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As “Duas Sessões” – as mais importantes reuniões políticas da China

As “Duas Sessões” estão começando hoje, na China. Neste evento, que acontece apenas uma vez a cada ano reunindo cerca de 5 mil delegados de todas as regiões da China, são realizadas as reuniões da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e do Congresso Nacional do Povo (CNP). Embora sejam realizadas ao mesmo tempo, as duas reuniões têm finalidades distintas.

O 14º Congresso Nacional do Povo está inaugurando nova legislatura, empossando os cerca de 3000 delegados que permanecerão em suas funções por 5 anos, até março de 2028. Trata-se do maior corpo legislativo do mundo. Nesse período, somente reunirá todos os seus membros em 5 oportunidades anuais, por cerca de 15 dias a cada vez, justamente nas chamadas “Duas Sessões”. Na reunião de agora, sua tarefa mais importante será dar posse às mais altas autoridades chinesas, inclusive ao Presidente Xi Jinping, para seu terceiro mandato como presidente. Também empossará o primeiro-ministro, vice-ministros e as diversas instâncias administrativas de mais alto nível do governo chinês. Além disso, ocorrerão diversas votações para se aprovar as decisões do executivo chinês.

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Os integrantes do CNP são escolhidos de forma indireta, pelos congressos das províncias, regiões autônomas, municipalidades diretamente controladas pelo governo central e regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. Esses congressistas, por sua vez, foram escolhidos pelos congressos dos níveis municipais. Os de nível municipal e distrital, por sua vez, foram eleitos diretamente, por mais de um bilhão de votantes, em um processo eleitoral ocorrido no ano passado. A exceção são os deputados das forças armadas, eleitos em processos internos do Exército Popular de Libertação. Ao todo, somando-se todos os níveis, existem cerca de 2,6 milhões de parlamentares na China. A grande maioria deles integra o Partido Comunista Chinês, mas também há representantes de partidos não comunistas – sim, há outros partidos na China – e mesmo pessoas sem afiliação política. Todos os assuntos que serão tratados na reunião do CNP são agendados com antecedência e é altamente improvável que alguma votação saia em desacordo com o desejado pelo alto escalão do Partido Comunista Chinês.

A CCPPC, por sua vez, é integrada por cerca de 2,2 mil delegados, dentre os quais membros do Partido Comunista, integrantes de outros partidos, organizações de massa, pessoas sem afiliação política, representantes de classes, pessoas influentes, minorias étnicas e convidados. A Conferência não tem funções executivas ou legislativas. Seu papel é o de servir como um órgão consultivo e de assessoramento político. Ao término de duas semanas de reunião, suas dezenas de subcomitês apresentarão propostas, sobre os mais variados assuntos, ao governo.

A constituição da China, que define o Partido Comunista como a principal força política do país, especifica que oito “partidos democráticos”, oficialmente reconhecidos, têm o direito de “participar do governo” do país. Porém, na prática, esse direito é estritamente limitado a fazer propostas que o Partido Comunista pode optar por implementar ou simplesmente ignorar. Assim, diferentemente do que um observador ocidental poderia ser levado a acreditar, os partidos não-comunistas da China não são partidos de oposição e nem podem almejar o poder. O maior desses partidos é a  Liga Democrática da China – que é composta por intelectuais ligados à cultura, educação, ciência e tecnologia, com cerca de 330 mil membros. O menor partido é a Liga de Autogoverno Democrático de Taiwan, formada por taiwaneses pró-Partido Comunista e que teria cerca de 3.000 membros.

Dada a atual importância econômica e geopolítica da China, o mundo presta cada vez mais atenção aos acontecimentos políticos do gigante asiático. Compreender o seu funcionamento político, com a finalidade de prever seus movimentos e compreender suas intenções passou a ser fundamental para todos que se interessam política internacional, geopolítica, economia ou relações internacionais.

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As implicações militares e estratégicas do balão chinês

A identificação de um balão chinês sobrevoando a base de Malmstrom, no estado norte-americano de Montana, causou alarme nos norte-americanos e uma nova crise diplomática entre EUA e China. O incidente acabou por redundar no cancelamento da visita que o chefe do Departamento de Estado dos EUA, Antony Blinken, faria à China nos próximos dias. Afinal, a base de Malmstron abriga 150 silos dos mísseis balísticos intercontinentais LGM-30 Minuteman III, a arma estratégica baseada em terra de que os EUA dispõem para, transportando ogivas nucleares, realizarem bombardeios de longo alcance.

Embora tenha sido abatido por caças F-22 quando chagava ao Oceano Atlântico, o fato de o balão ter permanecido por algumas horas monitorando um local sensível, bem como ter sobrevoado por dias o território norte-americano, causou grande desconforto entre as autoridades norte-americanas. Os chineses, por seu lado, reconheceram que o balão é de propriedade de uma empresa chinesa, porém, afirmaram tratar-se apenas de um balão meteorológico que teria se desviado da rota, protestando contra o que definiram como uma “resposta exagerada” dos EUA. Mas, é forçoso reconhecer que a versão chinesa de desvio de rota de um simples balão meteorológico é pouco verossímil.

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O uso de balões com finalidades militares não é nenhuma novidade. Os franceses os utilizaram, pela primeira vez, em 1794, nas batalhas que se seguiram à Revolução Francesa. A atuação mais importante ocorreu na batalha de Fleurus, em 1794, quando as tropas francesas venceram austríacos e holandeses. Na guerra da Secessão, nos EUA, os balões cativos foram utilizados em muitas batalhas, inclusive para regular o tiro de artilharia. O sucesso do emprego dos balões levou o exército da União a montar um Corpo de Aeroestação, com quatro balões. Os norte-americanos, inclusive, passaram a instalar telégrafos com fios nos balões, possibilitando aos observadores a transmissão das informações em tempo real.

Durante a Guerra da Tríplice Aliança, o Duque de Caxias levou o Brasil a ser o primeiro país sul-americano a utilizar os balões em combate. Foram mais de vinte ascensões do aeróstato, que forneceram importantes informações de inteligência ao estado-maior das forças brasileiras, especialmente na marcha de flanco da segunda fase das operações contra a fortaleza de Humaitá, no segundo semestre de 1867.

Na Primeira Guerra Mundial, os alemães utilizaram os zepelins para realizarem 51 ataques à Inglaterra, causando centenas de mortes. Mas, o rápido desenvolvimento da antiaérea e facilidade de se alvejar os enormes zepelins, levaram os alemães a rapidamente desistir de empregá-los nesse tipo de operação.

Em 1947, os EUA enviaram balões para sobrevoar a União Soviética, para procurar evidências de testes nucleares. Na década seguinte, no chamado Projeto Moby Dick, os EUA enviaram milhares de balões espiões sobre os países da cortina de ferro. Sempre que um balão era identificado, a desculpa era a mesma dada pelos chineses agora: um balão meteorológico que se desviou da rota.

Voltando ao caso do balão chinês, esse tipo de equipamento, nos dias de hoje, oferece valiosas oportunidades para a inteligência militar. A empresa World View, em sua página eletrônica, informa que um balão pode permanecer vários dias sobre um determinado ponto, a uma altitude de 50 mil pés (cerca de 15 Km), fornecendo imagens com uma resolução de 5 cm. Isso significa que objetos a partir deste tamanho já podem ser identificados nas imagens.

Também é provável que o balão estivesse realizando atividades de inteligência, a chamada SIGINT (sigla em inglês para signals intelligence). Trata-se da coleta de informações através da interceptação de sinais de comunicações, de radares, ou de outros sistemas eletrônicos.

Talvez mais importante do que saber o que este balão especificamente conseguiu – ou não – obter de informações estratégicas de inteligência, seja reconhecer que esta seja uma possibilidade. E certamente é isso que preocupa mais preocupa os norte-americanos.

