1

A LIDERANÇA DO GENERAL JIM MATTIS

O General Fuzileiro Naval norte-americano Jim Mattis publicou recentemente um livro, em coautoria com Bing West: Call Sign Chaos – Learning to lead[1]. A obra ainda não foi traduzida para o português. Espero que alguma editora se interesse, porque a leitura realmente vale a pena.

James Mattis nasceu em 1950. Em 1971, formou-se em História na Universidade Central de Washington. Ao mesmo tempo em que cursava a Universidade, alistou-se nos Fuzileiros Navais, frequentando o ROTC, um programa que forma oficiais para as Forças Armadas norte-americanas.

Assim, ao formar-se, Mattis foi declarado oficial Fuzileiro Naval e, em 1972, iniciou sua carreira, comandando pelotões de fuzileiros. É por essa fase de sua vida que o autor inicia o livro, narrando a experiência de sua vida militar.

A obra é dividida em três partes. A primeira, que trata da liderança direta, é o relato das experiências mais importantes de sua carreira até o posto de Brigadier General[2]. Essa fase inclui o comando de um Batalhão na Guerra do Golfo, em 1991 e de uma Brigada na campanha do Afeganistão, em 2001.

A segunda parte do livro trata da liderança organizacional[3]. Nela, Mattis descreve o período que vai de sua promoção a Major General[4], em 2002, passando por seu retorno ao Iraque, na 2ª Guerra do Golfo, no comando da 1ª Divisão dos Fuzileiros Navais[5], até o período em que esteve à frente do Comando Conjunto Norte-americano (JFCOM), já como General de 4 estrelas, o mais alto posto da hierarquia militar.

Na última parte do livro, tratando da liderança estratégica, o autor descreve sua experiência à frente do Comando Central (CENTCOM), comando conjunto norte-americano que é responsável, na organização daquele país, por uma área que vai do Egito ao Paquistão, Afeganistão e repúblicas centro-asiáticas, englobando 20 países. Essa é a parte do livro na qual o autor se debruça sobre o terceiro nível de liderança: o nível estratégico.

Os primeiros anos no Corpo de Fuzileiros ensinaram a Mattis que a liderança está baseada em três fundamentos. Três “C”: competência, cuidado e convicção.[6] Ao tratar da competência, o general recomenda ao líder que seja brilhante no básico. Analise seu próprio desempenho. Identifique suas deficiências e trabalhe para melhorar. Não corre 3 milhas em 18 minutos? Treine mais. Não é um bom ouvinte? Discipline-se. Não consegue solicitar um tiro de artilharia com facilidade? Adestre-se. Seus homens contam com a sua competência. O segundo fundamento é: cuide de seus subordinados. Conheça-os individualmente. Eles são jovens e cada um tem seus próprios objetivos. Quando seus subordinados souberem que você verdadeiramente se importa com eles, então você poderá falar francamente quando eles te desapontarem. Acerca desse “cuidado”, no livro há uma citação do Marechal Slim, feita durante a Segunda Guerra Mundial, que Mattis assinaria: “Como oficiais, vocês não vão comer, nem beber, nem dormir ou tampouco se sentar até que vocês tenham pessoalmente se assegurado de que seus homens tenham feito tais coisas. Se vocês fizerem isso, eles os seguirão até o fim do mundo. E se vocês não fizerem, terão que se explicar para mim.” O Terceiro fundamento é a convicção. Seus pares e subordinados perceberão rápido quais são suas convicções. Crie suas regras e – mais importante – cumpra-as. Lembre-se que como oficial você deve vencer apenas uma batalha: pelos corações de seus subordinados. Ganhe seus corações e eles irão vencer as batalhas.

O livro está recheado de citações que vão de Homero ao General Grant, passando por Napoleão e inúmeros outros. Mattis é um leitor voraz e em diversas passagens reforça a importância de uma sólida e vasta cultura militar. “Se você não leu centenas de livros, é funcionalmente analfabeto e será incompetente, porque apenas suas experiências pessoais não são amplas o suficiente para sustentá-lo”. Ele afirma ainda que o homem luta há dez mil anos e seria uma tolice não tirar proveito dessa experiência acumulada.

