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The dispute between the United States and China and its implications for Brazil in the domains of security and defense

Este artigo foi publicado no Macau Journal of Brazilian Studies, e trata da disputa entre EUA e China, e suas implicações para a Segurança e Defesa do Brasil.

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Leia o artigo:

Gomes Filho_Paulo THE DISPUTE BETWEEN THE UNITED STATES AND CHINA




O resultado das eleições presidenciais em Taiwan pode levar a um aumento das tensões com a China

Lai Ching-te, conhecido como William Lai, venceu as eleições em Taiwan, tendo conquistado cerca de 40% dos votos válidos. Hou Yu-ih, candidato do Partido Nacionalista (Kuomintang), obteve 33% dos votos, enquanto Ko Wen-je, candidato de uma terceira via, que se opõe aos dois partidos tradicionais, obteve uma surpreendente votação, com 26% dos votos. O resultado demonstra que os mais de dezenove milhões de eleitores da ilha decidiram manter no poder o grupo governista, do Partido Democrático Popular (DPP), para decepção do presidente Xi Jinping, da China, e de todo o Partido Comunista Chinês.

Lai Ching-te

Lai, um médico com mestrado em Harvard, é o atual vice-presidente. Com a vitória, seu partido iniciará um inédito terceiro mandato consecutivo. Desta forma, os eleitores referendaram a política da atual presidente Tsai Ing-wen, e do DPP, que busca manter Taiwan longe da influência chinesa, procurando evitar conflitos, mas fortalecendo os laços com os Estados Unidos e outros países do Ocidente. Além disso, ele promete também aumentar a capacidade militar de Taiwan e fortalecer a economia da ilha. O apoio da maioria dos eleitores à essa política fica ainda mais claro tendo-se em vista que um dos candidatos vencidos, Hou Yu-ih, do Kuomitang, fez sua campanha prometendo expandir os laços e reiniciar negociações comerciais com Pequim.

Foi o oitavo pleito eleitoral presidencial em Taiwan, que realiza eleições livres e diretas desde 1996. Os chineses não queriam a vitória de Lai, e deixaram isso bastante claro, sugerindo que sua vitória poderia levar Taiwan para mais perto da guerra. A China, que considera Taiwan uma província rebelde que deve ser reincorporada à plena soberania chinesa, vê em Lai um defensor da independência de Taiwan. Na verdade, ele mesmo, embora não tenha adotado essa retórica na campanha eleitoral, enfatizando que não planeja declarar a independência formal da ilha, chegou a declarar no passado ser um “pragmático defensor da independência” da ilha, algo que é absolutamente inaceitável para o governo chinês.

Xi Jinping tem aumentado de forma notável a atividade militar chinesa no entorno da ilha, em uma demonstração que reforça a mensagem que ele quer transmitir a Taiwan, aos chineses e ao mundo: a de que a reunificação é inevitável.

Taiwan é uma ilha de grande importância geoestratégica, posicionada em local fundamental para o comércio e a segurança regionais, já tendo sido definida pelo general norte-americano Douglas MacArthur como um “porta-aviões inafundável” ancorado eternamente em frente à China. Por isso, seu destino está ligado à competição sistêmica em curso entre Estados Unidos e China. Nesse sentido, os EUA devem manter sua postura de ambiguidade, sem reconhecer seu governo como um ente soberano, mas mantendo o apoio militar e relações próximas.

A vitória de Lai é, sem dúvida, um contratempo para Pequim. Suas políticas e atitudes no governo serão acompanhadas muito de perto por chineses e norte-americanos, bem como pelas demais potências mundiais. O mundo não pode ignorar o que acontece nessa pequena ilha, que está no centro do tabuleiro geopolítico global.

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Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul estabelecem os Princípios de Camp David

A reunião de cúpula que reuniu os líderes de EUA, Coreia do Sul e do Japão no último dia 18 de agosto, em Camp David, nos Estados Unidos, merece atenção. O mundo vive tempos de evidente acirramento das tensões geopolíticas e os três líderes tentam, ao aproximar ainda mais seus países, ganhar algumas vantagens estratégicas para os desafios que sabem que estão por vir, especialmente no contexto da disputa em curso entre EUA e China, que tem na região do Indo-Pacífico seu principal palco.

Inicialmente, é interessante destacar que os acordos trilaterais, divulgados ao término da reunião, só puderam acontecer porque Japão e Coreia do Sul têm conseguido uma maior aproximação e alinhamento sob os atuais governos de Fumio Kishida e Yoon Suk-yeol. As desconfianças nas relações entre os dois países são históricas, remontando as feridas da ocupação japonesa da península da Coreia, entre 1910 e 1945. Mas, as tensões geopolíticas do momento atual parecem ser de tal ordem desafiadoras que os problemas do passado estão sendo deixados de lado em nome de um maior entendimento.

Afinal, não faltam desafios geopolíticos comuns a japoneses, sul-coreanos e norte-americanos no Indo-Pacífico. A Coreia do Norte é o primeiro deles. Ainda formalmente em guerra com a Coreia do Sul, detentora de armas nucleares, com uma retórica agressiva e desencadeando frequentes testes balísticos e exercícios de tiro, a ditadura de Kim Jong-un volta e meia a causa tensões, inclusive no Japão, onde populações já foram orientadas a procurar abrigo em razão de mísseis norte-coreanos voando em trajetórias potencialmente perigosas.

Os desafios impostos pela China evidentemente também estão no centro das preocupações geopolíticas dos três países. A questão de Taiwan, a maior assertividade chinesa nas disputas no Mar do Sul da China, a reação da China à implementação dos sistemas de defesa antimísseis THAAD pela Coreia, que resultou em retaliações econômicas chinesas contra os coreanos, e a disputa torno das ilhas Senkaku, que os chineses consideram suas e são hoje controladas pelo Japão são alguns exemplos questões sensíveis.

