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Seis meses de guerra entre Israel e o Hamas

Há exatamente seis meses o mundo era surpreendido pelos terríveis ataques terroristas perpetrados pelo Hamas em Israel. As imagens da violência gratuita, que atingiu crianças, mulheres, homens e idosos de maneira indistinta, matando cerca de 1,2 mil pessoas e fazendo mais de duas centenas de reféns, chocaram o mundo e criaram instantaneamente uma onda de indignação e apoio aos israelenses.

A partir de então, a Faixa de Gaza, em particular, e o Oriente Médio, como um todo, foram mergulhados em um conflito de gravíssimas repercussões humanitárias e que, no dia de hoje, pode estar à beira de uma escalada ainda maior.

A ação militar israelense, iniciada imediatamente após o ataque de 07 de outubro de 2023, foi desenhada para atingir o objetivo político fixado pelo governo: eliminar completamente o Hamas. A questão é que essa é uma tarefa extremamente complexa. A natureza irregular do grupo Hamas, cujos terroristas se misturam à população civil da Faixa de Gaza, em um ambiente densamente urbanizado, obrigam as tropas israelenses a efetivamente controlarem o ambiente, o que somente pode ser alcançado pela presença física dos soldados na área a ser controlada.

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Esse tipo de combate, em zona densamente urbanizada e em meio da população, coloca os militares constantemente sob o dilema de escolher os meios e métodos de combate que, de um lado, levem ao cumprimento do objetivo militar proposto mas, de outro lado, causem o menor sofrimento humanitário possível à população civil. Passados seis meses de ação militar em Gaza está claro que o exército israelense não conseguiu resolver essa equação da melhor forma. O sofrimento imposto à população civil de Gaza, mostrado diariamente pelos meios de comunicação e pela internet, foi degradando o apoio internacional a Israel, até o ponto em que o Conselho de Segurança da ONU determinou a interrupção das hostilidades e a devolução de todos os reféns capturados, o que foi até o presente momento ignorado, tanto por Israel, quanto pelo Hamas.

Em sua defesa, os israelenses afirmam que o Hamas coloca em risco sua própria população, ao propositalmente se misturar a ela e utilizar instalações civis, até mesmo hospitais, para fins militares. Isso é verdade. Nesse sentido há os casos emblemáticos do hospital de Khan Younes, transformado em quartel general do Hamas e o escândalo dos trabalhadores à serviço da ONU que foram demitidos em razão de sua participação direta nos atentados de 7 de outubro.

Entretanto, a dificuldade de se distinguir claramente entre combatentes e não-combatentes no campo de batalha, embora complique significativamente as operações militares, não isenta o exército israelense da responsabilidade de cumprir os princípios e leis de guerra. Esses princípios, que incluem a humanidade, a proporcionalidade, a distinção entre combatentes e não-combatentes, a limitação dos meios e métodos de combate, e a seleção de alvos em conformidade com uma análise minuciosa de sua necessidade militar, estão firmemente estabelecidos nas normas do Direito Internacional dos Conflitos Armados.

O conflito entre Israel e o Hamas envolve também outros atores, o que eleva o risco de uma escalada. Entre esses, o Irã se destaca por seu papel crítico, negando a Israel o direito de existência enquanto Estado e fornecendo suporte essencial para os ataques do Hamas. Além disso, o Irã fornece armas e apoio a diversos grupos militantes que se opõem a Israel, como o Hezbollah, no Líbano, milícias Xiitas, na Síria e no Iraque, e os Houthis, no Iêmen. Essa estratégia permite ao Irã evitar um envolvimento direto, minimizando os riscos desse tipo de confrontação. No entanto, essa dinâmica pode estar prestes a mudar. Em 1º de abril, um ataque israelense ao consulado iraniano na Síria resultou na morte do General Mohammad Reza Zahedi, da Guarda Revolucionária Iraniana, além de outros militares, levando a promessas de vingança por parte do Irã. Desde então, a defesa antiaérea de Israel permanece em alerta máximo, antecipando uma possível retaliação. Caso o Irã responda diretamente, isso marcará uma mudança significativa, já que suas ações contra Israel, como já foi dito, normalmente ocorrem por intermédio dos grupos militantes. Nesse caso, configurando-se um confronto direto entre Irã e Israel, a escalada do conflito pode tomar contornos gravíssimos e se alargar para todo o Oriente Médio.

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Os EUA são outro ator fundamental. Maior aliado de Israel, são os norte-americanos que exportam os sistemas e materiais de emprego militar fundamentais à manutenção do esforço de guerra israelense. Entretanto o apoio da população norte-americana às operações israelenses declinou rapidamente, e isso colocou o governo de Joe Biden sob forte constrangimento, especialmente em um ano eleitoral. Assim, o que se verifica no momento é uma forte pressão dos EUA sobre o governo israelense para que se encontre uma solução que ponha fim às hostilidades.