Mattis ressalta ainda a importância de se evitar um estilo de liderança demasiadamente centralizador, que defina as ações dos subordinados até os detalhes. O ideal seria que o líder em combate estabelecesse com clareza a sua intenção e o “estado final desejado”, o seja, quais os objetivos devem ser atingidos e com qual finalidade. Já o “como fazer”, deve ser deixado a cargo dos comandos subordinados. Caso contrário, a iniciativa será tolhida e os subordinados hesitarão, solicitando orientações a cada percalço ou mudança de situação. Mas, para que isso funcione, comandantes e subordinados devem possuir um entendimento comum de como deverá se cumprir a missão. E isso só se obtém com o compartilhamento das informações relevantes. O líder deve constantemente se perguntar: O que eu sei? Quem precisa saber? Eu já lhes disse?

A experiência internacional de várias campanhas no Oriente Médio, depois na OTAN e no CENTCOM deram ao General Mattis uma visão clara da grande importância do trabalho harmonioso entre as diferentes Forças e entre diferentes aliados. Ele cita Churchill a esse respeito: “Só há uma coisa pior do que combater com aliados, que é lutar sem aliados.” Nesse sentido, há outra passagem interessante: “Eu não me importo em quão brilhante operacionalmente você é. Se você não cria um ambiente harmonioso, baseado na confiança entre as diferentes Forças Armadas, entre aliados estrangeiros e corpos diplomáticos, você precisa ir para casa, porque seu estilo de liderança é obsoleto.”

Muitas passagens, experiências e citações tornam a leitura do livro muito agradável, indispensável mesmo, na minha opinião, para o profissional da carreira das armas. Mas o livro termina com a despedida do General Mattis do serviço ativo, em 2013. Nada fala acerca de sua experiência como Secretário de Defesa, no Governo Trump, entre novembro de 2016 e janeiro de 2019, quando pediu demissão após a decisão do presidente norte-americano de retirar as tropas do Afeganistão. Ainda assim, quem ler o livro entenderá perfeitamente seus motivos.

[1] Indicativo CHAOS – Aprendendo a Liderar. (Indicativo é o codinome usado por alguém para ser identificado quando fala ao rádio, em uma rede militar de comunicações.

[2] Nos EUA, Brigadier General, é o Oficial General de uma estrela. Não há equivalência nas Forças Armadas Brasileiras.

[3] Executive leadership, em inglês. Escolhi a tradução “organizacional” por ser o termo equivalente na doutrina do Exército Brasileiro.

[4] General de duas estrelas. General de Brigada, no Brasil.

[5] 1st Marine Division

[6] Competence, caring, conviction.




A LIDERANÇA NO C2-50

O C2-50 é uma referência para os cavalarianos. Desde a entrada na Arma, na Academia Militar das Agulhas Negras, os cadetes ouvem falar do velho manual – já não mais em vigor – que tratava da Instrução Tática Individual e das Unidades Elementares da Cavalaria.

O exemplar que tenho aqui comigo, uma edição de 1959, é do meu pai, Aspirante da Turma de 1965, formado na Cavalaria Hipomóvel. Foi emprestado com a recomendação expressa de que eu o devolva em perfeito estado. Era seu manual de cabeceira nos tempos de Tenente, no 3º Regimento de Cavalaria, em São Luiz Gonzaga, RS.

A frase mais famosa do manual, repetida inúmeras vezes nas Unidades de Cavalaria, é a constante no parágrafo 18, que trata de “certas regras que o Soldado deve conhecer”. Lá se encontra, na letra “c”: “se não existirem mais oficiais ou graduados, o mais bravo assume o comando.”

A frase soa aos jovens cavalarianos como o paradigma do espírito da Arma. O estímulo à audácia, o amor aos lances perigosos, à bravura. E é exatamente isto que ela é. Mas não só isto. A frase está inserida em um contexto em que conceitos de liderança são apresentados aos leitores. A perenidade da admiração de sucessivas gerações de militares aos ensinamentos do C2-50 está justamente na rara felicidade com que seus autores tratam desses conceitos de liderança, que permanecem atuais até os dias de hoje.

Abaixo, serão apresentados alguns trechos que exemplificam a incrível atualidade do manual.

 “6. O primeiro objetivo que a si próprio deve impor um instrutor é o desenvolvimento do moral de seus cavaleiros.

