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Vinte anos dos ataques de Onze de Setembro de 2001 aos Estados Unidos da América

Para quem tem mais de trinta anos, 11 de setembro de 2001 é um dia inesquecível. Poucos são os eventos não relacionados às nossas vidas pessoais que ficam gravados na nossa memória de tal forma que nos lembramos exatamente do que estávamos fazendo quando recebemos a notícia. No meu caso há pessoal, apenas dois eventos desse tipo: a morte de Ayrton Senna e os atentados que hoje completam vinte anos.

O impacto foi tamanho em razão dos 2.977 mortos, de 77 nacionalidades diferentes (inclusive 5 brasileiros) e cerca de 6 mil feridos, dos gigantescos prejuízos financeiros, da surpresa, do ineditismo, e porque, mesmo intuitivamente, as pessoas sabiam que a partir daquele momento, o mundo seria outro.

Afinal, os Estados Unidos da América eram, à época, a única superpotência do planeta. Vivia-se a época da unipolaridade. A guerra fria havia terminado, e o vencedor, os EUA, eram indiscutivelmente a maior potência econômica, militar, cultural e tecnológica do planeta. E, apesar disso, os EUA tinham sofrido um ataque em seu próprio território apenas pela segunda vez na história. O primeiro, em 7 de dezembro de 1941, à Base de Pearl Harbor, tinha levado o país à 2ª Guerra Mundial. O segundo, levou o país à “Guerra ao Terror”.

A máquina militar norte-americana, que sempre teve a chamada guerra convencional, ou conflito de alta intensidade, como sua primeira prioridade de emprego, a partir daquele momento passava a se dedicar a outro tipo de conflito, de baixa intensidade, prolongado, de resultados muito mais dificilmente mensuráveis: o combate ao terrorismo, muito especialmente à Rede Al Qaeda de Osama bin Laden, responsável pelos ataques de 11 de setembro.

Assim, quase imediatamente, os EUA invadiam o Afeganistão. O grupo extremista Talibã, que governava o país e permitia que a Al Qaeda operasse a partir do seu território, foi deposto. Osama fugiu de seu complexo de Comando e Controle localizado nas montanhas de Tora Bora, fronteira com o Paquistão, para ser encontrado e morto por um grupo de Forças Especiais norte-americano somente em maio de 2011, no Paquistão.

Após a invasão do Afeganistão, que recebeu o apoio da comunidade internacional e da ONU, os EUA decidiram, também no contexto da Guerra ao Terror, invadir o Iraque e derrubar o ditador Saddam Hussein, sob o pretexto de que o país produzia armas químicas de “destruição em massa”. A comunidade internacional, neste caso, não apoiou a invasão, mas os EUA a efetivaram mesmo assim, derrubando o regime iraquiano.

Nos dois casos, Afeganistão e Iraque, a queda dos governos inimigos não significou o fim da guerra e o retorno dos soldados norte-americanos ao seu país. Seguiu-se a tentativa de implantação de regimes democráticos, de modelo ocidental. Essa tentativa de state building[1] encontra amparo em um pensamento ocidental de característica missionária, descrito, dentre muitos outros, da seguinte forma por Samuel Huntington.

O Ocidente – e em especial os EUA, que sempre foram uma nação missionária – está convencido de que os povos não-ocidentais deviam se dedicar aos valores Ocidentais de democracia, mercados livres, governos limitados, direitos humanos, individualismo e império da lei, e que deveriam incorporar esses valores às suas Instituições.[2]

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Autor – Samuel Huntington

Neste aniversário de vinte anos dos atentados é desnecessário lembrar que, tanto no Iraque quanto no Afeganistão, os EUA fracassaram em sua tentativa de implementar regimes de corte ocidental. No primeiro, que assistiu no pós-guerra o nascimento do grupo terrorista Estado Islâmico, o governo se equilibra precariamente entre as tensões entre grupos sunitas, xiitas e curdos. No segundo, o Talibã está exatamente no mesmo lugar em que estava em 11 de setembro de 2001.