Além dos fatores externos, não se pode esquecer que o governo israelense do Primeiro-Ministro Benjamim Netanyahu está sob forte pressão interna. A oposição a seu governo, que era grande antes dos ataques de 7 de outubro e arrefeceu em razão da união nacional em torno da resposta militar, novamente se agrava, na medida em que se avolumam as críticas acerca da condução das operações e da incapacidade em se trazer de volta os reféns ainda mantidos em cativeiro pelo Hamas. Grandes manifestações populares pedindo a renúncia de Netanyahu tem acontecido nas principais cidades israelenses.

As pressões internas e externas sugerem a Netanyahu que a melhoria de sua popularidade, embora improvável, seja sua única chance de preservar sua carreira política. Essa melhoria, no entanto, depende de uma vitória decisiva sobre o Hamas, o que implicaria no controle total da Faixa de Gaza. Atualmente, isso se traduz na necessidade de dominar a cidade de Rafah, localizada no sul do enclave, na fronteira com o Egito. Rafah é o último bastião a ser controlado, mas a tarefa é complicada pela presença de aproximadamente 1,4 milhões de pessoas, muitas das quais se refugiaram ali vindas de outras partes do território, elevando dramaticamente o risco de um desastre humanitário ainda maior.

Dessa forma, o cenário que se apresenta hoje, no dia em que se completam seis meses de guerra, mostra muitas possibilidades de agravamento da situação. Por outro lado, as chances de desescalada se concentram nas tratativas intermediadas pelo Qatar, que embora por vezes pareçam avançar, têm sempre esbarrado em exigências inaceitáveis por um ou outro lado da disputa.

Assim, resta evidente a complexidade da situação. O cenário marcado pela grave questão humanitária e a possibilidade de escalada ressaltam a urgência de um esforço coordenado internacionalmente para se alcançar uma paz sustentável, que permita uma existência digna para todos os povos envolvidos. Isso não será conseguido sem a proposição de soluções inovadoras, visto que as tentadas nas últimas décadas não surtiram resultados. Resta saber se o mundo de hoje possui lideranças capazes de construir essas soluções.

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O custo da resposta israelense aos ataques do Hamas

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas está sendo travada em altíssimos níveis de violência, o que faz os estudiosos da guerra se lembrarem dos ensinamentos de Carl von Clausewitz. Autor do clássico “Da Guerra”, o general prussiano do século 19 afirmou que esta é “um ato de força para compelir o nosso inimigo a fazer a nossa vontade”. A aplicação dessa força implicaria ser a ação militar um ato de extrema violência.

O ataque do Hamas, que no dia 7 de outubro atingiu indistintamente crianças, mulheres e idosos, foi meticulosamente executado de forma a causar terror e choque à população israelense, com o nítido objetivo de provocar uma forte reação. Não há novidade nisso. Dentro da perversa lógica dos planejadores dos atos terroristas, ao provocar a reação israelense, que certamente seria centrada na Faixa de Gaza, área habitada por mais de 2 milhões de palestinos, conseguiria alcançar o objetivo de chamar atenção para a causa do grupo, reunindo árabes e muçulmanos contra o inimigo “sionista” comum. Novos militantes seriam atraídos para a causa terrorista, atentados ocorreriam em outras partes do mundo e seria sabotada a aproximação que Israel vinha promovendo em direção aos países árabes, muito especialmente com a Arábia Saudita.

A reação israelense aos violentíssimos atentados terroristas perpetrados pelo Hamas pode ser explicada por Clausewitz mas, ao infligir grande sofrimento a civis não combatentes, causa indignação e protestos ao redor do mundo. Além disso, a forte reação internacional contra o que é considerado um excesso na resposta israelense parece indicar que o Hamas pode estar alcançando, pelo menos parcialmente, os seus objetivos. Isso claramente contraria os próprios interesses dos israelenses. Afinal, o processo de aproximação com os árabes foi interrompido e há uma onda desfavorável ao país na opinião pública internacional. Isso traz um questionamento fundamental: a resposta de Israel aos bárbaros atentados de 7 de outubro é exagerada?

O chinês Sun Tzu, autor do magistral “Arte da Guerra”, destaca que, dentre os cinco erros que podiam ser cometidos por um general estavam a “imprudência, que leva à destruição”, e a “cólera, que leva à precipitação”. Estariam os líderes israelenses motivados por uma cólera imprudente?