 … É a confiança do cavaleiro em suas forças, na sua coragem no valor de suas armas na justeza do seu tiro e no valor de seu chefe, que constituem o alicerce de seu moral.”

Logo no 6º parágrafo do manual, fica clara a importância da liderança. Atribui-se ao instrutor, que no caso se confunde com o comandante das pequenas frações, a responsabilidade de desenvolver o moral do soldado, o que só se conseguirá pela “confiança no valor do seu chefe”.

“17. Em todos os postos da escala hierárquica, o chefe deve estar compenetrado de que a primeira e mais bela de suas missões é dar o exemplo.”

Vejamos o que “dar o exemplo” significa. Como se sabe, a liderança é um processo de influência interpessoal do líder sobre os liderados. Essa influência que o líder exerce se dá pelo estabelecimento de vínculos afetivos entre os indivíduos, de modo que os liderados passam a crer que o líder saberá conduzir os destinos do grupo nas mais variadas situações.

Essa confiança só se estabelece quando são identificados no líder três aspectos cruciais para a liderança. O primeiro é a proficiência profissional, ou seja, o líder sabe o que fazer. O segundo é o senso moral, que significa que é possível se identificar na personalidade do líder os valores morais caros ao grupo que lidera. O último aspecto são as atitudes adequadas, que evidenciam que o líder efetivamente emprega seus conhecimentos e valores em ações que conduzem o grupo ao objetivo perseguido pela Instituição a que pertencem.

“Dar o exemplo” significa encarnar os três aspectos citados. Significa “ser”, “saber” e “fazer”. Isto era válido em 1959 e continua válido até hoje.

“18.a. a falta de ordens em nenhum caso justifica a inação.

b. a iniciativa consiste em atuar, na falta de ordens, segundo a vontade do chefe.”

 

Aqui está a se falar da iniciativa e do conceito de “intenção do comandante”, ambos em vigor na doutrina atual. Ou, para citar a moderna doutrina norte-americana, do Mission Command [1]. Os comandantes em todos os níveis, assim como seus subordinados, devem atuar sempre no sentido de se fazer cumprir a intenção de seu comandante. Assim, no caso de uma situação em que se encontre atuando isolado, ou em que falhem os meios de comando e controle, deverá atuar com iniciativa e por conta própria, sempre objetivando o cumprimento da missão. Está se falando de planejamento centralizado e execução descentralizada e se estimulando a iniciativa, outorgando aos subordinados a liberdade de ação para se decidir a melhor forma de cumprir a missão.

Muitos outros trechos do C2-50 poderiam ter sido selecionados, mas creio que os destacados acima são suficientes para mostrar o porquê da importância do velho manual. Que este texto sirva de estímulo aos cavalarianos mais jovens. Folheiem o C2-50 [2], leiam com calma alguns trechos. Vocês estarão mergulhando nas origens da Arma Ligeira, entenderão melhor a formação do espírito militar que nos une e nos torna diferentes.

[1] Mission Command pode ser definido, em rápidas palavras, como um estilo de liderança militar adotado pelo Exército dos EUA. Oriundo da antiga escola Prussiana, o conceito prevê planejamento centralizado e execução descentralizada. Atribui grande importância à compreensão da intenção dos comandantes para que se possa conceder liberdade de ação aos subordinados para que atuem conforme seus próprios planejamentos.

[2] Disponível na Biblioteca Digital do Exército – http://bdex.eb.mil.br/jspui/handle/1/520?mode=full




O PASSADO COMO PRÓLOGO

“Tolhidos pela mudança acelerada, os líderes importantes atuais parecem não ter tempo ou inclinação para olhar para o passado para pedir ajuda”

A citação acima é de autoria de Williamson Murray e Richard Sinnreich. Os autores da obra O passado como prólogo (Bibliex, 2017) alertam para o fato de que líderes responsáveis por decisões de segurança nacional teriam a convicção de que a história tem pouco a oferecer ao elaborador de políticas nos dias de hoje. Isto ocorreria em virtude da velocidade com que os eventos se sucedem. Ao lidarem com um presente exigente e um futuro ameaçador, poucos líderes, civis e militares, estariam dispostos a cair em uma reflexão sistemática sobre o passado.

