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Instabilidades no Sahel africano

No último dia 26 de julho, o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, foi derrubado do poder em um golpe militar liderado pelo chefe de sua guarda pessoal, General Abdourahmane Tchiani. Foi o sexto país a sofrer um golpe de Estado na região do Sahel, e seu entorno, nos últimos três anos. Com isso, um viajante que saia da Costa Atlântica da África, na Guiné, poderá chegar à costa oposta do continente, no Mar Vermelho da costa sudanesa, viajando apenas pelos países que passaram por uma mudança recente de governo, pela força: Guiné, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade, chegando finalmente ao Sudão.

Figura 1 – Países do Sahel africano

Fonte The New York Times

A região do Sahel vive grandes instabilidades. De um lado, o terrorismo jihadista ligado especialmente à rede Al Qaeda e ao Estado Islâmico permanece muito atuante, com ataques terroristas recorrentes, especialmente em Burkina Faso, Mali e Níger, onde as mortes causadas por ataques terroristas cresceram cerca de 50%[1] em 2022. De outro lado, há uma crescente competição local entre atores geopolíticos extra regionais, como Rússia e países europeus, em especial a França, em uma disputa por influência que complica ainda mais a dinâmica regional. Somem-se a isso a guerra em curso na Europa, com reflexos econômicos e políticos que extrapolam o Teatro de Operações e afetam todo o mundo, as mudanças climáticas e uma crise humanitária sem precedentes, tudo isso contribuindo para as fraturas institucionais que se se acirram com a exaustão popular provocada por tantas dificuldades, redundando nos recorrentes golpes de estado.

Até a semana passada, as potências ocidentais viam no Níger uma exceção nesse ambiente conturbado. Os EUA, por exemplo, mantêm 1.100 soldados americanos estacionados no país, onde também construíram bases de sistemas e aeronaves remotamente pilotadas em Niamey, a capital do país, e Agadez, no norte, a um custo de US$ 110 milhões. O Secretário de Estado do país, Antony Blinken, ameaçou retirar seu apoio financeiro e cooperação de segurança ao Níger se o presidente Bazoum não for reconduzido ao poder.

Os franceses, por sua vez, que se viram obrigados a retirar suas tropas do Mali no ano passado, por ordem do novo governo militar daquele país, tinha transferido seus efetivos justamente para o Níger. Agora, caso o novo regime se estabilize no poder, é grande a chance dos franceses serem forçados a uma nova retirada. Há ainda a questão do urânio. O Níger é o sétimo maior produtor mundial do metal, que é vital para a produção de energia nuclear. Um quarto das exportações do Níger destina-se à Europa, especialmente à França, onde cerca de 70% da matriz energética é dependente da produção termonuclear. A reação francesa ao golpe militar foi enfática: o presidente Emmanuel Macron, disse que o governo francês “não tolerará nenhum ataque à França e seus interesses” no Níger.

Na mesma direção, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), uma organização multinacional constituída por quinze Estados, dentre eles a maior economia da África, a Nigéria, ameaçou inclusive usar a força militar contra o Níger caso o presidente Bazoum não volte ao poder no prazo de uma semana. A ameaça redundou em uma resposta firme do Níger que respondeu, destacando a firme “determinação em defender a pátria”.

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Entretanto, os militares que assumiram o poder no Níger também receberam apoios externos. Destaca-se o anúncio conjunto dos governos do Mali e de Burkina Faso, dois países liderados por governos militares, que em reposta à CEDEAO emitiu uma nota afirmando que qualquer agressão externa ao Níger seria considerada uma declaração de guerra também aos seus países, e que suas forças armadas estariam prontas para defender o país vizinho.

Destaque-se que esses dois países do Sahel (igualmente ex-colônias francesas com forte presença política e econômica da ex-metrópole) estão em um movimento de afastamento da França e de aproximação da Rússia. O governo do Mali, por exemplo, após solicitar aos franceses a retirada de seus soldados, contratou o grupo paramilitar russo Wagner, que enviou cerca de 1500 mercenários ao país. Já o presidente de Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré, declarou que a prioridade das relações militares com a Rússia deriva da situação do país, que se encontra lutando contra o terrorismo e necessita de armas e equipamentos militares, fornecidos pela Rússia “sem restrições e a um bom preço”. Também no Níger, após o golpe, surgiram manifestações antifrancesas e declarações favoráveis à Rússia em manifestações populares.