Além disso, nada impede que um balão desses carregue armas, ao invés de câmeras e radares ou equipamentos de guerra eletrônica. O pesquisador William Pulido, em artigo para a Revista Ejercitos, levanta a possibilidade de esses balões detonarem armas nucleares sobre as bases de mísseis intercontinentais norte-americanas, não para destruí-las fisicamente, mas para que o pulso eletromagnético desabilitasse a eletrônica dos mísseis inutilizando-os. Tratou-se portanto, da constatação de uma vulnerabilidade na segurança do espaço aéreo dos EUA, que certamente será objeto de uma pormenorizada análise pelos órgãos competentes.

Para os chineses, o incidente do balão pode ter servido para testar as modernas técnicas de dirigibilidade desse tipo de artefato, bem como verificar como se daria a resposta norte-americana.

Este incidente é mais um a acentuar a disputa em curso entre norte-americanos e chineses. Demonstra claramente as desconfianças mútuas e remete, inevitavelmente, às tensões do auge da guerra fria entre EUA e União Soviética. Se o mundo vive ou não, nos dias de hoje, uma nova guerra fria, desta vez entre norte-americanos e chineses, é uma discussão acadêmica em aberto, com estudiosos defendendo posições antagônicas com bons argumentos. Mas, que é um mais um incidente a marcar com clareza o crescimento das tensões entre os dois lados, isso é inegável.

 

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REFERÊNCIAS

Revista Ejercitos – Reportagem de Will Pulido – https://www.revistaejercitos.com/2023/02/04/el-globo-espia-chino-y-las-aplicaciones-militares-de-los-aeroestatos/

Breaking Defense – https://breakingdefense.com/2022/07/way-up-in-the-air-world-view-looks-to-expand-customer-base-for-its-stratollite-balloon/

Os balões de observação na Guerra do Paraguai – https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_os_baloes.pdf

DW – https://www.dw.com/pt-br/1915-dirig%C3%ADveis-bombardeiam-londres/a-297928

 




Os principais pontos de tensão geopolítica em 2023


O novo ano traz muitos desafios para a paz mundial. Na Europa, a guerra de alta intensidade provocada pela invasão russa da Ucrânia continua longe de um final. Na Ásia, a China reafirma seus interesses no Indo-Pacífico com crescente assertividade, enquanto a Coreia do Norte prossegue em seus programas nuclear e de mísseis e o Japão anuncia um amplo programa de modernização de suas forças armadas, que prevê que o país passará a ser o terceiro do mundo em investimentos militares até 2027. No Oriente Médio, o Irã exporta armas para a Rússia em guerra e mantém seu programa nuclear ao mesmo tempo que, em Israel, Netanyahu está de volta ao poder, liderando um governo nacionalista que tenderá ao confronto, não à acomodação, com os palestinos e iranianos. O continente africano segue sendo palco de dezenas de conflitos armados. Na América Latina, apesar da ausência de conflitos formais, a atuação de grupos criminosos e narcoterroristas, especialmente na Colômbia e no México, se mantém como um fator de instabilidade.

Em 2023, a guerra na Ucrânia prosseguirá, com alguns cenários possíveis. O primeiro é aquele em que a Rússia, que reforçou seus efetivos pela mobilização de centenas de milhares de soldados, retoma a iniciativa e inicia uma ofensiva para tentar controlar inteiramente as províncias de Kherson e Zaporizhzhia, no Sul da Ucrânia, e Lugansk e Donetsk, no Leste do país, todas anexadas ilegalmente ao território russo em 2022. O segundo cenário contempla a Ucrânia, fortemente apoiada financeira e materialmente pelos EUA e países europeus, prosseguir no esforço de retomar os territórios perdidos. Um terceiro cenário seria a Rússia novamente tentar conquistar a capital, Kiev, atacando por Norte, a partir do território bielorrusso. Um quarto cenário, menos provável, mas mais perigoso, seria o transbordamento da guerra para fora do território ucraniano, para a Transnístria, na Moldávia, ou para Belarus, ou mesmo para um país membro da Otan, como a Polônia. Esta última possibilidade poderia provocar uma escalada acentuada do conflito, com repercussões inimagináveis.

Nenhum dos cenários acima contempla a possibilidade de paz em curto prazo, uma vez que nem Rússia, nem Ucrânia, possuem poder militar/econômico suficiente para atingir os objetivos descritos nos cenários acima, especialmente em curto prazo. Uma guerra termina quando um dos contendores desiste da luta, concordando com termos que lhe são desvantajosos para celebrar a paz. Essa não parece ser uma opção para os ucranianos, que como o presidente Zelensky repetidas vezes afirmou, não aceita ceder territórios ao invasor. Como retirar as tropas para celebrar a paz também não é uma opção para o presidente Putin, que não teria como justificar para o povo russo uma invasão que não redundasse em nenhum ganho para a Rússia, o impasse prosseguirá.

Assim, é certo que até que se encontre uma saída para essa encruzilhada, a guerra prosseguirá na Europa, e com ela todas as repercussões sociais, políticas, econômicas e comerciais, como a escassez energética, a inflação e o aumento do fluxo de refugiados servindo como exemplos. Tal situação provavelmente levará a uma diminuição do apoio da opinião pública europeia à Ucrânia, e a uma consequente pressão pelo fim das hostilidades, o que colocará os líderes europeus diante de uma escolha entre duas opções, ambas ruins. A primeira seria pressionar a Ucrânia a buscar imediatamente a paz, o que levaria os europeus a admitir que a Rússia ampliasse seus territórios pela conquista em uma guerra, um fato inadmissível para as potências ocidentais. A segunda seria apoiar ainda mais a Ucrânia com armas, equipamento e dinheiro, tentando desequilibrar a balança da guerra em seu favor, o que poderia levar a Rússia a uma escalada, não se descartando o uso de artefatos nucleares táticos, com repercussões ainda mais graves.

Dado o exponencial crescimento da conflitividade do ambiente, é certo que os investimentos em defesa continuarão a crescer na Europa, em ritmo que não era visto desde o fim da Guerra Fria. Os países da comunidade europeia já concordaram em aumentar seus gastos, de modo que em 2027 se somem cerca de 70 bilhões de dólares aos pouco mais de 200 bilhões atualmente aplicados. A Polônia se destaca nesse quesito, devendo passar a ter o mais poderoso exército europeu nos próximos anos. Por outro lado, apesar dos embargos econômicos impostos pelo Ocidente e em boa medida driblados pelo incremento das relações comerciais russas com parceiros como a Índia e a China, o presidente Putin tem reiterado que continuará a incrementar os investimentos em defesa do país.

Na Ásia, o presidente da China, Xi Jinping, após garantir um terceiro mandato inédito, enfrenta dificuldades sociais e econômicas. O fim da política da Covid Zero, após a pressão de protestos ocorridos em diferentes regiões do país, ocasionou um exponencial aumento dos casos e das mortes, que colocam em risco o sistema de saúde e a confiança do povo no gerenciamento da pandemia por parte do Partido Comunista. Isso ocorre ao tempo em que a economia desacelera, a crise no setor imobiliário persiste e o desemprego, especialmente dentre os mais jovens, atinge níveis elevados. Ainda no campo interno, uma questão bastante sensível é a que envolve a minoria uighur da província de Xinjiang, onde o governo chinês é acusado de violações graves dos direitos humanos.

Ao mesmo tempo, a China coleciona situações de potencial conflito com seus vizinhos. Há a questão da ilha de Taiwan, que possui um governo autônomo, mas é considerada uma província rebelde que deverá ser reincorporada à soberania chinesa. Há também disputas fronteiriças com a Índia, que volta e meia retornam à baila em razão de incidentes entre as tropas de fronteira e a disputa com o Japão pelas ilhas Senkaku, chamadas pelos chineses de Diaoyu Dao, além dos embates no Mar do Sul da China, com diversos países vizinhos.

