Disputa geopolítica no Pacífico
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As Ilhas Salomão, um arquipélago localizado no sudoeste do Oceano Pacífico, normalmente não recebe destaque nos noticiários internacionais. Isso mudou recentemente, no último mês de abril, quando os governos de Pequim e de Honiara assinaram um acordo bilateral de segurança.

Ilhas Salomão

O acordo prevê o incremento das capacidades de segurança do arquipélago. Inclui ainda cooperação em assistência humanitária, resposta a desastres e esforços para manter a ordem social, entre outros aspectos. O acordo ainda autoriza que navios chineses utilizem os portos do arquipélago para fazer reabastecimentos, manutenção e escalas.

Os EUA e seus aliados no Pacífico Sul – Austrália e Nova Zelândia – viram com preocupação o acordo. A posição estratégica das ilhas – que na Segunda Guerra Mundial marcaram o início da contraofensiva norte-americana contra os japoneses no Pacífico – permite que a China amplie significativamente seu alcance militar no Pacífico Sul. Essas preocupações ocorrem a despeito das afirmações de autoridades, tanto chinesas quanto das Ilhas Salomão, negando a intenção de se instalar uma base militar chinesa nas Ilhas.

A presença chinesa em um arquipélago próximo acionou os alertas de segurança na Austrália. O assunto se tornou importante tema de debates bem na época em que ocorreram as eleições. O novo primeiro-ministro, Anthony Albanese, imediatamente após tomar posse, enviou sua chanceler para as Ilhas Fiji. “Está muito claro que a China está buscando estender sua influência ao que tem sido desde a Segunda Guerra Mundial… a região do mundo onde a Austrália tem sido o parceiro de segurança preferido“, Albanese declarou. Um exemplo do envolvimento da Austrália em questões de segurança na região foi a Missão de Assistência Regional às Ilhas Salomão (RAMSI). Entre 2003 e 2017, a Austrália liderou uma missão militar de assistência integrada por 15 países do Pacífico, com a finalidade de controlar a violência étnica que explodira nas Ilhas Salomão.

Não é de agora que os chineses tratam com mais atenção as nações insulares do Pacífico. O investimento chinês naquela região subiu de US$ 900 milhões, em 2013, para US$ 4,5 bi, em 2018. Um aumento de 400% em 5 anos. De 2010 a 2020, o comércio total de produtos da pesca entre a China e as ilhas do Pacífico aumentou de US$ 35 milhões para US$ 112 milhões.

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Os EUA, por sua vez, fecharam sua embaixada nas Ilhas Salomão em 1993, em um exemplo da negligência norte-americana para com os países insulares do Pacífico. Esse descuido não combina com a visão geopolítica daquele país para com a região. Em 1954, o presidente Dwight D. Eisenhower declarou que os EUA deveriam manter o Pacífico como um “lago americano”. Os americanos têm uma forte presença militar na região por meio do Comando do Indo-Pacífico, com cerca de 375 mil militares e civis, 2.460 aeronaves e 200 embarcações, incluindo 5 Grupos tarefas de ataque, liderados por navios aeródromos. Recentemente, o país divulgou sua Estratégia para o Indo-Pacífico[1], reiterando sua prioridade para a região. Mas, talvez, os norte-americanos tenham concentrado demais suas atenções no Sudeste e Sul asiáticos, deixando de lado os países insulares da Polinésia e da Micronésia. Entretanto, após a divulgação do acordo entre chineses e salomonenses, os EUA anunciaram a reabertura de sua embaixada no país.

O Presidente Biden recentemente retornou de sua visita à Coreia do Norte e ao Japão, onde se reuniu com os chefes de governo dos países do “Quad”, composto, além dos EUA, por Japão, Índia e Austrália. O “Quad” é o “Diálogo Quadrilateral de Segurança”, criado em 2004, em razão do Tsunami, foi revitalizado nos últimos anos como um instrumento de contenção da China. Além disso, na mesma viagem, os EUA lançaram o “Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF)” com doze parceiros iniciais: os outros três integrantes do Quad, Austrália, Índia, e Japão, mais Brunei, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. Juntos, estes países representam 40% do PIB mundial.

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Os chineses, por sua vez, não restringiram suas ações ao acordo com as Ilhas Salomão. O chanceler chinês Wang Yi, acabou de encerrar uma viagem de dez dias por oito países insulares: as próprias Ilhas Salomão, Kiribati, Samoa, Fiji, Tonga, Vanuatu, Papua Nova Guiné e Timor Leste. Em Fiji, houve um encontro entre os ministros das relações exteriores da China e dos demais países da região. Nesta reunião, os chineses tentaram estabelecer um acordo amplo, envolvendo dez países, que abrangeria vários aspectos, de segurança à pesca. Mas o acordo não foi assinado porque os países não conseguiram chegar a um consenso. Apesar de ter falhado no objetivo de conseguir um acordo amplo, a China assinou, durante a viagem, uma série de acordos bilaterais com vários países.

Como se vê, China e EUA encontram-se em meio a uma acirrada disputa por influência geopolítica na Ásia. Os EUA, a potência até aqui hegemônica no sistema internacional, não quer perder espaço para a China, potência emergente. Nessa dinâmica, cada vez mais, seus interesses ficarão justapostos, causando tensão e atrito. Espera-se que ambos consigam escapar da chamada Armadilha de Tucídides, expressão criada por Graham Alisson para explicar por que, ao longo da história, potências emergentes muitas vezes acabaram por ir à guerra contra as potências até então líderes do sistema internacional.

Este texto foi originalmente publicado no site Hoje no Mundo Militar

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[1] Ver artigo publicado aqui

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