Neste cenário é que foram divulgados os “Princípios de Camp David” (íntegra aqui), que nortearão a ação trilateral. Do texto, destaco os seguintes pontos:

  1. Os três países se comprometem a promover um Indo-Pacífico livre e aberto com base no respeito ao direito internacional, normas compartilhadas e valores comuns. Declaram se opor fortemente “a qualquer tentativa unilateral de mudar o status quo pela força ou coerção”. Nesse trecho há um recado implícito à China em relação a Taiwan, na oposição à mudança do status quo, ou seja, independência de facto de Taiwan, pela força.
  2. Afirmam o compromisso de desnuclearizar a Coreia do Norte. Apoiam uma Península coreana “unificada e livre”. Trata-se de um desafio complexo, uma vez que a Coreia do Norte não renunciará a seu arsenal nuclear enquanto for governada pela dinastia dos Kim.
  3. Fazem referência ao compromisso com boas práticas econômicas, à cooperação na área tecnológica e a compromissos com a busca de soluções para os problemas relacionados às mudanças climáticas.
  4. Em outra mensagem implícita, dessa vez à Rússia e à guerra na Ucrânia, reafirmam o compromisso com a Carta da ONU, especialmente no que se refere à manutenção da soberania e da integridade territorial dos Estados, bem como com a solução pacífica de controvérsias.
  5. Afirmam que o encontro inaugura um novo capítulo no relacionamento entre os três Estados, que passarão a atuar no Indo-Pacífico “como se fossem um só”.

Fora da declaração oficial, mas em entrevistas, foram reveladas as intenções realizar reuniões de cúpula e exercícios militares anualmente, impulsionar mecanismos de comunicação entre os três países e estabelecer uma linha direta para resolução de crises regionais.

Não se trata, portanto, da criação formal de uma aliança militar, fato que certamente geraria enorme oposição de chineses, russos e norte-coreanos. Mas é, sem dúvida, mais uma iniciativa, que se soma ao QUAD e à AUKUS na clara estratégia norte-americana de construção de uma arquitetura de contenção da China no Indo-Pacífico.

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O G7, a guerra na Ucrânia e a China

O Grupo dos Sete (G7), formado por Estados Unidos, Reino Unido, Japão, França, Canadá, Alemanha e Itália, reuniu-se para sua cúpula anual, na cidade de Hiroshima, no Japão, entre os dias 19 e 21 de maio. Além dos países que compõem o grupo, alguns outros foram convidados: Brasil, Índia, Austrália, Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia, Ilhas Cook e Comores. Além desses, um chefe de Estado foi recebido, com especial deferência: Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, país invadido pela Rússia em 24 de fevereiro do ano passado. Dois assuntos ganharam destaque no encontro: a guerra na Ucrânia e as relações dos países do G7 com a China.

O espectro da guerra em curso no território ucraniano acompanhou toda a reunião. A crise ganhou tal destaque nas conversas que é citada no comunicado final[1] do encontro como primeiro item das medidas concretas que estão sendo tomadas pelo G7: “Estamos tomando medidas concretas para apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário diante da guerra de agressão ilegal da Rússia”.

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi citada como uma séria violação do Direito Internacional, especialmente da Carta da ONU. Em face disso, o G7 se compromete a “intensificar seu apoio diplomático, financeiro, humanitário e militar à Ucrânia, aumentando os custos para a Rússia e aqueles que apoiam seu esforço de guerra e continuar a combater os impactos negativos da guerra sobre o resto do mundo”.

A região do Indo-Pacífico também recebeu destaque na declaração final do encontro. Os países do G7 se disseram comprometidos com um “Indo-Pacífico livre e aberto, que seja inclusivo, próspero, seguro, baseado no estado de direito e que proteja os princípios compartilhados, incluindo soberania, integridade territorial, resolução pacífica de disputas, liberdades fundamentais e direitos humanos”.

As relações dos países do grupo com a China também mereceram uma atenção especial. Eles afirmam que suas políticas não são projetadas para prejudicar a China ou impedir o seu progresso e o desenvolvimento econômico. Pelo contrário, o G7 afirma que uma China em crescimento, que obedeça às regras internacionais, seria de interesse global. Em seguida, entretanto, o grupo afirma que a China praticaria políticas não comerciais, que distorceriam a economia global. O país transferiria ilegalmente tecnologia e divulgaria dados descumprindo as normas internacionais. Outro foco de preocupação do G7 em relação à China é a situação no Mar do Sul da China e em Taiwan. O grupo declarou que se oporia fortemente a qualquer tentativa unilateral de mudança do status quo da região pela força ou pela coerção, em clara referência à situação taiwanesa. Também afirmou ser contrário à militarização do Mar do Sul da China, afirmando que as pretensões territoriais chinesas não encontram amparo na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Uso do Mar. O grupo ainda se disse preocupado com a situação dos direitos humanos em Xinjiang, no Tibete e em Hong Kong.

Os chineses imediatamente reagiram, se dizendo gravemente preocupados com a declaração. Afirmaram que os países do G7 vêm, ao longo dos últimos anos, interferindo grosseiramente nos assuntos internos da China referentes à Taiwan, Hong Kong, Xijiang e Tibete. Além disso, o grupo semearia a discórdia entre os países no Mar do Sul da China. Em alerta ao Ocidente, os chineses disseram que para a manutenção da paz no Estreito de Taiwan é imperativo que os países do G7 se oponham a qualquer ato que estimule a independência do arquipélago. Os chineses, por fim, pediram ao G7 que “descarte a mentalidade da Guerra Fria e o preconceito ideológico, pare de interferir grosseiramente nos assuntos internos de outros países, pare com a prática de formar pequenos círculos para o confronto em bloco e pare de criar deliberadamente antagonismo e divisão na comunidade internacional”.

