de tensão geopolítica em 2023


O novo ano traz muitos desafios para a paz mundial. Na Europa, a guerra de alta intensidade provocada pela invasão russa da Ucrânia continua longe de um final. Na Ásia, a China reafirma seus interesses no Indo-Pacífico com crescente assertividade, enquanto a Coreia do Norte prossegue em seus programas nuclear e de mísseis e o Japão anuncia um amplo programa de modernização de suas forças armadas, que prevê que o país passará a ser o terceiro do mundo em investimentos militares até 2027. No Oriente Médio, o Irã exporta armas para a Rússia em guerra e mantém seu programa nuclear ao mesmo tempo que, em Israel, Netanyahu está de volta ao poder, liderando um governo nacionalista que tenderá ao confronto, não à acomodação, com os palestinos e iranianos. O continente africano segue sendo palco de dezenas de conflitos armados. Na América Latina, apesar da ausência de conflitos formais, a atuação de grupos criminosos e narcoterroristas, especialmente na Colômbia e no México, se mantém como um fator de instabilidade.

Em 2023, a guerra na Ucrânia prosseguirá, com alguns cenários possíveis. O primeiro é aquele em que a Rússia, que reforçou seus efetivos pela mobilização de centenas de milhares de soldados, retoma a iniciativa e inicia uma ofensiva para tentar controlar inteiramente as províncias de Kherson e Zaporizhzhia, no Sul da Ucrânia, e Lugansk e Donetsk, no Leste do país, todas anexadas ilegalmente ao território russo em 2022. O segundo cenário contempla a Ucrânia, fortemente apoiada financeira e materialmente pelos EUA e países europeus, prosseguir no esforço de retomar os territórios perdidos. Um terceiro cenário seria a Rússia novamente tentar conquistar a capital, Kiev, atacando por Norte, a partir do território bielorrusso. Um quarto cenário, menos provável, mas mais perigoso, seria o transbordamento da guerra para fora do território ucraniano, para a Transnístria, na Moldávia, ou para Belarus, ou mesmo para um país membro da Otan, como a Polônia. Esta última possibilidade poderia provocar uma escalada acentuada do conflito, com repercussões inimagináveis.

Nenhum dos cenários acima contempla a possibilidade de paz em curto prazo, uma vez que nem Rússia, nem Ucrânia, possuem poder militar/econômico suficiente para atingir os objetivos descritos nos cenários acima, especialmente em curto prazo. Uma guerra termina quando um dos contendores desiste da luta, concordando com termos que lhe são desvantajosos para celebrar a paz. Essa não parece ser uma opção para os ucranianos, que como o presidente Zelensky repetidas vezes afirmou, não aceita ceder territórios ao invasor. Como retirar as tropas para celebrar a paz também não é uma opção para o presidente Putin, que não teria como justificar para o povo russo uma invasão que não redundasse em nenhum ganho para a Rússia, o impasse prosseguirá.

Assim, é certo que até que se encontre uma saída para essa encruzilhada, a guerra prosseguirá na Europa, e com ela todas as repercussões sociais, políticas, econômicas e comerciais, como a escassez energética, a inflação e o aumento do fluxo de refugiados servindo como exemplos. Tal situação provavelmente levará a uma diminuição do apoio da opinião pública europeia à Ucrânia, e a uma consequente pressão pelo fim das hostilidades, o que colocará os líderes europeus diante de uma escolha entre duas opções, ambas ruins. A primeira seria pressionar a Ucrânia a buscar imediatamente a paz, o que levaria os europeus a admitir que a Rússia ampliasse seus territórios pela conquista em uma guerra, um fato inadmissível para as potências ocidentais. A segunda seria apoiar ainda mais a Ucrânia com armas, equipamento e dinheiro, tentando desequilibrar a balança da guerra em seu favor, o que poderia levar a Rússia a uma escalada, não se descartando o uso de artefatos nucleares táticos, com repercussões ainda mais graves.

