A ação militar israelense contra o Irã à luz do pensamento de um velho general francês
André Beaufre (1902–1975) foi um general e teórico militar francês, cujas formulações tiveram grande impacto sobre os estudos estratégicos do século XX, com grande influência, inclusive, sobre o pensamento estratégico do Exército Brasileiro. Formado na Escola Militar de Saint-Cyr, Beaufre participou de vários conflitos importantes, incluindo a Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Indochina e a Guerra da Argélia. Sua carreira militar foi marcada por uma combinação de experiência prática no campo de batalha e reflexões teóricas profundas sobre o uso da força e a natureza da guerra.
Sua obra mais influente foi “Introdução à Estratégia”, de 1963. Nessa obra, Beaufre ultrapassa simples considerações acerca de forças militares ou sobre táticas de combate, para tratar do que ele considerava a finalidade da Estratégia, qual seja, atingir os objetivos fixados pela política, utilizando da melhor maneira os meios à disposição do Estado.
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Para Beaufre, o modelo estratégico a ser escolhido para o atingimento dos objetivos políticos dependia de alguns fatores essenciais: a liberdade de ação, as forças materiais, as forças morais, e o tempo disponível.
A Liberdade de Ação (K) diz respeito à capacidade do Estado de agir com independência estratégica, sem ser bloqueado ou limitado por fatores políticos, diplomáticos ou operacionais. Isso está ligado à capacidade de manobra, tanto militar, quanto política e diplomática.
As forças materiais (F) referem-se aos recursos tangíveis disponíveis para a execução da estratégia, como armamentos, infraestrutura militar, logística, mão de obra, entre outros.
Por sua vez, as Forças Morais (Y) são os fatores intangíveis que incluem a vontade, a motivação e a capacidade de uma nação ou de uma força militar em manter o esforço de guerra, mesmo em face de adversidades. Esses podem incluir a coesão nacional, a moral das tropas, a legitimidade de uma causa e a resiliência psicológica da população.
Finalmente, o tempo disponível (T) para a execução da estratégia deve ser confrontado com o necessário para o atingimento dos objetivos. O passar dos dias, das semanas, dos meses e dos anos pode causar mudanças significativas no cenário estratégico, criando urgências que interferem na escolha do modelo estratégico.
Os fatores acima podem ser, portanto, delineados em uma “Fórmula Geral da Estratégia”, na qual o impulso estratégico (S) é diretamente proporcional aos fatores liberdade de ação, forças materiais, forças morais e tempo disponível.
S = K.F.Y.T
Um impulso estratégico elevado favorece a adoção de um modelo estratégico que privilegie ações diretas, como o conflito violento. Um impulso estratégico menor, indica a adoção de estratégias indiretas, na qual o essencial da decisão é obtido por outros meios à disposição do Estado, que não o meio militar, como os econômicos ou diplomáticos.
As ferramentas oferecidas por Beaufre ajudam a compreender as opções estratégicas adotadas pelo Estado de Israel na crise em andamento entre aquele país e o Irã. Vejamos cada um dos fatores.
A liberdade de ação do governo israelense para atuar contra o Irã é alta. Ao se analisar o sistema internacional, observa-se que os países ou organismos internacionais que poderiam exercer alguma pressão que diminuísse tal liberdade de ação, por diferentes razões, não estão em condições de exercê-la. Os EUA, envoltos na acirrada campanha eleitoral do próximo mês e a Rússia, em guerra, não têm, no momento, o poder de influência/coerção que já tiveram no passado. A ONU, que está com seu Conselho de Segurança completamente paralisado, é incapaz de chegar a qualquer consenso que pudesse limitar as ações israelenses. Do ponto de vista interno, apesar de enfrentar uma oposição forte, no que concerne ao Irã, o governo tem total liberdade de executar suas estratégias conforme planejadas.
As forças de defesa de Israel possuem forças materiais, ou seja, capacidades militares, suficientes para fazer face ao desafio imposto pelo Irã, contando com equipamentos modernos, uma força bem treinada e com larga experiencia de combate. Além disso, sempre pode contar com o apoio norte-americano, especialmente para complementar sua defesa antiaérea e com preciosas informações de inteligência.