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A acirrada competição geopolítica e comercial entre os Estados Unidos e a China se manterá em 2023. Os EUA sustentarão sua presença no Indo-Pacífico, fortalecendo parcerias e alianças naquela região com o objetivo de garantir sua influência. Tal atitude certamente provocará reação chinesa, uma vez que os interesses das duas potências em vários momentos serão conflitantes.

Na península da Coreia, o ditador Kim Jong un continua a acelerar os programas nuclear e de mísseis, com um recorde de lançamentos e testes em 2022. A guerra na Ucrânia ofereceu uma oportunidade ao país, que enfrenta há anos embargos econômicos, para a venda de armamentos. Há notícias de venda de armas para a Rússia e o prolongamento da guerra deverá constituir oportunidade para intensificação dessas vendas, ainda que de forma velada.

A Coreia do Sul, por sua vez, divulgou sua estratégia para a região do Indo-Pacífico, destacando que a capacidade nuclear, assim como o programa de mísseis da Coreia do Norte, são uma forte ameaça à paz na região.

A movimentação militar da China e da Coreia do Norte provocou a reação do Japão, que após aprovar uma nova estratégia nacional de segurança, divulgou um amplo programa de modernização de suas forças armadas, com um substancial incremento de seus investimentos em defesa, que deverão duplicar até 2027, o que colocará o país em terceiro lugar no mundo no quesito investimentos militares.

No Oriente Médio, o Irã prossegue no desenvolvimento de suas capacidades nucleares, que voltaram a ser desenvolvidas com o fim do acordo nuclear, em 2018. O país já enriquece urânio a níveis próximos dos necessários à fabricação da bomba nuclear, mas nega a intenção de possuir tal tipo de armamento. O Irã vem sendo palco de uma série de manifestações populares, desde a morte de uma jovem da minoria curda, após ser presa pela polícia dos costumes do país. O regime vem reprimindo as manifestações com violência, já tendo, inclusive, condenado manifestantes à morte, sendo pouco provável que os protestos venham a ameaçar a estabilidade do governo. Mas, a guerra na Ucrânia se mostrou uma oportunidade para os iranianos venderem material de emprego militar aos russos, especialmente sistemas de aeronaves remotamente pilotadas e as loitering munitions, conhecidas como “drones kamikazes”. Especula-se que, em troca, os russos poderiam auxiliar os iranianos em seu programa nuclear.

Em Israel, Benjamin Netanyahu reassumiu o governo, formando uma coalizão nacionalista e escalando alguns ministros com um histórico de ações anti-palestinas. Ele afirmou, em diversas oportunidades, que Israel não admitirá que o Irã alcance o status de potência nuclear, de modo que as tensões entre os dois países deverão se elevar ainda mais na gestão do novo primeiro-ministro israelense.

Além disso, a rivalidade entre Arábia Saudita e Irã permanece alta. Os dois países estão com as relações diplomáticas rompidas desde 2016 e apoiam lados contrários nas guerras civis do Iêmen e da Síria, além de disputarem a proeminência geopolítica na região.

A África e a América Latina, que convivem há anos com conflitos que, embora causem muito sofrimento às populações locais, são crônicos e considerados de baixa intensidade, apresentam pontos locais de tensão que merecerão a atenção dos governos e dos organismos multilaterais regionais sem, entretanto, afetar significativamente a geopolítica global.

Nas relações entre os países, o chamado Dilema de Segurança surge como um paradoxo inerente ao próprio Sistema de Estados. Afinal, uma razão fundamental para a existência do Estado é proporcionar segurança aos seus cidadãos em relação a ameaças externas e internas. Para isso, ao identificar ameaças, o Estado investe em sistemas de armas para sua defesa, mas isso faz com que ele próprio passe a representar uma ameaça aos outros Estados, que também passam a se armar. É o que popularmente se chama “corrida armamentista”.

Como procurei demonstrar, em 2023 o mundo observará a instalação desses dilemas de segurança em três regiões ao mesmo tempo: na Europa, em razão da guerra da Ucrânia, na região do Indo-Pacífico, em razão da crescente tensão nas relações entre os principais atores regionais e entre a China e os Estados Unidos, e no Oriente Médio, motivada pela desconfiança mútua entre Irã, Israel e Arábia Saudita. Esses três serão, portanto, os principais focos de tensão geopolítica do mundo em 2023.

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Para onde vai a China de Xi Jinping?

Encerrado o 20º Congresso do Partido Comunista da China, o que era esperado aconteceu: Xi Jinping foi confirmado para um inédito terceiro mandato como Presidente da República, acumulando os cargos de Secretário-Geral do Partido e Presidente do Comitê Central Militar. Xi ficará no poder por mais, no mínimo, 5 anos. Será o líder, depois de Mao Zedong, que por mais tempo liderará a China comunista.

O êxito de Xi Jinping no congresso foi completo. Ao mesmo tempo que assegurou sua permanência no poder, configurou as mais importantes instâncias decisórias do partido – e consequentemente do próprio Estado chinês – à sua imagem e semelhança.

Xi passa a ser o líder mais poderoso desde Mao Zedong. Mao era chamado de “o grande timoneiro”, ou simplesmente de “o líder”. Esses títulos já não eram mais aplicados aos presidentes chineses, desde Deng Xiaoping. Mas o culto à personalidade retornou com força. Não é incomum encontrar referências a Xi como “o líder do povo”, “núcleo do partido”, ou outros títulos dessa natureza.

Conheça a aula sobre o futuro da China de Xi Jinping

Paulatinamente, ao longo dos seus dez primeiros anos no poder, Xi Jinping foi modificando o estilo de liderança colegiada de seus antecessores, especialmente de Hu Jintao, para um estilo centralizador, no qual ele passou a ter a palavra final sobre praticamente todos os assuntos relevantes. Xi afastou as possíveis dissidências e lideranças que lhe pudessem fazer sombra. Li Keqiang, Primeiro-Ministro e chefe do governo, e Wang Yang, membro do Comitê Permanente do Politburo, instância máxima de decisão do Partido, foram afastados do poder na eleição realizada no 20º Congresso. Isso aconteceu mesmo sem nenhum dos dois ter completado a idade de 68 anos, que por uma regra não escrita, balizaria a idade da aposentadoria dos próceres do partido. Na direção contrária, os líderes leais a Xi foram mantidos, como Zhang Youxia, do Comitê Central Militar, já com 72 anos, ou promovidos, como Li Qiang, secretário do partido em Xangai, que passará a ocupar a posição que pertencia a Keqiang. Li Qiang é conhecido por implantar o duro lockdown da COVID-19 em Xangai, que trouxe repercussões bastante negativas na economia. Sua promoção mostra que a lealdade a Xi importa mais do que a competência na governança econômica.

Houve ainda o episódio da retirada de ex-presidente Hu Jintao do plenário do Congresso, visivelmente contra sua própria vontade, em meio aos trabalhos e em frente às câmeras da imprensa de todo o mundo. Especula-se que Hu estaria insatisfeito com o afastamento das lideranças que lhe eram próximas e, embora o episódio não tenha sido bem explicado, a forma com que Hu foi retirado do plenário deixou claro para todos na China – e no mundo – que há apenas uma liderança no Partido Comunista e no país: Xi Jinping.

Ao mesmo tempo em que concentra o poder político, Xi Jinping vai alterando os rumos do país na economia, com a iniciativa privada cada vez mais submetida ao controle do Estado. O progresso econômico chinês, obtido nos últimos 44 anos, desde o início das reformas e da abertura do país, por Deng Xiaoping, e mantida por Jiang Zemin e Hu Jintao, foi obtido dentro das regras de uma ordem internacional liderada pelos Estados Unidos. Xi acredita que está na hora de incentivar um desenvolvimento sob novas bases, em uma ordem ditada conforme os interesses chineses. Na prática, significa que os ditames políticos serão considerados pelo governo chinês prioritariamente em relação às universais leis econômicas da oferta e da demanda. Um bom exemplo é a ênfase que o governo chinês passou a dar ao mercado interno, buscando uma autossuficiência que lhe permita, por exemplo, enfrentar embargos econômicos como os que a guerra da Ucrânia causou à Rússia. Nesse sentido, em seu discurso no 20º Congresso, Xi enfatizou a necessidade de autonomia tecnológica para que o país consiga manter seu desenvolvimento a despeito de embargos comerciais, como os atualmente impostos pelos EUA à China na área de semicondutores e chips de alta tecnologia.