Na verdade, não creio tratar-se de um problema exclusivo das chamadas “lideranças”. Formadores de opinião – aqui incluídos os presentes nas novas mídias, chamados de “influenciadores digitais” – analistas, acadêmicos e jornalistas, além da famosa categoria dos “intelectuais e artistas” despejam opiniões diariamente, aparentemente, como escrevem Murray e Sinnreich, sem olhar o passado para pedir ajuda.

O grego Tucídides, 2400 anos atrás, que escreveu a monumental História da Guerra do Peloponeso, disse tê-lo feito para informar “àqueles que quisessem entender com clareza os eventos que ocorreram no passado e que, sendo a natureza humana como ela é, em algum momento e das mesmas formas, repetir-se-iam no futuro.” O caminhar da humanidade ao longo dos séculos confirmou a previsão.

Como anteviu o grego, talvez o maior de todos os historiadores militares, a história das guerras é particularmente rica em casos onde o estudo do passado talvez tivesse evitado fracassos e mudado o curso da história. O episódio mais emblemático é o da Operação Barbarossa (1941), a invasão nazista da União Soviética. É claro que, depois dos fatos acontecidos e sabedores do fracasso da invasão, é inevitável lembrar que invasões anteriores, tentadas por Carlos XII (1700) e Napoleão (1812) já haviam fracassado. Será que os planejadores nazistas se detiveram com necessário cuidado sobre o passado antes de decidir pela invasão?

E as atuais lideranças globais? Será que estão atentas às lições da história? Para ficar em um exemplo óbvio, no campo das relações internacionais: seria o surgimento de uma potência global emergente, desafiando a potência dominante, um fato inédito na história do mundo? Certamente que não. Desde Atenas desafiando Esparta, passando pela Espanha ultrapassando Portugal na época dos grandes descobrimentos, pelos Estados Unidos suplantando a Inglaterra após a I Grande Guerra e a Alemanha desafiando a Europa, na II Guerra Mundial, o mundo já viu muitas vezes situações como esta em que a ascensão da China desafia os Estados Unidos.

Como estes atores vão se comportar, quais serão as consequências políticas, econômicas, sociais e científico-tecnológicas de tais comportamentos para o mundo, inclusive para nós aqui na periferia global? Haverá crise? A crise evoluirá para uma guerra? Como isto vai nos afetar? Certamente o estudo da história não traria todas as respostas. Afinal, causas semelhantes nem sempre produzem efeitos similares e estas causas também interagem de maneira imprevisível em cada momento histórico. Mas, certamente, do passado podem surgir modelos que levem a suposições de potenciais desfechos para as situações presentes.

E os nossos planejadores, professores, analistas, formadores de opinião? Estão hoje se detendo sobre os acontecimentos humanos passados, na busca da compreensão global de todo o fluxo de eventos que nos trouxeram ao ponto em que nos encontramos? Ou são reféns dos preconceitos aos quais servem, procurando encontrar justificativas para reforçar visões pré-concebidas, comprometidas pela ideologia ou pelo posicionamento político que adotam?

Líderes e formadores de opinião que ignoram a história, que não têm a intenção de consultar o passado e de escutar seus ecos, abrem mão de decidir com base em rica experiência anterior. Ignoram de antemão circunstâncias similares, relações de causa e efeito, tradições. Tratam repetidamente de “reinventar a roda”. Desperdiçam tempo, recursos e paciência de tantos quantos são os afetados por suas decisões.

No Brasil “até mesmo o passado é incerto”. A frase, atribuída a um famoso economista teria sido dita levando-se em conta a incerteza jurídica que atrapalharia o ambiente econômico do país. Ela demonstra, em seu tom jocoso e algo cínico, toda a problemática do estudo deficiente dos acontecimentos humanos do passado, que tento demonstrar neste artigo.

O país vive um momento de acirramento de ânimos, fruto de uma grave crise política e econômica, acompanhada de uma perigosa perda de legitimidade de alguns atores políticos, flagrados em casos de corrupção. Este acirramento inclui uma disputa pela preeminência de uma narrativa favorável ao posicionamento político/ideológico do autor. Informações mentirosas, as tristemente famosas “fake news”, são tomadas por verdades, contanto que estejam alinhadas e contribuam para o fortalecimento da narrativa defendida. Neste ambiente tóxico, em que a verdade é a primeira vítima, falar em estudo sistemático dos acontecimentos do passado parece pregar no deserto…

É urgente a superação deste momento. Se o ambiente interno do país está conturbado, o cenário geopolítico externo não parece animador. Não há tempo a perder. Que os decisores consultem o passado e ouçam seus ecos no presente, evitando que os mesmos erros sejam repetidos.




