O legado de Mikhail Gorbachev
Morreu Mikhail Gorbachev, aos 91 anos, no último dia 30 de agosto. O líder russo foi uma dessas pessoas cuja existência influiu direta e decisivamente no curso da história. A vida de milhões de pessoas, bem como a história de dezenas de países, mudou decisivamente em razão de sua atuação como último líder da extinta União Soviética.
Filho de camponeses do sudoeste da Rússia, na juventude Gorbachev trabalhou em uma fazenda coletiva, ingressando na Liga da Juventude Comunista aos quinze anos, em 1946. Formando-se em Direito em Moscou em 1955, progrediu na hierarquia local do Partido até tornar-se primeiro secretário do Comitê Regional do Partido Comunista, em sua cidade de Stavropol, em 1970.
Em 1980, tornou-se membro do Politburo. Durante o mandato de 15 meses de Yury Andropov (1982-1984) como secretário-geral do Partido Comunista, Gorbachev tornou-se um dos membros mais ativos do Politburo. Com a morte de Andropov e a assunção de Konstantin Chernenko como secretário-geral, em fevereiro de 1984, Gorbachev tornou-se um sucessor natural ao cargo.
O destino moveu as peças muito rapidamente. Chernenko morreu em 10 de março de 1984. No dia seguinte, Gorbachev assumia a liderança do Partido Comunista da União soviética e, em consequência, de todo o país. Os soviéticos viam a assunção do terceiro líder em três anos.
Gorbachev rapidamente entendeu que deveria transformar a economia soviética, estagnada há anos. Tentou modernizar o país tecnologicamente, aumentar a produtividade do trabalhador e tornar a pesada burocracia soviética mais eficiente.
Em 1987, teve início a “Glasnost”, política soviética de discussão aberta de questões políticas e sociais, permitindo uma maior liberdade de crítica e de opinião, inclusive na imprensa. Foi essa política que permitiu mudanças fundamentais na estrutura política da União Soviética. O poder do Partido Comunista foi reduzido e ocorreram eleições com candidaturas múltiplas. A Glasnost permitiu críticas a funcionários do governo e uma divulgação mais livre de notícias e informações pelos meios de comunicações.
A “Perestroika” foi a outra política importante implementada por Gorbachev. Tinha o objetivo de reestruturar a políticas econômica e a organização política da União Soviética. A Perestroika diminuiu o poder central do Estado soviético e incrementou o poder dos governos locais. Em 1988, um novo parlamento, tanto no governo central quanto nos locais, foi criado, com a possibilidade de se elegerem parlamentares não-comunistas.
Dessa forma, Gorbachev acabou se tornando o principal responsável pelos acontecimentos que mudaram o curso da história em 1989, culminando com a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. Ao longo daquele ano, ele apoiou os comunistas reformistas nos países do bloco soviético da Europa Oriental e, quando os regimes comunistas desmoronaram como dominós no final daquele ano, Gorbachev concordou tacitamente com suas quedas.
Em 1990, ele concordou com a reunificação da Alemanha Oriental com a Alemanha Ocidental assentindo, inclusive, com a perspectiva de que a nação reunificada passasse a integrar a OTAN, aliança inimiga da União Soviética. Em 1990, Gorbachev recebeu o Prêmio Nobel da Paz por suas notáveis realizações nas relações internacionais. No campo interno, no mesmo ano, Gorbachev foi eleito Presidente da URSS, cargo que não existia, e o Congresso, sob sua liderança, aboliu o monopólio do poder político pelo Partido Comunista, abrindo caminho para que outros partidos chegassem ao poder.
Apesar de bem-sucedido em encaminhar seu país em direção a uma democracia representativa, Gorbachev falhou na condução da economia, ficando “no meio do caminho” entre uma economia de mercado e a antiga economia planificada. Isso levou a uma sensível piora nas condições econômicas do país em 1990.
A frustração da linha dura do Partido Comunista com os rumos do país redundou em uma tentativa de golpe de estado, em 19 de agosto de 1991, que não foi bem-sucedida pela firmeza da reação de Boris Yeltsin, presidente da República da Rússia, até aquele momento uma das repúblicas integrantes da União Soviética. Gorbachev retornou ao poder depois de dois dias de prisão domiciliar, mas sua posição estava irremediavelmente enfraquecida.
Yeltsin saiu fortalecido do episódio e, em 25 de dezembro de 1991, a União Soviética foi dissolvida, com as repúblicas soviéticas se reunindo em uma comunidade de nações sob a liderança do presidente russo. Gorbachev via as reformas que implementou provocarem um resultado que ele não esperava e nunca desejou: a implosão da União Soviética.
Gorbachev é visto, de forma geral, de maneira diametralmente oposta pelo Ocidente e pelos russos. Se no Ocidente ele é visto de forma predominantemente positiva, como um promotor da democracia e o responsável pelo fim da Guerra Fria, na Rússia ele é responsabilizado pelo desmoronamento da URSS – acontecimento que o presidente Putin considera o maior desastre geopolítico do século 20 – e pela pesada herança de uma Rússia fraca e instável nos anos 1990. Um exemplo de sua baixíssima popularidade foi o resultado de sua candidatura às eleições presidenciais de 1996, quando obteve menos de 1% dos votos.
Trata-se, portanto, de um desses personagens trágicos da história, amado e odiado, mas cuja obra individual afetou decisivamente, e como poucos, o curso da história.