As forças morais, representadas pela coesão nacional em torno das decisões tomadas pelo governo israelense em relação à crise com o Irã talvez seja o aspecto mais controverso da análise. Sabidamente, o governo dirigido pelo Primeiro-ministro Benjamim Netanyahu enfrenta uma forte oposição interna, que antecede à presente crise e se agrava em relação ao confronto com o Hamas, na Faixa de Gaza, em razão da incapacidade em resgatar os reféns que, um ano depois de terem sido sequestrados, continuam nas mãos dos terroristas. Entretanto, as espetaculares e muito exitosas ações contra a liderança do grupo Hezbollah, bem como o desejo de reagir ao ataque iraniano, que lançou cerca de 200 mísseis balísticos contra o território israelense, acabam por criar um quase consenso entre os israelenses de que chegou a hora de uma ação mais contundente contra o Irã. Além disso é sempre bom lembrar que, apesar das divisões, Israel historicamente é capaz de unir-se quando confrontado com ameaças externas, como é o caso atualmente.
O tempo disponível, último aspecto levantado por Beaufre, não é, atualmente, limitante para as ações israelenses contra o Irã. Entretanto, caso a crise se prolongue no tempo, certamente a pressão internacional pelo fim das hostilidades aumentará. Isso certamente poderá criar um sentimento de urgência que tende a aumentar o impulso estratégico israelense.
Assim, pode-se concluir que todos os aspectos levantados pelo general francês indicam que Israel tem um alto impulso estratégico para a resposta ao ataque iraniano. Isso pressupõe, conforme indica Beaufre, uma tendência pela opção de um modelo de ação que privilegie uma ação direta, com a utilização das ferramentas militares disponíveis, em um conflito de alta intensidade e, se possível, de curta duração.
À luz da teoria de Beaufre, Israel parece reunir todos os elementos para justificar uma ação direta e decisiva contra o Irã, uma vez que sua liberdade de ação, forças materiais, e tempo disponível estão claramente a seu favor. Embora existam tensões internas que possam impactar as forças morais, o desejo de responder aos recentes ataques pode gerar o consenso necessário para uma estratégia militar de curto prazo. Contudo, os desdobramentos diplomáticos e as pressões internacionais também terão um papel crucial na manutenção desse impulso estratégico caso o conflito perdure longo do tempo.
O custo da resposta israelense aos ataques do Hamas
A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas está sendo travada em altíssimos níveis de violência, o que faz os estudiosos da guerra se lembrarem dos ensinamentos de Carl von Clausewitz. Autor do clássico “Da Guerra”, o general prussiano do século 19 afirmou que esta é “um ato de força para compelir o nosso inimigo a fazer a nossa vontade”. A aplicação dessa força implicaria ser a ação militar um ato de extrema violência.
O ataque do Hamas, que no dia 7 de outubro atingiu indistintamente crianças, mulheres e idosos, foi meticulosamente executado de forma a causar terror e choque à população israelense, com o nítido objetivo de provocar uma forte reação. Não há novidade nisso. Dentro da perversa lógica dos planejadores dos atos terroristas, ao provocar a reação israelense, que certamente seria centrada na Faixa de Gaza, área habitada por mais de 2 milhões de palestinos, conseguiria alcançar o objetivo de chamar atenção para a causa do grupo, reunindo árabes e muçulmanos contra o inimigo “sionista” comum. Novos militantes seriam atraídos para a causa terrorista, atentados ocorreriam em outras partes do mundo e seria sabotada a aproximação que Israel vinha promovendo em direção aos países árabes, muito especialmente com a Arábia Saudita.
A reação israelense aos violentíssimos atentados terroristas perpetrados pelo Hamas pode ser explicada por Clausewitz mas, ao infligir grande sofrimento a civis não combatentes, causa indignação e protestos ao redor do mundo. Além disso, a forte reação internacional contra o que é considerado um excesso na resposta israelense parece indicar que o Hamas pode estar alcançando, pelo menos parcialmente, os seus objetivos. Isso claramente contraria os próprios interesses dos israelenses. Afinal, o processo de aproximação com os árabes foi interrompido e há uma onda desfavorável ao país na opinião pública internacional. Isso traz um questionamento fundamental: a resposta de Israel aos bárbaros atentados de 7 de outubro é exagerada?