Certamente, a autocontenção israelense neste momento é uma atitude difícil de ser tomada, uma vez que seu inimigo, o grupo terrorista Hamas, ignora completamente qualquer princípio moral ou ético. Os terroristas descumprem completamente um princípio básico do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), o conjunto de normas e costumes que tentam limitar, por razões humanitárias, os meios e métodos de combate das partes em conflito: o princípio da distinção. O artigo 48 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra define como uma regra fundamental para a proteção da população civil durante as hostilidades que “as Partes em conflito devem sempre fazer a distinção entre a população civil e os combatentes, assim como os bens de caráter civil e os objetivos militares”. Ao se misturar à população da Faixa de Gaza, utilizando indiscriminadamente instalações civis para fins militares, o Hamas borra propositalmente essa fronteira, impedindo, na prática, tal distinção pelos israelenses. É inegável que o Hamas deliberadamente coloca em risco, e de forma vil, a própria população palestina, seus bens e suas condições de subsistência.

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Por outro lado, esse comportamento do Hamas não autoriza o Estado de Israel a utilizar quaisquer meios ou métodos de combate para alcançar seus objetivos militares. Existem outros princípios básicos do DICA que devem ser observados: humanidade, necessidade militar, proporcionalidade e limitação. Os casos de ataques a instalações como hospitais e escolas, em que houve reconhecidamente um elevado número de baixas de civis, suscitam críticas e questionamentos justos. Afinal, Israel não poderia ter escolhido outro meio ou método de combate para atingir seus objetivos militares naquelas situações, causando menos sofrimento aos não combatentes? E, sob o ponto de vista de seus próprios interesses políticos e estratégicos, ao optar pelas ações que alcançam de forma imediata seus objetivos táticos mas causam muitos danos colaterais, não estariam os israelenses obtendo uma vitória de curto prazo, mas plantando uma derrota no nível estratégico para o futuro?

O objetivo dos beligerantes, em qualquer guerra, é chegar a uma paz que lhes seja melhor do que aquela que existia antes do conflito. A vitória de Israel, no campo da Tática, é questão de tempo. Mas, a conquista dos objetivos militares é só uma parte da operação. Depois dela, virá a mais difícil: estabilizar a Faixa de Gaza e encontrar uma forma para que israelenses e palestinos convivam em harmonia. Só assim haverá uma paz melhor do que aquela de antes de 7 de outubro. Para que isso aconteça, será primordial que os meios e métodos de combate empregados por Israel não deixem um rastro de ódio que faça a vitória tática se transformar em uma derrota política.

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A viagem de Joe Biden ao Oriente Médio

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acaba de encerrar uma viagem a Israel, Cisjordânia, e Arábia Saudita. As visitas ocorreram em um momento conturbado, em que a guerra na Ucrânia desorganiza o mercado mundial de gás natural, petróleo e derivados; o Irã caminha a passos largos para a fabricação da arma nuclear e Israel está sendo governado por um gabinete interino, após a renúncia do Primeiro-Ministro Naftali Bennett. A região também vive um momento de acirramento da disputa geopolítica, em que o Irã, a Turquia e a Arábia Saudita disputam primazias e esferas de influência; o Afeganistão está mergulhado no caos econômico após o retorno do Talibã ao poder; e o Líbano passa por grave crise econômica, assim como a Síria, país que enfrenta uma guerra civil há mais de 11 anos. No Iêmen, a guerra civil, que na verdade é travada por procuração entre iranianos e árabes desde 2014, com os primeiros financiando os rebeldes Houthis e os últimos apoiando o governo, está assistindo a um momento de trégua, negociado pela ONU.

Biden iniciou sua viagem por Israel, país que vive mais um momento político conturbado, com a renúncia do Primeiro-Ministro Naftali Bennett, em junho. Com isso, Biden se reuniu com Yair Lapid, que acabou de assumir um governo interino, até que sejam realizadas novas eleições, no final do ano. O presidente norte-americano também se reuniu com Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina. As relações entre israelenses, palestinos e norte-americanos encontra-se ainda mais tensionada do que de costume, em razão do assassinato, por tropas israelenses, da jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh, em maio.

Em Israel, um dos principais focos das conversas de Biden foi o programa nuclear iraniano, que tem alcançado significativos avanços. O país acaba de anunciar que enriqueceu Urânio a 20% utilizando as novas e avançadas centrífugas IR-6 da instalação nuclear de Fordo, construída por razões de segurança no subterrâneo das montanhas da cidade de Qom, ao Sul de Teerã. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) informou no mês passado que o Irã já teria 43 quilos de urânio enriquecido com 60% de pureza – um importante passo para chegar aos 90% necessários para a produção da arma nuclear. Especialistas em não proliferação alertam que se trata de uma quantidade de material físsil suficiente para a fabricação da bomba.

É grande a preocupação israelense com o fato de o Irã estar cada vez mais próximo de alcançar o status de potência nuclear. Existe no país a percepção de que sua própria existência pode ser ameaçada, uma vez que os iranianos não reconhecem a legalidade ou a legitimidade do Estado israelense.

