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O CONFLITO ENTRE A CHINA E A INDIA

China e Índia disputam uma extensa região fronteiriça nas alturas do Himalaia desde a década de 1950. Já foram à guerra em razão disso. E agora, um conflito de fronteira volta a causar dezenas de mortos, elevando as tensões entre os dois gigantes asiáticos, ambos detentores de armamento nuclear.

A história do conflito remonta aos acontecimentos decorrentes do término da 2ª Guerra Mundial, quando a Índia conquistava a sua independência do Reino Unido, em 1947. No mesmo período histórico, apenas 2 anos depois, na China, a Revolução Comunista obtinha sua vitória. Em seguida, de forma quase simultânea, a Índia travaria a sua primeira guerra contra o Paquistão, pela posse da Caxemira, enquanto a China anexaria o Tibete. Para a China, as alturas do Tibete eram importantes do ponto de vista estratégico, justamente para impedir que a Índia se expandisse em direção ao planalto tibetano, obstáculo natural que sempre protegeu a civilização chinesa.

Assim, chineses e indianos, herdeiros de civilizações que por milhares de anos praticamente se ignoraram, em razão da gigantesca barreira natural que os separava, o Himalaia, passaram a dividir cerca de 3,5 mil Km de fronteiras.

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Em 1959, um levante no Tibete foi esmagado pelos chineses e o Dalai Lama, líder tibetano, se exilou na Índia. Este fato foi causa do primeiro atrito entre os dois países que, apenas 3 anos depois, em 1962, travaram uma guerra pela posse de regiões fronteiriças. A China venceu e passou a controlar a área de Aksai Chin, um corredor estratégico que liga o Tibete ao ocidente chinês. A Índia nunca aceitou esse fato, reclamando essa e outras regiões atualmente sob a soberania chinesa. Entretanto, ao término da guerra, estabeleceu-se uma linha de controle na área contestada (Line Of Actual Control – LAC), que se tornou, na prática, a fronteira entre os dois países.

Ao longo dos anos, diversos incidentes aconteceram em vários pontos da LAC, até que, a partir de maio deste ano, novos enfrentamentos ocorreram, e a China fez um movimento mais assertivo, deslocando cerca de 3,5 mil soldados para a região. A Índia também cerrou mais meios militares para a fronteira.

O ápice da crise atual ocorreu no último dia 15, quando um confronto resultou na morte de 20 militares indianos, dentre eles o Coronel Santosh Babu. A China não divulgou suas baixas, mas estima-se que também sejam contadas às dezenas. Um aspecto a ser destacado é que os soldados de ambos os exércitos são orientados, em suas regras de engajamento, a evitar o emprego de armas de fogo, justamente para que um eventual confronto não saia do controle nem escale até provocar uma guerra. Por incrível que pareça, o entreveiro entre militares de duas potências nucleares do século 21 foi travado utilizando-se de barras de ferro e pedras como armas.

O confronto se deu na região do Ponto 14, um local que ambos os países consideram estar do seu lado da LAC. Entretanto, desde 1978 a Índia estabeleceu o local como um ponto de patrulhamento, em razão de ser uma posição taticamente vantajosa, numa cordilheira com vista para o vale do Rio Galwan, no Ladakh oriental, que possibilita o controle de uma estrada que está sendo construída pela Índia, por onde ela considera ser seu território. De acordo com a versão dos indianos, os chineses estavam construindo um posto de observação na região do mesmo Ponto 14 quando a tropa comandada pelo Coronel Babu se deslocou para lá e exigiu que os chineses se retirassem. A discussão resultou em briga corporal, com a morte do coronel e de dezenas de soldados de ambos os exércitos.

A Índia acusa a China de tentar redefinir a LAC, ganhando ainda mais territórios, especialmente em pontos da cordilheira que ofereçam vantagens táticas importantes, como é o caso do ponto 14. Isso porque a China estaria especialmente descontente com as recentes obras de infraestrutura que a Índia vem construindo na região, que na visão chinesa constituem uma ameaça, especialmente em razão do separatismo tibetano.