Dado o exponencial crescimento da conflitividade do ambiente, é certo que os investimentos em defesa continuarão a crescer na Europa, em ritmo que não era visto desde o fim da Guerra Fria. Os países da comunidade europeia já concordaram em aumentar seus gastos, de modo que em 2027 se somem cerca de 70 bilhões de dólares aos pouco mais de 200 bilhões atualmente aplicados. A Polônia se destaca nesse quesito, devendo passar a ter o mais poderoso exército europeu nos próximos anos. Por outro lado, apesar dos embargos econômicos impostos pelo Ocidente e em boa medida driblados pelo incremento das relações comerciais russas com parceiros como a Índia e a China, o presidente Putin tem reiterado que continuará a incrementar os investimentos em defesa do país.

Na Ásia, o presidente da China, Xi Jinping, após garantir um terceiro mandato inédito, enfrenta dificuldades sociais e econômicas. O fim da política da Covid Zero, após a pressão de protestos ocorridos em diferentes regiões do país, ocasionou um exponencial aumento dos casos e das mortes, que colocam em risco o sistema de saúde e a confiança do povo no gerenciamento da pandemia por parte do Partido Comunista. Isso ocorre ao tempo em que a economia desacelera, a crise no setor imobiliário persiste e o desemprego, especialmente dentre os mais jovens, atinge níveis elevados. Ainda no campo interno, uma questão bastante sensível é a que envolve a minoria uighur da província de Xinjiang, onde o governo chinês é acusado de violações graves dos direitos humanos.

Ao mesmo tempo, a China coleciona situações de potencial conflito com seus vizinhos. Há a questão da ilha de Taiwan, que possui um governo autônomo, mas é considerada uma província rebelde que deverá ser reincorporada à soberania chinesa. Há também disputas fronteiriças com a Índia, que volta e meia retornam à baila em razão de incidentes entre as tropas de fronteira e a disputa com o Japão pelas ilhas Senkaku, chamadas pelos chineses de Diaoyu Dao, além dos embates no Mar do Sul da China, com diversos países vizinhos.

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A acirrada competição geopolítica e comercial entre os Estados Unidos e a China se manterá em 2023. Os EUA sustentarão sua presença no Indo-Pacífico, fortalecendo parcerias e alianças naquela região com o objetivo de garantir sua influência. Tal atitude certamente provocará reação chinesa, uma vez que os interesses das duas potências em vários momentos serão conflitantes.

Na península da Coreia, o ditador Kim Jong un continua a acelerar os programas nuclear e de mísseis, com um recorde de lançamentos e testes em 2022. A guerra na Ucrânia ofereceu uma oportunidade ao país, que enfrenta há anos embargos econômicos, para a venda de armamentos. Há notícias de venda de armas para a Rússia e o prolongamento da guerra deverá constituir oportunidade para intensificação dessas vendas, ainda que de forma velada.

A Coreia do Sul, por sua vez, divulgou sua estratégia para a região do Indo-Pacífico, destacando que a capacidade nuclear, assim como o programa de mísseis da Coreia do Norte, são uma forte ameaça à paz na região.

A movimentação militar da China e da Coreia do Norte provocou a reação do Japão, que após aprovar uma nova estratégia nacional de segurança, divulgou um amplo programa de modernização de suas forças armadas, com um substancial incremento de seus investimentos em defesa, que deverão duplicar até 2027, o que colocará o país em terceiro lugar no mundo no quesito investimentos militares.

No Oriente Médio, o Irã prossegue no desenvolvimento de suas capacidades nucleares, que voltaram a ser desenvolvidas com o fim do acordo nuclear, em 2018. O país já enriquece urânio a níveis próximos dos necessários à fabricação da bomba nuclear, mas nega a intenção de possuir tal tipo de armamento. O Irã vem sendo palco de uma série de manifestações populares, desde a morte de uma jovem da minoria curda, após ser presa pela polícia dos costumes do país. O regime vem reprimindo as manifestações com violência, já tendo, inclusive, condenado manifestantes à morte, sendo pouco provável que os protestos venham a ameaçar a estabilidade do governo. Mas, a guerra na Ucrânia se mostrou uma oportunidade para os iranianos venderem material de emprego militar aos russos, especialmente sistemas de aeronaves remotamente pilotadas e as loitering munitions, conhecidas como “drones kamikazes”. Especula-se que, em troca, os russos poderiam auxiliar os iranianos em seu programa nuclear.

