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Xi Jinping e Putin se encontram em Moscou

O presidente da China, Xi Jinping viajou à Rússia, onde se encontrou com o presidente Vladimir Putin, pela quadragésima vez desde que se tornou presidente, em 2013. Tendo sido seu primeiro destino depois de assumir seu terceiro mandato, foi um encontro muito significativo, especialmente por ocorrer em meio à invasão russa à Ucrânia. Até por isso, foi um movimento criticado no Ocidente, onde vozes europeias e norte-americanas denunciaram a visita como uma demonstração explícita do apoio chinês à Rússia.

No documento conjunto[1] divulgado após o encontro, Xi e Putin reafirmaram a solidez da parceria entre os dois países, afirmando que “as relações russo-chinesas […] atingiram o nível mais alto de sua história e continuam a se desenvolver de forma constante”. Os dois países declararam não constituírem uma aliança político-militar nos moldes da Guerra Fria, mas uma “forma superior” de interação estatal, que não se dirige contra terceiros países. Disseram notar a grande velocidade das transformações em curso no mundo, que estaria rumando aceleradamente para um modelo multipolar, em que potências regionais teriam o legítimo direito de defender seus interesses. Para os dois líderes, entretanto, manifestações de hegemonismo, unilateralismo e protecionismo ainda seriam generalizadas no sistema internacional, em uma afirmação claramente endereçada aos EUA.

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Os dois presidentes concordaram em fornecer apoio mútuo na proteção dos interesses fundamentais de cada um de seus Estados, principalmente soberania, integridade territorial, segurança e desenvolvimento; reafirmaram o interesse em aprofundar e expandir a cooperação no processo de modernização de seus países e declararam trabalhar para promover “uma ordem mundial multipolar, a globalização econômica e a democratização das relações internacionais”, para o desenvolvimento de uma “governança global de forma mais equitativa e racional”.

Novamente tendo os EUA como alvo, o documento informa que China e Rússia “se opõem à que um Estado imponha os seus valores a outros Estados, traçando linhas ideológicas, criando uma falsa narrativa sobre o chamado confronto entre democracias e autocracias, usando a democracia e a liberdade como pretexto e instrumento político para pressionar outros Estados” e que “cada Estado tem o direito de escolher independentemente o caminho do desenvolvimento no campo dos direitos humanos”, opondo-se a interferência de forças externas em assuntos internos.

Foram fechados diversos acordos, além de promessas de maior integração nas áreas de Defesa, do comércio bilateral, do setor financeiro, apoiando a expansão do uso de moedas nacionais em suas trocas comerciais, dos setores de energia, indústria, espacial, educacional, cultural e da ciência e tecnologia. As duas partes concordaram ainda em prover a integração entre a União Econômica da Eurásia e a Iniciativa Cinturão e Rota, ou One Belt, one Road.

Em relação à segurança internacional, Putin e Xi Jinping disseram que nenhum Estado deve garantir sua segurança em detrimento da segurança de outro Estado. Essa afirmação se coaduna perfeitamente com a retórica de Putin em relação à ameaça que a aproximação da OTAN das fronteiras russas representaria ao seu país. Os dois líderes também expressaram séria preocupação com a parceria trilateral AUKUS (Austrália – Reino Unido – EUA, para fornecimento de submarinos de propulsão nuclear à Austrália), a qual acusaram de ameaçar a estabilidade estratégica na região do Indo-Pacífico.

Tendo Xi Jinping chegado à Moscou após ter divulgado seu plano de doze pontos para a celebração da paz entre Rússia e China, havia expectativa de que ocorresse algum anúncio nessa direção. Entretanto, a visita não trouxe nenhuma contribuição efetiva para a paz. Anunciou-se entretanto, que o presidente Xi Jinping pretende conversar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky sobre sua proposta para o fim das hostilidades.

Durante a visita houve ainda um episódio muito representativo do atual momento de transformações geopolíticas. Ao se despedirem de uma das reuniões, antes de entrar no carro, em frente aos repórteres, Xi disse a Putin que o mundo está vivendo um momento de mudanças, como não se vê há cem anos, e que são eles próprios, os dois líderes, que as estão promovendo. Putin respondeu, concordando. Ao afirmar isso perante as câmeras, Xi assume o protagonismo chinês e concede aos russos um papel relevante no processo de transição em curso no ambiente internacional, rumo a um mundo multipolar, mesmo que o papel da Rússia nessa transformação esteja sendo desempenhado preponderantemente pelo uso do poder militar, em uma guerra de conquista de territórios que contraria princípios basilares do direito internacional.

