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Mais uma crise na Terra Santa

Após semanas de uma escalada de tensões, está em andamento a mais grave crise envolvendo israelenses e palestinos, desde 2014.

O mundo acompanha pela imprensa e pela internet a pirotecnia das cenas de explosões de foguetes lançados pelo Hamas contra diversas cidades israelenses e dos bombardeios aéreos e de artilharia das Forças de Defesa Israelenses à Faixa de Gaza. As vítimas civis já podem ser contadas nas casas das centenas. Além das ações no campo militar, a disputa pela conquista de apoios, simpatias ou aliados é travada com ferocidade, de parte a parte, e as pessoas que observam de longe se veem em meio ao fogo cruzado da guerra de narrativas, expostos que estão a análises sérias, mas também à pura propaganda, muitas vezes sem condições de diferenciar uma da outra.

Os acontecimentos que culminaram com o violento conflito atual têm como causa imediata a ordem judicial de despejo de famílias palestinas que moram no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, e também os incidentes que ocorreram nas cercanias do Monte do Templo e da Mesquita de Al-Aqsa, no mesmo bairro.

As tensões entre judeus e palestinos, dentro do território israelense, já estavam mais altas do que o normal há algumas semanas, em razão da “intifada do TikTok”, em que vídeos com jovens israelenses árabes agredindo jovens israelenses judeus ortodoxos viralizaram no aplicativo. Esses conflitos internos, entre os próprios cidadãos de Israel, que inclusive se intensificaram e ocorreram em diferentes cidades ao longo da semana, são pouco comuns, e não ocorreram com essa intensidade marcante em outros momentos de conflito entre israelenses e palestinos.

O calendário deste ano aproximou duas datas móveis importantes para muçulmanos e judeus. Dia 08 de maio, os islâmicos comemoraram o início da revelação do Alcorão pelo anjo Gabriel a Maomé, a chamada Noite do Poder, não só a mais importante data do Ramadã, mas de todo o calendário da fé islâmica. Por outro lado, os judeus se preparavam para comemorar o “Dia de Jerusalém”, no dia 10, data em que eles rememoram o que consideram ser a reunificação da cidade, ocorrida com a conquista da porção oriental de Jerusalém na Guerra dos Seis dias, em 1967. Os grupos se encontraram no lugar que é sagrado para ambos, em Jerusalém Oriental, e o confronto foi inevitável.

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Autor – James L. Gelvin

Os ânimos acirrados pela série de acontecimentos recentes acabaram em violentos confrontos entre policiais israelenses e palestinos, ocorridos nas cercanias do Monte do Templo e da Mesquita sagrada de Al-Aqsa, o que enfureceu os muçulmanos israelenses e palestinos. Assim, na segunda-feira, dia 10, o Hamas emitiu um inédito ultimato aos israelenses, informando que, caso a polícia não se retirasse das redondezas da Mesquita de Al-Aqsa e do bairro de Sheikh Jarrah até as 18h, agiriam em represália. Os israelenses não retiraram a polícia e os palestinos iniciaram o lançamento de foguetes a partir de 18:05h. Um fato importante a se destacar é que os palestinos lançaram seus foguetes contra a capital de Israel, Tel Aviv, ação que eles vinham evitando nos últimos anos. E bombardearam Jerusalém, cidade sagrada para judeus e para muçulmanos, pela primeira vez na história.

Tudo isso acontece em meio a uma crise política que ocorre simultaneamente, tanto em Israel quanto nos territórios palestinos. O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu falhou em sua tentativa de estabelecer um governo de coalizão após a 4ª eleição em apenas dois anos. Ele enfrenta baixos índices de popularidade e seu governo, neste momento, carece da legitimidade do mandato popular.

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Ao mesmo tempo, o presidente palestino Mahmoud Abbas acaba de cancelar as eleições presidenciais que estavam previstas – as primeiras desde 2006 – após perceber que seu partido, o Fatah, estava indo mal nas pesquisas eleitorais. Com os dois líderes precisando amentar suas popularidades, o risco de que eles possam tomar decisões mais duras, ou precipitadas, passa a ser mais alto. Isso é especialmente verdadeiro em relação à Israel, onde o líder oposicionista Yair Lapid estava tentando montar o governo com o apoio da extrema direita nacionalista, que havia abandonado Netanyahu, e também dos partidos árabes, uma tentativa inédita. Com a escalada das tensões esse movimento se inviabilizará, com claros benefícios para Netanyahu.

Os conflitos entre os israelenses e os Estados árabes, que já os levaram à guerra em quatro oportunidades, arrefeceram nos últimos anos, inclusive com a celebração, no ano passado, dos chamados Acordos de Abraão, entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que se uniram a Egito e Jordânia, aumentando o número de países árabes que mantém relações normais com Israel.