Essa preocupação ficou muito clara na declaração conjunta, divulgada pelos governos dos EUA e de Israel, denominada “Declaração de Jerusalém” ¹. Nela, os EUA reafirmam sua parceria estratégica com os israelenses e seu compromisso com a segurança de Israel, declarando que ela é, também, de interesse da própria segurança dos EUA. Em um trecho especialmente importante da declaração, os EUA enfatizam o compromisso de nunca permitir que o Irã adquira armas nucleares, dizendo-se, inclusive, preparado para usar todos os elementos de seu poder nacional para garantir esse resultado. Tal afirmação refere-se, evidentemente, ao poder militar, em uma clara delimitação de uma “linha vermelha” que não pode ser ultrapassada pelo Irã: tornar-se detentor de armamentos nucleares.

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Joe Biden também esteve na Cisjordânia, onde se encontrou com Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina. No encontro, reiterou o compromisso norte-americano com uma solução para a questão palestina que contemple a existência de dois Estados, o israelense e o palestino, embora tenha dito que este encaminhamento não está maduro “no momento”. Abbas, por sua vez, disse que a chave da paz para a região seria a saída dos israelenses dos territórios ocupados.

A chegada de Biden à Arabia Saudita foi marcada por um gesto simbólico: a viagem do avião presidencial diretamente de Israel à Arábia Saudita, rota até então interditada pelos árabes. Significativamente, em medida simultânea à presença de Biden no país, os sauditas informaram que tal proibição seria retirada, abrindo seu espaço aéreo à chegada de voos comerciais vindos de Israel.

A presença de Biden na Arábia Saudita causou reações desfavoráveis em sua própria base de apoio, os integrantes do Partido Democrata. Ainda durante a campanha eleitoral, Biden declarou que aquele seria um “país pária”. E expressão foi usada em razão do assassinato, em território turco, do jornalista árabe Jamal Khashoggi. A inteligência norte-americana responsabilizou diretamente o príncipe herdeiro, e homem-forte do regime saudita, Mohammed bin Salman, pelo assassinato. Assim, o encontro entre MBS, como Salman é conhecido, e Biden causou constrangimentos a ambas as partes.

Mas o pragmatismo falou mais alto porque, neste momento, a Arábia Saudita é um parceiro ainda mais importante para os EUA. E isso ficou caracterizado pela declaração conjunta ²emitida após o encontro. Nela, se destacam a questão energética, na qual a Arábia Saudita tem um papel fundamental na estabilização do mercado profundamente afetado pela guerra na Ucrânia, uma vez que é o segundo maior produtor de petróleo do mundo, e a questão de segurança, com ambos os países afirmando que é importante impedir que o Irã “interfira em assuntos internos de outros países, patrocine o terrorismo e atue para desestabilizar a região”.

Ainda em território saudita, Biden aproveitou uma reunião do Conselho de Cooperação do Golfo para se encontrar com os demais líderes dos países do Golfo Pérsico: Omã, Kuwait, Bahrein, Catar e Emirados Árabes Unidos (EAU). Além dos países do Golfo, também compareceram à reunião os líderes do Egito, Iraque e Jordânia. Nesse encontro, Biden disse que os EUA não abandonariam o Oriente Médio à China ou à Rússia, em referência à disputa que essas potências travam por influência na região.

A viagem de Biden ao Oriente Médio foi cheia de significados. Mostrou que dois antagonistas históricos, israelenses e árabes, possivelmente deixarão suas diferenças de lado para enfrentar um adversário comum, cada vez mais poderoso: o Irã. Deixou claro também que o Oriente Médio, quer por sua produção petrolífera, quer por sua posição geográfica privilegiada, ainda é uma área de fundamental importância para o jogo geopolítico das grandes potências, razão pela qual os norte-americanos continuarão a tentar fazer valer sua influência na região.

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¹ https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/07/14/the-jerusalem-u-s-israel-strategic-partnership-joint-declaration/?utm_source=twitter

² https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/07/15/the-jeddah-communique-a-joint-statement-betweeen-the-united-states-of-america-and-the-kingdom-of-saudi-arabia/




O Irã e os desafios para a paz mundial em 2022

A julgar pela quantidade de crises já instaladas nos últimos dias de 2021, não faltará assunto nos campos da política internacional, da geopolítica e dos assuntos de Defesa em 2022.

Afinal, 2021 foi o ano em que as tensões entre europeus e russos atingiram níveis só comparáveis aos da Guerra Fria, os EUA protagonizaram uma retirada caótica no Afeganistão, as tensões entre China e EUA cresceram, Iêmen e Etiópia continuaram enfrentando graves guerras em seus territórios. Houve ainda o assassinato do presidente do Haiti, quatro golpes de estado exitosos em países da África (Sudão, Mali, Guiné e Chade), além do golpe em Mianmar e da crise dos refugiados, que continua a afetar todos os continentes, apenas para citar os eventos mais significativos. Isso tudo em meio à continuidade da pandemia da Covid-19.

