A nova estratégia de segurança russa
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No último dia 02 de julho, o presidente Vladimir Putin assinou a nova Estratégia de Segurança da Rússia. O documento substituiu a que estava em vigor, que datava de 2015. A renovação da Estratégia era esperada, uma vez que esses documentos são concebidos para vigorarem por seis anos.

Em 44 páginas, os estrategistas russos anunciam que o mundo passa por uma fase de transição, com a emergência de potências interessadas em modificar a ordem global, antes fortemente marcada pela unipolaridade representada pela proeminência de uma única superpotência e de seus aliados, para uma nova ordem, marcada pela multipolaridade. Essa transição teria o potencial de causar conflitos, pois a perda da primazia pelo Ocidente geraria distúrbios e reações, cada vez mais graves.

Os principais objetivos para a defesa dos interesses nacionais da Federação Russa seriam: preservar a unidade da nação, proteger o sistema constitucional, apoiar a sociedade civil, desenvolver o espaço informacional, desenvolver a economia, proteger o meio ambiente, fortalecer os valores tradicionais e manter estabilidade social, especialmente em face de ameaças externas.

A aproximação dos países da OTAN das fronteiras russas é apresentada no documento como sendo a principal ameaça à segurança nacional russa, que acusa os EUA de abandonarem acordos de desarmamento, levando a uma corrida armamentista. Essas ameaças são apontadas como razões para que a Rússia fortaleça ainda mais seu potencial militar.

Os russos apontam no documento a ação de forças estrangeiras, que atuariam tanto em território russo quanto no exterior, explorando dificuldades socioeconômicas para enfraquecer a coesão interna do povo russo. O documento também acusa o ocidente de atuar contra os valores tradicionais dos russos, impondo uma exacerbação do individualismo, propagandeando atitudes egoístas e culto à violência, numa tentativa de destruir a soberania e a cultura da Federação Russa.

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autor – Steven Lee Myers

O ocidente também é acusado de, ao impor sanções econômicas e comerciais, dificultar as exportações russas de recursos naturais. O documento também identifica ações de contenção aos planos russos de desenvolver novas rotas comerciais, inclusive no Ártico.

Os russos pretendem diminuir as transações em dólar, com o objetivo de fortalecer a própria moeda. Os estrategistas russos reconhecem a necessidade de desenvolver e diversificar a economia do país, que precisaria passar a produzir e exportar itens de maior valor agregado, além de atuar para reduzir a dependência que a economia do país possui em relação a tecnologias importadas.

Sempre de acordo com o documento, a Federação Russa buscaria, em suas relações internacionais, os seguintes objetivos: fortalecer a estabilidade do sistema legal internacional, a fim de impedir sua aplicação de forma seletiva; fortalecer a paz mundial, evitando a eclosão de uma guerra mundial; aprimorar os mecanismos internacionais de segurança coletiva; impedir o uso de forças armadas em desacordo com o previsto na Carta da ONU; aprofundar a cooperação com os Estados-membros da CEI[1], Abecásia, Ossétia do Sul[2] e com os Estados-parte da União Eurasiana; desenvolver uma cooperação estratégica com China e Índia; participar ativamente dos BRICS; trabalhar pela estabilização de situações de crise em países fronteiriços à Rússia; fortalecer laços fraternais entre as nações russas, bielorrussas e ucranianas e; contrapor-se às tentativas de falsificar a história.

Como se vê, a Estratégia de Segurança da Rússia aponta para uma maior aproximação do país da China e da Índia e continua reconhecendo a OTAN como principal inimiga. O documento enfatiza que os russos se consideram vítimas de uma guerra cultural, onde os “valores russos” estariam sendo atacados pelo ocidente, com o objetivo de enfraquecer a coesão nacional. Os russos dão grande importância à sua área de influência, especialmente aos países que lhe fazem fronteira. As referências à Belarus e Ucrânia não são em vão, pois trata-se de dois países emblemáticos na disputa por influência travada entre russos e ocidentais.

Todo documento dessa natureza tem, entre seus objetivos, passar mensagens tanto para o público interno quanto para a comunidade internacional. Neste caso, não há muito espaço para dúvidas. Os russos traçaram as linhas vermelhas que, de seu ponto de vista, não devem ser ultrapassadas pelo ocidente. O problema é que, ao ler os documentos similares dos países da OTAN[3], descobre-se que, do ponto de vista da Aliança do Atlântico Norte, as linhas vermelhas não são coincidentes. É nesse descompasso que está a maior ameaça à paz mundial.

Acesse ao documento aqui Estratégia Nacional de Segurança a Rússia

[1] A CEI (Comunidade dos Estados Independentes) foi criada em 1991, após a desagregação da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Os países integrantes são: Armênia, Belarus, Cazaquistão, Federação Russa, Moldávia, Quirquistão, Tadjiquistão, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Turcomenistão (membro associado).

[2] Abecásia e Ossétia do Sul são regiões da Geórgia que foram reconhecidas como independentes pela Federação Russa.

[3] Fiz a análise de documentos dos EUA, OTAN e do Reino Unido, disponíveis em https://paulofilho.net.br/2018/03/26/mudancas-nas-prioridades-de-defesa-norte-americanas/ , https://paulofilho.net.br/2020/12/06/a-visao-da-otan-para-2030/ , e

https://paulofilho.net.br/2021/03/23/como-os-britanicos-veem-seu-papel-no-mundo-em-2030-e-como-estao-se-preparando-para-exerce-lo/

Este post tem um comentário

  1. Coutinho Nascimento

    Excelente reflexão sobre a possibilidade de maior aproximação entre Rússia, China e Índia, o que merece um acompanhamento com foco em possíveis reflexos para o Brasil.
    Muito obrigado, Coronel Paulo Filho!

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