Entretanto, como essa crise mais uma vez comprova, as relações entre israelenses e palestinos não lograram conquistar praticamente nenhum avanço. Construir um ambiente de confiança mútua que proporcione a paz e uma solução definitiva para o conflito não parece ser um objetivo próximo de ser alcançado.




MUDANÇAS NA GEOPOLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO

Árabes e israelenses já foram à guerra várias vezes desde 1948, ano da criação de Israel. A recorrência dos conflitos armados e a chamada Questão Palestina mantiveram a rivalidade entre eles como a principal questão geopolítica do Oriente Médio na segunda metade do século 20 e no início deste século 21. Entretanto, acontecimentos recentes indicam que essa situação começa a mudar.

No intervalo de cerca de um mês, em acordos intermediados pelo governo norte-americano, que foram batizados de “Acordos de Abraão”, os governos de Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein celebraram tratados de normalização das relações diplomáticas entre os dois países árabes e Israel. As duas nações juntaram-se, dessa forma, ao grupo que até então era composto por apenas outros dois países: Egito e Jordânia, como nações árabes que mantém relações diplomáticas normais com os israelenses.

É evidente que um acordo desse tipo pode ser comemorado, afinal, é mais uma oportunidade para a paz na região. Além da troca de embaixadores, da ativação de voos diretos e da intensificação das trocas comerciais, há vários outros campos onde pode haver oportunidades de integração com benefícios mútuos, como turismo, agricultura, ensino e pesquisa, cultura, tecnologia, telecomunicações e muitos outros.

Mas, nem todos compartilham dessa opinião. Os mais insatisfeitos são os palestinos, que consideraram o acordo uma traição à sua causa. O ministro das relações exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, declarou que o acordo desconsiderava a decisão da Iniciativa Árabe para a Paz, segundo a qual a normalização das relações árabe-israelenses somente seria aceitável em troca do retorno das fronteiras à situação anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967, ou seja, com a desocupação israelense dos territórios ocupados na Cisjordânia e com a capital da Palestina em Jerusalém Oriental.

O fato de a Liga Árabe ter se recusado a condenar os acordos também frustrou os palestinos, porque indica que outros países do Golfo Pérsico, como Omã, ou mesmo a Arábia Saudita, podem, no futuro, tomar o mesmo caminho. Aliás, é certo que os Emirados Árabes Unidos e o Barein só decidiram por aceitar o acordo com Israel por contarem com a anuência da Arábia Saudita, potência regional com muita influência sobre os governos de ambos os países.

O Irã também declarou forte contrariedade, chamando os Acordos de Abraão de “ato vergonhoso que permanecerá para sempre na memória dos palestinos e das nações livres do mundo”. Gigante regional não árabe, cuja maioria da população é persa, o Irã trava uma guerra por procuração contra a Arábia Saudita no Iêmen desde 2015, apoiando a milícia xiita Houthi contra o governo iemenita que, por sua vez, é apoiado pelos sauditas. Além disso, a assertividade iraniana na região, caracterizada pelo apoio ao governo xiita do Iraque, ao governo do Catar, ao grupo Hezbollah, no Líbano, ao governo de Bashar al Assad, na Síria, ao Hamas, na Faixa de Gaza, bem como à diversas milícias regionais xiitas, é motivo de desconfiança da parte dos sauditas, que veem sua posição de liderança no mundo árabe cada vez mais ameaçada.

Assim, fica claro que a disputa entre Arábia Saudita e Irã pela liderança regional contribuiu, com grande peso, para que os acordos acontecessem. Do ponto de vista dos sauditas, contar com o apoio político, militar e de inteligência, mesmo que velado, dos israelenses, pode ser decisivo.

Os israelenses, por sua vez, ao se aproximarem dos sauditas, obtêm uma grande vitória geopolítica, pois tiram do centro do palco a questão palestina e empurram para a ribalta a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, que passa a ser considerada, pela comunidade internacional e, principalmente, pelos países da região, o principal problema de segurança do Oriente Médio.

Os palestinos sentiram imediatamente o enfraquecimento do apoio árabe à sua causa. A normalização das relações diplomáticas entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Barein serviu de estímulo para que as duas facções palestinas rivais, o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, buscassem um entendimento. Em uma reunião realizada em Istambul, na Turquia, seus representantes decidiram realizar eleições nos territórios palestinos em um prazo de seis meses, para escolha do presidente da Autoridade Palestina, bem como dos integrantes do legislativo e do Comitê Central da Organização para a Libertação da Palestina. Trata-se de uma tentativa de se buscar o consenso no âmbito dos próprios palestinos, que depois de mais de uma década de disputas internas, veem sua causa enfraquecida.

O Oriente Médio passa por aceleradas transformações, com os atores regionais ganhando cada vez mais proeminência. O frágil equilíbrio geopolítico regional, construído com base nas linhas fronteiriças desenhadas pelas potências europeias, está sendo desafiado. Sua reconstrução, em bases diferentes, não será fácil.