Não por acaso, Mali e Burkina Faso estão incluídos no grupo de nações africanas que receberá a doação de dezenas de milhares de toneladas de grãos russos, sendo também beneficiários de contratos de cooperação técnico-militar, anunciados pelo presidente Putin na cúpula Rússia-África, que aconteceu na cidade russa de São Petesburgo na semana passada.

Assim, é interessante notar que o momento de forte tensão geopolítica que o sistema internacional atravessa, com uma guerra de alta intensidade sendo travada em plena Europa, e o acirramento da competição entre os EUA e seus aliados, de um lado, e China, Rússia, e aliados, de outro, testemunha também mudanças regionais, claramente influenciadas por todos esses acontecimentos. É o que se assiste neste momento no Sahel africano.

[1] Fonte Armed Location and Event Data Project – https://acleddata.com/conflict-watchlist-2023/sahel/ 

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500 dias de guerra na Ucrânia

Hoje, se completam 500 dias desde que as tropas russas ultrapassaram as fronteiras ucranianas, em 24 de fevereiro do ano passado, no que previam ser uma ação militar fulminante, com a qual esperavam derrotar o exército ucraniano, retirando o presidente Zelensky do poder e substituindo-o por um governante “amigável” ao regime russo.

A invasão russa é flagrantemente ilegal. Contraria, no mínimo, três instrumentos do Direito Internacional dos quais o país é signatário. O primeiro é a Carta da ONU, especificamente o previsto no nº 4 do artigo 2º, que prevê que “os Membros (da ONU) deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado”. O segundo é o Memorando de Budapeste, de 1994, no qual Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos se comprometeram a “abster-se de recorrer à ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política da Ucrânia”, em troca da adesão desta ao Tratado de Não Proliferação Nuclear e da entrega à Rússia de todas as suas ogivas nucleares, herdadas da União Soviética. O terceiro é o Acordo de Helsinki, de 1975, quando representantes dos blocos capitalista (ocidental) e comunista (oriental) encontraram-se em Helsinque, para negociações sobre um futuro pacífico para a Europa. Naquela oportunidade, todos os trinta e cinco países signatários, dentre eles a União Soviética, comprometeram-se com “a cooperação econômica, a inviolabilidade das fronteiras, a solução pacífica de conflitos e a não intromissão em assuntos de ordem interna”.

A despeito de tudo isso, os russos, e em especial o presidente Vladimir Putin, apresentam razões históricas e securitárias para justificar a invasão. Tentar compreendê-las não significa concordar com elas. Mas é fundamental para se entender como chegamos a esses quinhentos dias de guerra.

As razões históricas se amparam na narrativa da origem comum de russos e ucranianos, herdeiros do mesmo ente político seminal, a Rus Kievana, proto-estado que há pouco mais de mil anos existiu na porção oriental da Europa. Sob a justificativa da ancestralidade compartilhada, se constrói a retórica de que a própria existência da Ucrânia como um Estado independente é absurda, portanto, a invasão seria justificável na medida em que desfaz uma separação que, a priori, nunca deveria ter acontecido.

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As razões securitárias são relacionadas à sensação de insegurança entranhada na cultura estratégica russa. Terra das planícies intermináveis, que facilitam os movimentos dos exércitos, a Rússia teve seu território invadido inúmeras vezes ao longo de sua história. A começar pelos mongóis no século XIII, mas também em tempos mais recentes. Desde o século XVII até o atual, não houve nenhum em que a Rússia não fosse invadida, a começar pelos poloneses, do rei Sigismundo III, em 1609​, pela Suécia do rei Carlos XII, em 1708​, pela França, de Napoleão, em 1812​ e pela Alemanha, nas duas grandes guerras, no século XX​. Em levantamento feito por Tim Marshall, no livro Prisioneiros da Geografia, se acrescentarmos a guerra na Crimeia, os russos terão combatido na planície norte europeia, ou no entorno dela, em média, uma vez a cada 33 anos, desde as invasões napoleônicas até os dias atuais. Isso significa que todas as gerações de militares russos dos últimos dois séculos participaram de combates na Europa.

É claro que isso tem profundas implicações nas preocupações de segurança e na cultura estratégica russa. É nesse contexto que a paulatina adesão de países cada vez mais a leste da Europa, consequentemente cada vez mais próximos à fronteira da Rússia, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e a perspectiva da entrada da Ucrânia à Aliança, passou a ser vista pelo presidente Putin e seu entorno como uma ameaça insuportável à segurança do país.