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Não faltam, portanto, focos de tensão a desafiar as lideranças mundiais a encontrarem soluções que preservem a paz. Neste artigo vou tratar apenas de um caso, em razão da sua potencialidade em se transformar em uma crise de enormes proporções: a questão nuclear no Irã. Em 2015, o Irã e um grupo de países formado por EUA, Rússia, China, França, Alemanha e Reino Unido, além da União Europeia, assinaram um acordo, o Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA).  Naquele momento, em troca de suavizações de sanções que estavam impostas pela comunidade internacional ao país, o Irã concordava em reduzir significativamente suas atividades na área nuclear, dentre outras medidas, pela limitação de sua produção de urânio enriquecido, em quantidades e nível de enriquecimento, além de aceitar submeter-se às inspeções internacionais em suas instalações nucleares. Esta era uma medida fundamental para que a comunidade internacional pudesse se assegurar de que o Irã não desenvolveria tecnologia nuclear para fins militares, uma vez que o urânio é um dos elementos químicos que, quando enriquecido a níveis superiores a 90%, se torna componente fundamental para a fabricação de bombas atômicas.

Em 2018, o presidente Trump retirou os EUA do acordo nuclear e reimpôs uma série de sanções ao Irã. Em 09 de janeiro de 2020, neste Espaço Aberto[1], escrevi sobre as consequências dessa decisão. Mas, ao se analisar os resultados, parece claro que as medidas adotadas pelo presidente Trump, ao reimpor as sanções, não surtiram o efeito que se esperava, pelo contrário, o Irã se sentiu desobrigado a cumprir os termos do acordo e hoje o país está muito mais próximo do desenvolvimento do armamento nuclear do que estava em 2018.

Durante 2021, as negociações entre os países que se mantiveram no JCPOA e o Irã foram retomadas, mas os avanços têm sido bastante limitados. Os europeus exigem velocidade nas negociações, em razão dos rápidos avanços obtidos pelo Irã em seu programa nuclear. De acordo com um relatório de 17 de novembro último, da Agência Internacional de Energia Atômica, o estoque de urânio enriquecido a 20% do Irã é de 114 Kg, acima dos 85 Kg documentados no relatório anterior da agência, publicado em 7 de setembro. Já a 60% de enriquecimento, seriam 17,7 kg, também acima dos 10 kg apontados no relatório anterior. O mesmo documento informa que o país instalou centrífugas mais avançadas, que podem enriquecer urânio de forma mais eficiente.

Os iranianos, acusados de estarem deliberadamente ganhando tempo nas negociações, afirmam que não têm o objetivo de utilizar a tecnologia nuclear para fins bélicos. Mas o fato é que, após alcançar o nível de 60% de enriquecimento, chegar aos 90% que permitiria a fabricação da bomba parece ser apenas uma questão de (cada vez menos) tempo.

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O governo de Israel tem manifestado preocupação com a aceleração do programa nuclear iraniano. Segundo os serviços de inteligência do país, o Irã teria material para construir 3 bombas e, em um mês, terminaria o processo de enriquecimento do urânio. A partir daí, levaria entre 18 e 24 meses para fabricar as bombas. Além disso, se divulgou que o país começou a fabricar placas de urânio, material utilizado na fabricação do armamento nuclear.

Israel não confirma, mas o país é apontado como o autor de diversos ataques cibernéticos a instalações nucleares, e mesmo a cientistas e lideranças iranianas, ao longo dos últimos anos, ações que atrasaram, mas, como se vê, não impediram o progresso do programa nuclear persa.

As autoridades israelenses têm subido o tom das declarações. Durante uma visita aos Estados Unidos, o ministro da Defesa, Benny Gantz, anunciou publicamente que havia ordenado ao Exército israelense que se preparasse para um possível ataque militar ao Irã.

Um eventual ataque israelense provocaria uma resposta iraniana e dos grupos Hezbollah, no Líbano, e Hamas, em Gaza, ambos aliados do Irã, forçando Israel a travar uma guerra em várias frentes simultaneamente. Seria, sem dúvida, um rastilho de pólvora que incendiaria o Oriente Médio. A ameaça cada vez mais real de um conflito de alta intensidade, que poderia envolver outros países, e mesmo as grandes potências, é somente mais um dos fantasmas que ameaçam a paz e o sistema internacional no ano que se inicia na próxima semana.

[1]  https://paulofilho.net.br/2020/01/09/a-crise-ira-x-eua

 

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Mais uma crise na Terra Santa

Após semanas de uma escalada de tensões, está em andamento a mais grave crise envolvendo israelenses e palestinos, desde 2014.

