Instabilidades no Sahel africano
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No último dia 26 de julho, o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, foi derrubado do poder em um golpe militar liderado pelo chefe de sua guarda pessoal, General Abdourahmane Tchiani. Foi o sexto país a sofrer um golpe de Estado na região do Sahel, e seu entorno, nos últimos três anos. Com isso, um viajante que saia da Costa Atlântica da África, na Guiné, poderá chegar à costa oposta do continente, no Mar Vermelho da costa sudanesa, viajando apenas pelos países que passaram por uma mudança recente de governo, pela força: Guiné, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade, chegando finalmente ao Sudão.

Figura 1 – Países do Sahel africano

Fonte The New York Times

A região do Sahel vive grandes instabilidades. De um lado, o terrorismo jihadista ligado especialmente à rede Al Qaeda e ao Estado Islâmico permanece muito atuante, com ataques terroristas recorrentes, especialmente em Burkina Faso, Mali e Níger, onde as mortes causadas por ataques terroristas cresceram cerca de 50%[1] em 2022. De outro lado, há uma crescente competição local entre atores geopolíticos extra regionais, como Rússia e países europeus, em especial a França, em uma disputa por influência que complica ainda mais a dinâmica regional. Somem-se a isso a guerra em curso na Europa, com reflexos econômicos e políticos que extrapolam o Teatro de Operações e afetam todo o mundo, as mudanças climáticas e uma crise humanitária sem precedentes, tudo isso contribuindo para as fraturas institucionais que se se acirram com a exaustão popular provocada por tantas dificuldades, redundando nos recorrentes golpes de estado.

Até a semana passada, as potências ocidentais viam no Níger uma exceção nesse ambiente conturbado. Os EUA, por exemplo, mantêm 1.100 soldados americanos estacionados no país, onde também construíram bases de sistemas e aeronaves remotamente pilotadas em Niamey, a capital do país, e Agadez, no norte, a um custo de US$ 110 milhões. O Secretário de Estado do país, Antony Blinken, ameaçou retirar seu apoio financeiro e cooperação de segurança ao Níger se o presidente Bazoum não for reconduzido ao poder.

Os franceses, por sua vez, que se viram obrigados a retirar suas tropas do Mali no ano passado, por ordem do novo governo militar daquele país, tinha transferido seus efetivos justamente para o Níger. Agora, caso o novo regime se estabilize no poder, é grande a chance dos franceses serem forçados a uma nova retirada. Há ainda a questão do urânio. O Níger é o sétimo maior produtor mundial do metal, que é vital para a produção de energia nuclear. Um quarto das exportações do Níger destina-se à Europa, especialmente à França, onde cerca de 70% da matriz energética é dependente da produção termonuclear. A reação francesa ao golpe militar foi enfática: o presidente Emmanuel Macron, disse que o governo francês “não tolerará nenhum ataque à França e seus interesses” no Níger.

Na mesma direção, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), uma organização multinacional constituída por quinze Estados, dentre eles a maior economia da África, a Nigéria, ameaçou inclusive usar a força militar contra o Níger caso o presidente Bazoum não volte ao poder no prazo de uma semana. A ameaça redundou em uma resposta firme do Níger que respondeu, destacando a firme “determinação em defender a pátria”.

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Entretanto, os militares que assumiram o poder no Níger também receberam apoios externos. Destaca-se o anúncio conjunto dos governos do Mali e de Burkina Faso, dois países liderados por governos militares, que em reposta à CEDEAO emitiu uma nota afirmando que qualquer agressão externa ao Níger seria considerada uma declaração de guerra também aos seus países, e que suas forças armadas estariam prontas para defender o país vizinho.

Destaque-se que esses dois países do Sahel (igualmente ex-colônias francesas com forte presença política e econômica da ex-metrópole) estão em um movimento de afastamento da França e de aproximação da Rússia. O governo do Mali, por exemplo, após solicitar aos franceses a retirada de seus soldados, contratou o grupo paramilitar russo Wagner, que enviou cerca de 1500 mercenários ao país. Já o presidente de Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré, declarou que a prioridade das relações militares com a Rússia deriva da situação do país, que se encontra lutando contra o terrorismo e necessita de armas e equipamentos militares, fornecidos pela Rússia “sem restrições e a um bom preço”. Também no Níger, após o golpe, surgiram manifestações antifrancesas e declarações favoráveis à Rússia em manifestações populares.

Não por acaso, Mali e Burkina Faso estão incluídos no grupo de nações africanas que receberá a doação de dezenas de milhares de toneladas de grãos russos, sendo também beneficiários de contratos de cooperação técnico-militar, anunciados pelo presidente Putin na cúpula Rússia-África, que aconteceu na cidade russa de São Petesburgo na semana passada.

Assim, é interessante notar que o momento de forte tensão geopolítica que o sistema internacional atravessa, com uma guerra de alta intensidade sendo travada em plena Europa, e o acirramento da competição entre os EUA e seus aliados, de um lado, e China, Rússia, e aliados, de outro, testemunha também mudanças regionais, claramente influenciadas por todos esses acontecimentos. É o que se assiste neste momento no Sahel africano.

[1] Fonte Armed Location and Event Data Project – https://acleddata.com/conflict-watchlist-2023/sahel/ 

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