Em Israel, Benjamin Netanyahu reassumiu o governo, formando uma coalizão nacionalista e escalando alguns ministros com um histórico de ações anti-palestinas. Ele afirmou, em diversas oportunidades, que Israel não admitirá que o Irã alcance o status de potência nuclear, de modo que as tensões entre os dois países deverão se elevar ainda mais na gestão do novo primeiro-ministro israelense.

Além disso, a rivalidade entre Arábia Saudita e Irã permanece alta. Os dois países estão com as relações diplomáticas rompidas desde 2016 e apoiam lados contrários nas guerras civis do Iêmen e da Síria, além de disputarem a proeminência geopolítica na região.

A África e a América Latina, que convivem há anos com conflitos que, embora causem muito sofrimento às populações locais, são crônicos e considerados de baixa intensidade, apresentam pontos locais de tensão que merecerão a atenção dos governos e dos organismos multilaterais regionais sem, entretanto, afetar significativamente a geopolítica global.

Nas relações entre os países, o chamado Dilema de Segurança surge como um paradoxo inerente ao próprio Sistema de Estados. Afinal, uma razão fundamental para a existência do Estado é proporcionar segurança aos seus cidadãos em relação a ameaças externas e internas. Para isso, ao identificar ameaças, o Estado investe em sistemas de armas para sua defesa, mas isso faz com que ele próprio passe a representar uma ameaça aos outros Estados, que também passam a se armar. É o que popularmente se chama “corrida armamentista”.

Como procurei demonstrar, em 2023 o mundo observará a instalação desses dilemas de segurança em três regiões ao mesmo tempo: na Europa, em razão da guerra da Ucrânia, na região do Indo-Pacífico, em razão da crescente tensão nas relações entre os principais atores regionais e entre a China e os Estados Unidos, e no Oriente Médio, motivada pela desconfiança mútua entre Irã, Israel e Arábia Saudita. Esses três serão, portanto, os principais focos de tensão geopolítica do mundo em 2023.

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Coreia do Sul lança Estratégia para região do Indo-Pacífico

A Coreia do Sul acaba de lançar sua Estratégia para a região do Indo-Pacífico, um movimento saudado pelos EUA e criticado pela China. O documento destaca que a capacidade nuclear, assim como o programa de mísseis da Coreia do Norte são uma forte ameaça a paz na região.

O documento é cuidadoso em relação à China. afirmando que ela é um “parceiro chave para alcançar a prosperidade e a paz na região” e com o qual terão “um relacionamento sólido e maduro à medida que buscam interesses compartilhados com base no respeito mútuo e na reciprocidade”.

Os coreanos afirmam que irão fortalecer sua aliança com os EUA, pois ela foi “peça fundamental para a paz e a prosperidade na Península Coreana e no Indo-Pacífico nos últimos 70 anos. Afirma ainda os 2 países compartilham os valores de liberdade, democracia e direitos humanos.

Em breve, farei um texto analisando o documento, que você pode acessar na integra no link abaixo:

ROK-Indo-Pacific-Strategy-Dec-2022




Trezentos dias de guerra na Ucrânia

No dia 21 de dezembro, a invasão russa à Ucrânia completou 300 dias. A marca impressiona pela persistência do conflito que, antes de iniciar, era dado como improvável e que, depois de iniciado, era apontado como um evento destinado a ser de curta duração. Afinal, o poderio militar russo, incontestavelmente superior, deveria sobrepujar as defesas ucranianas em questão de dias. Mas a guerra, já ensinava Clausewitz, é o “reino da incerteza” e, ao se atingir a tricentésima alvorada do conflito, a máxima do general prussiano se vê confirmada mais uma vez.

Estamos acompanhando a uma guerra de alta intensidade, com largo emprego de artilharia e de blindados, operações aeromóveis, milhares de quilômetros quadrados de áreas minadas, combates em localidades, ampla destruição de infraestrutura de uso civil, mobilização de reservistas, milhões de refugiados e dezenas de milhares de mortos e de feridos. Uma guerra daquelas que os europeus imaginavam que não mais seria travada, pelo menos em seu próprio continente.