As posições apresentadas pelos países que compõem o G7 em sua reunião, que acaba de se encerrar, explicita o momento de intensa disputa geopolítica em curso. A guerra na Ucrânia é um sintoma dessa confrontação, e a troca de acusações entre os países do grupo e a China, é outro. Espera-se que as tensões no Indo-Pacífico não ultrapassem o nível da retórica e evitem a confrontação armada porque, diferentemente da guerra entre russos e ucranianos, onde a participação direta da OTAN no conflito vem sendo evitada, no Mar do Sul da China ou no Estreito de Taiwan essa contenção dificilmente seria possível, o que transformaria tais conflitos em crises muito maiores do que a atualmente em curso na Ucrânia.

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[1] https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2023/05/20/g7-hiroshima-leaders-communique/




A China usará seu poder militar em Taiwan?

Mais uma vez se elevaram as tensões no Estreito de Taiwan. A China fez um grande exercício militar, com dezenas de aeronaves e navios de guerra, simulando uma operação de ataque e bloqueio naval do arquipélago.

As manobras se iniciaram imediatamente após o encontro entre a líder taiwanesa, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, deputado Kevin McCarthy, em território norte-americano. Foi uma repetição do que aconteceu no ano passado, quando a reação chinesa à visita da deputada Nancy Pelosi, antecessora de McCarthy, também foi expressa por intermédio de exercícios militares de vulto em torno da ilha de Taiwan.

A reintegração de Taiwan à soberania chinesa é um ponto central e inegociável para o governo chinês. Trata-se de um objetivo permanente que o Partido Comunista Chinês se impôs atingir até o ano de 2049, data do centenário da República Popular da China.

O uso do instrumento militar para forçar o retorno de Taiwan à soberania chinesa não é descartado nos documentos de segurança de Pequim. Também não o é nos discursos do presidente Xi Jinping. Ao contrário, no discurso de abertura do 20.º Congresso do Partido Comunista, realizado em 16 de outubro do ano passado, o presidente declarou: “Continuaremos a lutar pela reunificação (com Taiwan) pacífica, com a maior sinceridade e o maior esforço, mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força, e nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

A conjuntura internacional, tensionada a níveis altíssimos pela invasão russa do território ucraniano, adiciona ainda mais complexidade à questão taiwanesa. Embora sejam questões diferentes, a guerra na Europa relembrou a todos que o instrumento militar continua disponível para ser usado pelas nações para alcançar objetivos políticos e estratégicos.

Assim, toda a modernização das forças armadas chinesas ocorrida nas últimas décadas e bastante acelerada nos últimos dez anos sob a liderança de Xi Jinping é claramente voltada para a construção de um instrumento militar capaz de realizar a conquista militar de Taiwan.

A projeção de uma força militar do mar para a terra, a chamada operação anfíbia, que necessariamente ocorre quando se tenta conquistar militarmente uma ilha, talvez seja a mais complexa entre as operações militares. Para fazer face a tal desafio, uma eventual ação militar chinesa para a conquista do arquipélago de Taiwan dependeria de uma marinha poderosa, capaz de isolar o arquipélago de forma que os taiwaneses não recebessem apoio externo de seus aliados. Os chineses já superam os norte-americanos em número de navios de guerra, somando cerca de 340 belonaves. Os submarinos, as armas mais adequadas à missão clássica das marinhas de negar ao adversário o uso do mar, fundamentais num bloqueio naval, são contados, na China, às dezenas: 6 submarinos lançadores de mísseis balísticos intercontinentais, 9 de ataque de propulsão nuclear e 56 convencionais, de motor diesel/elétrico. Quando Xi Jinping chegou ao poder, a China não possuía nenhum porta-aviões. Hoje, o país já tem dois, sendo um de fabricação própria, e há um terceiro em construção. Os navios-escolta, fragatas, corvetas, contratorpedeiros, entre outros, somam mais de uma centena.

Junte-se a isso a modernização estrutural das forças armadas, que foram reunidas por Xi Jinping em comandos conjuntos permanentemente ativados, e a transformação das demais forças, com a mecanização completa do exército e o seu desenvolvimento em múltiplos domínios, com moderna missilística, meios de guerra eletrônica e cibernética.

Ainda assim, uma opção militar seria arriscadíssima para Pequim. Suas forças armadas carecem de experiência de combate e sua cultura organizacional desencoraja a iniciativa das lideranças intermediárias, o que pode ser um problema grave numa operação altamente descentralizada como o são os assaltos anfíbios que projetariam as forças chinesas em Taiwan.

Além disso, há o possível adversário extracontinental. As forças armadas norte-americanas são a mais poderosa máquina de guerra já formada. Até que ponto haveria um decisivo engajamento do poder militar norte-americano em face de um ataque chinês à ilha é uma questão em aberto. Via de regra, países somente se envolvem diretamente em conflitos militares na defesa de seus interesses vitais. Os interesses dos EUA na manutenção do atual status quo do Estreito de Taiwan são, sem dúvida, consideráveis, mas não se tem como certeza de que sejam suficientes para fazer com que se envolvam diretamente num conflito naquela região.

A guerra é a maior de todas as adversidades. Foi o general Eisenhower, justamente o comandante da mais importante operação anfíbia da História – o assalto das tropas aliadas às praias da Normandia, no dia D –, que afirmou: “Odeio a guerra como só pode odiá-la um soldado que a vivenciou, sua brutalidade, sua estupidez”. Esperemos que os tambores da guerra não voltem a ser ouvidos Estreito de Taiwan.

