Russos, norte-americanos e europeus debatem o futuro da Ucrânia
Amanhã, 10 de janeiro de 2022, começam as negociações entre os EUA e seus aliados, de um lado, e a Rússia, de outro, sobre a questão ucraniana. As conversas foram propostas pelo lado russo, após concentrarem, ao longo do segundo semestre de 2021, cerca de 100 mil soldados, com artilharia, blindados e meios aéreos, do seu lado da fronteira com a Ucrânia, em uma escalada de tensões sem precedentes na Europa desde o término da Guerra Fria.
A Rússia se considera ameaçada pela existência de laços entre a OTAN e a Ucrânia, mesmo que esses sejam informais. Em razão disso vai exigir que os EUA e seus aliados atendam às chamadas “garantias de segurança”[1], uma lista de exigências que o país divulgou em dezembro como uma proposta de acordo, cujos tópicos principais são os seguintes:
- que a OTAN não posicione tropas em território de países que não pertenciam à OTAN em 1997, data em que a Aliança e a Rússia celebraram o “Ato de Relações Mútuas, Cooperação e Segurança”;
- o compromisso de não instalação de mísseis de curto e médio alcance, que tenham a capacidade de atingir o território russo;
- que a OTAN se comprometa a não aceitar nenhum novo membro, especialmente a Ucrânia e;
- que a OTAN se comprometa a não conduzir nenhuma atividade militar no território da Ucrânia, bem como em outros Estados da Europa Oriental, do Sul do Cáucaso e da Ásia Central. A Rússia assumiria o mesmo compromisso em faixa territorial correspondente do seu lado da fronteira.
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Com a possível exceção do tópico que diz respeito aos mísseis e do que veda exercícios militares, trata-se de um acordo inviável para os EUA e a OTAN.
No que diz respeito ao posicionamento de tropas da OTAN, é importante lembrar que, entre 1999 e 2021, a aliança incorporou vários países da Europa central e de leste, muitos deles antigos estados comunistas: República Checa, Hungria, Polônia, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte.
A anexação da Criméia pela Rússia, em 2014, motivou uma forte condenação dos países da OTAN e o envio de 5 000 soldados para bases militares na Estônia, Lituânia, Letônia, Polônia, Romênia e Bulgária.
A possibilidade de se desdobrar pessoal e meios militares em qualquer um dos 30 Estados membros da aliança está no cerne da finalidade da própria existência da OTAN, sendo evidente que abrir mão dessa possibilidade está fora de cogitação.
Embora tal expressão não seja usada pelos russos, o que se está a assistir é uma tentativa do governo do presidente Putin de se estabelecer uma “zona de influência” sobre a qual o ocidente se abstenha de atuar e cuja liderança caberia naturalmente aos russos.
É a isso que o presidente Putin se refere quando fala sobre as “linhas vermelhas” que não devem ser ultrapassadas pelos EUA ou pela OTAN.
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Os EUA e seus aliados, por sua vez, entram nas negociações já tendo declarado que os termos do acordo, como estão propostos, não podem ser aceitos. Eles parecem estar dispostos a demonstrar ao lado russo que uma eventual invasão da Ucrânia custaria caro. A reação do ocidente não se daria no campo militar, uma vez que os EUA já descartaram a utilização de tropas na defesa da Ucrânia. Entretanto, os ucranianos seriam apoiados militarmente com suprimentos, armas e munições. Além disso, seriam impostos embargos econômicos nunca vistos, que vão desde a proibição de exportação de itens tecnológicos produzidos nos EUA ou cuja tecnologia pertença ao país, até a imposição de barreiras ao fluxo financeiro internacional, como a vedação do acesso dos russos ao sistema SWIFT de transferências financeiras internacionais. Dessa forma, os EUA e a OTAN querem dissuadir os russos, mostrando que o preço de uma eventual invasão seria altíssimo e que a resistência ucraniana, financiada pelo Ocidente, poderia perpetuar-se indefinidamente, em uma guerra altamente desgastante para a Rússia.
Para complicar ainda mais as negociações, elas ocorrerão em pleno desenvolvimento da crise no Cazaquistão, para onde os russos e seus aliados da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) enviaram tropas em socorro do governo aliado à Moscou, no enfrentamento dos violentos protestos que explodiram naquele país.
A crise no Cazaquistão[2], quando somada à que ocorreu em Belarus, em 2020, ambas ex repúblicas soviéticas, fronteiriças à Rússia e de grande importância para o país, pode aumentar nos russos a sensação de que estão sendo pressionados em mais de uma frente, e de que precisam agir na Ucrânia antes que seja tarde.
Semana que vem pode ser uma semana decisiva, não só para a Ucrânia, mas também para a Europa e para o futuro das relações entre as duas maiores potências militares do planeta.
[1] Leia o documento em https://mid.ru/ru/foreign_policy/rso/nato/1790803/?lang=en&clear_cache=Y
[2] Sobre essa crise leia o artigo Crise no Cazaquistão, em https://paulofilho.net.br/2022/01/06/crise-no-cazaquistao/