A crença no “fim das guerras” se refletiu na relativa desaceleração dos investimentos em Defesa nas duas primeiras décadas do século 21 e no descrédito dos próprios europeus ocidentais em sua aliança militar, a OTAN. Nesse sentido, o presidente francês Emmanuel Macron, em uma entrevista publicada na revista The Economist, em novembro de 2019, afirmou que não sabia se o compromisso da OTAN com a defesa coletiva ainda era válido e que a aliança estava passando por “morte cerebral” devido à falta de coordenação estratégica e liderança dos Estados Unidos.

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Nesse contexto, e certamente muito mal impressionado pelas imagens desastrosas de afegãos desesperados pendurados nas aeronaves norte-americanas quando da retirada das tropas daquele país do Afeganistão, o presidente Putin começou a ficar excessivamente confiante. Acreditar na própria propaganda é um erro que líderes autocráticos cometem com frequência ao longo da história, e Putin talvez tenha acreditado demais no suposto “declínio do Ocidente”. Ele aparentemente julgou que dispunha de capacidades militares e econômicas mais que suficientes para impor uma derrota rápida aos ucranianos, instalar um governo simpático à Rússia em Kiev e consolidar a posse da Crimeia, além da instalação de dois Estados fantoche, as repúblicas de Lugansk e Donetsk, palcos da guerra civil financiada pelos russos contra a Ucrânia desde 2014.

Mas, aos russos, “faltou combinar com os ucranianos”. Foi nesse ponto que surgiu uma liderança surpreendente e improvável, o presidente Volodymir Zelensky. O humorista, político inexperiente em primeiro mandato, mostrou a que veio logo em sua primeira decisão crucial, a de permanecer em Kiev. Os EUA ofereceram providenciar sua evacuação, mas sua resposta foi: “A luta é aqui. Eu preciso de munição, não de uma carona”. A partir de então, o presidente ucraniano fez o que se espera de um líder de um país em guerra: galvanizou os esforços de construção de um arco de alianças, que ficou consubstanciado no enorme apoio em recursos financeiros e material de emprego militar que o país vem recebendo ao longo desses trezentos dias, e liderou seu próprio povo no esforço de guerra. Ele foi visto frequentemente visitando as frentes de combate e hospitais e dirige-se diariamente à população, conquistando apoio e respeito dos ucranianos, que é refletido nas altas taxas de popularidade do presidente.

Mas é claro que a liderança de Zelensky não é a única explicação para a impressionante resiliência ucraniana. O exército do país aprendeu muito desde a tomada da Crimeia pelos russos e o início na guerra na região do Donbass, em 2014, e demonstra ser uma força bem treinada e bem liderada. Além disso, há o fundamental apoio material do Ocidente, mais especificamente dos países da OTAN, aquela mesma aliança desacreditada pelo presidente Macron em 2019, a quem a guerra de Putin não somente fez reoxigenar, como também expandir em direção às fronteiras russas, com os avançados processos de inclusão da Suécia e Finlândia. Sem modernos sistemas de armas como o lançador múltiplo de foguetes norte-americano HIMARS, sem as centenas de milhares de granadas de artilharia, sem o apoio em inteligência e cibernética, e principalmente sem o apoio financeiro dos países da OTAN, a guerra já teria sido vencida pelos russos.

Os russos, ao depararem-se com a surpreendente resistência oferecida pela Ucrânia, além das já esperadas sanções econômicas – que se diga, não atingiram os efeitos esperados pelo Ocidente – foram forçados a adaptar sua estratégia e alterar seus objetivos. Aparentemente, ficariam satisfeitos se o término da guerra lhes premiasse com a posse dos territórios hoje ocupados, nas províncias da Lugansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, além da Crimeia.

Mas, se de um lado a Ucrânia não parece estar disposta a ceder nenhum centímetro de seu território, de outro, ao presidente russo, seria impensável sair da guerra sem qualquer conquista, uma vez que seria impossível justificar ao povo russo a “operação militar especial”, seus enormes prejuízos econômicos e as milhares de vítimas.

Assim, o impasse permanece garantido, e é ainda prematuro fazer qualquer previsão realista de um final para essa guerra em um curto prazo.

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Os Novos documentos de Segurança e Defesa dos Estados Unidos

Introdução

Recentemente, o governo norte-americano divulgou dois documentos da área de Segurança e Defesa, em sequência: sua nova Estratégia Nacional de Segurança, no dia 12 de outubro, e sua Estratégia de Defesa, no dia 27 de outubro de 2022.