Este artigo foi originalmente publicado no jorna O Estado de São Paulo, em 23 de abril de 2023

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Principais pontos da declaração conjunta entre Brasil e China

A viagem marca o 30º ano da Parceria estratégica Brasil-China. 2024 será o 50º ano das relações diplomáticas entre os dois países.

1. As duas partes reafirmaram o compromisso com valores considerados comuns, como a paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade. Salientaram a importância do direito internacional e o papel central da ONU nas relações internacionais.

2. O Brasil reiterou sua aderência ao princípio de uma só China, com Taiwan sendo parte inseparável do Estado chinês.

3. Os dois lados reconheceram a necessidade de se reformar o Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, a China afirmou “compreender e apoiar” que o Brasil desenvolva um papel “mais proeminente” na organização, sem textualmente apoiar o pleito brasileiro de tornar-se membro permanente no Conselho de Segurança.

4. Em relação à guerra na Ucrânia, os dois países reafirmaram que o diálogo e a negociação são as únicas saídas viáveis para a crise. Nenhuma ação prática de tentativa de intermediar negociações de paz foi anunciada.

5. Brasil e China decidiram fortalecer sua cooperação na área de proteção ambiental e combate à mudança do clima. Os dois países querem trabalhar conjuntamente nas áreas de energias renováveis, transição e eficiência energética, com ênfase em bioenergia, hidrogênio e combustíveis sustentáveis para aviação, e promover investimentos recíprocos, pesquisa e inovação na área de transição energética.

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6. A China anunciou apoio à candidatura da cidade de Belém para ser a sede da COP-30, em 2025.

7. Os dois países sublinharam o papel relevante da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN). O Brasil não se comprometeu em aderir à iniciativa do Cinturão e da Rota, a chamada “Nova Rota da Seda”.

8. Brasil e China deverão aumentar o intercâmbio nas áreas da cultura, turismo, educação e esporte, inclusive com a celebração de acordos para coprodução televisiva e cinematográfica. Também se afirmou a intenção de aumentar os intercâmbios acadêmicos e o ensino dos respectivos idiomas.

9. As duas partes reafirmaram o valor estratégico da cooperação bilateral em agricultura e comércio agrícola, pesca e aquicultura.

10. As duas partes concordaram em incentivar ativamente empresas dos dois países a fazer investimentos recíprocos, em particular nas áreas de infraestrutura, transição energética, logística, energia, mineração, agricultura, indústria, sobretudo de alta tecnologia, além do setor aeroespacial e de tecnologia da informação e comunicações. Nesse sentido, foi assinado o Protocolo Complementar para o Desenvolvimento Conjunto de CBERS-6 e o Plano de Cooperação Espacial 2023-2032 entre o Brasil e a China.

11. O Brasil reiterou o convite para os investidores da China ampliarem seus investimentos no Brasil, com ênfase no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

12. Os dois países fortalecerão o comércio em moedas locais.

Como se vê, foi uma declaração que abrangeu um amplo espectro de assuntos. Não houve, entretanto, nenhuma surpresa ou anúncio que possa ser considerado bombástico.

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Consulte a declaração em https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-conjunta-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-popular-da-china-sobre-o-aprofundamento-da-parceria-estrategica-global-pequim-14-de-abril-de-2023 




Xi Jinping e Putin se encontram em Moscou

O presidente da China, Xi Jinping viajou à Rússia, onde se encontrou com o presidente Vladimir Putin, pela quadragésima vez desde que se tornou presidente, em 2013. Tendo sido seu primeiro destino depois de assumir seu terceiro mandato, foi um encontro muito significativo, especialmente por ocorrer em meio à invasão russa à Ucrânia. Até por isso, foi um movimento criticado no Ocidente, onde vozes europeias e norte-americanas denunciaram a visita como uma demonstração explícita do apoio chinês à Rússia.

No documento conjunto[1] divulgado após o encontro, Xi e Putin reafirmaram a solidez da parceria entre os dois países, afirmando que “as relações russo-chinesas […] atingiram o nível mais alto de sua história e continuam a se desenvolver de forma constante”. Os dois países declararam não constituírem uma aliança político-militar nos moldes da Guerra Fria, mas uma “forma superior” de interação estatal, que não se dirige contra terceiros países. Disseram notar a grande velocidade das transformações em curso no mundo, que estaria rumando aceleradamente para um modelo multipolar, em que potências regionais teriam o legítimo direito de defender seus interesses. Para os dois líderes, entretanto, manifestações de hegemonismo, unilateralismo e protecionismo ainda seriam generalizadas no sistema internacional, em uma afirmação claramente endereçada aos EUA.

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Os dois presidentes concordaram em fornecer apoio mútuo na proteção dos interesses fundamentais de cada um de seus Estados, principalmente soberania, integridade territorial, segurança e desenvolvimento; reafirmaram o interesse em aprofundar e expandir a cooperação no processo de modernização de seus países e declararam trabalhar para promover “uma ordem mundial multipolar, a globalização econômica e a democratização das relações internacionais”, para o desenvolvimento de uma “governança global de forma mais equitativa e racional”.

Novamente tendo os EUA como alvo, o documento informa que China e Rússia “se opõem à que um Estado imponha os seus valores a outros Estados, traçando linhas ideológicas, criando uma falsa narrativa sobre o chamado confronto entre democracias e autocracias, usando a democracia e a liberdade como pretexto e instrumento político para pressionar outros Estados” e que “cada Estado tem o direito de escolher independentemente o caminho do desenvolvimento no campo dos direitos humanos”, opondo-se a interferência de forças externas em assuntos internos.