A viagem de Xi Jinping à Rússia não deixa margem para dúvida acerca do alinhamento das duas nações, acima de qualquer outra relação bilateral que ambos os países possam ter, em claro desafio aos EUA e ao Ocidente que tentam isolar a Rússia. A China, entretanto, redobra a aposta no relacionamento com aquele país. O cálculo chinês passa pela convicção de que um futuro confronto com os EUA no campo militar, se não é uma certeza, é uma possibilidade. E, nesse caso, a China precisará contar com o valioso apoio russo nos campos militar e tecnológico, bem como de seus valiosos estoques de energia.

[1] http://kremlin.ru/supplement/5920

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Para onde vai a China de Xi Jinping?

Encerrado o 20º Congresso do Partido Comunista da China, o que era esperado aconteceu: Xi Jinping foi confirmado para um inédito terceiro mandato como Presidente da República, acumulando os cargos de Secretário-Geral do Partido e Presidente do Comitê Central Militar. Xi ficará no poder por mais, no mínimo, 5 anos. Será o líder, depois de Mao Zedong, que por mais tempo liderará a China comunista.

O êxito de Xi Jinping no congresso foi completo. Ao mesmo tempo que assegurou sua permanência no poder, configurou as mais importantes instâncias decisórias do partido – e consequentemente do próprio Estado chinês – à sua imagem e semelhança.

Xi passa a ser o líder mais poderoso desde Mao Zedong. Mao era chamado de “o grande timoneiro”, ou simplesmente de “o líder”. Esses títulos já não eram mais aplicados aos presidentes chineses, desde Deng Xiaoping. Mas o culto à personalidade retornou com força. Não é incomum encontrar referências a Xi como “o líder do povo”, “núcleo do partido”, ou outros títulos dessa natureza.

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Paulatinamente, ao longo dos seus dez primeiros anos no poder, Xi Jinping foi modificando o estilo de liderança colegiada de seus antecessores, especialmente de Hu Jintao, para um estilo centralizador, no qual ele passou a ter a palavra final sobre praticamente todos os assuntos relevantes. Xi afastou as possíveis dissidências e lideranças que lhe pudessem fazer sombra. Li Keqiang, Primeiro-Ministro e chefe do governo, e Wang Yang, membro do Comitê Permanente do Politburo, instância máxima de decisão do Partido, foram afastados do poder na eleição realizada no 20º Congresso. Isso aconteceu mesmo sem nenhum dos dois ter completado a idade de 68 anos, que por uma regra não escrita, balizaria a idade da aposentadoria dos próceres do partido. Na direção contrária, os líderes leais a Xi foram mantidos, como Zhang Youxia, do Comitê Central Militar, já com 72 anos, ou promovidos, como Li Qiang, secretário do partido em Xangai, que passará a ocupar a posição que pertencia a Keqiang. Li Qiang é conhecido por implantar o duro lockdown da COVID-19 em Xangai, que trouxe repercussões bastante negativas na economia. Sua promoção mostra que a lealdade a Xi importa mais do que a competência na governança econômica.

Houve ainda o episódio da retirada de ex-presidente Hu Jintao do plenário do Congresso, visivelmente contra sua própria vontade, em meio aos trabalhos e em frente às câmeras da imprensa de todo o mundo. Especula-se que Hu estaria insatisfeito com o afastamento das lideranças que lhe eram próximas e, embora o episódio não tenha sido bem explicado, a forma com que Hu foi retirado do plenário deixou claro para todos na China – e no mundo – que há apenas uma liderança no Partido Comunista e no país: Xi Jinping.