Todas essas justificativas possuem contrapontos válidos. Os ucranianos alegam, baseados em boas razões históricas e culturais, possuir uma identidade política, cultural e histórica própria. Europeus e norte-americanos, por sua vez, alegam que a expansão da OTAN não possui caráter ofensivo e que a Rússia não teria nenhuma razão objetiva para se sentir ameaçada.

O fato é que, independentemente da sua ilegalidade, ou de suas justificativas, a guerra de alta intensidade voltou ao coração da Europa e já se prolonga há 500 dias. Cenas que se julgava tivessem ficado na história do Velho Continente, como combates em trincheiras, avanços de colunas de blindados, barragens de artilharia e bombardeios indiscriminados de cidades, voltaram a fazer parte do cotidiano, com toda a sorte de sofrimento humano, prejuízos econômicos e desequilíbrios políticos e geopolíticos que uma guerra dessa natureza produz.

A longa duração do conflito – que no momento atual não permite antever um desfecho em curto prazo – pode ser creditada a dois fatores principais. Em um primeiro momento, à decidida mobilização da sociedade ucraniana, que se reuniu em torno de sua liderança política e de suas forças armadas com o firme propósito de se defender. Isso surpreendeu os russos, que não esperavam encontrar uma resistência tão forte ao seu avanço inicial. Em um segundo momento, ao decidido apoio de norte-americanos, europeus e seus aliados que, por um lado, enviaram aos ucranianos recursos financeiros, treinamento e sistemas e materiais de emprego militar que proporcionaram à Ucrânia as condições mínimas para equilibrar as ações no Teatro de Operações, e por outro, impuseram embargos comerciais à Rússia, que se não a debilitaram decisivamente, como talvez se pudesse esperar, causaram certamente muitos percalços econômicos, com reflexos para seu esforço de guerra.

As operações militares em curso na Ucrânia comprovam mais uma vez o caráter total das guerras, como ensinava Clausewitz, ainda no século XIX. Infelizmente, a violência da guerra vem sendo reiterada a cada um dos últimos 500 dias. Nada mais significativo dessa realidade que a constatação do colossal consumo de munição de artilharia, em especial da de maior calibre. Os Estados Unidos já enviaram à Ucrânia, desde o início da guerra, mais de 1,5 milhões de granadas de 155mm, que são consumidas aos milhares pelos obuseiros ucranianos, todos os dias. Pelo lado russo, estima-se o consumo desse tipo de munição na casa das dezenas de milhares, diariamente. Esses números somente encontram paralelo histórico nas grandes guerras mundiais. A guerra de alta intensidade em curso na Ucrânia usa também outros sistemas e materiais de emprego militar, além de técnicas, táticas e procedimentos de combate típicos das grandes guerras do século 20: vasta utilização de campos de minas, emprego de carros de combate, linhas de trincheiras, baterias antiaéreas, para citar apenas alguns exemplos.

Mas a guerra também aponta para novas tecnologias, como o extensivo uso de sistemas de aeronaves remotamente pilotadas, os chamados drones, mísseis hipersônicos, vasta utilização de sistemas satelitais e guerra cibernética. No campo da informação, as mídias sociais fazem a guerra parecer ser narrada em primeira pessoa, com vídeos de combates onipresentes nas redes, ajudando a conformar narrativas, que os dois lados em disputa tentam fazer prevalecer.

Essa guerra também trouxe de volta – e de forma surpreendentemente preocupante – o espectro do conflito nuclear. O uso da arma nuclear é um tabu, uma vez que, após os terríveis efeitos de sua única utilização, pelos norte-americanos, em Hiroshima e Nagasaki, nunca mais qualquer país ousou sequer ameaçar empregá-la. De lá para cá, potências nucleares perderam guerras, sem jamais recorrer à ameaça de sua utilização. Foi o caso dos EUA, no Vietnã e da União Soviética, no Afeganistão. Mas, na guerra em curso na Ucrânia, isso mudou. A ameaça da escalada nuclear já foi feita diversas vezes ao longo desses 500 dias, por diferentes autoridades russas, sendo verbalizada com especial ênfase – e de forma reiterada – pelo ex-presidente da Rússia, Dmitry Medvedev.

Para além dessas condições táticas e operacionais, é importante também compreender que o conflito gerou crises múltiplas, em diferentes níveis.