LIDERANÇA EM TEMPOS DE MÍDIAS SOCIAIS

Vivemos dias em que a onipresença dos aplicativos de comunicação instantânea provoca uma reflexão acerca da importância de um aspecto básico para o exercício da liderança: a eficiência e a eficácia do fluxo de informações entre líderes e liderados.

A tomada de decisão em momentos de crise é diretamente afetada pela maneira como as informações chegam ao decisor. E, nos dias atuais, um gigantesco fluxo de informações, dados, opiniões, reivindicações e percepções deve ser gerenciado, adequadamente, para a tomada da decisão.

Por outro lado, percebe-se a influência exercida pelas notícias e informações que chegam a todos pelas mídias sociais. Muitas dessas notícias e informações são falsas. Trata-se da chamada “pós-verdade” e das famosas fake news.

Vamos exemplificar utilizando um caso de exercício da liderança, no ambiente militar, com emprego de tropas. Mas creio que o padrão é facilmente transportável para o mundo corporativo.

Na crise gerada pela greve dos caminhoneiros, que paralisou o País por onze dias, viu-se que um vídeo produzido em uma pequena localidade do interior chegava, instantaneamente, aos centros de poder e às autoridades do nível político. Quem deve decidir qual a melhor maneira de atuar em face de uma situação de iminente emprego da tropa? O comandante tático (operacional, no modelo empresarial) no terreno ou o decisor político/estratégico a centenas ou milhares de quilômetros de distância? A resposta a essa pergunta já está dada nos manuais de operações e de liderança: cada um decide na sua esfera de atribuições. E essa é uma resposta óbvia. Acontece que, como diz o dito popular, “na prática, a teoria é outra.”

Aquele vídeo não chega somente até as autoridades encarregadas diretamente pela condução das operações. Chega também à imprensa, aos grupos de pressão, ao judiciário, ao ministério público e ao público em geral. A pressão é imediata. Correntes de opinião formam-se, instantaneamente, pressionando os líderes em todos os níveis. Estes se veem tentados a interferir imediatamente, sem todos os dados e, muitas vezes, em razão das fake news influentes, com dados falsos ou incompletos.

Na paralisação dos caminhoneiros, a influência das fake news atingiu um novo patamar. Reunidos em diversos pontos do território, sem uma liderança unificada e clara, muitos foram informados dos acontecimentos quase que exclusivamente por WhatsApp. Vídeos proliferaram em progressão geométrica. Supostas lideranças davam ordens, repassavam informações, ameaçavam. Criou-se uma “realidade paralela” na beira das estradas.

Assim, o comandante tático viu-se diante da seguinte situação: os caminhoneiros acreditavam naquilo que chegava até eles pelas mídias sociais. Narrativas construídas, muitas vezes, sem qualquer amparo na realidade. Ao mesmo tempo, as lideranças políticas eram pressionadas pelas informações e dados que chegavam de forma caótica e desordenada. Um verdadeiro teste para o exercício da liderança!

Qual é a melhor maneira de atuar em uma situação assim? Parece-nos que a maneira correta é aquela há muito conhecida: liderar também é fortalecer as lideranças subordinadas. Que cada líder decida na sua esfera de atribuições, conhecendo perfeitamente a “intenção do comandante”, ou seja, compreendendo exatamente aonde se quer chegar; quais riscos são admissíveis e quais não são; e qual é o estado final a ser alcançado ao término das operações.




O QUE O EXÉRCITO ME ENSINOU SOBRE LIDERANÇA – O DESENVOLVIMENTO DE LÍDERES SUBORDINADOS

O Exército Brasileiro é uma Instituição baseada em dois pilares muito sólidos: hierarquia e disciplina. A hierarquia impõe um ordenamento da autoridade legal, que é outorgada a todos os integrantes da Força em posição de comando. A disciplina, livremente aceita quando do ingresso na profissão das armas, impõe a obediência àquele ordenamento hierárquico.

