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O Exército com os olhos no futuro

“Não importa quão claramente se pense, é impossível prever com precisão o caráter do conflito futuro. A chave é não estar tão longe do alvo que se torne impossível ajustar uma vez que o personagem seja revelado”.

Sir Michael Howard

Tentar prever os acontecimentos futuros é uma tarefa arriscada. Mas, identificar tendências e possíveis cenários vindouros é uma atividade fundamental para os planejadores das mais variadas atividades humanas, na iniciativa privada ou no setor público. Somente dessa forma as organizações poderão se preparar para os desafios que o futuro lhes reserva.

No campo militar, não poderia ser diferente. Pelo contrário, é famosa a máxima que critica os exércitos que se preparam para lutar sua última guerra, em vez da próxima guerra. Winston Churchill disse certa vez que era “uma piada na Grã-Bretanha dizer que o War Office está sempre se preparando para a última guerra. Mas isso provavelmente é verdade para outros departamentos e outros países, e certamente foi verdade para o Exército francês.” O primeiro-ministro britânico se referia à invasão da França pelo exército nazista, em 1940. Os estrategistas franceses estavam preparados pala lutar a guerra de 1919, mas os alemães inovaram com a blitzkrieg e venceram os franceses em poucos dias.

A guerra de alta intensidade em curso na Ucrânia relembrou aos militares de todo o mundo que um longo período de paz não é uma garantia de que não haverá mais conflitos armados. E que, para estarem em condições de cumprir suas destinações, as Forças devem estar preparadas para as próximas guerras.

Com esse objetivo, o Exército Brasileiro acaba de publicar o manual de fundamentos Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040. Trata-se de uma antevisão da forma como se espera que a Força Terrestre cumpra sua missão no horizonte temporal do ano de 2040.

No documento, os estrategistas do Exército Brasileiro delineiam o contexto operacional futuro, no horizonte temporal de 2040. Trata-se de um esforço em caracterizar as possibilidades de futuro e suas consequentes implicações para a Defesa Nacional e para a Força Terrestre.

Assim, visualiza-se um ambiente de acirramento da competitividade interestatal, de centralidade do setor científico-tecnológico e de rearranjos de balanças de poder regionais. Além disso, diversas questões relacionadas às mudanças climáticas potencializarão tensões geopolíticas, enquanto o espaço cibernético se tornará cada vez mais um palco de atuação, muitas vezes desestabilizadora, de Estados, grupos e indivíduos. Tudo isso com profundas implicações na forma como a Força Terrestre deverá se preparar para ser empregada no cumprimento de suas missões.

As operações militares em 2040 serão realizadas em um ambiente preponderantemente urbano, de hiperconectividade, no qual a informação e a percepção que a opinião pública terá dos acontecimentos será de extrema relevância. O combate será crescentemente digitalizado e automatizado, o que imporá uma aceleração no ritmo das ações. Os ciclos decisórios serão encurtados e os responsáveis pelas tomadas de decisão terão cada vez menos tempo à sua disposição. A letalidade será mais seletiva, e as ações no campo de batalha serão muito mais monitoradas por plataformas remotas e autônomas. Isso contribuirá para uma crescente judicialização dos conflitos, uma vez que as ações dos contendores nos campos de batalha serão expostas à opinião pública mundial com muito maior facilidade.

Para cumprir suas missões nesse ambiente, o Exército deverá estar preparado para, atuando de forma conjunta com as outras forças armadas, na presença de diversas agências, das mais distintas áreas de atuação, governamentais ou não, garantir a soberania nacional negando a eventuais oponentes o acesso e a liberdade de ação em áreas de interesse nacional.

O conceito operacional, ou seja, a maneira como o Exército aplicará suas capacidades para cumprir suas missões, deverá garantir a derrota do inimigo por meio da convergência de efeitos letais e não letais, de forma sincronizada, nos diversos domínios (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético e eletromagnético) e nas três dimensões do combate (física, humana e informacional).