As falhas de segurança que permitiram a ação da Al Qaeda foram esquadrinhadas, e os EUA modificaram suas leis e ampliaram significativamente a estrutura de inteligência. A Agência Nacional de Segurança (NSA), a CIA e as demais agências de inteligência passaram a contar com ampla liberdade de ação. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, poderia ser alvo das agências e ter sua vida monitorada. A relativização da privacidade é uma das consequências do 11 de Setembro. As prisões arbitrárias de pessoas acusadas de terrorismo, mantidas encarceradas sem julgamento, e a divulgação das imagens do tratamento desumano dispensado aos presos da prisão de Abu Ghraib, no Iraque, abalaram a imagem dos EUA, tanto no exterior quanto junto à sua própria opinião pública, tornando a guerra impopular e contribuindo significativamente para o fim das operações em ambos os países.

Ao chegar ao aniversário de 20 anos dos atentados tendo se retirado completamente do Afeganistão, os EUA viram uma página dolorosa de sua história e, dessa forma, podem se concentrar nos desafios que não existiam à época, mas que hoje conformam o tabuleiro geopolítico mundial.

A China, que em 2001 ainda era a 7ª economia do mundo, passou a ser um desafiante de muito peso, capaz de rivalizar com os EUA em todos os campos do poder e de ameaçar os interesses norte-americanos, especialmente no Pacífico. A Rússia, que em 2001 ensaiava uma aproximação do Ocidente, após a invasão da Ucrânia e da anexação da Crimeia, voltou a ser o principal antagonista da OTAN e a almejar um protagonismo em sua esfera de influência.

Assim, creio que se os EUA forem capazes de evitar um novo atentado de proporções semelhantes ao 11 de setembro, dificilmente veremos aquele país voltar a se engajar em guerras como a do Afeganistão e a do Iraque. Eles agora têm outras ameaças, talvez ainda maiores, com que se preocupar.

[1] Construção de Estado

[2] Huntington, Samuel. O Choque das Civilizações. p.228. Ed Objetiva. 1996

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Terrorismo em Moçambique

Tropas das Forças Especiais do Exército da África do Sul e militares de Botsuana desembarcaram em Moçambique no último dia 19, para auxiliar no combate aos insurgentes do grupo terrorista Ansar al-Sunna, responsável por mergulhar a região de Cabo Delgado, no nordeste do país, em uma espiral de violência. O grupo terrorista ataca aldeias, escolas e hospitais, já tendo causado cerca de 3 mil mortes e a fuga em massa de cerca de 732 mil pessoas[1] que hoje estão desabrigadas e em situação muito precária.

O desdobramento das forças ocorreu em razão de uma decisão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (CDAA), a comunidade de países do sul da África. Os soldados sul-africanos e botsuaneses, neste primeiro momento, devem cumprir missões de inteligência, reconhecimento e assessoria aos seus pares moçambicanos, preparando o terreno para um futuro desdobramento de uma brigada com cerca de três mil militares das forças de contingência da CDAA. Outros militares estrangeiros que estão em Moçambique são os ruandenses que, inclusive, já se engajaram em combates contra os insurgentes. A presença de forças armadas estrangeiras em território moçambicano atesta de forma cabal a incapacidade do país de, por seus próprios meios, encontrar uma solução para a crise.

O grupo terrorista Ansar al-Sunna foi criado em 2015, sob forte influência da corrente ortodoxa e ultraconservadora islâmica salafista, advogando a “purificação” do Islã pela negação das práticas sufistas, predominantes no islamismo praticado em Moçambique. As tensões entre salafistas e sufistas foram crescendo até que, em 2017, já sob influência de clérigos estrangeiros e de outros grupos, como o Daesh e o Al-Shabbab da Somália, os militantes do Ansar al-Sunna passaram a pregar a adoção da lei islâmica (Sharia) em Cabo Delgado e a se recusar a seguir as leis moçambicanas, consideradas anti-islâmicas.