O incidente foi grave. Foi a primeira vez que ocorreram mortes na fronteira em mais de 4 décadas. A opinião pública e a imprensa, na Índia, reforçam que é impensável que o país ceda qualquer centímetro a mais de território. O primeiro ministro Narendra Modi fez um pronunciamento à nação no qual declarou que o sacrifício dos soldados indianos não seria em vão e que o país deseja a paz, mas daria uma resposta adequada caso fosse provocado. Pelo lado chinês, o jornal estatal Global Times, conhecido por expressar as opiniões do governo, escreveu, em editorial, que os indianos deveriam “acordar de sua fantasia geopolítica” e encarar as disputas fronteiriças de “forma pragmática”.

A China, que já acumulava focos de tensão em Taiwan, no Mar do Sul da China e em Hong Kong, soma a fronteira com a Índia à essa relação. Equilibrar tantas crises e manejá-las de modo a impedir escaladas que resultem em conflitos de maior intensidade é um enorme desafio para seus estrategistas.

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Charge de KAL – The Economist

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UMA NOVA GUERRA NAS ESTRELAS?

No dia 27 de março, um evento causou surpresa e chamou a atenção para uma corrida silenciosa que está sendo travada pelas maiores potências militares do planeta: a disputa pelo domínio militar na última fronteira da humanidade, o espaço. A Índia anunciou ao mundo o sucesso no lançamento de um míssil que tinha por alvo um satélite do próprio país.

O alvo, que estava a altitude aproximada de 300 km, foi atingido e destruído. Assim a potência hindu se juntou ao seletíssimo grupo de três países, EUA, Rússia e China, capazes desse extraordinário feito militar.

O primeiro-ministro Narendra Modi comemorou: “A Índia obteve uma conquista inédita hoje. O país gravou seu nome dentre as potências espaciais”.

Os satélites desempenham papel fundamental na guerra moderna. Por eles transitam os fluxos de comunicações e dados. Guiam as famosas “armas de precisão cirúrgica” e as aeronaves remotamente pilotadas, os drones. São responsáveis pelo imageamento do campo de batalha, desempenhando papel decisivo na obtenção e difusão de dados de inteligência. Compõem as constelações responsáveis pelos sistemas GPS e similares, onipresentes em aplicações militares e em diversos e muito populares aplicativos em uso pela moderna sociedade civil.

Mas o sucesso da Missão Shakti, como foi batizada, não está somente na constatação de que agora os indianos podem destruir satélites inimigos. Como os avanços tecnológicos são na maioria das vezes de uso dual, o êxito também significa que o país atingiu invejável avanço na tecnologia que permite a fabricação de mísseis capazes de interceptar mísseis inimigos.

As reações internacionais foram imediatas. A mais veemente veio do Paquistão, país que está envolvido em disputa militar com a Índia pela posse da região da Caxemira, há décadas. O ministro das Relações Exteriores declarou que “o espaço é uma herança comum da humanidade e toda nação tem a responsabilidade de evitar ações que possam levar à sua militarização”.

A China, que na década de 1960 travou conflito armado com a Índia pela região do Tibete do Sul, reagiu cautelosamente. Expressou sua esperança de que “todos os países possam promover a paz e a tranquilidade no espaço”. Interessante notar que a China já tinha efetuado teste semelhante em 2007.

O secretário de Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, alertou para os riscos causados pelos detritos produzidos por esse tipo de teste. O general David D. Thompson, subcomandante do Comando Espacial da Força Aérea dos EUA, expressou-se na mesma direção. Questionado por repórteres, declarou que esse tipo de teste preocupa não só pelo risco para os satélites dos EUA, “mas também pela produção de detritos que podem permanecer no espaço por longo tempo, o que pode causar danos em efeito cascata”.