O mundo acompanha pela imprensa e pela internet a pirotecnia das cenas de explosões de foguetes lançados pelo Hamas contra diversas cidades israelenses e dos bombardeios aéreos e de artilharia das Forças de Defesa Israelenses à Faixa de Gaza. As vítimas civis já podem ser contadas nas casas das centenas. Além das ações no campo militar, a disputa pela conquista de apoios, simpatias ou aliados é travada com ferocidade, de parte a parte, e as pessoas que observam de longe se veem em meio ao fogo cruzado da guerra de narrativas, expostos que estão a análises sérias, mas também à pura propaganda, muitas vezes sem condições de diferenciar uma da outra.

Os acontecimentos que culminaram com o violento conflito atual têm como causa imediata a ordem judicial de despejo de famílias palestinas que moram no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, e também os incidentes que ocorreram nas cercanias do Monte do Templo e da Mesquita de Al-Aqsa, no mesmo bairro.

As tensões entre judeus e palestinos, dentro do território israelense, já estavam mais altas do que o normal há algumas semanas, em razão da “intifada do TikTok”, em que vídeos com jovens israelenses árabes agredindo jovens israelenses judeus ortodoxos viralizaram no aplicativo. Esses conflitos internos, entre os próprios cidadãos de Israel, que inclusive se intensificaram e ocorreram em diferentes cidades ao longo da semana, são pouco comuns, e não ocorreram com essa intensidade marcante em outros momentos de conflito entre israelenses e palestinos.

O calendário deste ano aproximou duas datas móveis importantes para muçulmanos e judeus. Dia 08 de maio, os islâmicos comemoraram o início da revelação do Alcorão pelo anjo Gabriel a Maomé, a chamada Noite do Poder, não só a mais importante data do Ramadã, mas de todo o calendário da fé islâmica. Por outro lado, os judeus se preparavam para comemorar o “Dia de Jerusalém”, no dia 10, data em que eles rememoram o que consideram ser a reunificação da cidade, ocorrida com a conquista da porção oriental de Jerusalém na Guerra dos Seis dias, em 1967. Os grupos se encontraram no lugar que é sagrado para ambos, em Jerusalém Oriental, e o confronto foi inevitável.

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Os ânimos acirrados pela série de acontecimentos recentes acabaram em violentos confrontos entre policiais israelenses e palestinos, ocorridos nas cercanias do Monte do Templo e da Mesquita sagrada de Al-Aqsa, o que enfureceu os muçulmanos israelenses e palestinos. Assim, na segunda-feira, dia 10, o Hamas emitiu um inédito ultimato aos israelenses, informando que, caso a polícia não se retirasse das redondezas da Mesquita de Al-Aqsa e do bairro de Sheikh Jarrah até as 18h, agiriam em represália. Os israelenses não retiraram a polícia e os palestinos iniciaram o lançamento de foguetes a partir de 18:05h. Um fato importante a se destacar é que os palestinos lançaram seus foguetes contra a capital de Israel, Tel Aviv, ação que eles vinham evitando nos últimos anos. E bombardearam Jerusalém, cidade sagrada para judeus e para muçulmanos, pela primeira vez na história.

Tudo isso acontece em meio a uma crise política que ocorre simultaneamente, tanto em Israel quanto nos territórios palestinos. O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu falhou em sua tentativa de estabelecer um governo de coalizão após a 4ª eleição em apenas dois anos. Ele enfrenta baixos índices de popularidade e seu governo, neste momento, carece da legitimidade do mandato popular.

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Ao mesmo tempo, o presidente palestino Mahmoud Abbas acaba de cancelar as eleições presidenciais que estavam previstas – as primeiras desde 2006 – após perceber que seu partido, o Fatah, estava indo mal nas pesquisas eleitorais. Com os dois líderes precisando amentar suas popularidades, o risco de que eles possam tomar decisões mais duras, ou precipitadas, passa a ser mais alto. Isso é especialmente verdadeiro em relação à Israel, onde o líder oposicionista Yair Lapid estava tentando montar o governo com o apoio da extrema direita nacionalista, que havia abandonado Netanyahu, e também dos partidos árabes, uma tentativa inédita. Com a escalada das tensões esse movimento se inviabilizará, com claros benefícios para Netanyahu.

Os conflitos entre os israelenses e os Estados árabes, que já os levaram à guerra em quatro oportunidades, arrefeceram nos últimos anos, inclusive com a celebração, no ano passado, dos chamados Acordos de Abraão, entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que se uniram a Egito e Jordânia, aumentando o número de países árabes que mantém relações normais com Israel.

Entretanto, como essa crise mais uma vez comprova, as relações entre israelenses e palestinos não lograram conquistar praticamente nenhum avanço. Construir um ambiente de confiança mútua que proporcione a paz e uma solução definitiva para o conflito não parece ser um objetivo próximo de ser alcançado.