Foram fechados diversos acordos, além de promessas de maior integração nas áreas de Defesa, do comércio bilateral, do setor financeiro, apoiando a expansão do uso de moedas nacionais em suas trocas comerciais, dos setores de energia, indústria, espacial, educacional, cultural e da ciência e tecnologia. As duas partes concordaram ainda em prover a integração entre a União Econômica da Eurásia e a Iniciativa Cinturão e Rota, ou One Belt, one Road.

Em relação à segurança internacional, Putin e Xi Jinping disseram que nenhum Estado deve garantir sua segurança em detrimento da segurança de outro Estado. Essa afirmação se coaduna perfeitamente com a retórica de Putin em relação à ameaça que a aproximação da OTAN das fronteiras russas representaria ao seu país. Os dois líderes também expressaram séria preocupação com a parceria trilateral AUKUS (Austrália – Reino Unido – EUA, para fornecimento de submarinos de propulsão nuclear à Austrália), a qual acusaram de ameaçar a estabilidade estratégica na região do Indo-Pacífico.

Tendo Xi Jinping chegado à Moscou após ter divulgado seu plano de doze pontos para a celebração da paz entre Rússia e China, havia expectativa de que ocorresse algum anúncio nessa direção. Entretanto, a visita não trouxe nenhuma contribuição efetiva para a paz. Anunciou-se entretanto, que o presidente Xi Jinping pretende conversar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky sobre sua proposta para o fim das hostilidades.

Durante a visita houve ainda um episódio muito representativo do atual momento de transformações geopolíticas. Ao se despedirem de uma das reuniões, antes de entrar no carro, em frente aos repórteres, Xi disse a Putin que o mundo está vivendo um momento de mudanças, como não se vê há cem anos, e que são eles próprios, os dois líderes, que as estão promovendo. Putin respondeu, concordando. Ao afirmar isso perante as câmeras, Xi assume o protagonismo chinês e concede aos russos um papel relevante no processo de transição em curso no ambiente internacional, rumo a um mundo multipolar, mesmo que o papel da Rússia nessa transformação esteja sendo desempenhado preponderantemente pelo uso do poder militar, em uma guerra de conquista de territórios que contraria princípios basilares do direito internacional.

A viagem de Xi Jinping à Rússia não deixa margem para dúvida acerca do alinhamento das duas nações, acima de qualquer outra relação bilateral que ambos os países possam ter, em claro desafio aos EUA e ao Ocidente que tentam isolar a Rússia. A China, entretanto, redobra a aposta no relacionamento com aquele país. O cálculo chinês passa pela convicção de que um futuro confronto com os EUA no campo militar, se não é uma certeza, é uma possibilidade. E, nesse caso, a China precisará contar com o valioso apoio russo nos campos militar e tecnológico, bem como de seus valiosos estoques de energia.

[1] http://kremlin.ru/supplement/5920

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As “Duas Sessões” – as mais importantes reuniões políticas da China

As “Duas Sessões” estão começando hoje, na China. Neste evento, que acontece apenas uma vez a cada ano reunindo cerca de 5 mil delegados de todas as regiões da China, são realizadas as reuniões da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e do Congresso Nacional do Povo (CNP). Embora sejam realizadas ao mesmo tempo, as duas reuniões têm finalidades distintas.

O 14º Congresso Nacional do Povo está inaugurando nova legislatura, empossando os cerca de 3000 delegados que permanecerão em suas funções por 5 anos, até março de 2028. Trata-se do maior corpo legislativo do mundo. Nesse período, somente reunirá todos os seus membros em 5 oportunidades anuais, por cerca de 15 dias a cada vez, justamente nas chamadas “Duas Sessões”. Na reunião de agora, sua tarefa mais importante será dar posse às mais altas autoridades chinesas, inclusive ao Presidente Xi Jinping, para seu terceiro mandato como presidente. Também empossará o primeiro-ministro, vice-ministros e as diversas instâncias administrativas de mais alto nível do governo chinês. Além disso, ocorrerão diversas votações para se aprovar as decisões do executivo chinês.

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Os integrantes do CNP são escolhidos de forma indireta, pelos congressos das províncias, regiões autônomas, municipalidades diretamente controladas pelo governo central e regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. Esses congressistas, por sua vez, foram escolhidos pelos congressos dos níveis municipais. Os de nível municipal e distrital, por sua vez, foram eleitos diretamente, por mais de um bilhão de votantes, em um processo eleitoral ocorrido no ano passado. A exceção são os deputados das forças armadas, eleitos em processos internos do Exército Popular de Libertação. Ao todo, somando-se todos os níveis, existem cerca de 2,6 milhões de parlamentares na China. A grande maioria deles integra o Partido Comunista Chinês, mas também há representantes de partidos não comunistas – sim, há outros partidos na China – e mesmo pessoas sem afiliação política. Todos os assuntos que serão tratados na reunião do CNP são agendados com antecedência e é altamente improvável que alguma votação saia em desacordo com o desejado pelo alto escalão do Partido Comunista Chinês.

A CCPPC, por sua vez, é integrada por cerca de 2,2 mil delegados, dentre os quais membros do Partido Comunista, integrantes de outros partidos, organizações de massa, pessoas sem afiliação política, representantes de classes, pessoas influentes, minorias étnicas e convidados. A Conferência não tem funções executivas ou legislativas. Seu papel é o de servir como um órgão consultivo e de assessoramento político. Ao término de duas semanas de reunião, suas dezenas de subcomitês apresentarão propostas, sobre os mais variados assuntos, ao governo.