Apesar da reação internacional, parece ser tarde para impedir a militarização do ambiente espacial. Embora até hoje nunca tenha havido uma ação militar àquela altitude, as potências militares do planeta preparam-se a passos largos para essa realidade. A Estratégia de Defesa dos EUA reconhece que a competição entre as grandes potências é o principal desafio à sua segurança e que o espaço é um dos domínios onde essa competição se travará. Reconhece, ainda, que China e Rússia têm capacidade de atuar militarmente no espaço, reduzindo gravemente a efetividade militar do país e de seus aliados. Para se contrapor a isso, em 2018, o presidente Trump declarou a intenção de criar a United States Space Forces (USSF), Força Espacial dos EUA, uma nova Força Armada. Em março deste ano o Ministério da Defesa americano encaminhou a proposta de criação da nova Força ao Congresso. Caso o Congresso aprove, a nova Força será criada em 2020.

Em 2015 a China promoveu uma grande reestruturação de suas Forças Armadas. Foram criadas duas novas Forças, a Força de Foguetes e a Força Estratégica de Apoio, esta para atuar nos domínios cibernético e espacial. Apesar da pouca informação disponível, parece claro que essas Forças foram criadas, dentre outras finalidades, com o foco no domínio espacial.

A Rússia, a exemplo da China, também reorganizou recentemente suas Forças militares. Em 2015 as capacidades espaciais dispersas pelas Forças Armadas foram reunidas numa nova Força, batizada como Força Aeroespacial de Defesa. A doutrina russa de defesa, de 2010, assim como a norte-americana, atribui ao espaço uma função essencial, afirmando que “assegurar a supremacia na terra, no mar, no ar e no espaço será fator decisivo para que os objetivos sejam atingidos”.

A década de 1940 assistiu ao nascimento das Forças Aéreas. O lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki mostrou a um mundo estarrecido a capacidade destruidora do armamento transportado e lançado por aviões bombardeiros. Foi o auge da teoria geopolítica do poder aéreo, cujo maior expoente, Alexander Seversky, em sua obra A Vitória Pela Força Aérea, já destacava a importância estratégica dos vetores aéreos de combate e do domínio do espaço aéreo. Setenta anos se passaram e agora assistimos ao surgimento das Forças Espaciais. Mas, diferentemente das Forças Aéreas, que foram criadas em praticamente todos os países soberanos, a criação das Forças Espaciais exige tecnologias ainda muito restritas, sem falar de uma reserva de capitais indisponível para a grande maioria das nações.

Se é certo que o mundo ainda é castigado pela guerra, que neste momento assola muitos países, ceifando a vida de soldados e civis, também é correto afirmar que o equilíbrio obtido pela ameaça de destruição mútua assegurada dos tempos da guerra fria impediu que se deflagrasse uma guerra nuclear entre as superpotências do planeta. Resta saber se esse equilíbrio será mantido também no ambiente espacial.




A CRISE NA CAXEMIRA

“Eu sou o comandante Abhinadan, meu número é 27981, sou piloto de caça, minha religião é hindu. Desculpe-me. Isso é tudo o que tenho a dizer.” A declaração do piloto indiano abatido em território paquistanês segue estritamente os manuais militares. Ele se identifica conforme os tratados internacionais e deixa claro que não vai falar mais nada. Apesar de estar vendado, sabe que, na era da informação, certamente a entrevista seria filmada. E foi. O vídeo com a imagem do oficial espalha-se pelo mundo rapidamente, para a alegria nacionalista dos paquistaneses e fúria dos indianos. A mais recente crise entre as duas potencias asiáticas atinge o ápice.

É claro que a escalada de uma crise entre países que detêm armamento nuclear é muito grave e preocupante. Qualquer erro de cálculo de um dos lados pode provocar uma ação que ultrapasse um ponto irreversível. E a prisão filmada de um piloto de caça que teve sua aeronave abatida é um desses eventos que mobilizam as populações de ambos os lados, inserindo um componente bastante perigoso pelo potencial de influenciar emocionalmente os governantes na condução da crise.

A Caxemira é uma área ao norte do subcontinente indiano disputada por Paquistão e Índia desde a independência desses países, em 1947. Uma guerra foi travada à época, mas o problema não foi solucionado. O acordo de cessar-fogo previu a divisão da área, parte menor sob autoridade paquistanesa, parte maior sob autoridade indiana. Mas a questão permaneceu não resolvida. Desde então houve vários conflitos. A partir da década de 1980 a situação se agravou pela atuação de terroristas favoráveis às pretensões paquistanesas.