UM ANO INTENSO NO ORIENTE MÉDIO

O ano de 2020 ficará marcado no Oriente Médio por uma série de acontecimentos capazes de modificar o equilíbrio de forças na região, com reflexos em todo o sistema internacional.
 
Primeiro, recorde-se que logo no terceiro dia do ano Qassim Suleimani, poderoso comandante da Guarda Revolucionária do Irã e número 2 do regime xiita, foi eliminado numa ação militar norte-americana. O ataque de mísseis foi efetivado por uma aeronave remotamente pilotada, um drone, o MQ-9 Reaper, numa amostra da importância militar que esse armamento iria ainda demonstrar ao longo do ano, notadamente no conflito entre a Armênia e o Azerbaijão. Mas essa é outra história.

O ataque que matou Qassim Suleimani foi o ápice de uma escalada de tensões entre os dois países, que se desenrolaram ao longo dos dois anos anteriores. Em 2018, os Estados Unidos retiraram-se do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPA), acordo assinado em 2015 com o Irã, a Rússia, a China, o Reino Unido, a França e a Alemanha, sob a alegação de que os iranianos desrespeitavam os termos do acordo que havia sido celebrado justamente para regular a atividade nuclear iraniana. A partir de então os Estados Unidos intensificaram suas sanções econômicas contra o Irã, que, em retaliação, promoveu uma escalada das tensões no Golfo Pérsico, com uma série de ações militares de pequeno porte contra navios petroleiros de diferentes nacionalidades que passavam pelo Estreito de Ormuz e com ataques e ações de sabotagem contra alvos árabes e norte-americanos no Oriente Médio.

Em agosto e setembro os israelenses normalizaram as relações diplomáticas com os Emirados Árabes Unidos e com o Bahrein, por meio dos chamados Acordos de Abraão, para grande frustração dos palestinos. Assim, os dois países se juntaram ao Egito e à Jordânia, compondo um grupo de nações árabes que formalmente aceitam a presença de Israel como um igual no sistema internacional.

Esse movimento em prol da paz entre árabes e israelenses, que já foram à guerra em quatro oportunidades entre 1948 e 1973, foi uma vitória para a política externa norte-americana, uma vez que isola os iranianos, que veem os países do Golfo se aproximarem de seus inimigos israelenses. Mas, evidentemente, beneficia mutuamente tanto os países árabes quanto Israel.

As vantagens para os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein se concentram principalmente nas trocas comerciais e nas relações diplomáticas. Mas para a Arábia Saudita as vantagens vão muito além. São um xeque no xadrez geopolítico regional. Ao se aproximarem de Israel, os árabes passam a contar com um poderoso aliado regional contra o Irã, país com quem disputam a posição de liderança dentre os países islâmicos e contra os quais esse país atualmente trava uma guerra por procuração no Iêmen. Israel, por sua vez, sai de um isolamento regional que persiste há décadas, isola os palestinos e ganha aliados contra o inimigo Irã, além de novas oportunidades comerciais e mercados.

No último dia 22 de novembro, um domingo, mais um movimento de aproximação entre árabes e israelenses surpreendeu a região e o mundo. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, encontrou-se secretamente com o príncipe herdeiro e atual homem forte da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman. O encontro não foi confirmado por nenhum dos participantes, mas o pouco esforço para escondê-lo denota claramente a intenção de que ele se tornasse público.

Nos dias seguintes, 23 e 25 de novembro, a milícia houthi do Iêmen – facção apoiada pelo Irã na guerra civil daquele país – realizou ataques contra dois alvos na cidade costeira saudita de Jidá: um ataque com mísseis Quds-2 contra instalações da petroleira Aramco e outro que teve como alvo um petroleiro grego que carregava num terminal da mesma empresa.

Até que, na sexta-feira, dia 27, o principal cientista nuclear iraniano, Mohsen Fakhrizadeh, foi emboscado e morto na cidade de Absard, 70 km a leste de Teerã, mesmo estando acompanhado por vários guarda-costas. Imediatamente os iranianos acusaram israelenses e norte-americanos de serem os responsáveis pelo assassinato. Mohsen Fakhrizadeh era uma espécie de símbolo do programa nuclear iraniano. Apesar disso, é pouco provável que o assassinato de um único cientista tenha efeito significativo em retardar um programa que já está em andamento há vários anos.

Mas uma retaliação iraniana já foi anunciada e pode ser esperada. Ela poderá vir por intermédio de seus proxies, as milícias houthis ou o Hezbollah, em ações no Golfo Pérsico ou mesmo em atentados contra alvos israelenses ou norte-americanos em outras partes do mundo.