O chinês Sun Tzu, autor do magistral “Arte da Guerra”, destaca que, dentre os cinco erros que podiam ser cometidos por um general estavam a “imprudência, que leva à destruição”, e a “cólera, que leva à precipitação”. Estariam os líderes israelenses motivados por uma cólera imprudente?
Certamente, a autocontenção israelense neste momento é uma atitude difícil de ser tomada, uma vez que seu inimigo, o grupo terrorista Hamas, ignora completamente qualquer princípio moral ou ético. Os terroristas descumprem completamente um princípio básico do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), o conjunto de normas e costumes que tentam limitar, por razões humanitárias, os meios e métodos de combate das partes em conflito: o princípio da distinção. O artigo 48 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra define como uma regra fundamental para a proteção da população civil durante as hostilidades que “as Partes em conflito devem sempre fazer a distinção entre a população civil e os combatentes, assim como os bens de caráter civil e os objetivos militares”. Ao se misturar à população da Faixa de Gaza, utilizando indiscriminadamente instalações civis para fins militares, o Hamas borra propositalmente essa fronteira, impedindo, na prática, tal distinção pelos israelenses. É inegável que o Hamas deliberadamente coloca em risco, e de forma vil, a própria população palestina, seus bens e suas condições de subsistência.
Por outro lado, esse comportamento do Hamas não autoriza o Estado de Israel a utilizar quaisquer meios ou métodos de combate para alcançar seus objetivos militares. Existem outros princípios básicos do DICA que devem ser observados: humanidade, necessidade militar, proporcionalidade e limitação. Os casos de ataques a instalações como hospitais e escolas, em que houve reconhecidamente um elevado número de baixas de civis, suscitam críticas e questionamentos justos. Afinal, Israel não poderia ter escolhido outro meio ou método de combate para atingir seus objetivos militares naquelas situações, causando menos sofrimento aos não combatentes? E, sob o ponto de vista de seus próprios interesses políticos e estratégicos, ao optar pelas ações que alcançam de forma imediata seus objetivos táticos mas causam muitos danos colaterais, não estariam os israelenses obtendo uma vitória de curto prazo, mas plantando uma derrota no nível estratégico para o futuro?
O objetivo dos beligerantes, em qualquer guerra, é chegar a uma paz que lhes seja melhor do que aquela que existia antes do conflito. A vitória de Israel, no campo da Tática, é questão de tempo. Mas, a conquista dos objetivos militares é só uma parte da operação. Depois dela, virá a mais difícil: estabilizar a Faixa de Gaza e encontrar uma forma para que israelenses e palestinos convivam em harmonia. Só assim haverá uma paz melhor do que aquela de antes de 7 de outubro. Para que isso aconteça, será primordial que os meios e métodos de combate empregados por Israel não deixem um rastro de ódio que faça a vitória tática se transformar em uma derrota política.
UM ANO INTENSO NO ORIENTE MÉDIO
O ataque que matou Qassim Suleimani foi o ápice de uma escalada de tensões entre os dois países, que se desenrolaram ao longo dos dois anos anteriores. Em 2018, os Estados Unidos retiraram-se do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPA), acordo assinado em 2015 com o Irã, a Rússia, a China, o Reino Unido, a França e a Alemanha, sob a alegação de que os iranianos desrespeitavam os termos do acordo que havia sido celebrado justamente para regular a atividade nuclear iraniana. A partir de então os Estados Unidos intensificaram suas sanções econômicas contra o Irã, que, em retaliação, promoveu uma escalada das tensões no Golfo Pérsico, com uma série de ações militares de pequeno porte contra navios petroleiros de diferentes nacionalidades que passavam pelo Estreito de Ormuz e com ataques e ações de sabotagem contra alvos árabes e norte-americanos no Oriente Médio.