Os relatórios dos secretários-gerais do Partido Comunista da China nos congressos do partido são documentos definidores do futuro do partido e, em consequência, da China. Nesse sentido, vale a pena prestar atenção na quantidade de vezes que certos termos apareceram no texto lido por Xi Jinping. A expressão “segurança nacional”, por exemplo, apareceu apenas uma vez no relatório de 1992; 4 vezes em 2012; 18 vezes em 2017 e 27 vezes em 2022. A expressão em chinês para “Estado poderoso” (qiangguo) aparece 23 vezes no documento deste ano, contra 19 em 2017 e apenas 2 vezes em 2002. É evidente que o partido está muito mais preocupado com a segurança nacional.

Nesse sentido, Xi Jinping coloca a questão de Taiwan com clareza. A reunificação completa da China é, para o Partido Comunista, uma “missão histórica e um compromisso inabalável”. A reunificação pacífica é preferível, mas Xi não abrirá mão de usar o poder militar para atingir esse objetivo.

Ao término do congresso, houve um evento significativo, que ajuda a compreender o momento que a China vive e dá pistas sobre o futuro. Xi Jinping liderou uma visita dos seis membros que com ele compõem o Comitê Permanente do Politburo a Yan’an, na província de Shaanxi. Trata-se do local onde, em 1945, Mao Zedong liderou o 7º Congresso do Partido Comunista da China, no qual Mao consolidou o controle do Partido e estabeleceu seu próprio pensamento como dogma. Em suas declarações sobre a visita, Xi destacou que a conquista da unidade política do PCC na era Yan’an permitiu que ele superasse inimigos muito mais fortes, numa clara referência aos desafios que ele lista como sendo os atuais. Xi declarou ainda: “Eu vim aqui para manifestar que a nova liderança central herdará e levará adiante as gloriosas tradições e os bons estilos de trabalho do Partido cultivados durante o Período Yan’an, e levarão adiante o Espírito de Yan’an”. Ao identificar a nova liderança com o “espírito Yan’an”, Xi está enquadrando sua recente consolidação de poder como motivada pelo imperativo de unir o Partido em face de tempos desafiadores. Mais do que isso, remete sua liderança à força simbólica de Mao Zedong.

Como se vê, a China de Xi Jinping caminha para uma maior centralização do poder político na figura de seu líder supremo, mais intervencionismo estatal na economia e mais nacionalismo e impetuosidade nas relações internacionais. Tudo isso embasado em uma espécie de renascimento ideológico e fortalecimento das crenças e do ideário original do Partido Comunista. Essa postura vai gerar transformações nos cenários regional e internacional, com reflexos para a segurança e comércio internacionais. Sendo a China o ator geopolítico que é, haverá reflexos em todos os cantos do globo.

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O 20º Congresso do Partido Comunista chinês

No dia de hoje, domingo, 16 de outubro, o Partido Comunista Chinês inicia seu vigésimo congresso. Cerca de 2,3 mil delegados, representando os mais de 90 milhões de filiados, se reunirão no “Grande Salão do Povo”. Será um evento importantíssimo, que confirmará um inédito terceiro mandato para o presidente Xi Jinping, além de confirmá-lo nas outras duas posições que o caracterizam como líder supremo: Secretário-Geral do partido e Presidente da Comissão Militar Central. O congresso do partido tem entre suas finalidades elevar o moral dos seus integrantes, aumentando sua determinação e comprometimento, além de lembrá-los da necessidade de disciplina. Mas é claro que a reunião tem também objetivos formais:

  1. eleger os cerca de 370 membros do comitê central, dentre eles os 25 componentes do Politburo, dentre os quais os 7 (Xi Jinping incluído) que comporão o Comitê Permanente do Politburo, o ápice do poder no país;
  2. discutir, alterar e aprovar dois relatórios que serão lidos: o do Secretário Geral Xi Jinping e o do Comitê Central de Inspeção disciplinar; e
  3. revisar a Constituição do Partido Comunista Chinês.
  1. Na semana passada, os 358 membros do Comitê Central se reuniram por 4 dias em uma reunião plenária, onde se completou o longo processo de cerca de um ano de preparação para o congresso. Não há, portanto, espaço para surpresas. O evento que se inicia hoje é um espetáculo previamente coreografado e, na prática, tudo já foi decidido.
  2. A reunião será aberta pela leitura do relatório do Secretário Geral Xi Jinping. Este é um documento muito importante, que servirá de base para muitos outros nos próximos 5 anos. Espera-se que cerca de 1/3 do documento seja dedicado a questões ideológicas, com o “marxismo do século 21” que caracteriza o “Pensamento de Xi Jinping”. O relatório tem uma organização já definida, com 12 temas a serem desenvolvidos, em uma ordem já conhecida. Entretanto, será interessante prestar atenção à ênfase com a qual os assuntos serão tratados. No relatório de 2012, o assunto principal foi o combate à corrupção. Em 2017, Xi deu mais ênfase à desigualdade social, pobreza e questões rurais. Em 2022, espera-se encontrar temas como a “prosperidade comum”, segurança nacional, meio ambiente, e as Iniciativas de “Segurança Global” e de “Desenvolvimento Global”.
  3. O relatório do Comitê Central de Inspeção Disciplinar será importante dado que a disciplina partidária é um assunto muito caro a Xi Jinping e “falhas ideológicas” são vistas pelo presidente como traição ao partido. A Constituição do Partido Comunista Chinês é seu documento mais importante. No último congresso, o 19º, o “Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era” foi inserido na Constituição. É provável que neste congresso novas e importantes modificações sejam inseridas no documento.
  4. Um ponto sobre o qual as atenções estarão concentradas será a nova composição do Politburo e do seu comitê Permanente. Há uma regra de aposentadoria compulsória aos 68 anos – não aplicada ao caso de Xi Jinping, que está com 69 anos – mas que poderá será usada para tornar esses fóruns ainda mais alinhados a Xi Jinping, consolidando definitivamente seu poder. Quase todos os outros 6 membros do comitê permanente, inclusive o chefe do Conselho de Estado, Li Keqiang, com 67 anos, estão muito próximos de atingir a idade limite. Dois deles, Li Zhanshu (72 anos) e Han Zheng (68anos), na verdade já a superaram. A propósito, a continuidade ou não de Li Keqian no Comitê Permanente do Politburo servirá de indicação do quanto Xi Jinping foi exitoso no objetivo de controlar completamente o partido, uma vez que Keqian é oriundo de uma corrente importante, a Liga da Juventude Comunista, e exerce um contraponto a Xi Jinping no partido.

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O congresso do Partido Comunista, em sua 20ª edição, para além da importância que possui para o próprio país, ganhou destaque global em razão da importância que a China adquiriu no concerto das nações. Começa a atrair quase tanta atenção no Ocidente quanto as eleições norte-americanas. Como se viu, é bastante provável que dele saia um Xi Jinping fortalecido, que se perpetuará no poder. E, nessas condições, ele poderá se tornar um líder com ainda mais liberdade de ação para atuar com mais impulsão na cena internacional, o que aumentará a probabilidade de choques de interesse com os EUA e seus aliados em todo mundo, em especial na Região do Indo-Pacífico. Uma coisa é certa. A China sob a renovada liderança de Xi Jinping continuará desafiando a liderança global dos EUA e, com isso, as tensões que imperam na atual conjuntura internacional tendem a crescer.

