RUSSOS E TURCOS EM LADOS OPOSTOS NA SÍRIA
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Os presidentes da Turquia, Recep Erdogan, e da Rússia, Vladimir Putin possuem boas relações pessoais. Essa aproximação ajudou os dois países a firmarem, em 2018, um acordo no qual se criava uma zona desmilitarizada em Idlib, noroeste da Síria. Mas a ofensiva do governo sírio, apoiada pelos russos, contra grupos rebeldes da região, transformaram aquele acordo em “letra-morta”, uma vez que os dois países estão em lados contrários na guerra civil que assola a Síria há 9 anos.

Esse antagonismo assumiu contornos mais graves recentemente, quando soldados turcos que estão na região foram mortos em combates contra tropas sírias diretamente apoiadas pela força aérea russa.

Para entender como os acontecimentos chegaram a este ponto, é importante retroceder a outubro do ano passado. Naquele mês, os norte-americanos declararam ter vencido o grupo terrorista Estado Islâmico na região e, por isso, iriam retirar o grosso de suas tropas da Síria. Essa retirada criou as condições necessárias para que a Turquia interviesse diretamente no conflito. Assim, foi desencadeada a Operação “Primavera da Paz”, uma ofensiva no território sírio. Os objetivos, segundo o governo turco, seriam: combater grupos paramilitares curdos – considerados terroristas por Ancara, mas aliados dos norte-americanos na luta contra o Estado Islâmico – e garantir uma “Zona de Segurança” no território sírio, para onde seriam levados grande parte dos 3,5 milhões de refugiados da guerra civil que estão hoje em território turco.

Os militares turcos que foram mortos pelos sírios são integrantes das forças participantes da Operação “Primavera da Paz”. Os combates têm se aproximado cada vez mais de regiões densamente povoadas, especialmente da cidade de Idlib e da região fronteiriça de Bab al-Hawa. Trata-se de um dos últimos territórios controlados pelas forças rebeldes (compostas, hoje, principalmente pelo grupo jihadista Hayat Tahrir al-Sham, integrado por antigos militantes da Al Qaeda), mas o governo do Presidente Bashar al-Assad, firmemente apoiado pela aviação e apoio logístico russos, pretende retomar o controle da área.

Teme-se que a ofensiva do governo provoque uma enorme leva de refugiados, além de uma tragédia humanitária. E isso está se comprovando. Somente de dezembro até hoje, estima-se em 900 mil o número de novos deslocados, na sua maioria mulheres e crianças, que fogem tentando, em vão, chegar à Turquia. Essas pessoas estão na faixa de fronteira entre os dois países, desabrigadas ou em abrigos improvisados, enfrentando as baixas temperaturas da região, agravando a crise dos refugiados.

A tragédia humanitária em Idlib não tem obtido quase nenhuma atenção no ocidente. Os EUA, que adotaram no governo Trump uma política externa mais isolacionista, estão concentrados nas eleições presidenciais que se aproximam. As potências europeias tampouco demonstram interesse ou força política para definir rumos no conflito. A ONU tem feito apelos vãos por um cessar fogo, que não é implementado porque não encontram eco nas potências do Conselho de Segurança, que efetivamente teriam poder para adotar ações práticas.

Assim, restam a Rússia e a Turquia, países sobre os quais parecem repousar os destinos da guerra na Síria e, em consequência, de milhões de refugiados. Os russos bancaram a permanência de Assad no poder. Com isso, fincaram o pé como uma potência extrarregional capaz de interferir nos destinos do Oriente Médio, ao mesmo tempo em que garantiram um governo amigo aos russos em um país estratégico aos seus interesses políticos, econômicos e militares. Nesse sentido, é importante destacar a relevância estratégica, para a Rússia, do porto de Tartus, base naval cedida aos russos pelos sírios, em seu território, que concede à marinha russa o acesso às águas do Mar Mediterrâneo.

A Turquia, por sua vez, possui desafios difíceis pela frente. Se decidir impulsionar sua ofensiva na região de Idlib, atacando as tropas sírias para evitar que estas retomem a cidade, arrisca-se a engajar-se decisivamente em uma guerra que não deseja, em um enfrentamento direto contra os russos. Se, por outro lado, contiver suas ações militares evitando o engajamento decisivo nos combates, certamente verá fracassar seus esforços de conter o fluxo de refugiados em razão de uma tragédia humanitária ainda maior em suas fronteiras.

Percebendo a situação difícil em que se encontra, o Presidente Erdogan decidiu atuar com mais intensidade no campo diplomático. Por um lado, fez questão de relembrar que seu país é membro da OTAN, solicitando aos EUA baterias de mísseis Patriot, para a defesa de seu espaço aéreo. De outro lado, marcou, para o dia 05 de março, uma reunião com os Presidentes Putin e Macron, além da chanceler Angela Merkel. Note-se uma ausência: a dos norte-americanos. Uma novidade para a geopolítica da região, que enfraquece a liderança que a superpotência sempre desempenhou na definição dos destinos do Oriente Médio

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