O Irã e o acordo nuclear
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Enquanto o mundo está com suas atenções voltadas para a escalada de tensões na Ucrânia, em razão da concentração de tropas russas na fronteira entre os dois países, as negociações para a retomada do acordo nuclear entre o Irã e as potências globais, retomadas em maio de 2021, continuam em andamento.

Reino Unido, China, França, Alemanha e Rússia tentam negociar a retomada de um acordo que limite as atividades nucleares iranianas. Os EUA não participam diretamente das reuniões, mas acompanham os trabalhos de perto. Após oito rodadas de negociações, os países foram incapazes de chegar a um acordo.

Para entender como a situação chegou ao ponto atual, é necessário relembrar o desenrolar dos acontecimentos. Em 14 de julho de 2015, Irã, EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha celebraram um acordo, o Joint Comprehensive Plan of Action (JCPA). O pacto foi ratificado pelo Conselho de Segurança da ONU e suas disposições passaram a ser verificadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O acordo previa que o Irã reduziria em 98% suas reservas de urânio enriquecido, além de limitar o nível de enriquecimento do metal a 3,67%, o suficiente para ser usado nas usinas termonucleares, para geração de energia elétrica. Essa limitação se deve ao fato de que, para ser utilizado para a fabricação da bomba atômica, por exemplo, o Urânio-235 deve ser enriquecido a níveis superiores a 90%, em centrifugas organizadas em série, numa espécie de cascata, especificamente destinadas a esse fim.

O JCPOA impôs ainda diversas outras limitações na área de pesquisa e desenvolvimento nuclear ao Irã. Em contrapartida, foram levantadas todas as sanções econômicas que eram impostam ao país na época, que haviam custado cerca de US$ 160 bilhões ao país, apenas em receitas de petróleo. Assim, todas as sanções foram suspensas e o país pôde retomar a venda de petróleo nos mercados internacionais, reavendo o acesso a ativos no valor de US$ 100 bi, que estavam congelados no exterior.

Entretanto, em 2018, o presidente Trump abandonou o JCPOA, reimpondo todas as sanções norte-americanas ao Irã, em uma estratégia de “pressão máxima”, exigindo que o Irã reduzisse seu programa de mísseis balísticos e sua participação em conflitos regionais.

Mas o Irã se recusou a ceder e sua economia sofreu um duro golpe, com sua moeda atingindo o menor valor em décadas e a inflação subindo a níveis recordes. Em 2019, o Irã passou a violar o acordo, usando o argumento de que, como uma das partes havia violado antes, o país não estava mais obrigado a cumprir suas obrigações.

Além disso, o país adotou uma estratégia de escalar as tensões. Assim, naquele ano o Irã implementou – ou patrocinou – uma série de ações, como a sabotagem de navios petroleiros no Estreito de Ormuz, ataques a oleodutos e empresas petrolíferas na Arábia Saudita, apreensão de um petroleiro britânico e a derrubada de uma Aeronave Remotamente Pilotada norte-americana.

Em janeiro de 2020, foram os EUA que atuaram de forma impactante, eliminando o General Qassim Suleimani, poderoso comandante da Guarda Revolucionária Iraniana, quando este se encontrava em visita ao Iraque.

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Autor –  Samy Adghirni

A difícil condição econômica do Irã deu ainda maior impulso à aproximação com a China, que remonta a década de 1980, durante a guerra contra o Iraque. Assim, em 2021 os persas foram aceitos na Organização para Cooperação de Xangai, além de ampliarem a participação do país em investimentos relacionados à Iniciativa Cinturão e Rota , ou nova Rota da Seda. No último dia 14 de janeiro, em uma reunião realizada na China, os ministros das Relações Exteriores da China, Wang Yi e do Irã, Hossein Amirabdollahian afirmaram que um acordo de cooperação nas áreas de energia e infraestrutura, válido por 25 anos, assinado no ano passado, estava sendo oficialmente implementado. Tal aproximação é vista como uma das razões pelas quais a China já não se sente tão pressionada pelas sanções comerciais do ocidente como no passado. Afinal, a China, não aderindo às sanções, serve como uma válvula de escape para a combalida economia iraniana.

Ignorando as limitações impostas pelo JCPOA, o Irã, em novembro de 2021, já havia acumulado um estoque de urânio enriquecido que era muitas vezes maior do que o permitido, estocando pelo menos 17,7 kg de metal enriquecido com 60% de pureza, aproximando-se do nível necessário para a fabricação da bomba. Também havia instalado mais centrífugas, de um tipo mais avançado e produzido uma liga de urânio metálico enriquecido, um material chave para a fabricação de armas nucleares. Além disso, o país também restringiu significativamente o acesso de inspetores internacionais às instalações do país, ao interromper o cumprimento do previsto pelo Protocolo Adicional de seu Acordo de Salvaguardas da AIEA.

Desta forma chegamos à situação atual, na qual as negociações para a retomada de um acordo nuclear se arrastam, com o Ocidente alertando que o prazo final, aquele depois do qual as condições necessárias ao desenvolvimento da arma atômica pelos iranianos já terá sido alcançado, se aproxima rapidamente.

Resta saber qual será a postura a ser adotada por EUA, Israel, Arábia Saudita e demais potências regionais e mundiais caso tal condição se estabeleça. A questão nuclear iraniana está em aberto, e será um dos maiores focos de tensão geopolítica no decorrer de 2022.

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Este post tem um comentário

  1. Sidney

    A China como válvula de escape econômico para o Iran também poderá ser para a Rússia. O poder de “demanda” e o poder de “investimento” que a China tem são inegáveis.

    Mas a pergunta é: A China quer parceiros ou quer países dependentes e no longo prazo subservientes à ela?

    Teremos, se o rumo não mudar, em breve uma mostra da nossa vizinha Argentina que poderá trocar sua dependência pelos recursos do FMI por uma dependência dos recursos da China.

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