Em 14 de fevereiro deste ano, 42 paramilitares indianos foram mortos num ataque suicida na parte da Caxemira administrada pela Índia, causando grande comoção popular. Foi o ataque que causou o maior número de baixas nestas três décadas de ações terroristas. O grupo terrorista Jaish-e-Mohammad (Exército de Maomé), que tem sua base na Caxemira paquistanesa, reivindicou a autoria do ataque.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, acusou o Paquistão de usar o grupo para atacar indianos. O Paquistão negou envolvimento. Então, em 26/2 aeronaves indianas cruzaram a linha de controle que demarca a fronteira e atacaram o que foi descrito como um grande campo de treinamento do grupo terrorista, na região de Balakot, Caxemira paquistanesa.

No dia seguinte, 24 caças paquistaneses foram identificados pelos radares indianos voando provocativamente próximos à linha de fronteira. Três F-16 teriam cruzado a linha na direção do espaço aéreo indiano. Em resposta, oito caças indianos decolaram para interceptar as aeronaves paquistanesas. O que aconteceu a seguir foi um combate aéreo em que o Mig-21 do comandante Abhinadan foi abatido. Embora pudesse ter sido previsto, provavelmente um combate aéreo não era o resultado esperado pelos paquistaneses quando planejaram a ação militar.

A História está cheia de exemplos em que guerras foram iniciadas por erros de avaliação, falhas de interpretação ou simples enganos. A crise escala de lado a lado até que não há alternativa senão a guerra.

Esse parece ser um exemplo de como uma crise pode escalar rapidamente, quase saindo do controle. De um lado, o governo da Índia, às vésperas de eleições gerais, sentiu-se compelido a agir contra o grupo terrorista que matou dezenas de indianos. Do outro, ao atacar uma região além da linha de controle, em área paquistanesa, os indianos claramente cruzaram uma linha vermelha. Do ponto de vista paquistanês, o ataque causou sério dano à reputação do governo do primeiro-ministro Imran Khan e à honra das Forças Armadas do país. Era óbvio que o Paquistão se sentiria compelido a retaliar. A retaliação causou o abate de uma aeronave e a prisão de um piloto. Um rastilho de pólvora galvanizando a opinião pública de ambos os lados.

A decisão de devolver o piloto indiano em boas condições de saúde, dois dias após a captura, de forma digna, foi uma saída encontrada pelo governo paquistanês para desescalar a crise, oferecendo à Índia a possibilidade de também abrandar o discurso. Colaboraram para esse desfecho as manifestações de diversos líderes mundiais, além da ONU, clamando por comedimento. A situação permanece explosiva, mas no momento em que escrevo parece que as tensões retrocederam alguns pontos.

O caso traz ensinamentos e relembra questões muito importantes e por vezes ignoradas. Há formas corretas e métodos próprios para o gerenciamento de crises. Os erros e acertos do passado estão aí para ser relembrados e estudados. São exemplos o acerto na condução norte-americana da crise dos mísseis em Cuba, que impediu uma guerra nuclear entra EUA e URSS, e os erros do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain ao conduzir as negociações com a Alemanha nazista, uma das causas da 2.ª Guerra Mundial.

Por mais que se discorde dos princípios, da ideologia e das ações do adversário, reconhecer seus dilemas, entendendo a lógica que norteia seu comportamento, é um princípio fundamental a ser observado na condução de uma crise. Outro é manter abertos os canais de comunicação, proporcionando “saídas honrosas”, de modo a evitar que, emparedado, o oponente não veja outra solução a não ser aumentar o grau de enfrentamento.

A passionalidade que normalmente acompanha uma crise entre Estados vizinhos faz acontecimentos muitas vezes banais tomarem rumos inesperados. Para tentar minimizar essa possibilidade todos os agentes do Estado que podem vir a ter alguma participação nos eventos devem receber diretrizes muito claras, normas e regras de fácil interpretação, para que enganos, dificuldades de entendimento ou erros de avaliação não resultem em consequências ainda mais graves.