A constituição da China, que define o Partido Comunista como a principal força política do país, especifica que oito “partidos democráticos”, oficialmente reconhecidos, têm o direito de “participar do governo” do país. Porém, na prática, esse direito é estritamente limitado a fazer propostas que o Partido Comunista pode optar por implementar ou simplesmente ignorar. Assim, diferentemente do que um observador ocidental poderia ser levado a acreditar, os partidos não-comunistas da China não são partidos de oposição e nem podem almejar o poder. O maior desses partidos é a  Liga Democrática da China – que é composta por intelectuais ligados à cultura, educação, ciência e tecnologia, com cerca de 330 mil membros. O menor partido é a Liga de Autogoverno Democrático de Taiwan, formada por taiwaneses pró-Partido Comunista e que teria cerca de 3.000 membros.

Dada a atual importância econômica e geopolítica da China, o mundo presta cada vez mais atenção aos acontecimentos políticos do gigante asiático. Compreender o seu funcionamento político, com a finalidade de prever seus movimentos e compreender suas intenções passou a ser fundamental para todos que se interessam política internacional, geopolítica, economia ou relações internacionais.

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As implicações militares e estratégicas do balão chinês

A identificação de um balão chinês sobrevoando a base de Malmstrom, no estado norte-americano de Montana, causou alarme nos norte-americanos e uma nova crise diplomática entre EUA e China. O incidente acabou por redundar no cancelamento da visita que o chefe do Departamento de Estado dos EUA, Antony Blinken, faria à China nos próximos dias. Afinal, a base de Malmstron abriga 150 silos dos mísseis balísticos intercontinentais LGM-30 Minuteman III, a arma estratégica baseada em terra de que os EUA dispõem para, transportando ogivas nucleares, realizarem bombardeios de longo alcance.

Embora tenha sido abatido por caças F-22 quando chagava ao Oceano Atlântico, o fato de o balão ter permanecido por algumas horas monitorando um local sensível, bem como ter sobrevoado por dias o território norte-americano, causou grande desconforto entre as autoridades norte-americanas. Os chineses, por seu lado, reconheceram que o balão é de propriedade de uma empresa chinesa, porém, afirmaram tratar-se apenas de um balão meteorológico que teria se desviado da rota, protestando contra o que definiram como uma “resposta exagerada” dos EUA. Mas, é forçoso reconhecer que a versão chinesa de desvio de rota de um simples balão meteorológico é pouco verossímil.

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O uso de balões com finalidades militares não é nenhuma novidade. Os franceses os utilizaram, pela primeira vez, em 1794, nas batalhas que se seguiram à Revolução Francesa. A atuação mais importante ocorreu na batalha de Fleurus, em 1794, quando as tropas francesas venceram austríacos e holandeses. Na guerra da Secessão, nos EUA, os balões cativos foram utilizados em muitas batalhas, inclusive para regular o tiro de artilharia. O sucesso do emprego dos balões levou o exército da União a montar um Corpo de Aeroestação, com quatro balões. Os norte-americanos, inclusive, passaram a instalar telégrafos com fios nos balões, possibilitando aos observadores a transmissão das informações em tempo real.

Durante a Guerra da Tríplice Aliança, o Duque de Caxias levou o Brasil a ser o primeiro país sul-americano a utilizar os balões em combate. Foram mais de vinte ascensões do aeróstato, que forneceram importantes informações de inteligência ao estado-maior das forças brasileiras, especialmente na marcha de flanco da segunda fase das operações contra a fortaleza de Humaitá, no segundo semestre de 1867.

Na Primeira Guerra Mundial, os alemães utilizaram os zepelins para realizarem 51 ataques à Inglaterra, causando centenas de mortes. Mas, o rápido desenvolvimento da antiaérea e facilidade de se alvejar os enormes zepelins, levaram os alemães a rapidamente desistir de empregá-los nesse tipo de operação.

Em 1947, os EUA enviaram balões para sobrevoar a União Soviética, para procurar evidências de testes nucleares. Na década seguinte, no chamado Projeto Moby Dick, os EUA enviaram milhares de balões espiões sobre os países da cortina de ferro. Sempre que um balão era identificado, a desculpa era a mesma dada pelos chineses agora: um balão meteorológico que se desviou da rota.

Voltando ao caso do balão chinês, esse tipo de equipamento, nos dias de hoje, oferece valiosas oportunidades para a inteligência militar. A empresa World View, em sua página eletrônica, informa que um balão pode permanecer vários dias sobre um determinado ponto, a uma altitude de 50 mil pés (cerca de 15 Km), fornecendo imagens com uma resolução de 5 cm. Isso significa que objetos a partir deste tamanho já podem ser identificados nas imagens.

Também é provável que o balão estivesse realizando atividades de inteligência, a chamada SIGINT (sigla em inglês para signals intelligence). Trata-se da coleta de informações através da interceptação de sinais de comunicações, de radares, ou de outros sistemas eletrônicos.

Talvez mais importante do que saber o que este balão especificamente conseguiu – ou não – obter de informações estratégicas de inteligência, seja reconhecer que esta seja uma possibilidade. E certamente é isso que preocupa mais preocupa os norte-americanos.

Além disso, nada impede que um balão desses carregue armas, ao invés de câmeras e radares ou equipamentos de guerra eletrônica. O pesquisador William Pulido, em artigo para a Revista Ejercitos, levanta a possibilidade de esses balões detonarem armas nucleares sobre as bases de mísseis intercontinentais norte-americanas, não para destruí-las fisicamente, mas para que o pulso eletromagnético desabilitasse a eletrônica dos mísseis inutilizando-os. Tratou-se portanto, da constatação de uma vulnerabilidade na segurança do espaço aéreo dos EUA, que certamente será objeto de uma pormenorizada análise pelos órgãos competentes.

Para os chineses, o incidente do balão pode ter servido para testar as modernas técnicas de dirigibilidade desse tipo de artefato, bem como verificar como se daria a resposta norte-americana.