Ao mesmo tempo em que concentra o poder político, Xi Jinping vai alterando os rumos do país na economia, com a iniciativa privada cada vez mais submetida ao controle do Estado. O progresso econômico chinês, obtido nos últimos 44 anos, desde o início das reformas e da abertura do país, por Deng Xiaoping, e mantida por Jiang Zemin e Hu Jintao, foi obtido dentro das regras de uma ordem internacional liderada pelos Estados Unidos. Xi acredita que está na hora de incentivar um desenvolvimento sob novas bases, em uma ordem ditada conforme os interesses chineses. Na prática, significa que os ditames políticos serão considerados pelo governo chinês prioritariamente em relação às universais leis econômicas da oferta e da demanda. Um bom exemplo é a ênfase que o governo chinês passou a dar ao mercado interno, buscando uma autossuficiência que lhe permita, por exemplo, enfrentar embargos econômicos como os que a guerra da Ucrânia causou à Rússia. Nesse sentido, em seu discurso no 20º Congresso, Xi enfatizou a necessidade de autonomia tecnológica para que o país consiga manter seu desenvolvimento a despeito de embargos comerciais, como os atualmente impostos pelos EUA à China na área de semicondutores e chips de alta tecnologia.

Os relatórios dos secretários-gerais do Partido Comunista da China nos congressos do partido são documentos definidores do futuro do partido e, em consequência, da China. Nesse sentido, vale a pena prestar atenção na quantidade de vezes que certos termos apareceram no texto lido por Xi Jinping. A expressão “segurança nacional”, por exemplo, apareceu apenas uma vez no relatório de 1992; 4 vezes em 2012; 18 vezes em 2017 e 27 vezes em 2022. A expressão em chinês para “Estado poderoso” (qiangguo) aparece 23 vezes no documento deste ano, contra 19 em 2017 e apenas 2 vezes em 2002. É evidente que o partido está muito mais preocupado com a segurança nacional.

Nesse sentido, Xi Jinping coloca a questão de Taiwan com clareza. A reunificação completa da China é, para o Partido Comunista, uma “missão histórica e um compromisso inabalável”. A reunificação pacífica é preferível, mas Xi não abrirá mão de usar o poder militar para atingir esse objetivo.

Ao término do congresso, houve um evento significativo, que ajuda a compreender o momento que a China vive e dá pistas sobre o futuro. Xi Jinping liderou uma visita dos seis membros que com ele compõem o Comitê Permanente do Politburo a Yan’an, na província de Shaanxi. Trata-se do local onde, em 1945, Mao Zedong liderou o 7º Congresso do Partido Comunista da China, no qual Mao consolidou o controle do Partido e estabeleceu seu próprio pensamento como dogma. Em suas declarações sobre a visita, Xi destacou que a conquista da unidade política do PCC na era Yan’an permitiu que ele superasse inimigos muito mais fortes, numa clara referência aos desafios que ele lista como sendo os atuais. Xi declarou ainda: “Eu vim aqui para manifestar que a nova liderança central herdará e levará adiante as gloriosas tradições e os bons estilos de trabalho do Partido cultivados durante o Período Yan’an, e levarão adiante o Espírito de Yan’an”. Ao identificar a nova liderança com o “espírito Yan’an”, Xi está enquadrando sua recente consolidação de poder como motivada pelo imperativo de unir o Partido em face de tempos desafiadores. Mais do que isso, remete sua liderança à força simbólica de Mao Zedong.

Como se vê, a China de Xi Jinping caminha para uma maior centralização do poder político na figura de seu líder supremo, mais intervencionismo estatal na economia e mais nacionalismo e impetuosidade nas relações internacionais. Tudo isso embasado em uma espécie de renascimento ideológico e fortalecimento das crenças e do ideário original do Partido Comunista. Essa postura vai gerar transformações nos cenários regional e internacional, com reflexos para a segurança e comércio internacionais. Sendo a China o ator geopolítico que é, haverá reflexos em todos os cantos do globo.

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Xi Jinping pavimenta o caminho para se perpetuar no poder na China

O evento de política doméstica mais relevante nos últimos tempos na China foi a reunião do 19º Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), ocorrida entre 8 e 11 de novembro. No evento, realizado a portas fechadas, foi aprovada uma “resolução histórica”, elevando Xi Jinping ao patamar ocupado apenas por Mao Zedong, o líder da revolução que fundou a República Popular da China, e Deng Xiaoping, o artífice da modernização econômica do país.

É apenas a terceira vez na centenária história do PCC que a denominação “resolução histórica” é utilizada. Nas duas primeiras, elas marcaram importantes viradas políticas. A primeira foi em 1945, antes mesmo da fundação da República Popular da China, quando o partido consolidou a autoridade de Mao Zedong e estabeleceu seu pensamento como um conjunto de crenças que guiou o partido e a própria China a partir da vitória dos comunistas em 1949.