A guerra, somada a ascensão chinesa, caracterizam a emergência de um mundo multipolar, onde a hegemonia norte-americana é desafiada. Esse mundo multipolar confere mais liberdade de ação aos países do chamado “Sul Global”, que se sentem mais confortáveis para adotar uma postura independente, descolada, por exemplo, do que norte-americanos e europeus desejariam. Assim, Índia e diversos países africanos, do Oriente Médio e da América do Sul, deixaram de aderir às sanções econômicas impostas pelas potências ocidentais à Rússia. A guerra também mostra a necessidade de reformulação da ONU, em especial de seu Conselho de Segurança, uma vez que o mais importante organismo multilateral se mostra completamente incapaz de mediar um processo de paz.

No campo econômico, a guerra traz consequências desfavoráveis em um ambiente já estressado pela pandemia da Covid 19, especialmente para a Europa. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta um crescimento dos países da zona do Euro, em 2023, de apenas 0,9%, muito menor do que se previa antes da invasão russa.

As consequências humanitárias da guerra são graves. As vítimas da guerra, nos dois lados do conflito, já podem ser contadas na casa das centenas de milhar. As pessoas forçadas a migrar para outros países, ou a se deslocarem no interior da própria Ucrânia já são contadas na casa dos milhões, com todas as inúmeras consequências pessoais para os afetados, além das consequências sociais e políticas para as comunidades que recebem os refugiados. Na Ucrânia, a destruição das cidades vai exigir investimentos na casa das centenas de bilhões de dólares para a reconstrução. Isso sem falar dos transtornos causados por munições falhadas, que permanecerão por anos sendo encontradas na Ucrânia e das minas terrestres, espalhadas por milhares de quilômetros quadrados no que exigirão um esforço de anos para serem completamente desativadas.

A essa altura o leitor pode estar se perguntando sobre as perspectivas para o fim da guerra. Confrontos militares dessa natureza só terminam quando um dos contendores – ou os dois – desistem ou são forçados a desistir de lutar. Isso pode acontecer pela derrota militar, como no caso da rendição da Alemanha, que encerrou a Segunda Guerra Mundial. Ou, pela completa exaustão, como aconteceu no conflito Irã x Iraque, em que os dois lados se exauriram completamente, após quase uma década de guerra, chegando a um acordo. Ou, como na Guerra da Coreia, onde a guerra não foi oficialmente encerrada, mas “congelada” por um armistício acertado pelos dois lados após uma estabilização do campo de batalha por cerca de dois anos.

Infelizmente, no caso da Ucrânia, é forçoso se reconhecer que não há, no momento, nenhuma perspectiva realista para o fim da guerra. O presidente ucraniano, Volodymir Zelensky já declarou reiteradas vezes que não aceita negociar enquanto houver tropas russas no território internacionalmente reconhecido como ucraniano. Os seus aliados ocidentais, notadamente os EUA, também já reiteraram a disposição de continuar apoiando decisivamente a Ucrânia, pelo tempo que se fizer necessário. Os russos, por outro lado, estão firmemente aferrados ao terreno conquistado em solo ucraniano, o que tornará a ofensiva que a Ucrânia acabou de iniciar para tentar retomar território uma operação muitíssimo difícil e de resultado bastante incerto. Ademais, do ponto de vista do presidente da Rússia, Vladimir Putin, é impensável recuar suas tropas de volta para a casa sem uma vitória, ainda mais em uma guerra que ele mesmo iniciou. Isso muito provavelmente significaria o fim de sua carreira política como presidente da Rússia.

A guerra pode, dessa forma, perdurar por muito tempo ainda. Do lado ucraniano, tudo depende da disposição de seus parceiros em manter o apoio militar. Do lado russo, é provável que sejam capazes de manter a atual operação defensiva por muito tempo, mantida por suas ainda amplas capacidades militares, na esperança de que os governos do ocidente, em especial dos EUA, encerrem seu apoio à Ucrânia, talvez pressionados por suas populações, quando essas se cansarem da guerra, ou talvez por uma mudança de postura em uma eventual nova administração que possa assumir o governo após as eleições presidenciais do ano que vem.

Finalmente, no triste aniversário de 500 dias da guerra na Ucrânia, não se vislumbra o encerramento do conflito, que infelizmente continuará causando muito sofrimento às populações envolvidas e graves consequências para o restante da humanidade.

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Por uma verdadeira integração sul-americana

Os líderes dos países sul-americanos estiveram em Brasília para uma reunião convocada pelo governo brasileiro. A cooperação e a integração regionais foram os assuntos discutidos. O documento divulgado após o encontro, de nove parágrafos, anuncia apenas uma decisão: a de estabelecer um grupo de contato, liderado pelos chanceleres, para avaliação das experiências dos mecanismos sul-americanos de integração e a elaboração de um “mapa do caminho” para a integração da América do Sul.

