O IMPULSO ESTRATÉGICO CHINÊS
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O “Congresso Nacional do Povo”, na China, reúne-se normalmente por duas semanas, a cada primavera. A reunião de 2020 está se encerrando, e as notícias relativas ao encontro da mais alta esfera parlamentar chinesa, somadas a outras sobre os últimos acontecimentos que envolvem o país e alguns de seus vizinhos, chamaram a atenção.

A primeira notícia foi a aprovação, com apenas um voto contrário, da Lei de Segurança Nacional para Hong Kong, feita sob medida para tentar controlar as manifestações populares que vêm ocorrendo ao longo dos últimos anos, em favor da manutenção das liberdades individuais e contra a crescente interferência da China continental na antiga colônia britânica.

A segunda foi o tom e o teor do discurso feito pelo presidente Xi Jinping no encontro do Comitê Central Militar, mais alta esfera de comando do Exército de Libertação Popular, como são denominadas as forças armadas chinesas. Em seu discurso, o presidente alertou as forças armadas de que elas devem fortalecer o seu preparo e estar prontas para a guerra. Isto em um momento em que os políticos e diplomatas chineses falam com cada vez mais frequência em “reunificar Taiwan, se preciso pela força”.

A terceira notícia foi a inesperada escalada militar de tensões com a Índia, na região do Himalaia.

Assim, a China abre, simultaneamente, de forma assertiva, três frentes de atuação justamente no momento em que os países do mundo todo estão concentrados em enfrentar a pandemia da Covid-19. Talvez não seja coincidência. Pequim sente-se confiante. Acredita que possui liberdade de ação e meios, tanto militares quanto econômicos, para atuar de acordo com seus interesses, independentemente de pressões internacionais.

A lei promulgada em relação a Hong Kong criminaliza o que for considerado separatismo, terrorismo e “interferência estrangeira”, além de protestos, aí incluídos aqueles realizados nas redes sociais. Na prática, é o fim da política “um país dois sistemas”, que garantia à chamada “Região Administrativa Especial” liberdades individuais inexistentes no restante do país.

A questão de Taiwan é a que mais afeta os sentimentos nacionalistas chineses. A ilha é considerada uma província rebelde pelo governo chinês desde 1949. Sua reunificação é um ponto de honra para Pequim. Um dos argumentos utilizados para convencer os taiwaneses era a política “um país, dois sistemas”, com a qual os chineses tentavam mostrar a Taiwan que uma reunificação seria benéfica, pois eles passariam a usufruir as vantagens de se integrar a uma China em acelerado crescimento econômico ao mesmo tempo em que manteriam seu estilo de vida com liberdades políticas e individuais. Entretanto, a recente reeleição de Tsai Ing-wen como presidente de Taiwan, de postura mais independentista, desagradou a Pequim, que pode estar perdendo a esperança de convencer os habitantes da ilha a se reunificarem pacificamente. Um indício disto é a própria legislação de segurança nacional em relação a Hong Kong. Os chineses sabiam que esta lei serviria de exemplo para os taiwaneses, demonstrando que a reunificação muito provavelmente selaria o fim de suas liberdades individuais e de seu regime multipartidário e democrático. E, mesmo pesando essa reação, que poderia comprometer um objetivo tão importante quanto a reintegração de Taiwan, Pequim insistiu na lei. Parece que considerou que a reação dos taiwaneses em relação à lei de Hong Kong já não faria diferença. O que se vê em relação à ilha é a presença militar chinesa cada vez maior, com navios de guerra e aeronaves militares atuando cada vez mais próximos a Taiwan.

Finalmente, a questão fronteiriça com a Índia. Os dois países possuem, juntos, um terço da população mundial. Ambos são potências nucleares. Os dois são responsáveis, respectivamente, pelo 2º e 3º maiores volumes de gastos militares do mundo. E possuem uma área disputada na região do Himalaia, ao longo de uma linha de controle de cerca de 3,5 mil Km de extensão. Já foram à guerra em razão disso, em 1962. Desde então, esporadicamente, se enfrentam em escaramuças militares sem, até hoje, resolverem a questão. Evidentemente, qualquer acirramento de tensões entre os dois gigantes asiáticos pode provocar repercussões graves e imprevisíveis. E é exatamente o que está acontecendo no momento. Ao mesmo tempo em que o presidente Xi Jinping discursa belicosamente, a China cerra o efetivo de uma Brigada, cerca de 3,5 mil militares, para a região contestada. Além disso, os indianos acusam os chineses de violarem a linha de controle, penetrando cerca de 3 quilômetros em direção ao território do lado indiano.

O estrategista francês General André Beaufre postulou que “impulso estratégico” é a capacidade que um Estado tem de atuar com maior ou menor intensidade em face de um desafio. Este impulso dependeria diretamente de quatro fatores: liberdade de ação, forças materiais, forças morais e tempo disponível. A intensidade com que a China tem atuado, tanto nos três episódios abordados neste artigo, quanto no tratamento que dispensou ao restante da comunidade internacional na pandemia da Covid-19, mostra que eles acreditam contar com cada um dos quatro fatores em sua plenitude.

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