Por outro lado, a organização do Exército é, essencialmente, ternária, o que significa o seguinte: o grupo básico, denominado “grupo de combate”, reúne dez militares, comandados por um sargento. Três grupos de combate formam um “pelotão”, comandado por um tenente. Três pelotões formam uma “companhia”, comandada por um capitão. Três companhias formam um batalhão e assim sucessivamente, escalando os diversos comandos até o mais alto nível, aquele que comporta vários milhares de soldados, comandados por um general de exército.

Logicamente, a esquematização  acima é uma simplificação, que objetiva, apenas, chamar atenção para o fato de que o Exército é uma organização que exige a presença de líderes em todos os níveis de sua cadeia hierárquica. Isso quer dizer que o desenvolvimento das lideranças subordinadas deve ser prioridade dos comandantes em todos os níveis. Um elo fraco fará romper toda a corrente. E, para ter sucesso, o comandante depende, fundamentalmente, do sucesso de seus subordinados.

O ensino formal da Liderança, em todas as escolas de formação, aperfeiçoamento e altos estudos do Exército, responde pelo embasamento técnico e teórico sobre o assunto, que por si só não basta. É no corpo de tropa que o desenvolvimento das lideranças ocorre efetivamente.

Antes de tudo, tal desenvolvimento ocorre pelo exemplo, mas não somente. Uma prática importante é o cuidado que os chefes mais antigos devem ter em evitar o microgerenciamento. Evitar chamar para si a responsabilidade pela execução das tarefas que deveriam ser feitas por seus líderes subordinados. O comandante “centralizador”, que exige ser sua a palavra final sobre tudo, inibe seus comandados, impedindo-os de se desenvolverem e de ganharem experiência e autoconfiança.

Outra ferramenta importante é a atribuição da missão pela finalidade, ou seja, o comandante diz ao líder subordinado qual é o objetivo a ser cumprido, quais os parâmetros a ser atingidos, quais são as condicionantes impostas. Desse modo, estabelece o “que” fazer. O “como” fazer deve ser decidido pelo líder subordinado. Isso lhe permite tomar decisões na sua esfera de atribuições, de acordo com o desenrolar dos acontecimentos e em razão de fatos novos e imprevistos. Esse exercício torna o líder mais capaz de tomar decisões e não um mero cumpridor de tarefas impostas rigidamente.

A orientação leal e franca, com o reconhecimento por parte dos superiores da atuação meritória dos líderes subordinados, bem como a correção, a supervisão e a direção próxima, quando a situação assim exigir, são muito importantes e constituem outra prática fundamental para o desenvolvimento dos atributos necessários ao bom desempenho dos comandantes, de todos os níveis. Assim, o Exército continua a desenvolver seus quadros com o firme propósito de contar com líderes que conduzam a Instituição ao cumprimento de todas as missões impostas pela sociedade brasileira.




O QUE O EXÉRCITO ME ENSINOU SOBRE LIDERANÇA – A IMPORTÂNCIA DA EMPATIA

“Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer”.

A frase, imortalizada nas paredes do Pátio Tenente Moura, na Academia Militar das Agulhas Negras, acompanha os quatro anos de formação de todos os oficiais combatentes do Exército Brasileiro. Impossível deixar de lê-la todos os dias, nas formaturas matinais e nas idas para o refeitório.

Em uma interpretação descuidada, um leitor desatento talvez imaginasse que se trata de um estímulo à obediência pura e simples, cega e desprovida de espírito crítico. Tal conclusão não poderia ser mais afastada da realidade.

O que a frase lembra aos futuros líderes do Exército é que eles devem aprender a cumprir ordens como aquelas que eles passarão a emitir após formados. Deverão prestar atenção às consequências das ordens emanadas. Precisam obedecer para compreender, na plenitude, os sentimentos daqueles que, por imposição legal, passarão a lhes obedecer em muito pouco tempo.

Estamos abordando algo muito discutido em Liderança. Trata-se da Empatia, que é a capacidade de compreender a perspectiva psicológica das outras pessoas, entendendo suas reações emocionais. É, em outras palavras e para simplificar, a capacidade de se colocar no lugar dos outros.