A necessidade de integração sul-americana está muito longe de ser uma questão nova. Aliás, o próprio nome dessa porção da Terra, “América do Sul”, já advém de uma tentativa de superar conceitos impostos de fora para dentro da região, como os norte-americanos “Hemisfério Ocidental”, ou “pan-americanismo”, inspiradores da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Doutrina Monroe ou do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar); ou como o conceito francês de “América Latina”, criado para tentar estabelecer um vínculo que integrasse a França às suas possessões e colônias nas Américas.

Geopolíticos brasileiros do século 20 dedicaram grande parte de suas obras ao estudo da integração sul-americana, considerada por eles uma necessidade imperativa para os interesses brasileiros. Os generais Mário Travassos e Carlos de Meira Mattos são dois importantes exemplos.

Mário Travassos, no livro Projeção Continental do Brasil, de 1935, identifica de início dois fatores geradores de antagonismos, logo, de afastamento ou de desunião dos países da América do Sul. O primeiro é a oposição das duas vertentes continentais, separadas pela Cordilheira dos Andes, que afasta os Estados voltados para o Atlântico dos Estados voltados para o Pacífico, “de costas”, portanto, uns para os outros. O segundo é o representado pelas duas principais bacias hidrográficas da vertente do Atlântico, a separar os Estados amazônicos dos platinos. A superação dos efeitos dissociadores desses antagonismos geográficos exigiria, na visão de Travassos, ainda na década de 1930, a construção de uma adequada infraestrutura de transportes e comunicações que integrasse o continente sul-americano. Somente assim, nas palavras de Travassos, o Brasil exprimiria sua “imensa projeção coordenadora” no cenário político e econômico sul-americano.

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Meira Mattos, já na segunda metade do século 20, desenvolveu seu pensamento geopolítico a partir dos fundamentos de Travassos, de quem se considerava discípulo. Embora ele ampliasse o foco sul-americano de Travassos, almejando uma projeção global para o Brasil, as preocupações com a integração do subcontinente permearam toda a sua obra. Em artigo publicado em 2004, já aos 91 anos, ele escreveu que uma geopolítica de integração dos países da região “não se consolidará apenas com os empenhos de uma vigorosa vontade política e de uma diplomacia esclarecida e dinâmica. É mister estruturar essa integração”. Para isso, Meira Mattos já indicava a necessidade de integrar os três acordos de integração regionais então existentes: Mercosul, Pacto Andino (hoje Comunidade Andina de Nações) e Pacto Pan-Amazônico (hoje Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – Otca). O general concluía com uma crítica: “Está faltando um impulso diplomático unificador que os reveja, amplie seus objetivos, articulando-os e os dotando de mecanismos de incentivo econômico de interesse comum”.

No ano 2000 ocorreu a 1.ª Reunião de Presidentes da América do Sul, oportunidade em que se inaugurou a chamada Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (Iirsa), que, entretanto, pouco conseguiu avançar na resolução efetiva dos problemas de infraestrutura da região. É incrível – e sintomático das dificuldades de integração – que somente no alvorecer do século 21 tenha ocorrido uma primeira reunião de mandatários sul-americanos.

A União das Nações Sul-americanas (Unasul), criada em 2008, foi mais uma tentativa de integração. Ela chegou a contar com os 12 países do subcontinente, tendo, inclusive, absorvido a Iirsa. Mas a falta de consenso e as disputas ideológicas decorrentes da natural alternância de diferentes partidos no poder nos vários países sul-americanos, além da falta de pragmatismo na busca de uma verdadeira integração, infelizmente, levaram à desintegração da organização.

Ressuscitar a Unasul é, hoje, um objetivo da política externa brasileira. A integração foi tratada na reunião do dia 30 de maio passado. A ideia, entretanto, ainda não convenceu os demais parceiros, tanto que o tema não figurou na declaração final do encontro. Seria importante que a ideia vingasse. Mas, mais importante ainda, que os erros do passado fossem superados, de forma que a integração se desse em torno de objetivos estratégicos bem definidos, com foco no benefício mútuo, e não em torno de posições políticas que mudam com as trocas de governo, solapando a integração sonhada já há muitos anos, mas, infelizmente, nunca efetivada de forma adequada.