Em agosto e setembro os israelenses normalizaram as relações diplomáticas com os Emirados Árabes Unidos e com o Bahrein, por meio dos chamados Acordos de Abraão, para grande frustração dos palestinos. Assim, os dois países se juntaram ao Egito e à Jordânia, compondo um grupo de nações árabes que formalmente aceitam a presença de Israel como um igual no sistema internacional.
Esse movimento em prol da paz entre árabes e israelenses, que já foram à guerra em quatro oportunidades entre 1948 e 1973, foi uma vitória para a política externa norte-americana, uma vez que isola os iranianos, que veem os países do Golfo se aproximarem de seus inimigos israelenses. Mas, evidentemente, beneficia mutuamente tanto os países árabes quanto Israel.
As vantagens para os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein se concentram principalmente nas trocas comerciais e nas relações diplomáticas. Mas para a Arábia Saudita as vantagens vão muito além. São um xeque no xadrez geopolítico regional. Ao se aproximarem de Israel, os árabes passam a contar com um poderoso aliado regional contra o Irã, país com quem disputam a posição de liderança dentre os países islâmicos e contra os quais esse país atualmente trava uma guerra por procuração no Iêmen. Israel, por sua vez, sai de um isolamento regional que persiste há décadas, isola os palestinos e ganha aliados contra o inimigo Irã, além de novas oportunidades comerciais e mercados.
No último dia 22 de novembro, um domingo, mais um movimento de aproximação entre árabes e israelenses surpreendeu a região e o mundo. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, encontrou-se secretamente com o príncipe herdeiro e atual homem forte da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman. O encontro não foi confirmado por nenhum dos participantes, mas o pouco esforço para escondê-lo denota claramente a intenção de que ele se tornasse público.
Nos dias seguintes, 23 e 25 de novembro, a milícia houthi do Iêmen – facção apoiada pelo Irã na guerra civil daquele país – realizou ataques contra dois alvos na cidade costeira saudita de Jidá: um ataque com mísseis Quds-2 contra instalações da petroleira Aramco e outro que teve como alvo um petroleiro grego que carregava num terminal da mesma empresa.
Até que, na sexta-feira, dia 27, o principal cientista nuclear iraniano, Mohsen Fakhrizadeh, foi emboscado e morto na cidade de Absard, 70 km a leste de Teerã, mesmo estando acompanhado por vários guarda-costas. Imediatamente os iranianos acusaram israelenses e norte-americanos de serem os responsáveis pelo assassinato. Mohsen Fakhrizadeh era uma espécie de símbolo do programa nuclear iraniano. Apesar disso, é pouco provável que o assassinato de um único cientista tenha efeito significativo em retardar um programa que já está em andamento há vários anos.
Mas uma retaliação iraniana já foi anunciada e pode ser esperada. Ela poderá vir por intermédio de seus proxies, as milícias houthis ou o Hezbollah, em ações no Golfo Pérsico ou mesmo em atentados contra alvos israelenses ou norte-americanos em outras partes do mundo.
O próximo ano será definidor para os rumos geopolíticos do Oriente Médio. Israel, Arábia Saudita e Irã estarão muito atentos ao novo governo norte-americano, que prometeu na campanha eleitoral retornar ao JCPA. Esse movimento será decisivo para uma aproximação definitiva entre a Arábia Saudita e Israel, contra o Irã. No Golfo Pérsico, é provável que 2020 não termine em 31 de dezembro…
MUDANÇAS NA GEOPOLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO
Árabes e israelenses já foram à guerra várias vezes desde 1948, ano da criação de Israel. A recorrência dos conflitos armados e a chamada Questão Palestina mantiveram a rivalidade entre eles como a principal questão geopolítica do Oriente Médio na segunda metade do século 20 e no início deste século 21. Entretanto, acontecimentos recentes indicam que essa situação começa a mudar.
