O PASSADO COMO PRÓLOGO
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“Tolhidos pela mudança acelerada, os líderes importantes atuais parecem não ter tempo ou inclinação para olhar para o passado para pedir ajuda”

A citação acima é de autoria de Williamson Murray e Richard Sinnreich. Os autores da obra O passado como prólogo (Bibliex, 2017) alertam para o fato de que líderes responsáveis por decisões de segurança nacional teriam a convicção de que a história tem pouco a oferecer ao elaborador de políticas nos dias de hoje. Isto ocorreria em virtude da velocidade com que os eventos se sucedem. Ao lidarem com um presente exigente e um futuro ameaçador, poucos líderes, civis e militares, estariam dispostos a cair em uma reflexão sistemática sobre o passado.

Na verdade, não creio tratar-se de um problema exclusivo das chamadas “lideranças”. Formadores de opinião – aqui incluídos os presentes nas novas mídias, chamados de “influenciadores digitais” – analistas, acadêmicos e jornalistas, além da famosa categoria dos “intelectuais e artistas” despejam opiniões diariamente, aparentemente, como escrevem Murray e Sinnreich, sem olhar o passado para pedir ajuda.

O grego Tucídides, 2400 anos atrás, que escreveu a monumental História da Guerra do Peloponeso, disse tê-lo feito para informar “àqueles que quisessem entender com clareza os eventos que ocorreram no passado e que, sendo a natureza humana como ela é, em algum momento e das mesmas formas, repetir-se-iam no futuro.” O caminhar da humanidade ao longo dos séculos confirmou a previsão.

Como anteviu o grego, talvez o maior de todos os historiadores militares, a história das guerras é particularmente rica em casos onde o estudo do passado talvez tivesse evitado fracassos e mudado o curso da história. O episódio mais emblemático é o da Operação Barbarossa (1941), a invasão nazista da União Soviética. É claro que, depois dos fatos acontecidos e sabedores do fracasso da invasão, é inevitável lembrar que invasões anteriores, tentadas por Carlos XII (1700) e Napoleão (1812) já haviam fracassado. Será que os planejadores nazistas se detiveram com necessário cuidado sobre o passado antes de decidir pela invasão?

E as atuais lideranças globais? Será que estão atentas às lições da história? Para ficar em um exemplo óbvio, no campo das relações internacionais: seria o surgimento de uma potência global emergente, desafiando a potência dominante, um fato inédito na história do mundo? Certamente que não. Desde Atenas desafiando Esparta, passando pela Espanha ultrapassando Portugal na época dos grandes descobrimentos, pelos Estados Unidos suplantando a Inglaterra após a I Grande Guerra e a Alemanha desafiando a Europa, na II Guerra Mundial, o mundo já viu muitas vezes situações como esta em que a ascensão da China desafia os Estados Unidos.

Como estes atores vão se comportar, quais serão as consequências políticas, econômicas, sociais e científico-tecnológicas de tais comportamentos para o mundo, inclusive para nós aqui na periferia global? Haverá crise? A crise evoluirá para uma guerra? Como isto vai nos afetar? Certamente o estudo da história não traria todas as respostas. Afinal, causas semelhantes nem sempre produzem efeitos similares e estas causas também interagem de maneira imprevisível em cada momento histórico. Mas, certamente, do passado podem surgir modelos que levem a suposições de potenciais desfechos para as situações presentes.

E os nossos planejadores, professores, analistas, formadores de opinião? Estão hoje se detendo sobre os acontecimentos humanos passados, na busca da compreensão global de todo o fluxo de eventos que nos trouxeram ao ponto em que nos encontramos? Ou são reféns dos preconceitos aos quais servem, procurando encontrar justificativas para reforçar visões pré-concebidas, comprometidas pela ideologia ou pelo posicionamento político que adotam?

Líderes e formadores de opinião que ignoram a história, que não têm a intenção de consultar o passado e de escutar seus ecos, abrem mão de decidir com base em rica experiência anterior. Ignoram de antemão circunstâncias similares, relações de causa e efeito, tradições. Tratam repetidamente de “reinventar a roda”. Desperdiçam tempo, recursos e paciência de tantos quantos são os afetados por suas decisões.

No Brasil “até mesmo o passado é incerto”. A frase, atribuída a um famoso economista teria sido dita levando-se em conta a incerteza jurídica que atrapalharia o ambiente econômico do país. Ela demonstra, em seu tom jocoso e algo cínico, toda a problemática do estudo deficiente dos acontecimentos humanos do passado, que tento demonstrar neste artigo.

O país vive um momento de acirramento de ânimos, fruto de uma grave crise política e econômica, acompanhada de uma perigosa perda de legitimidade de alguns atores políticos, flagrados em casos de corrupção. Este acirramento inclui uma disputa pela preeminência de uma narrativa favorável ao posicionamento político/ideológico do autor. Informações mentirosas, as tristemente famosas “fake news”, são tomadas por verdades, contanto que estejam alinhadas e contribuam para o fortalecimento da narrativa defendida. Neste ambiente tóxico, em que a verdade é a primeira vítima, falar em estudo sistemático dos acontecimentos do passado parece pregar no deserto…

É urgente a superação deste momento. Se o ambiente interno do país está conturbado, o cenário geopolítico externo não parece animador. Não há tempo a perder. Que os decisores consultem o passado e ouçam seus ecos no presente, evitando que os mesmos erros sejam repetidos.

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