Ora, somente obedecendo, ou seja, vivenciando as experiências de ser um liderado, que os futuros oficiais da Força terão a possibilidade de compreender os impactos de suas ordens sobre seus comandados.

Daniel Goleman classifica a Empatia como uma das dimensões da inteligência emocional. O famoso autor afirma que a Empatia faz com que o líder tome as decisões levando em conta os sentimentos dos liderados.

A vida militar oferece situações inéditas, em que o risco e a tensão estarão presentes com grande intensidade. Somente quem já passou pela experiência de realizar uma atividade de risco pode compreender os sentimentos que isso traz. Tal afirmação é válida para inúmeras situações, das mais simples às mais complexas, das rotineiras às excepcionais.

“Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer”. Esta é uma exortação que clama aos futuros comandantes:

Compreendam seus subordinados! Preocupem-se com eles! Somente assim vocês estarão aptos para decidir com acerto, tendo condições de estabelecer vínculos afetivos capazes de tornar os comandados verdadeiros líderes!




A LIDERANÇA NO NÍVEL POLÍTICO

Os jornais mais importantes do País têm dedicado diversos editoriais e textos de opinião, nos quais se diagnostica a ausência de lideranças políticas capazes de “aglutinar sentimentos, representar vontades, promover consensos e levar adiante projetos que ultrapassem os interesses particulares”. Atesta-se, portanto, repetidas vezes, a falta que os líderes fazem ao Brasil nesse momento de gravíssimas dificuldades políticas, econômicas e sociais.

Realmente, não há exemplos na história recente do Brasil de um momento em que lideranças políticas fossem tão escassas, tão difíceis de ser apontadas. Pretensas lideranças foram engolfadas por escândalos e deixaram órfãos aqueles que, de boa-fé, creditavam-lhes alguma dose de confiança na capacidade de conduzir os destinos da Nação.

Lideranças políticas podem ser definidas como pessoas com a capacidade de influenciar outras, por intermédio da criação de vínculos afetivos (respeito, admiração, confiança), de modo que os cidadãos sejam levados a acreditar que o líder conduzirá o grupo – no caso, o próprio país – pelos melhores caminhos para a superação de todas as dificuldades que se apresentam.

Três devem ser os focos de trabalho das lideranças políticas: o primeiro é o de criar uma visão de futuro para a coletividade a que servem. Assim, as lideranças devem ter o exato objetivo de para onde querem conduzir a sociedade que as elegeu. O segundo foco é a mudança. Para isso, devem ter clara a noção da realidade que as cerca, saber exatamente em que ponto a sociedade se encontra e quais deverão ser as medidas que conduzirão à situação a que desejam chegar. O terceiro é o alinhamento das políticas, estratégias, programas e projetos de governo, para que todos os ministérios, secretarias, agências e órgãos trabalhem em coordenação de esforços (e não em concorrência), na busca das metas colimadas.

Evidentemente, não é tarefa fácil. Em tempos normais, tudo isso exige preparo intelectual, capacidade de articulação, experiência política, entre outras qualidades. Em época de crise, como a que vivemos, some-se a essas expertises uma sólida crença nos valores caros à sociedade que o líder representa, valores esses como honra, honestidade, amor à verdade e à justiça, respeito aos cidadãos (que devem ser, genuinamente, considerados dignos de reverência, deferência e gratidão), integridade e patriotismo, colocando-se os interesses da Pátria acima das conveniências particulares.

Não há atalhos na formação de lideranças políticas. Estas são forjadas durante o caminho do serviço à sociedade, desde a experiência comunitária até o desempenho dos mais altos cargos da Nação. Não há, portanto, espaço para aventureiros ou “salvadores da pátria”. Entretanto, vivemos dias em que é muito difícil reconhecer líderes que comunguem dos valores mais caros aos brasileiros. É, principalmente, por essa razão que os formadores de opinião na imprensa e a grande maioria dos brasileiros clamam por líderes capazes de aglutinar as vontades de todos os setores da sociedade, na busca de um caminho que nos conduza aos destinos a que aspiramos como cidadãos.

Crença em valores. É isso que os brasileiros esperam de suas lideranças. Somente pessoas que demonstrem essa capacidade conseguirão inspirar os brasileiros, unindo a sociedade em prol das soluções para os muitos problemas que nos afligem.