O próximo ano será definidor para os rumos geopolíticos do Oriente Médio. Israel, Arábia Saudita e Irã estarão muito atentos ao novo governo norte-americano, que prometeu na campanha eleitoral retornar ao JCPA. Esse movimento será decisivo para uma aproximação definitiva entre a Arábia Saudita e Israel, contra o Irã. No Golfo Pérsico, é provável que 2020 não termine em 31 de dezembro…




MUDANÇAS NA GEOPOLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO

Árabes e israelenses já foram à guerra várias vezes desde 1948, ano da criação de Israel. A recorrência dos conflitos armados e a chamada Questão Palestina mantiveram a rivalidade entre eles como a principal questão geopolítica do Oriente Médio na segunda metade do século 20 e no início deste século 21. Entretanto, acontecimentos recentes indicam que essa situação começa a mudar.

No intervalo de cerca de um mês, em acordos intermediados pelo governo norte-americano, que foram batizados de “Acordos de Abraão”, os governos de Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein celebraram tratados de normalização das relações diplomáticas entre os dois países árabes e Israel. As duas nações juntaram-se, dessa forma, ao grupo que até então era composto por apenas outros dois países: Egito e Jordânia, como nações árabes que mantém relações diplomáticas normais com os israelenses.

É evidente que um acordo desse tipo pode ser comemorado, afinal, é mais uma oportunidade para a paz na região. Além da troca de embaixadores, da ativação de voos diretos e da intensificação das trocas comerciais, há vários outros campos onde pode haver oportunidades de integração com benefícios mútuos, como turismo, agricultura, ensino e pesquisa, cultura, tecnologia, telecomunicações e muitos outros.

Mas, nem todos compartilham dessa opinião. Os mais insatisfeitos são os palestinos, que consideraram o acordo uma traição à sua causa. O ministro das relações exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, declarou que o acordo desconsiderava a decisão da Iniciativa Árabe para a Paz, segundo a qual a normalização das relações árabe-israelenses somente seria aceitável em troca do retorno das fronteiras à situação anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967, ou seja, com a desocupação israelense dos territórios ocupados na Cisjordânia e com a capital da Palestina em Jerusalém Oriental.

O fato de a Liga Árabe ter se recusado a condenar os acordos também frustrou os palestinos, porque indica que outros países do Golfo Pérsico, como Omã, ou mesmo a Arábia Saudita, podem, no futuro, tomar o mesmo caminho. Aliás, é certo que os Emirados Árabes Unidos e o Barein só decidiram por aceitar o acordo com Israel por contarem com a anuência da Arábia Saudita, potência regional com muita influência sobre os governos de ambos os países.

O Irã também declarou forte contrariedade, chamando os Acordos de Abraão de “ato vergonhoso que permanecerá para sempre na memória dos palestinos e das nações livres do mundo”. Gigante regional não árabe, cuja maioria da população é persa, o Irã trava uma guerra por procuração contra a Arábia Saudita no Iêmen desde 2015, apoiando a milícia xiita Houthi contra o governo iemenita que, por sua vez, é apoiado pelos sauditas. Além disso, a assertividade iraniana na região, caracterizada pelo apoio ao governo xiita do Iraque, ao governo do Catar, ao grupo Hezbollah, no Líbano, ao governo de Bashar al Assad, na Síria, ao Hamas, na Faixa de Gaza, bem como à diversas milícias regionais xiitas, é motivo de desconfiança da parte dos sauditas, que veem sua posição de liderança no mundo árabe cada vez mais ameaçada.

Assim, fica claro que a disputa entre Arábia Saudita e Irã pela liderança regional contribuiu, com grande peso, para que os acordos acontecessem. Do ponto de vista dos sauditas, contar com o apoio político, militar e de inteligência, mesmo que velado, dos israelenses, pode ser decisivo.

Os israelenses, por sua vez, ao se aproximarem dos sauditas, obtêm uma grande vitória geopolítica, pois tiram do centro do palco a questão palestina e empurram para a ribalta a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, que passa a ser considerada, pela comunidade internacional e, principalmente, pelos países da região, o principal problema de segurança do Oriente Médio.

Os palestinos sentiram imediatamente o enfraquecimento do apoio árabe à sua causa. A normalização das relações diplomáticas entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein serviu de estímulo para que as duas facções palestinas rivais, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, buscassem um entendimento. Em uma reunião realizada em Istambul, na Turquia, seus representantes decidiram realizar eleições nos territórios palestinos em um prazo de seis meses, para escolha do presidente da Autoridade Palestina, bem como dos integrantes do legislativo e do Comitê Central da Organização para a Libertação da Palestina. Trata-se de uma tentativa de se buscar o consenso no âmbito dos próprios palestinos, que depois de mais de uma década de disputas internas, veem sua causa enfraquecida.

O Oriente Médio passa por aceleradas transformações, com os atores regionais ganhando cada vez mais proeminência. O frágil equilíbrio geopolítico regional, construído com base nas linhas fronteiriças desenhadas pelas potências europeias, está sendo desafiado. Sua reconstrução, em bases diferentes, não será fácil.