Em conjunto, os dois documentos desvelam a maneira como os norte-americanos enxergam o mundo e definem os princípios que guiarão suas ações estratégicas, para conformá-lo, de maneira que, no futuro, esteja alinhado aos seus interesses e princípios.

1. Estratégia Nacional de Segurança

De acordo com o diagnóstico do documento, o mundo está atravessando um momento crucial, sendo os próximos anos decisivos para a definição do futuro dos Estados Unidos (EUA) e de todo o planeta. Nessa circunstância, o país teria dois grandes desafios estratégicos: o primeiro seria a competição com a China, cujo resultado definiria a ordem internacional pós Guerra Fria. O segundo seria o enfrentamento dos desafios compartilhados globalmente, quais sejam, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar, as doenças pandêmicas, o terrorismo, a escassez energética e a inflação. Por serem desafios compartilhados, esses últimos exigiriam a cooperação entre os países. Entretanto, essa cooperação estaria sendo dificultada pelo próprio ambiente de competição geopolítica, que alimentaria nacionalismos e populismos.

No documento, os EUA se posicionam como líderes das democracias mundiais no enfrentamento às autocracias. A Rússia é apresentada como uma ameaça imediata à ordem internacional aberta e livre, pelo desrespeito ao Direito Internacional e pela invasão à Ucrânia. Os russos são acusados de atuar contra os interesses norte-americanos, em várias partes do mundo, inclusive, dentro dos EUA. O apoio à Ucrânia é reafirmado, bem como a intenção de conter a Rússia em todos os campos do poder.

A China, entretanto, é apresentada como o verdadeiro competidor dos EUA, uma vez que teria a intenção de reconfigurar a ordem internacional em seu próprio benefício e, consequentemente, em desfavor dos norte-americanos.

Ao afirmar que pretendem competir com a China, os EUA asseveram, dentre outros aspectos, que irão apoiar seus aliados no Indo-Pacífico, para que tomem suas decisões de forma livre da coerção chinesa. Também dizem que irão responsabilizar Pequim por “genocídio e crimes contra a humanidade em Xinjiang, violação dos direitos humanos no Tibet e desmantelamento da autonomia e das liberdades em Hong Kong”.

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Em relação à Taiwan, os norte-americanos afirmam que a paz e a estabilidade do Estreito de Taiwan são críticas para a segurança da região e do mundo. Afirmam que continuam apoiando a política de “uma só China”, contrária à independência da ilha, discordando de quaisquer tentativas de mudança no “status quo” da região. Entretanto, de acordo com a lei que rege as relações com o país, manterão o apoio militar para que aquela ilha esteja em condições de se defender de qualquer agressão chinesa.

A crise climática recebe destaque, sendo apresentada como o “desafio existencial do nosso tempo”. Afinal, o aquecimento do planeta colocaria em perigo os norte-americanos e demais habitantes do planeta, arriscando os suprimentos de comida e água, a saúde pública, a infraestrutura e a própria segurança nacional norte-americana. O documento cita, ainda, as afirmações de cientistas, segundo os quais, sem uma ação global imediata para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, em breve, serão excedidos os 1,5°C de aquecimento, o que ocasionará o aumento do nível do mar e uma perda catastrófica de biodiversidade.

Ao tratar da postura dos EUA em relação às regiões do mundo, o documento esclarece sua opção pela Ásia, mais especificamente pelo Indo-pacífico, considerado o epicentro da Geopolítica no século 21. A Aliança Atlântica, entretanto, não é esquecida, e os EUA reafirmam seu compromisso com a OTAN e seus parceiros europeus. A América do Sul não é citada especificamente, sendo englobada quando o documento trata sobre o Hemisfério Ocidental. Porém, o texto aborda a proteção da “interferência e coerção” que seriam praticadas por Rússia, China e Irã contra países da região. O Brasil só é citado no documento devido à Amazônia, uma vez e superficialmente, para se falar na necessidade de preservação daquele bioma.