Este incidente é mais um a acentuar a disputa em curso entre norte-americanos e chineses. Demonstra claramente as desconfianças mútuas e remete, inevitavelmente, às tensões do auge da guerra fria entre EUA e União Soviética. Se o mundo vive ou não, nos dias de hoje, uma nova guerra fria, desta vez entre norte-americanos e chineses, é uma discussão acadêmica em aberto, com estudiosos defendendo posições antagônicas com bons argumentos. Mas, que é um mais um incidente a marcar com clareza o crescimento das tensões entre os dois lados, isso é inegável.

 

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REFERÊNCIAS

Revista Ejercitos – Reportagem de Will Pulido – https://www.revistaejercitos.com/2023/02/04/el-globo-espia-chino-y-las-aplicaciones-militares-de-los-aeroestatos/

Breaking Defense – https://breakingdefense.com/2022/07/way-up-in-the-air-world-view-looks-to-expand-customer-base-for-its-stratollite-balloon/

Os balões de observação na Guerra do Paraguai – https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_os_baloes.pdf

DW – https://www.dw.com/pt-br/1915-dirig%C3%ADveis-bombardeiam-londres/a-297928

 




Os principais pontos de tensão geopolítica em 2023


O novo ano traz muitos desafios para a paz mundial. Na Europa, a guerra de alta intensidade provocada pela invasão russa da Ucrânia continua longe de um final. Na Ásia, a China reafirma seus interesses no Indo-Pacífico com crescente assertividade, enquanto a Coreia do Norte prossegue em seus programas nuclear e de mísseis e o Japão anuncia um amplo programa de modernização de suas forças armadas, que prevê que o país passará a ser o terceiro do mundo em investimentos militares até 2027. No Oriente Médio, o Irã exporta armas para a Rússia em guerra e mantém seu programa nuclear ao mesmo tempo que, em Israel, Netanyahu está de volta ao poder, liderando um governo nacionalista que tenderá ao confronto, não à acomodação, com os palestinos e iranianos. O continente africano segue sendo palco de dezenas de conflitos armados. Na América Latina, apesar da ausência de conflitos formais, a atuação de grupos criminosos e narcoterroristas, especialmente na Colômbia e no México, se mantém como um fator de instabilidade.

Em 2023, a guerra na Ucrânia prosseguirá, com alguns cenários possíveis. O primeiro é aquele em que a Rússia, que reforçou seus efetivos pela mobilização de centenas de milhares de soldados, retoma a iniciativa e inicia uma ofensiva para tentar controlar inteiramente as províncias de Kherson e Zaporizhzhia, no Sul da Ucrânia, e Lugansk e Donetsk, no Leste do país, todas anexadas ilegalmente ao território russo em 2022. O segundo cenário contempla a Ucrânia, fortemente apoiada financeira e materialmente pelos EUA e países europeus, prosseguir no esforço de retomar os territórios perdidos. Um terceiro cenário seria a Rússia novamente tentar conquistar a capital, Kiev, atacando por Norte, a partir do território bielorrusso. Um quarto cenário, menos provável, mas mais perigoso, seria o transbordamento da guerra para fora do território ucraniano, para a Transnístria, na Moldávia, ou para Belarus, ou mesmo para um país membro da Otan, como a Polônia. Esta última possibilidade poderia provocar uma escalada acentuada do conflito, com repercussões inimagináveis.

Nenhum dos cenários acima contempla a possibilidade de paz em curto prazo, uma vez que nem Rússia, nem Ucrânia, possuem poder militar/econômico suficiente para atingir os objetivos descritos nos cenários acima, especialmente em curto prazo. Uma guerra termina quando um dos contendores desiste da luta, concordando com termos que lhe são desvantajosos para celebrar a paz. Essa não parece ser uma opção para os ucranianos, que como o presidente Zelensky repetidas vezes afirmou, não aceita ceder territórios ao invasor. Como retirar as tropas para celebrar a paz também não é uma opção para o presidente Putin, que não teria como justificar para o povo russo uma invasão que não redundasse em nenhum ganho para a Rússia, o impasse prosseguirá.

Assim, é certo que até que se encontre uma saída para essa encruzilhada, a guerra prosseguirá na Europa, e com ela todas as repercussões sociais, políticas, econômicas e comerciais, como a escassez energética, a inflação e o aumento do fluxo de refugiados servindo como exemplos. Tal situação provavelmente levará a uma diminuição do apoio da opinião pública europeia à Ucrânia, e a uma consequente pressão pelo fim das hostilidades, o que colocará os líderes europeus diante de uma escolha entre duas opções, ambas ruins. A primeira seria pressionar a Ucrânia a buscar imediatamente a paz, o que levaria os europeus a admitir que a Rússia ampliasse seus territórios pela conquista em uma guerra, um fato inadmissível para as potências ocidentais. A segunda seria apoiar ainda mais a Ucrânia com armas, equipamento e dinheiro, tentando desequilibrar a balança da guerra em seu favor, o que poderia levar a Rússia a uma escalada, não se descartando o uso de artefatos nucleares táticos, com repercussões ainda mais graves.

Dado o exponencial crescimento da conflitividade do ambiente, é certo que os investimentos em defesa continuarão a crescer na Europa, em ritmo que não era visto desde o fim da Guerra Fria. Os países da comunidade europeia já concordaram em aumentar seus gastos, de modo que em 2027 se somem cerca de 70 bilhões de dólares aos pouco mais de 200 bilhões atualmente aplicados. A Polônia se destaca nesse quesito, devendo passar a ter o mais poderoso exército europeu nos próximos anos. Por outro lado, apesar dos embargos econômicos impostos pelo Ocidente e em boa medida driblados pelo incremento das relações comerciais russas com parceiros como a Índia e a China, o presidente Putin tem reiterado que continuará a incrementar os investimentos em defesa do país.