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A China comunica suas intenções em relação a Taiwan

Livros brancos são relatórios oficiais que têm a finalidade de apresentar assuntos complexos ao grande público, de uma forma acessível. Mais do que simplesmente relatar aquele assunto, um livro branco tem a finalidade de transmitir a filosofia que orienta o direcionamento daquela política pública. Quando trata de assuntos de Defesa, eles são uma das ferramentas que um Estado utiliza para comunicar seus objetivos políticos e estratégicos, de modo a delinear com clareza os seus conceitos de Segurança Nacional e os limites de sua atuação, tanto para os próprios cidadãos, quanto para a comunidade internacional.

Nesse sentido, foi com a finalidade de deixar claríssima a sua postura em relação a Taiwan que a República Popular da China acaba de divulgar seu livro branco intitulado “The Taiwan Question and China’s Reunification in the New Era”. Trata-se do terceiro documento do tipo. Os anteriores foram publicados em 1993 e 2000. A nova edição é divulgada em um momento especialmente sensível, após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA e terceira na linha sucessória do governo norte-americano, deputada Nancy Pelosi, à ilha, fato que causou profunda contrariedade no governo chinês e elevou as tensões no Estreito de Taiwan ao nível mais alto desde a década de 1990.

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O livro branco é constituído de um preâmbulo, cinco capítulos e uma conclusão. A seguir, farei um resumo dos seus principais aspectos, certo de que o entendimento da compreensão oficial dos chineses acerca da questão taiwanesa é fundamental para todos aqueles que pretendem entender a China atual e a dinâmica de segurança naquela importante região do planeta.

Logo na primeira frase, o documento afirma que resolver a questão taiwanesa e completar a reunificação da China é aspiração de todos os “filhos e filhas da nação chinesa”, além de ser uma missão histórica do Partido Comunista chinês. O uso da expressão “filhos e filhas da nação” não é mero recurso estilístico. As palavras foram escolhidas para remeter ao sentimento patriótico: trata-se de uma aspiração da “mãe pátria”, o que eleva a questão ao nível máximo da nacionalidade, acima de quaisquer divergências políticas.

O primeiro capítulo traz uma longa exposição histórica, para concluir que o território taiwanês pertence à China desde a antiguidade e que há uma só China, fato que seria comprovado pela história e pelas leis internacionais.

O segundo capítulo trata dos esforços empreendidos pelo Partido Comunista chinês para reunificar a ilha ao continente. Destaca que isso teria se iniciado mesmo antes da conquista do poder, uma vez que desde sua fundação o partido teria definido o objetivo de livrar a ilha do domínio colonial imposto pelos japoneses desde a vitória na primeira guerra sino-japonesa, no final do século 19.

O documento destaca que o partido criou, em 1978, o conceito de “Um país, dois sistemas”, aplicando-o primeiro em Hong Kong e Macau, que no final do século 20 retornaram à soberania chinesa. A adoção desse conceito teria possibilitado o início de um novo capítulo nas relações entre os dois lados do Estreito de Taiwan, contribuindo para o aumento do comércio entre as duas partes, que passou de 46 milhões de dólares, em 1978, para 328,34 bilhões, em 2021. Há 21 anos que a China é o maior destino das exportações taiwanesas.

O terceiro capítulo afirma em seu título que o processo de reunificação da China é um processo que não pode ser interrompido. Neste ponto, o documento se volta para o chamado “século da humilhação”, período que vai de meados do século 19 até a vitória comunista na guerra civil, em 1949. Essa foi a época em que os impérios ocidentais, além de Rússia e Japão impuseram uma série de humilhações aos chineses. É a época das duas guerras do ópio e da exploração colonial de diversas áreas do território chinês.

Ao relembrar esse período especialmente sensível aos chineses, o documento afirma que somente realizando uma completa reunificação, o povo chinês, em ambos os lados do Estreito, poderá deixar no passado a sombra da guerra civil e criar e desfrutar de uma paz duradoura. A reunificação seria a única maneira de evitar o risco de Taiwan ser invadida e ocupada novamente por estrangeiros e de frustrar as tentativas de forças externas para conter a China.

O partido atualmente no poder em Taiwan, o DPP (Partido Progressista Democrático) é acusado de colocar em perigo a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan, uma vez que estaria promovendo políticas independentistas, em “conluio” com forças externas

Essas forças externas (os EUA são citados diretamente) estariam interferindo e seriam um obstáculo à reunificação da China. A questão taiwanesa é colocada como uma questão interna da China e a interferência dos EUA teria a intenção encoberta de conter a China, minando seu desenvolvimento e progresso.

O quarto capítulo fala sobre a “reunificação nacional em uma nova era”. Nele, os chineses propagandeiam como se daria a reunificação. Afirmam que a solução pacífica é a “primeira opção” do Partido Comunista Chinês, sendo a que melhor atende aos interesses em ambos os lados do Estreito. Aos taiwaneses seria concedido muita autonomia, baseada no conceito de “um país dois sistemas”.

Os chineses afirmam, ainda, que o separatismo e a interferência estrangeira levarão a ilha ao abismo e ao desastre. Neste ponto, o documento, diferentemente das versões de 1993 e 2000, afirma que a China, apesar de preferir a solução pacífica, não abrirá mão de utilizar a força se for necessário. E faz um alerta aos EUA, dizendo que algumas forças naquele país estão incitando grupos taiwaneses à agitação e usando Taiwan como um peão contra a China. Isso comprometeria a paz e estabilidade no Estreito de Taiwan, obstruindo os esforços do governo chinês para a reunificação pacífica, e minando o desenvolvimento saudável e estável das relações sino-americanas. Afirmam que se não for controlada, a tensão continuará a aumentar em todo o Estreito. Segundo os chineses, os EUA devem respeitar o princípio de uma só China, lidar com questões relacionadas com Taiwan de forma prudente e adequada, manter seus compromissos anteriores e parar de apoiar os separatistas de Taiwan.

No quinto e último capítulo, os chineses listam o que chamam de “brilhantes perspectivas” para a reunificação pacífica. Reafirmam que os taiwaneses terão um grande espaço para se desenvolver, que terão seus direitos e interesses protegidos e que a reunificação será benéfica para toda a região do Indo-Pacífico e fará com que a China seja ainda mais forte e próspera, aumentando sua influência internacional.

Na conclusão do livro branco os chineses sintetizam a mensagem que querem passar ao mundo através do documento: a reunificação precisa ser, e será, efetivada.

A divulgação deste documento, neste momento, é significativa também porque é uma resposta chinesa a uma crescente assertividade norte-americana na região do Indo-Pacífico. Além disso, os chineses travam uma batalha pelos corações e mentes dos taiwaneses. As ideias separatistas ganham corpo naquela sociedade. Em recentes pesquisas, o percentual de cidadãos que deseja a reunificação imediata atingiu os menores índices da série histórica[1], sendo a opção de apenas 1,3% da população.

A Guerra na Ucrânia tem um papel no retorno desse tema às manchetes internacionais. Afinal, a guerra como instrumento para conquista de territórios, que se julgava ultrapassada, especialmente dentre as grandes potências, voltou a se mostrar possível. E essa opção, se antes não era explicitada pelos chineses, agora passou a ser claramente apresentada como possível, em um documento oficial.

The Taiwan Question and China’s Reunification in the New Era

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Um mundo mais perigoso

Mesmo o observador mais desatento já percebeu que algo está fora de ordem no mundo. A Europa caminha para completar seis meses assistindo a uma guerra de alta intensidade em seu território. Mísseis chineses cruzam o espaço aéreo de Taiwan para atingir mares da Zona Econômica Exclusiva do Japão. Foguetes palestinos cruzam-se no ar com mísseis israelenses, de forma tristemente rotineira. Autoridades iranianas dizem que, embora não desejem, poderiam construir a bomba atômica, se quisessem, a qualquer momento. No Cáucaso, azerbaijanos e armênios rompem o frágil cessar-fogo na região de Nagorno Karabakh. Tudo isso em meio ao agravamento das consequências das mudanças climáticas, da gravíssima crise alimentar na África, da resiliência da pandemia da covid e do surgimento de uma possível nova pandemia, da varíola dos macacos.