No intervalo de cerca de um mês, em acordos intermediados pelo governo norte-americano, que foram batizados de “Acordos de Abraão”, os governos de Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein celebraram tratados de normalização das relações diplomáticas entre os dois países árabes e Israel. As duas nações juntaram-se, dessa forma, ao grupo que até então era composto por apenas outros dois países: Egito e Jordânia, como nações árabes que mantém relações diplomáticas normais com os israelenses.
É evidente que um acordo desse tipo pode ser comemorado, afinal, é mais uma oportunidade para a paz na região. Além da troca de embaixadores, da ativação de voos diretos e da intensificação das trocas comerciais, há vários outros campos onde pode haver oportunidades de integração com benefícios mútuos, como turismo, agricultura, ensino e pesquisa, cultura, tecnologia, telecomunicações e muitos outros.
Mas, nem todos compartilham dessa opinião. Os mais insatisfeitos são os palestinos, que consideraram o acordo uma traição à sua causa. O ministro das relações exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, declarou que o acordo desconsiderava a decisão da Iniciativa Árabe para a Paz, segundo a qual a normalização das relações árabe-israelenses somente seria aceitável em troca do retorno das fronteiras à situação anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967, ou seja, com a desocupação israelense dos territórios ocupados na Cisjordânia e com a capital da Palestina em Jerusalém Oriental.
O fato de a Liga Árabe ter se recusado a condenar os acordos também frustrou os palestinos, porque indica que outros países do Golfo Pérsico, como Omã, ou mesmo a Arábia Saudita, podem, no futuro, tomar o mesmo caminho. Aliás, é certo que os Emirados Árabes Unidos e o Barein só decidiram por aceitar o acordo com Israel por contarem com a anuência da Arábia Saudita, potência regional com muita influência sobre os governos de ambos os países.
O Irã também declarou forte contrariedade, chamando os Acordos de Abraão de “ato vergonhoso que permanecerá para sempre na memória dos palestinos e das nações livres do mundo”. Gigante regional não árabe, cuja maioria da população é persa, o Irã trava uma guerra por procuração contra a Arábia Saudita no Iêmen desde 2015, apoiando a milícia xiita Houthi contra o governo iemenita que, por sua vez, é apoiado pelos sauditas. Além disso, a assertividade iraniana na região, caracterizada pelo apoio ao governo xiita do Iraque, ao governo do Catar, ao grupo Hezbollah, no Líbano, ao governo de Bashar al Assad, na Síria, ao Hamas, na Faixa de Gaza, bem como à diversas milícias regionais xiitas, é motivo de desconfiança da parte dos sauditas, que veem sua posição de liderança no mundo árabe cada vez mais ameaçada.
Assim, fica claro que a disputa entre Arábia Saudita e Irã pela liderança regional contribuiu, com grande peso, para que os acordos acontecessem. Do ponto de vista dos sauditas, contar com o apoio político, militar e de inteligência, mesmo que velado, dos israelenses, pode ser decisivo.
Os israelenses, por sua vez, ao se aproximarem dos sauditas, obtêm uma grande vitória geopolítica, pois tiram do centro do palco a questão palestina e empurram para a ribalta a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, que passa a ser considerada, pela comunidade internacional e, principalmente, pelos países da região, o principal problema de segurança do Oriente Médio.
Os palestinos sentiram imediatamente o enfraquecimento do apoio árabe à sua causa. A normalização das relações diplomáticas entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein serviu de estímulo para que as duas facções palestinas rivais, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, buscassem um entendimento. Em uma reunião realizada em Istambul, na Turquia, seus representantes decidiram realizar eleições nos territórios palestinos em um prazo de seis meses, para escolha do presidente da Autoridade Palestina, bem como dos integrantes do legislativo e do Comitê Central da Organização para a Libertação da Palestina. Trata-se de uma tentativa de se buscar o consenso no âmbito dos próprios palestinos, que depois de mais de uma década de disputas internas, veem sua causa enfraquecida.
O Oriente Médio passa por aceleradas transformações, com os atores regionais ganhando cada vez mais proeminência. O frágil equilíbrio geopolítico regional, construído com base nas linhas fronteiriças desenhadas pelas potências europeias, está sendo desafiado. Sua reconstrução, em bases diferentes, não será fácil.