O documento deixa nítido o entendimento norte-americano de que, apesar da guerra na Ucrânia e das ameaças nucleares que ressurgiram com ela, o mundo caminha para uma nova disputa bipolar, entre EUA e China. Portanto, na China, estarão a atenção e o foco da política exterior norte-americana. Entretanto, a competição dar-se-á em todo o globo terrestre, com os EUA buscando espaço e alinhamentos que lhes sirvam tanto na disputa contra a China quanto no apoio às políticas e estratégias de enfrentamento dos “desafios compartilhados” por toda a humanidade.

acesse o documento na íntegra:

Estratégia Nacional de Segurança dos EUA

 2. Estratégia Nacional de Defesa

Em perfeito alinhamento com a Estratégia de Segurança, a Estratégia de Defesa igualmente apresenta um cenário internacional de segurança complexo, com desafios causados por mudanças geopolíticas, tecnológicas, econômicas e ambientais. A competição estratégica com a China é apresentada como o mais complexo desafio à segurança dos EUA, uma vez que aquele país teria um comportamento “coercivo e crescentemente agressivo, com o objetivo de remodelar a região do Indo-Pacífico e o Sistema Internacional, com a finalidade de adequá-los aos seus interesses”. Por sua vez, a Rússia é apresentada como a ameaça do momento, uma vez que “usa a força para mudar fronteiras, ignorando a soberania de países vizinhos, para reimpor uma esfera de influência imperial”.

Portanto, China e Rússia, nessa ordem, são apresentadas como as mais perigosas ameaças à segurança dos EUA. Na verdade, trata-se do aprofundamento da mudança de foco, que também havia ocorrido no governo Trump, o qual listou China, Rússia, Irã e Coreia do Norte como as principais ameaças, na Estratégia de Defesa divulgada à época. A mudança se detém no fato de que, até então, o terrorismo figurava, nos documentos oficiais dos EUA, como principal ameaça à segurança do país.

O documento também lista como ameaças: a Coreia do Norte, em razão de seu status de potência nuclear; o Irã, em razão de seu programa nuclear, das exportações de armas e de seu papel “desestabilizador no Oriente Médio”; além de grupos terroristas como a Al Qaeda, o ISIS e seus afiliados.

As mudanças climáticas, que são percebidas pela elevação das temperaturas médias, elevação dos níveis do mar, mudança nos regimes das chuvas e maior frequência de eventos climáticos extremos, são apresentadas como motrizes de novos conflitos, como, por exemplo, o derretimento da calota polar, no Ártico, que modifica a geoestratégia da região, aumentando a disputa interestatal naquela parte do globo.

Para enfrentar todos esses desafios, a Estratégia norte-americana apresenta uma ferramenta, a chamada “Dissuasão Integrada”. São ações destinadas a alinhar as políticas, os investimentos e as atividades do Departamento de Defesa dos EUA que sustentem e fortaleçam a dissuasão do país em relação aos seus adversários.

Essa dissuasão envolve o aprimoramento de ações em várias áreas que: neguem aos inimigos a possibilidade de conquistar territórios; aumentem a resiliência norte-americana em face de ataques adversários; e demonstrem aos inimigos que os custos de um eventual ataque serão muito superiores a eventuais benefícios. Nesse sentido, a Estratégia prevê investimentos em novas capacidades, como as de ataques a longas distâncias, sistemas de armas hipersônicas e sistemas autônomos. Ademais, priorizar-se-á o desenvolvimento dos campos espacial e cibernético, a capacidade de combater guerras irregulares, o apoio a aliados que estejam enfrentando os inimigos dos EUA, as medidas diplomáticas e as sanções econômicas.

acesse o documento na íntegra:

Estratégia Nacional de Defesa dos EUA

 3. Outros documentos estratégicos

Em complemento às Estratégias de Segurança e de Defesa, os EUA também publicaram a revisão de sua postura nuclear. No documento, reafirma-se a importância da dissuasão nuclear nesse ambiente de deterioração da segurança internacional. A previsão é de que a China possua 1.000 ogivas nucleares até o final da década. Assim, segundo a avaliação norte-americana, na década de 2030, os EUA enfrentarão, pela primeira vez em sua história, duas grandes potências nucleares como concorrentes estratégicos e potenciais adversários. Isso criará novas tensões na estabilidade e novos desafios para a dissuasão, a segurança, o controle de armas e a redução de riscos.