A solução para tantas controvérsias internacionais e desafios mundiais, na ordem internacional pós-guerra fria, teria de passar obrigatoriamente por uma ação concertada dos Estados, tendo a Organização das Nações Unidas (ONU) como centro de gravidade. Mas não é isso o que se vê. A ONU, modelada pelos vencedores da 2.ª Guerra Mundial, está sendo incapaz de fazer face aos desafios que se impõem. Seu Conselho de Segurança, instância mais importante do organismo e local em que tais assuntos são prioritariamente tratados, está bloqueado, com a Rússia exercendo constantemente seu poder de veto.

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Toda essa instabilidade não ocorre por acaso. Estamos a assistir às dores do fim de uma ordem internacional estabelecida no pós-guerra fria e o surgimento de outra, ainda lutando para emergir; um momento em que as velhas certezas foram postas em dúvida e as novas ainda não surgiram, em que as instâncias de poder, os freios e contrapesos que valiam antes, perdem aceleradamente sua relevância. Percebendo o momento, os principais Estados do sistema internacional se movimentam na defesa do que consideram ser seus interesses vitais.

A invasão russa à Ucrânia, flagrantemente ilegal sob o prisma do Direito Internacional, é a culminância de um processo de décadas, para o qual Vladimir Putin vinha preparando seu país há alguns anos. Em 2007, numa conferência na Alemanha, Putin declarou que o mundo testemunhava um “quase incondicional hiperuso da força nas relações internacionais, força que está mergulhando o mundo num abismo de permanente conflito”. Ele se referia, obviamente, aos EUA. Um ano depois dessa declaração, os EUA declararam que Geórgia e Ucrânia, dois antigos Estados da União Soviética, poderiam se unir à Otan. Para Putin, era mais um exemplo deste “hiperuso da força”. Ato contínuo, a Rússia invadiu a Geórgia. Em 2014, aconteceu o que Michael Mandelbaum, no livro The Four Ages of American Foreign Policy (Ed. Oxford, 2022), considera ser o episódio que é, ao mesmo tempo, símbolo e causa do fim da era pós-guerra fria: a anexação da Crimeia e a guerra civil provocada pelos russos na Ucrânia. Os russos procuravam mudar o status quo do continente, desafiando, em última análise, o país que era seu garantidor: os EUA. Como obteve êxito em 2014, Putin se sentiu confiante para a invasão de 2022.

Percebendo que sua segurança está em risco, os países europeus resolveram prestar atenção a uma verdade que foi bem sintetizada numa máxima atribuída frequentemente a Rui Barbosa: “Uma nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda”.

Desde que a invasão da Ucrânia pela Rússia começou, em fevereiro, os Estados-membros da União Europeia anunciaram aumentos nos gastos com defesa no valor de cerca de € 200 bilhões. Isso representa uma enorme mudança. Entre 1999 e 2021, os gastos combinados do bloco em defesa haviam aumentado apenas 20%, em comparação com 66% dos EUA, 292% da Rússia e 592% da China.

Deste modo, a Alemanha anunciou um vigoroso aumento dos investimentos em defesa, a começar por uma injeção de € 100 bilhões. A Polônia decidiu aumentar seus gastos para 3% do PIB, anunciando a aquisição de centenas de veículos blindados e aeronaves. A França anunciou um aumento de € 3 bilhões em seus investimentos, para citar apenas alguns exemplos.

O rearmamento dos países europeus ocorre de forma simultânea ao aumento das tensões na Ásia, onde, no Estreito de Taiwan, se desenrola a maior crise desde a década de 1990 e, no Japão, toma vulto um movimento para a modificação da Constituição pacifista e reestruturação das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, no Oriente Médio, o Irã se aproxima da fabricação da arma atômica.

A solução para a diminuição de tantas tensões passaria, necessariamente, por uma revisão das instâncias de interlocução entre os países, especialmente da mais importante delas, a ONU. Urge modernizar suas estruturas, tornando-a mais representativa da ordem internacional atual, para que ela possa, de fato, ser eficaz em seu propósito primeiro: manter a paz e a segurança internacionais.

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A conversa entre Biden e Xi Jinping sobre Taiwan

No último dia 19 de julho, o jornal britânico Financial Times divulgou, citando “seis fontes familiarizadas com o assunto”, que a deputada Nancy Pelosi, do Partido Democrata, presidente da Câmara dos Representantes, o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, terceira autoridade na linha sucessória da presidência dos EUA, planejava viajar à Taiwan. Oficialmente, Pelosi visitará a Ásia, com escalas no Japão, Indonésia e Cingapura. Taiwan, até o momento, não consta oficialmente do programa, embora a reportagem não tenha sido desmentida por nenhuma autoridade norte-americana.

A reação à possibilidade de uma visita de uma autoridade norte-americana de tamanha importância a Taiwan enfureceu o governo chinês. Isso porque o tema já estava sensível em razão de uma declaração de Biden, no dia 23 de maio, quando afirmou que seu governo interviria militarmente caso a China invadisse Taiwan. Assim, no mesmo dia em que o Financial Times divulgou a matéria, e em repetidas oportunidades depois disso, o Ministério das Relações Exteriores da China demonstrou forte oposição à presença de Pelosi em Taiwan. O porta-voz do Ministério da Defesa do país disse que a China exigia que os Estados Unidos tomassem medidas concretas para cumprir seu compromisso de não apoiar a independência de Taiwan, não permitindo a visita de Pelosi à ilha. As declarações insinuaram que a China utilizaria os meios necessários, inclusive militares, para “defender resolutamente a soberania e a integridade nacionais”.

Para que se possa compreender corretamente a sensibilidade do assunto, é necessário se retornar à história de Taiwan. Acredita-se que os primeiros habitantes chegaram à ilha há cerca de 8 mil anos, vindos de outras ilhas do Oceano Pacífico. Os chineses da etnia Han teriam tentado se estabelecer nas Ilhas Pescadores no século 13, mas o enfrentamento com os aborígenes e a falta de atrativos econômicos impediram uma efetiva colonização. Em 1517, navegadores portugueses a avistaram, sem, no entanto, aportar na ilha, batizando-a com o nome de Formosa, pelo qual ficou bastante conhecida no Ocidente. No século 17, espanhóis e holandeses se estabeleceram na ilha. Os últimos conseguiram expulsar os primeiros e permaneceram na ilha, explorando-a colonialmente. Com a queda da dinastia Ming, na China, um líder militar fiel à dinastia derrubada, que ficou conhecido como Koxinga (Zheng Chenggong), conquistou a ilha, em 1662, expulsando os holandeses e fundando um reino, o Reino de Tungnin, de onde passou a enfrentar os Manchus da dinastia Qing, que governavam a China. Em 1683, o neto de Koxinga foi derrotado pela dinastia Qing, que anexou a ilha de Taiwan ao império chinês. A partir de então o império chinês controlou efetivamente a ilha por dois séculos, até que, em 1895, o Japão venceu a Guerra Sino-Japonesa e tomou a ilha, que passou a ser tratada como colônia japonesa. Em 1945, a ilha voltou à soberania chinesa, em razão da derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial.