Para poder atuar desta forma em 2040, o Exército planeja e age de forma a aperfeiçoar as capacidades já existentes e a criar outras ainda não disponíveis, em um processo de contínuo aperfeiçoamento. A ferramenta para isso é o Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEX). Ele contém, dentre outras coisas, o Plano Estratégico do Exército que, em ciclos de quatro anos, planeja as ações e iniciativas estratégicas que vão proporcionar ao Exército as condições de fazer face aos desafios atuais e futuros. Dessa forma, os próximos quatro ciclos, que se iniciam em 2024, delineiam a trajetória do Exército até atingir o estado que se deseja alcançar em 2040.

Algumas dessas ações demonstram o acima descrito.  No que concerne aos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP), os conhecidos drones, há um projeto em andamento, inclusive com o recebimento do primeiro sistema de categoria 2[1], o Nauru 1000C. Trata-se de um sistema de fabricação nacional, composto por três aeronaves remotamente pilotadas, uma base móvel com três estações de controle de solo, duas câmeras estabilizadas, radares GMTI e SAR, scanners 3D, dois terminais de transmissão de dados de 60km e um terminal de enlace de dados de 100km. Esse equipamento adiciona importante capacidade de vigilância e sensoriamento do campo de batalha, fundamental ao combate moderno, como se comprova diariamente no conflito em curso na Ucrânia.

O programa estratégico Forças Blindadas é fundamental para a necessária transformação do Exército, especialmente na mecanização das brigadas de infantaria motorizadas[2], e na modernização das brigadas de cavalaria, ações absolutamente necessárias para a construção de um instrumento militar compatível com os desafios atuais e futuros. Contempla as diversas famílias de blindados. É no escopo desse projeto que estão o desenvolvimento e a aquisição dos blindados Guarani em suas múltiplas versões, das Viaturas Blindadas Leves Multirarefas e das modernas Viaturas Blindadas de Combate de Cavalaria Centauro 2.

O programa Astros abrange a aquisição de plataformas móveis de lançamento de foguetes e mísseis. Esses armamentos, como a guerra na Ucrânia comprova mais uma vez, são muito importantes para o combate de alta intensidade na atualidade, e permanecerão relevantes no horizonte temporal de 2040. Uma iniciativa considerável no âmbito do projeto é o desenvolvimento, pela indústria nacional, de mísseis com a capacidade de atingir, com precisão, alvos à distância de 300km, o que aumentará a capacidade dissuasória nacional.

Evidentemente, a execução de todos os programas, seus projetos, ações e iniciativas são condicionados pelas disponibilidades orçamentárias. Nesse sentido, o Exército tem aprimorado sua governança, de modo utilizar de modo ótimo os recursos que lhe são disponibilizados.

Os exemplos acima ilustram apenas alguns aspectos mais visíveis dos projetos em curso. O Plano Estratégico do Exército (2024-2027) lista cerca de 400 ações e iniciativas estratégicas que levam ao atingimento dos objetivos estratégicos do Exército.

Dessa forma, fica claro que o Exército Brasileiro está atento às grandes questões geopolíticas e às conjunturas nacional e internacional, que naturalmente condicionarão seu emprego em atendimento à suas missões constitucionais. Tudo isso para atender à máxima de “estar preparado para a próxima guerra”, e não para “as guerras já travadas”, proporcionando à nação brasileira as ferramentas militares terrestres necessárias ao enfrentamento dos complexos desafios atuais e futuros.

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[1] Equipamentos de até 150 Kg

[2] Até o momento, duas Brigadas de Infantaria Motorizadas já foram mecanizadas pelo projeto: A 15ª Bda Inf Mec, de Cascavel/PR e a 11ª Bda Inf Mec, de Campinas/SP. A 9ª Bda Inf Mtz, do Rio de Janeiro/RJ e a 3ª Bda Inf Mtz, de Cristalina/GO já começaram a receber as viaturas Guarani e as Viaturas Blindadas Leves Multitarefas.