Embora não seja considerada uma rival na mesma escala que a China e a Rússia, a Coreia do Norte também representaria uma ameaça persistente e um perigo crescente para os EUA e a região do Indo-Pacífico, à medida que expande, diversifica e aprimora suas capacidades nucleares, de mísseis balísticos e não nucleares, incluindo seu estoque de armas químicas. Uma crise ou conflito na península coreana poderia envolver vários atores com armas nucleares, aumentando o risco de um conflito mais amplo.

Ainda segundo o documento, o Irã não possui, hoje, uma arma nuclear. No entanto, as recentes atividades iranianas, anteriormente limitadas pelo acordo nuclear (JCPOA), são motivo de grande preocupação, pois são aplicáveis a um programa de armas nucleares. A política dos EUA é impedir que o Irã obtenha uma arma nuclear.

Os EUA consideram, ainda, que a aquisição de armas nucleares por outros Estados pode levar a novos desafios de dissuasão. A atual instabilidade do ambiente de segurança, incluindo as ações do Irã, da Coreia do Norte e a guerra na Ucrânia, poderia criar ou aprofundar incentivos à proliferação nuclear.

Outro anexo à Estratégia de Defesa é a Revisão de Defesa Contra Mísseis. O documento se destina a fornecer orientação ao Departamento de Defesa sobre a estratégia e política de defesa antimísseis. Segundo a análise, os adversários dos EUA estão desenvolvendo, colocando em campo e integrando capacidades aéreas e de mísseis cada vez mais avançadas. Essas capacidades aéreas e de mísseis representariam um risco crescente para o país, seus aliados e parceiros.

Em razão disso, as defesas antimísseis são consideradas críticas para impedir ataques contra os Estados Unidos. Dessa forma, o documento considera ser um imperativo estratégico continuar os investimentos e a inovação no desenvolvimento de capacidades antimísseis de amplo espectro.

Conclusão

Um aspecto da estratégia de dissuasão integrada proposta pelos EUA, em sua Estratégia de Defesa, que merece especial atenção do Brasil é a previsão de uma cerrada colaboração com “aliados e parceiros”. Nesse sentido, é interessante notar que, na Declaração de Brasília, resultante da 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, realizada em julho deste ano, os EUA fizeram constar um item que reconhece a “Dissuasão Integrada como um constructo para manter a paz e a estabilidade no Hemisfério Ocidental, priorizando a cooperação regional em todos os domínios de defesa e segurança e reduzindo barreiras em relação ao compartilhamento de informações e capacidades”. Por não ter sido alcançado um consenso sobre esse item, os Ministros da Defesa decidiram que o conceito de Dissuasão Integrada deveria ser aprofundado em estudos no âmbito da Junta Interamericana de Defesa.

Como se vê na Declaração de Brasília, os EUA tentam, por meio da aproximação com as Forças Armadas dos demais países das Américas, consubstanciada pela Dissuasão Integrada, reunir “aliados e parceiros” no enfrentamento de seus adversários. Uma vez que a China, seu principal oponente, é o principal parceiro econômico da maioria dos países da região e tem estabelecido laços cada vez mais estreitos com vários deles, fica claro que se está caminhando em um terreno particularmente espinhoso nas relações internacionais.

Os documentos de Segurança e Defesa dos EUA refletem o momento de contestação da Ordem Internacional, vigente desde o término da 2ª Guerra Mundial, reforçada pelo fim da Guerra Fria, segundo a qual os EUA ainda se apresentam como potência hegemônica. O desafio militar russo e a ascensão chinesa impõem aos norte-americanos uma série de desafios, no sentido de tentar manter sua proeminência geopolítica, sendo o que se constata com a publicação das Estratégias.

Esse tensionamento entre as grandes potências causa reflexos em todo o mundo. Na América do Sul, ele é percebido com crescente intensidade, com movimentos de ambos os oponentes para conter o adversário e atrair os sul-americanos para sua esfera de influência.

Os governos do subcontinente – e do Brasil, em especial – terão o desafio de atuar com equilíbrio, na busca por alcançar seus próprios objetivos sem abrir mão de seus princípios, mantendo a estabilidade e buscando o desenvolvimento regional, sempre com o foco nos próprios interesses nacionais e na manutenção da paz.

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