Em 2020, as ações violentas se intensificaram. No dia 23 de março, a cidade de Mocimboa da Praia foi capturada pelos jihadistas. Nos meses seguintes, até os dias atuais, diversos ataques a vilarejos causaram o assassinato dos civis que se recusaram a se unir ao grupo. As ações das forças governamentais de Moçambique também se intensificaram e os combates recrudesceram na região. Milhares de civis fugiram em direção ao sul do país, em uma gravíssima crise humanitária.

Tudo isso ocorre em uma região com riquíssimas reservas minerais, como petróleo, ouro, rubis, mármore e, muito especialmente, gás natural. Em relação a este último, existem três grandes projetos de exploração: o Moçambique Gás Natural, liderado pela empresa francesa Total Energia, que paralisou suas operações em razão da crise; o Coral Gás Natural, das empresas ENI (italiana) e Exxon-Mobil (norte-americana); e o Rovuma Gás Natural, onde a chinesa CNPC se juntou à ENI e à Exxon-Mobil. A presença dessas empresas, com seus grandes investimentos, reforça o interesse mundial e o caráter geopolítico da crise, uma vez que há diversos governos estrangeiros atentos aos acontecimentos em Cabo Delgado.

A insurgência em Moçambique desperta temores de que a região se torne a próxima fronteira do jihadismo na África. Mas a explicação puramente religiosa para a radicalização dos jovens que aderem ao terrorismo é insuficiente. Se é verdade que as lideranças são formadas por radicais islâmicos, a grande maioria dos recrutados é composta por pessoas desesperançadas, marginalizadas do usufruto das riquezas geradas pela exploração dos recursos minerais da região.

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Em iniciativa liderada por Portugal, a União Europeia (UE) iniciou no último dia 30 de junho uma “ponte aérea humanitária”, como o envio de três voos com equipamento e suprimentos de ajuda humanitária. A UE também decidiu enviar uma missão militar de treinamento, que será liderada por um general português. Nesse sentido, Portugal também enviará, em entendimento bilateral com Moçambique, 60 militares em uma missão de treinamento de soldados moçambicanos. Os EUA também enviaram ajuda financeira para recuperação de infraestruturas destruídas pelos terroristas, por meio de sua Agência para Desenvolvimento Internacional – USAID.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), fórum que reúne Brasil e Moçambique, além de Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, manifestou-se timidamente até o momento. No documento de encerramento[2] da 13ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo, divulgado no último dia 17 de julho, ficou registrado que os países da CPLP repudiam as ações terroristas, manifestam sua consternação pela violência infligida à população e solidarizaram-se com as autoridades moçambicanas em seus apelos por convergência de apoio internacional.

A situação em Moçambique é grave, tanto em razão das mortes, já contadas aos milhares, quanto em razão da grave crise humanitária dos deslocados. Além disso, pode espalhar pela África Austral um problema até então pouco comum naquela porção do continente africano: o terrorismo islâmico. O Brasil, eleito membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o biênio 2022/23, poderá, naquele fórum, ser um importante agente catalisador da ação internacional de colaboração com Moçambique no enfrentamento dessa gravíssima questão.

[1] Disponível em https://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=9209&M=NewsV2&PID=10872

[2] Fonte – Escritório da ONU para coordenação de assuntos humanitários. Disponível em https://reports.unocha.org/en/country/mozambique




A FRANÇA EM LUTO

A morte do professor francês Samuel Paty, decapitado por Abdullakh Anzorov, refugiado de origem russa/chechena de 18 anos de idade, no último dia 16 de outubro, em Conflans-Sainte-Honorine, nas proximidades de Paris, chocou os franceses e a comunidade internacional. O assassino, morto pela polícia, deixou gravada em áudio a explicação do assassinato. O professor teria desrespeitado Maomé ao mostrar caricaturas (publicadas na revista Charlie Hebdo) do profeta aos seus alunos, em sala de aula.

O assassinato é apenas o mais recente de uma série de atentados terroristas na França, que se intensificaram a partir de 2012 e são feitos com alguma regularidade desde então, vitimando fatalmente até agora cerca de 260 pessoas. O ponto comum que une todos esses atentados é que eles foram perpetrados por terroristas que se apresentam como islâmicos.

