Samuel Huntington e a ética militar profissional
DAVOS/SWITZERLAND, 25JAN04 - Samuel P. Huntington, Chairman, Harvard Academy for International and Area Studies, USA, captured during the session 'When Cultures Conflict' at the Annual Meeting 2004 of the World Economic Forum in Davos, Switzerland, January 25, 2004. Photo by Peter Lauth
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Samuel P. Huntington foi um cientista político norte-americano, nascido em 1927 e falecido em 2008. Formou-se em Yale e doutorou-se em Harvard, onde lecionou até 2007. É autor, coautor e editor de 17 livros e de mais de 90 artigos acadêmicos. Dedicou-se ao estudo das relações civis-militares e à geopolítica. Sua tese de maior impacto foi a que ficou conhecida como a teoria do “Choque das Civilizações”.

Huntington escreveu O Soldado e o Estado: teoria e política das relações entre civis e militares, livro que se tornaria um clássico para a análise das relações civis-militares, em 1957. A obra, republicada no Brasil pela Biblioteca do Exército em 2016, está dividida em três partes: na primeira, o autor trata das perspectivas teóricas e históricas das instituições militares e do Estado. Na segunda, analisa o poder militar nos EUA, de 1789 a 1940. Finalmente, na última parte, aborda a crise nas relações entre civis e militares nos EUA, no período de 1940 a 1955.

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Autor – Samuel Huntington

Neste artigo, faço um resumo das ideias defendidas pelo autor no terceiro capítulo da obra, que integra a primeira parte, A mentalidade militar: o realismo conservador da ética militar.

O autor sustenta que a melhor maneira de se chegar à substância da “mentalidade militar” é defini-la como uma “ética profissional”. Isso porque “as pessoas que agem igual durante um longo período de tempo tendem a desenvolver hábitos característicos e persistentes de pensamento. A singular relação que elas mantêm com o mundo lhes dá uma peculiar perspectiva dele, levando-as a racionalizar o próprio comportamento e o próprio papel.” Nesse sentido, a mentalidade militar consistiria em valores, atitudes e perspectivas inerentes ao desempenho da função militar.

A ética militar seria, segundo o autor, um padrão constante para os agrupamentos militares profissionais, pelo qual se poderia julgar o profissionalismo da oficialidade em qualquer tempo e lugar. Nesse sentido, portanto, seria universal. A partir dessa constatação, Huntington passa a listar quais seriam as características dessa ética, ou desse ethos, entendido como um conjunto de traços ou comportamentos que conformam o caráter ou a identidade de uma coletividade.

Em primeiro lugar, prossegue o autor, a ética militar considera o conflito como um padrão universal. Logo, os militares seriam, por natureza, céticos em relação à natureza humana, tendendo a considerar o conflito um padrão universal, e a violência permanentemente enraizada na natureza biológica e psicológica do homem.

A ética militar também é fundamentalmente corporativa, uma vez que, para cumprir suas responsabilidades e garantir a segurança do Estado, os militares trabalham em grupo. Assim, conceitos como espírito de grupo, unidade e comunidade são altamente valorizados, em detrimento do individualismo.

O militar profissional, por característica, acumula seus conhecimentos pelas experiências. Se tem poucas oportunidades de vivenciar experiências próprias, utiliza-se da de outros militares. Daí advém o valor que a ética militar empresta ao estudo metódico e objetivo da história, desde que este estudo possibilite o desenvolvimento de princípios capazes de futura aplicação.

Outra premissa de Huntington defende que a existência da profissão militar depende da existência de Estados-nação capazes de manter um estamento militar apto a protege-los das ameaças à sua segurança. Assim, a ética militar tenderia a considerar o Estado a forma suprema de organização política.

Além disso, se as causas da guerra estão na própria natureza humana, então é impossível abolir a guerra por completo. Essa é a razão pela qual a mentalidade militar é tão cética em relação a dispositivos destinados a evitar a guerra, tais como tratados, leis, cortes ou organismos internacionais.

O autor defende ainda que nem sempre os militares desejam a guerra. Pelo contrário, eles tendem a se julgar vítimas das fomentações de guerra dos civis. Afinal, seriam os políticos e o povo, a opinião pública e os governos que iniciariam a guerra, mas seriam os militares que teriam a obrigação de travá-la.

Quanto à profissão militar, Huntington a caracteriza como técnica e especializada. Suas competências são adquiridas mediante treinamento profissional e experiência. A política, por sua vez, se situa além do escopo da competência militar e a participação de militares na política enfraqueceria o profissionalismo por permitir que valores estranhos ao ethos militar substituam valores eminentemente profissionais.

Assim, seriam três as responsabilidades do militar perante o Estado: a primeira seria de natureza representativa, pois ao militar compete manter as autoridades governamentais informadas quanto ao que ele considera ser indispensável para a manutenção da segurança do Estado.  A segunda seria consultiva. Nesse sentido, caberia aos militares relatar os reflexos das políticas governamentais para a segurança do Estado.  Finalmente, a última responsabilidade do militar seria executiva, implementando as decisões do Estado na área de defesa.

Huntington reitera ainda que o profissionalismo militar só ocorre quando sua lealdade se dirige exclusivamente ao ideal militar. Afirma que outras lealdades são transitórias e divisoras. Reafirma que as forças mais eficientes e competentes são aquelas em que a oficialidade é motivada por seus ideais profissionais, mais do que por objetivos políticos ou ideológicos.

Encerrando o capítulo, o autor enfatiza que o controle civil é essencial ao profissionalismo militar, tecendo considerações à obediência e seus limites.

Assim, segundo Samuel Huntington, a ética militar seria pessimista, coletivista, historicamente influenciada, orientada para o poder, nacionalista, militarista mas voltada para a obtenção e manutenção da paz, e instrumentalista em sua visão da profissão militar. Em resumo, o ethos militar seria realista e conservador.

Embora escrito há mais de sessenta anos, O Soldado e o Estado continua a ser leitura obrigatória para todos os militares profissionais e para todos aqueles que queiram compreender o pensamento militar.

Este post tem um comentário

  1. Infelizmente, no Brasil, as atividades-fim não geram recursos e projeção pessoal como as atividades meio.

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