A segunda vez foi em 1981, quando Deng Xiaoping liderou a modernização da economia do país, condenando o extremismo ocorrido durante a Revolução Cultural e os erros na condução da economia durante a política do “Grande Salto Adiante”, responsáveis pelo caos econômico que levou milhões de chineses à morte por fome, na década de 1960.

Agora, a liderança do PCC reavalia a história centenária do partido, assegurando a Xi Jinping um lugar entre as maiores lideranças da China comunista.

O movimento ocorre em um momento muito adequado às ambições do líder chinês. No próximo ano, haverá o Congresso do Partido Comunista que, muito provavelmente, consagrará o terceiro mandato de Xi, garantindo-lhe mais um período consecutivo à frente dos chineses. Um acontecimento sem precedentes desde Deng Xiaoping, e que exigiu uma mudança na constituição chinesa, feita em 2018, pelo próprio Xi Jinping.

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A reunião trouxe, no mínimo, dois fortes indícios de que Xi Jinping não pensa em deixar o poder. Normalmente, novos líderes são promovidos a posições de destaque nesses encontros, de forma a testá-los e a indicar que eles poderão ser alçados a posições ainda maiores, em substituição aos líderes que encerram seus mandatos. Foi o que aconteceu em 2010, quando o próprio Xi Jinping foi promovido a vice-presidente do Comitê Militar Permanente. Dois anos depois, em 2012, ele substituiria Hu Jintao na presidência. Nessa reunião, bem como nas anteriores, não houve nenhuma promoção digna de nota. Nenhuma nova liderança capaz de fazer sombra a Xi Jinping surgiu na China nos últimos anos. O segundo indício foi a própria divulgação de uma “resolução histórica”. Dificilmente Xi Jinping prepararia algo tão importante para ser implementado por outra pessoa, que não ele próprio.

No comunicado oficial da reunião[1], se destaca que “o pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era é o marxismo chinês contemporâneo, o marxismo do século 21 e a essência da cultura e do espírito chineses. Ele deu um novo salto na sinicização do marxismo. O partido estabeleceu o camarada Xi Jinping como o núcleo do Comitê Central do Partido e a posição central de todo o partido, e estabeleceu a posição de liderança de Xi Jinping na nova era do socialismo com características chinesas.”

Como se vê, o culto à personalidade de Xi Jinping, que é alçado a uma condição de liderança inconteste, ganha enorme força. A mensagem a ser transmitida ao povo chinês e ao mundo é a de que ele é a única pessoa capaz de conduzir a China à condição de superpotência.

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Mesmo com seu poder praticamente absoluto, Xi Jinping precisa lidar com as lideranças do PCC. Ele vem fazendo isso desde que iniciou sua campanha anticorrupção, logo no início do primeiro mandato, afastando corruptos, mas também, segundo seus desafetos, potenciais adversários dentro do partido. E o movimento da semana passada parece ter sido o seu “xeque-mate”. Se nenhum evento imprevisível ocorrer, o mundo terá que se acostumar com a presença de Xi Jinping na liderança da China ainda por muitos anos.

 

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[1] Disponível em http://www.news.cn/politics/2021-11/11/c_1128055386.htm




OS PLANOS CHINESES PARA OS PRÓXIMOS 5 ANOS

O Partido Comunista Chinês acaba de reunir seu Comitê Central em sessão plenária. Os principais objetivos foram avaliar os resultados alcançados ao término do período abrangido pelo 13º Plano Quinquenal (2016-2020) e discutir as propostas que constarão do 14º plano, para o período de 2021 a 2025, além de metas para um prazo mais longo, até 2035.

A análise do que foi divulgado até aqui (comunicado oficial) oferece uma boa pista de como os dirigentes do país asiático planejam suas ações para os próximos anos, além de indicar quais são suas expectativas em relação ao contexto internacional no qual a China estará inserida. Mais do que isso, a leitura atenta das entrelinhas do plano permite uma compreensão ainda melhor acerca do atual momento do regime comunista chinês.