Taiwan – Fonte wikimedia

Em 1949, depois de quase vinte anos de combates, Mao Zedong tomou o poder na China, saindo vitorioso em sua revolução comunista. O governante derrubado, Chiang Kai-Shek, fugiu com seu governo para a ilha de Taiwan. Desde então estabeleceram-se, de facto, dois governos. A República Popular da China, comunista, e a República da China (Taiwan), capitalista. A separação criou duas posições conflitantes para uma mesma identidade nacional. Do ponto de vista dos nacionalistas de Chiang Kai-shek, Taiwan não era um estado independente, era, isto sim, a sede do governo chinês no exílio, temporariamente deposto pelos comunistas e que iria retornar ao poder no continente. Na concepção de Pequim, Taiwan era — e continua sendo até hoje — sua 23ª província, uma província rebelde. O reconhecimento internacional de Taiwan foi escasseando na medida em que o tempo passava e o regime comunista chinês se consolidava. Em 1971, a ONU passou a reconhecer a China, ao invés de Taiwan, como representante oficial do povo chinês naquele organismo multinacional. Em 1974, foi a vez do Brasil. Os EUA reconheceram a China em 1979. Todos esses atos formais de reconhecimento significaram que, para estes países e organismos internacionais, a China é única e Taiwan não constitui um país independente. Atualmente, apenas treze[1] países no mundo, além do Vaticano, reconhecem Taiwan como um estado soberano. Na América do Sul, o Paraguai é o único dentre esses países.

Assim, para os chineses, como os EUA não reconhecem e não mantêm relações formais com o governo de Taiwan, o fato de eles fornecerem armamentos para a ilha é inadmissível. Tal apoio é considerado uma grave afronta e a China julga estar amparada pelo direito internacional ao condenar veementemente a atitude norte-americana. Mas, na disputa de interesses entre as potências, as coisas não são tão simples. No mesmo dia em que as relações entre EUA e China foram normalizadas, em 01 de janeiro de 1979, os EUA promulgaram a Lei de Relações com Taiwan[2] que, dentre outras coisas, estabelece que “para ajudar a manter a paz, a segurança e a estabilidade no Pacífico Ocidental”, mesmo não mantendo relações diplomáticas oficiais ou não reconhecendo Taiwan como um país soberano, é política dos EUA fornecer armamentos para que Taiwan possa prover sua autodefesa. Além disso, a lei estabelece que qualquer tentativa de se determinar o futuro de Taiwan pelo uso da força, incluindo-se aí embargos e boicotes, será considerada pelos EUA uma “séria ameaça à paz e a segurança do Pacífico Ocidental” e, consequentemente, uma “grave preocupação” para os EUA. Essa foi a razão pela qual, nas três crises do Estreito de Taiwan, os EUA enviaram sua frota para a Região.

A posição norte-americana é, portanto, deliberadamente ambígua. Não reconhece Taiwan, mas mantém seu apoio, econômico e militar.

Assim, voltemos ao momento atual, ao dia 28 de julho, em que Joe Biden presidente dos EUA, e Xi Jinping, presidente da China, conversaram ao telefone por 2h e 17 minutos. A viagem de Pelosi a Taiwan foi o assunto principal. Segundo a Casa Branca[3], a conversa teve os objetivos de gerenciar diferenças e trabalhar em conjunto nos temas em que há interesses comuns. As mudanças climáticas e questões de segurança sanitária teriam sido objetos da conversa. Não há menção no comunicado da Casa Branca sobre a guerra na Ucrânia. Sobre a questão taiwanesa, Biden teria reafirmado a Xi Jinping que a política norte-americana em relação à China e Taiwan não havia mudado, que o país se opõe fortemente a uma mudança unilateral do status quo, que mine a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan. Essa posição mostra bem a ambiguidade norte-americana. Ao se opor a uma mudança unilateral do status quo, o país afirma, por um lado, não apoiar uma ação taiwanesa pela independência, mas também não admite uma ação chinesa pela reintegração da ilha. Apenas uma ação que não fosse unilateral, ou seja, que fosse adotada em consenso por ambas as partes, seria admitida. Esse consenso, como se sabe, está muito longe de acontecer.

Segundo os chineses, a conversa foi mais incisiva. A imprensa oficial divulgou a versão de que Biden foi avisado por Xi Jinping para “não brincar com fogo” em relação a Taiwan. Analistas chineses na imprensa fizeram questão de lembrar aos norte-americanos que a questão de Taiwan é inegociável para a China, um ponto fundamental, onde não há nenhuma possibilidade de negociação. Esses mesmos analistas também salientaram que a China de hoje é uma potência militar capaz de fazer valer seus interesses no Estreito de Taiwan, muito diferentemente daquela China de 25 anos atrás, quando outro presidente da Câmara dos Representantes dos EUA visitou Taiwan. Finalmente, os analistas afirmam que o povo chinês apoiaria firmemente uma resposta mais incisiva do governo em reação à visita de Pelosi.

A divulgação da possibilidade da visita deixou Pelosi — e os EUA em uma situação difícil. Se não fizer a viagem, ficará a impressão de que cedeu às ameaças chinesas, o que enfraquecerá a posição dos EUA perante a opinião pública taiwanesa e de outros países asiáticos, especialmente Japão e Coreia do Sul, que começam a ter dúvidas se os EUA realmente se envolveriam decisivamente ao lado deles em caso de conflito com a China. Se fizer a viagem, poderá provocar um incidente de graves e imprevisíveis consequências.

De qualquer forma, em breve saberemos. Definitivamente, 2022 não está dando margem à monotonia.

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[1] Disponível aqui (em inglês) https://en.mofa.gov.tw/AlliesIndex.aspx?n=1294&sms=1007

[2] Disponível aqui (em inglês) – https://www.ait.org.tw/policy-history/taiwan-relations-act/?_ga=2.198922671.1499685768.1659046188-1333509346.1659046188

[3] Disponível aqui (em inglês) https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/07/28/readout-of-president-bidens-call-with-president-xi-




Disputa geopolítica no Pacífico

As Ilhas Salomão, um arquipélago localizado no sudoeste do Oceano Pacífico, normalmente não recebe destaque nos noticiários internacionais. Isso mudou recentemente, no último mês de abril, quando os governos de Pequim e de Honiara assinaram um acordo bilateral de segurança.

Ilhas Salomão

O acordo prevê o incremento das capacidades de segurança do arquipélago. Inclui ainda cooperação em assistência humanitária, resposta a desastres e esforços para manter a ordem social, entre outros aspectos. O acordo ainda autoriza que navios chineses utilizem os portos do arquipélago para fazer reabastecimentos, manutenção e escalas.

Os EUA e seus aliados no Pacífico Sul – Austrália e Nova Zelândia – viram com preocupação o acordo. A posição estratégica das ilhas – que na Segunda Guerra Mundial marcaram o início da contraofensiva norte-americana contra os japoneses no Pacífico – permite que a China amplie significativamente seu alcance militar no Pacífico Sul. Essas preocupações ocorrem a despeito das afirmações de autoridades, tanto chinesas quanto das Ilhas Salomão, negando a intenção de se instalar uma base militar chinesa nas Ilhas.

A presença chinesa em um arquipélago próximo acionou os alertas de segurança na Austrália. O assunto se tornou importante tema de debates bem na época em que ocorreram as eleições. O novo primeiro-ministro, Anthony Albanese, imediatamente após tomar posse, enviou sua chanceler para as Ilhas Fiji. “Está muito claro que a China está buscando estender sua influência ao que tem sido desde a Segunda Guerra Mundial… a região do mundo onde a Austrália tem sido o parceiro de segurança preferido“, Albanese declarou. Um exemplo do envolvimento da Austrália em questões de segurança na região foi a Missão de Assistência Regional às Ilhas Salomão (RAMSI). Entre 2003 e 2017, a Austrália liderou uma missão militar de assistência integrada por 15 países do Pacífico, com a finalidade de controlar a violência étnica que explodira nas Ilhas Salomão.

Não é de agora que os chineses tratam com mais atenção as nações insulares do Pacífico. O investimento chinês naquela região subiu de US$ 900 milhões, em 2013, para US$ 4,5 bi, em 2018. Um aumento de 400% em 5 anos. De 2010 a 2020, o comércio total de produtos da pesca entre a China e as ilhas do Pacífico aumentou de US$ 35 milhões para US$ 112 milhões.