As causas do terrorismo e a melhor maneira de evitá-lo estão em debate no país. A França é a nação da Europa ocidental que abriga a maior comunidade islâmica. São cerca de 6 milhões de pessoas, um pouco menos de 10% da população. Estima-se que metade desse contingente seja nascida na França ou naturalizada francesa. A integração desses cidadãos ao restante da sociedade francesa, que de maneira geral se orgulha do secularismo e da laicidade da República, não está ocorrendo de forma fácil.

Um exemplo do estranhamento é a polêmica que envolve a proibição do uso dos diversos tipos de véus islâmicos pelas mulheres. A pandemia, aliás, criou uma situação, no mínimo, inusitada. Simultaneamente, duas normas vigoraram. A primeira, existente desde 2010, proíbe o uso de véu no metrô, enquanto a segunda, de maio deste ano, obriga ao uso de máscaras na utilização desse transporte público. É evidente que a aparente contradição entre as normas é explorada pela comunidade islâmica, que considera a proibição do véu uma demonstração de islamofobia.

As divergências quanto a como enfrentar o terrorismo são bem representadas pelo debate entre dois influentes pensadores, onipresentes na mídia daquele país: Gilles Kepel e Olivier Roy. Para o primeiro, a “radicalização do islã” seria o problema. Para o segundo, o que acontece é uma “islamização do radicalismo”. Assim, a depender do analista, a raiz do problema seria, sob o primeiro ponto de vista, o islã radical. Sob o segundo ponto de vista, a radicalização apresenta-se em setores da sociedade francesa.

Kepel tem defendido o ponto de vista de que nos bairros populares dos subúrbios de Paris e de outras cidades francesas se criou um ambiente em que escolas, creches, comércio, enfim, todo o espaço de convivência funciona conforme os costumes islâmicos. Nesse ambiente, jovens muçulmanos estariam expostos e acostumados a uma “atmosfera jihadista”, multiplicada e espalhada também pela internet. Assim, ao deparar-se com o laicismo do restante da sociedade francesa, haveria um choque cultural/religioso insuportável para os muçulmanos radicalizados, que partiriam para os atentados terroristas.

Já Roy entende que o problema tem origem diferente. Ele considera que a radicalização se dá em curto espaço de tempo, especialmente entre imigrantes de segunda geração, que moram sozinhos ou com os irmãos e amigos e geralmente têm um conhecimento muito superficial do islamismo. Nesse sentido, a islamização não seria a causa da radicalização, mas sim uma escolha feita por pessoas já radicalizadas. Diferentemente de Kepel, Roy enxerga não um ódio à sociedade ocidental, mas um ódio a qualquer sociedade. Ele traça um paralelo com o atentado de Columbine, nos Estados Unidos, no qual não houve motivação religiosa, e lembra que há muitos ataques terroristas também nos próprios países islâmicos, como no Paquistão, no Afeganistão e até mesmo na Arábia Saudita. Destaca que a maioria dos terroristas espera morrer, ou no próprio ataque suicida ou em confronto com a polícia, imediatamente após o atentado. A motivação, portanto, seria simplesmente o ódio e a busca por uma estética narcisista da morte.

A reação francesa, vocalizada pelo presidente Emmanuel Macron, vai na direção de endurecer as medidas contra o que ele identifica como sendo um separatismo islâmico crescente no país. Além do reforço de ações na área de segurança, há um projeto de lei em preparação que buscará reforçar o laicismo e consolidar os princípios republicanos na França, aumentar o controle sobre o financiamento das mesquitas e proibir que os imãs se formem no exterior. O anúncio dessas medidas causou forte descontentamento na comunidade islâmica e severas críticas do presidente turco, Recep Erdogan, que declarou que Macron deveria passar por um “exame de saúde mental” pela forma como trata os muçulmanos.

É evidente que todo esse ambiente acirra as tensões sociais na França e serve de fermento para radicalismos de vários espectros ideológicos. A paz social está cada vez mais ameaçada e me parece que o primeiro objetivo para alcançá-la deveria ser o de se identificar corretamente as causas do problema.