A reunião mais uma vez ratificou o controle total que o Presidente Xi Jinping exerce sobre o partido e, consequentemente, sobre todo o governo chinês, sem qualquer margem para dissenso. Referências às suas estratégias, liderança, doutrina e política estão espalhadas por todo o documento, extravasando sua onipresença na vida política chinesa. Assim, parece que seu caminho para um terceiro mandato a partir de 2022 está praticamente assegurado.

Como era de se esperar, o comitê reconhece os avanços que ocorreram durante a vigência do 13º Plano. O país teria atingido o objetivo para 2020 de tornar-se “uma sociedade moderadamente próspera”. Espera-se que o país atinja, ao final deste ano, um PIB de 100 trilhões de yuans, o equivalente a 14,3 trilhões de dólares, um valor consideravelmente acima do previsto inicialmente. De acordo com os dados oficiais do país, 55,75 milhões de pessoas teriam sido retiradas da pobreza, e 60 milhões de empregos urbanos teriam sido criados.

Mas o país – como todo o mundo – vive um momento desafiador. Em 2020, a economia chinesa deverá crescer por volta de 2%. Apesar de estar no azul, diferentemente da grande maioria dos países no ano da pandemia, é um crescimento bem menor do que o previsto, que estava na casa dos 6%.

E essa situação é reconhecida no documento, que atribui ao momento atual “profundas e complexas mudanças […] em um ambiente internacional complexo, onde a instabilidade e a incerteza aumentaram significativamente.”

Para fazer face a essa conjuntura, o plano sugere algumas medidas que protejam o país de instabilidades externas, tais como o fortalecimento do mercado interno, ancorado pela previsão do aumento da classe média de 400 milhões de pessoas para cerca de 700 milhões em 2025. Ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade de que o desenvolvimento do país se dê com base na inovação tecnológica autóctone, garantindo-se que o país seja autossuficiente em tecnologias-chave, como nas áreas de inteligência artificial, informação quântica, circuitos integrados e semicondutores, por exemplo, onde o gap tecnológico em relação aos EUA ainda não foi superado.

Mas o documento não indica que a China se voltará para si mesma. Pelo contrário, insiste na ideia de uma ampla abertura para o mundo exterior, com um modelo de cooperação em que todos os parceiros saiam ganhando, com ênfase na iniciativa One Belt, One Road.

No campo militar, o documento é incisivo na decisão de se acelerar o desenvolvimento de sistemas e materiais de emprego militar modernos e de tecnologia avançada. Prevê, para os próximos 5 anos, o início da operação do primeiro bombardeiro estratégico de longo alcance com tecnologia furtiva (stealth), que os torna invisíveis aos radares, e do terceiro porta-aviões de fabricação própria, o primeiro com o moderno sistema de catapultas eletromagnéticas. A mecanização e modernização do exército é outro ponto destacado no plano, que lembra que em 2027 o Exército de Libertação Popular completará cem anos, data que deverá ser comemorada com o atingimento dos objetivos traçados para o centenário, quais sejam, os de ter a capacidade de defender a soberania chinesa no próprio território e no Pacífico ocidental, bem como defender os interesses crescentes do país no exterior. A reunificação total do território chinês e a estabilidade de Macau e Hong Kong, aspectos bastante sensíveis, também são objetivos a serem perseguidos no futuro demarcado pelo plano quinquenal.

É evidente que este tipo de documento deve ser lido com todas as cautelas, se o objetivo é uma análise isenta. Mas não há dúvidas que ele delineia, tanto pelo que está escrito, quanto por suas omissões, a mensagem que o Comitê Central do PCC deseja passar para o público interno do país e para os observadores externos. E a mensagem é a de uma liderança centralizada e unificada no Comitê Central, tendo Xi Jinping como figura central, firmemente decidida a implementar suas políticas e perseguir seus objetivos.

É possível que, em um futuro não muito distante, os objetivos chineses colidam de maneira irreconciliável com os de vizinhos ou de outras potências. Isso se dará em espaços geográficos claramente definidos, como o Mar do Sul da China, Hong Kong ou Taiwan, ou em disputas comerciais e tecnológicas, como é o caso que envolve a tecnologia de internet 5G. O lado chinês da disputa, como se vê, já tem uma estratégia claramente definida para enfrentar o futuro que os aguarda. Resta saber se os possíveis adversários ou concorrentes já traçaram as suas.