Na Ásia, o presidente da China, Xi Jinping, após garantir um terceiro mandato inédito, enfrenta dificuldades sociais e econômicas. O fim da política da Covid Zero, após a pressão de protestos ocorridos em diferentes regiões do país, ocasionou um exponencial aumento dos casos e das mortes, que colocam em risco o sistema de saúde e a confiança do povo no gerenciamento da pandemia por parte do Partido Comunista. Isso ocorre ao tempo em que a economia desacelera, a crise no setor imobiliário persiste e o desemprego, especialmente dentre os mais jovens, atinge níveis elevados. Ainda no campo interno, uma questão bastante sensível é a que envolve a minoria uighur da província de Xinjiang, onde o governo chinês é acusado de violações graves dos direitos humanos.

Ao mesmo tempo, a China coleciona situações de potencial conflito com seus vizinhos. Há a questão da ilha de Taiwan, que possui um governo autônomo, mas é considerada uma província rebelde que deverá ser reincorporada à soberania chinesa. Há também disputas fronteiriças com a Índia, que volta e meia retornam à baila em razão de incidentes entre as tropas de fronteira e a disputa com o Japão pelas ilhas Senkaku, chamadas pelos chineses de Diaoyu Dao, além dos embates no Mar do Sul da China, com diversos países vizinhos.

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A acirrada competição geopolítica e comercial entre os Estados Unidos e a China se manterá em 2023. Os EUA sustentarão sua presença no Indo-Pacífico, fortalecendo parcerias e alianças naquela região com o objetivo de garantir sua influência. Tal atitude certamente provocará reação chinesa, uma vez que os interesses das duas potências em vários momentos serão conflitantes.

Na península da Coreia, o ditador Kim Jong un continua a acelerar os programas nuclear e de mísseis, com um recorde de lançamentos e testes em 2022. A guerra na Ucrânia ofereceu uma oportunidade ao país, que enfrenta há anos embargos econômicos, para a venda de armamentos. Há notícias de venda de armas para a Rússia e o prolongamento da guerra deverá constituir oportunidade para intensificação dessas vendas, ainda que de forma velada.

A Coreia do Sul, por sua vez, divulgou sua estratégia para a região do Indo-Pacífico, destacando que a capacidade nuclear, assim como o programa de mísseis da Coreia do Norte, são uma forte ameaça à paz na região.

A movimentação militar da China e da Coreia do Norte provocou a reação do Japão, que após aprovar uma nova estratégia nacional de segurança, divulgou um amplo programa de modernização de suas forças armadas, com um substancial incremento de seus investimentos em defesa, que deverão duplicar até 2027, o que colocará o país em terceiro lugar no mundo no quesito investimentos militares.

No Oriente Médio, o Irã prossegue no desenvolvimento de suas capacidades nucleares, que voltaram a ser desenvolvidas com o fim do acordo nuclear, em 2018. O país já enriquece urânio a níveis próximos dos necessários à fabricação da bomba nuclear, mas nega a intenção de possuir tal tipo de armamento. O Irã vem sendo palco de uma série de manifestações populares, desde a morte de uma jovem da minoria curda, após ser presa pela polícia dos costumes do país. O regime vem reprimindo as manifestações com violência, já tendo, inclusive, condenado manifestantes à morte, sendo pouco provável que os protestos venham a ameaçar a estabilidade do governo. Mas, a guerra na Ucrânia se mostrou uma oportunidade para os iranianos venderem material de emprego militar aos russos, especialmente sistemas de aeronaves remotamente pilotadas e as loitering munitions, conhecidas como “drones kamikazes”. Especula-se que, em troca, os russos poderiam auxiliar os iranianos em seu programa nuclear.

Em Israel, Benjamin Netanyahu reassumiu o governo, formando uma coalizão nacionalista e escalando alguns ministros com um histórico de ações anti-palestinas. Ele afirmou, em diversas oportunidades, que Israel não admitirá que o Irã alcance o status de potência nuclear, de modo que as tensões entre os dois países deverão se elevar ainda mais na gestão do novo primeiro-ministro israelense.

Além disso, a rivalidade entre Arábia Saudita e Irã permanece alta. Os dois países estão com as relações diplomáticas rompidas desde 2016 e apoiam lados contrários nas guerras civis do Iêmen e da Síria, além de disputarem a proeminência geopolítica na região.

A África e a América Latina, que convivem há anos com conflitos que, embora causem muito sofrimento às populações locais, são crônicos e considerados de baixa intensidade, apresentam pontos locais de tensão que merecerão a atenção dos governos e dos organismos multilaterais regionais sem, entretanto, afetar significativamente a geopolítica global.

Nas relações entre os países, o chamado Dilema de Segurança surge como um paradoxo inerente ao próprio Sistema de Estados. Afinal, uma razão fundamental para a existência do Estado é proporcionar segurança aos seus cidadãos em relação a ameaças externas e internas. Para isso, ao identificar ameaças, o Estado investe em sistemas de armas para sua defesa, mas isso faz com que ele próprio passe a representar uma ameaça aos outros Estados, que também passam a se armar. É o que popularmente se chama “corrida armamentista”.

Como procurei demonstrar, em 2023 o mundo observará a instalação desses dilemas de segurança em três regiões ao mesmo tempo: na Europa, em razão da guerra da Ucrânia, na região do Indo-Pacífico, em razão da crescente tensão nas relações entre os principais atores regionais e entre a China e os Estados Unidos, e no Oriente Médio, motivada pela desconfiança mútua entre Irã, Israel e Arábia Saudita. Esses três serão, portanto, os principais focos de tensão geopolítica do mundo em 2023.

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