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Os EUA, por sua vez, fecharam sua embaixada nas Ilhas Salomão em 1993, em um exemplo da negligência norte-americana para com os países insulares do Pacífico. Esse descuido não combina com a visão geopolítica daquele país para com a região. Em 1954, o presidente Dwight D. Eisenhower declarou que os EUA deveriam manter o Pacífico como um “lago americano”. Os americanos têm uma forte presença militar na região por meio do Comando do Indo-Pacífico, com cerca de 375 mil militares e civis, 2.460 aeronaves e 200 embarcações, incluindo 5 Grupos tarefas de ataque, liderados por navios aeródromos. Recentemente, o país divulgou sua Estratégia para o Indo-Pacífico[1], reiterando sua prioridade para a região. Mas, talvez, os norte-americanos tenham concentrado demais suas atenções no Sudeste e Sul asiáticos, deixando de lado os países insulares da Polinésia e da Micronésia. Entretanto, após a divulgação do acordo entre chineses e salomonenses, os EUA anunciaram a reabertura de sua embaixada no país.

O Presidente Biden recentemente retornou de sua visita à Coreia do Norte e ao Japão, onde se reuniu com os chefes de governo dos países do “Quad”, composto, além dos EUA, por Japão, Índia e Austrália. O “Quad” é o “Diálogo Quadrilateral de Segurança”, criado em 2004, em razão do Tsunami, foi revitalizado nos últimos anos como um instrumento de contenção da China. Além disso, na mesma viagem, os EUA lançaram o “Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF)” com doze parceiros iniciais: os outros três integrantes do Quad, Austrália, Índia, e Japão, mais Brunei, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. Juntos, estes países representam 40% do PIB mundial.

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Os chineses, por sua vez, não restringiram suas ações ao acordo com as Ilhas Salomão. O chanceler chinês Wang Yi, acabou de encerrar uma viagem de dez dias por oito países insulares: as próprias Ilhas Salomão, Kiribati, Samoa, Fiji, Tonga, Vanuatu, Papua Nova Guiné e Timor Leste. Em Fiji, houve um encontro entre os ministros das relações exteriores da China e dos demais países da região. Nesta reunião, os chineses tentaram estabelecer um acordo amplo, envolvendo dez países, que abrangeria vários aspectos, de segurança à pesca. Mas o acordo não foi assinado porque os países não conseguiram chegar a um consenso. Apesar de ter falhado no objetivo de conseguir um acordo amplo, a China assinou, durante a viagem, uma série de acordos bilaterais com vários países.

Como se vê, China e EUA encontram-se em meio a uma acirrada disputa por influência geopolítica na Ásia. Os EUA, a potência até aqui hegemônica no sistema internacional, não quer perder espaço para a China, potência emergente. Nessa dinâmica, cada vez mais, seus interesses ficarão justapostos, causando tensão e atrito. Espera-se que ambos consigam escapar da chamada Armadilha de Tucídides, expressão criada por Graham Alisson para explicar por que, ao longo da história, potências emergentes muitas vezes acabaram por ir à guerra contra as potências até então líderes do sistema internacional.

Este texto foi originalmente publicado no site Hoje no Mundo Militar

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[1] Ver artigo publicado aqui




Chineses e taiwaneses prestam atenção à Ucrânia

Estrategistas de todo o mundo estão atentos aos acontecimentos em curso na invasão russa à Ucrânia. Por dever de ofício, são obrigados a analisar os acontecimentos não só no campo militar, mas também em seus aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e tecnológicos.

Mas há dois grupos de analistas especialmente interessados nos desdobramentos do conflito: os chineses e os taiwaneses. A razão para isso está no paralelismo que pode ser encontrado nas aspirações russas de absorver parte do território ucraniano com a possibilidade de os chineses também conduzirem uma operação militar para reintegrar Taiwan à soberania da China continental.

É importante, de início, deixar claras as diferenças existentes entre os dois casos. Em primeiro lugar, relembre-se que a Ucrânia é um país soberano, reconhecido por todos os países do mundo, inclusive pela Rússia. Já Taiwan, embora na prática seja um ente político independente, não é reconhecido desta forma pela comunidade internacional. A ampla maioria dos países reconhece a República Popular da China e, por consequência, formalmente concorda com princípio de “uma só China”, que aquele país advoga como exigência fundamental para o estabelecimento de relações com qualquer nação.

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A política externa da Rússia e da China em relação ao uso de suas forças armadas como instrumento de projeção de poder também apresenta diferenças. Os russos enviam tropas ao exterior para operações militares com frequência, como na própria Ucrânia, em 2014, além de Geórgia, Síria, Belarus e Casaquistão, sem falar no grupo mercenário Wagner, que trabalha em perfeito alinhamento com os interesses russos em dezenas de países. Já os chineses, embora tenham adotado um comportamento mais assertivo nos últimos anos, especialmente por intermédio de sua marinha no Mar do Sul da China, excetuando-se os contingentes que compõem as missões de paz da ONU, desdobrou tropas para uma ação militar no estrangeiro pela última vez na campanha contra o Vietnã, no já longínquo ano de 1979.

Para os russos, que negaram até o último instante a intenção de invadir a Ucrânia, a causa da guerra está ancorada nas preocupações com uma Ucrânia cada vez mais sob a influência do Ocidente, caminhando para uma adesão à Otan que, desde o ponto de vista da Rússia, representaria uma ameaça à sua segurança. Já para os chineses, que nunca negaram a possibilidade de agir militarmente, a reunificação de Taiwan é um objetivo permanente a ser perseguido, reiterado em várias oportunidades pelo presidente Xi Jinping e presente em diversos documentos do Estado chinês.

Mas, se as diferenças são marcantes, são as semelhanças que atraem os estrategistas de ambos os lados do Estreito de Taiwan a se debruçarem sobre algumas questões: a comunidade internacional reagiria no caso de uma invasão chinesa a Taiwan de forma semelhante à adotada no caso ucraniano? A surpreendente resiliência ucraniana na defesa de sua pátria seria reproduzida também pelos defensores da ilha de Taiwan? O Exército de Libertação Popular da China, muito menos experimentado em combate que o poderoso exército russo, enfrentaria as mesmas dificuldades operacionais e logísticas que são observadas pelos invasores da Ucrânia?

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A reação da comunidade internacional a uma invasão a Taiwan seria modulada principalmente pela provável aceitação, por muitos países, da narrativa chinesa de que se trataria de uma questão interna, e não de uma agressão a um país estrangeiro, uma vez que Taiwan não é um Estado soberano. Este seria um pretexto ideal para todos os países que, em razão dos enormes interesses econômicos envolvidos, dependem da manutenção de boas relações com a China. Mas, certamente, essa não seria a posição dos EUA e seus principais aliados: Canadá, cerca de três dezenas de países da Europa Ocidental, Austrália, Japão e Coreia do Sul. A este conjunto restariam a alternativa pouquíssimo provável de atuar militarmente em apoio a Taiwan ou a replicação das sanções econômicas – como impostas à Rússia –, com a enorme diferença de que sancionar a China, maior parceira econômica da maior parte das nações do mundo, é tarefa muitíssimo mais complicada do que embargar economicamente a Rússia.

Taiwan, ao que parece, já percebeu, observando a invasão da Ucrânia, que estará sozinha no campo militar, caso seja invadida. Várias recentes notícias dão mostras de que a ilha se prepara para a hipótese de ter de se defender sozinha. O anúncio da possível ampliação do tempo do serviço militar obrigatório, a aquisição de sistemas antiaéreos Patriot, dos EUA, e o desenvolvimento próprio de um míssil com alcance de 1.200 km, assim capaz de atingir importantes cidades chinesas, são exemplos claros dessa atitude.

As diferenças e semelhanças da guerra na Ucrânia com uma possível crise no Estreito de Taiwan, como se vê, merecem ampla reflexão. Esperemos que as conclusões sejam as que levem à solução pacífica das controvérsias e à paz mundial.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 03/05/2022

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