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A nova (e inédita) Estratégia de Segurança da Alemanha

A Alemanha divulgou sua Estratégia de Segurança. Trata-se de um documento inédito no pós-guerra, no qual o governo alemão divulga as bases de uma segurança que se quer integrada e voltada para o cidadão alemão, para que este possa “continuar vivendo em paz, com liberdade e segurança”.

O documento é assinado pelo chanceler Olaf Scholz e pela ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock e afirma que o ambiente de segurança no qual a Alemanha está inserida vive um momento de virada, de “divisão de águas”: na expressão em alemão, um Zeitenwende. É uma obvia referência à situação internacional, de guerra na Europa e de acirramento da competição sistêmica entre EUA e China.

Porém, trata-se também de um Zeitenwende no que se refere ao pensamento estratégico alemão. O fato desse documento ser o primeiro do gênero é sintomático do trauma que a sociedade alemã carrega desde o fim da 2ª guerra mundial, que se refletiu na dificuldade de desenvolvimento de um pensamento estratégico voltado para o fortalecimento de seu aparato de defesa. Agora, os alemães correm atrás do prejuízo, anunciando que “o governo federal fará da Bundeswehr uma das forças armadas convencionais mais eficazes da Europa nos próximos anos, capaz de responder e agir rapidamente em todos os momentos”.

Esse anúncio é feito com muito cuidado, quase se desculpando. O texto esclarece que a Alemanha tem consciência de sua história e por isso é grata pela reconciliação com os países vizinhos, em especial com a França, e que continua a assumir responsabilidade pelo direito de Israel de existir.

O documento aponta a Rússia como a mais significativa ameaça para a segurança Euro-Atlântica. Os estrategistas alemães apontam para um mundo crescentemente multipolar, em que alguns países estariam tentando mudar a ordem internacional, motivados por suas percepções acerca de uma rivalidade sistêmica. Nesse contexto, a China é apresentada como um parceiro, um competidor e um rival.

Ainda na apresentação da conjuntura mundial, o texto identifica que guerras, crises e conflitos nas vizinhanças da Europa têm um efeito adverso na segurança da Alemanha e da própria Europa. Estados frágeis nesse entorno estariam se tornando paraísos para grupos terroristas, enquanto conflitos internacionais se ampliariam para Estados vizinhos. Em acréscimo a essa realidade, os estrategistas alemães apontam para outras ameaças complexas: terrorismo, extremismo, crime organizado, ataques cibernéticos, todos com capacidade de causar graves danos à segurança alemã.

A crise climática também é definida como uma grave ameaça à própria subsistência das pessoas e aos fundamentos da economia. Ela ameaça milhões de pessoas no mundo, pela destruição do meio-ambiente e consequentes fome, pobreza e doenças.

Para fazer face a tudo isso, a estratégia tem seu foco no conceito de Segurança Integrada. Esta é definida como sendo aquela que reúne todos os instrumentos à disposição do Estado que, sendo afetos às questões de segurança, sirvam para proteger o cidadão alemão de ameaças externas. Essa abordagem parte da premissa de que a segurança é parte e objetivo de todas as políticas, de forma que, se ela se deteriorar, cada política, em todos os setores governamentais, será afetada.

O foco da segurança, de acordo com a Estratégia, seria o indivíduo, a garantia de seus direitos democráticos e de suas liberdades. Na medida que isso tudo seja garantido, a estabilidade do Estado e da sociedade estariam garantidas. Essa ênfase no indivíduo é ainda mais salientada quando a Estratégia se afirma alinhada com uma política externa feminista, que defende os direitos e a representatividade de mulheres e de grupos marginalizados.

 

Os alemães desejam que sua segurança integrada seja defensiva, resiliente e sustentável. Ao ser defensiva, ela deverá possuir uma capacidade dissuasória crível, no âmbito da OTAN, que garanta que eventuais inimigos se abstenham de agir contra a Aliança. Para isso, o governo alemão informa que vai fortalecer suas forças armadas, consideradas “o pilar da dissuasão convencional na Europa”. Assim, se informa que a Alemanha perseguirá o objetivo de garantir investimentos de 2% do PIB em defesa, aumentará seus investimentos em proteção a infraestruturas críticas, diplomacia efetiva, prevenção e atuação em desastres e engajamentos em assistência humanitária. Tudo isso com o objetivo de tornar as forças armadas alemãs “uma das mais efetivas forças convencionais da Europa”.

A resiliência é o segundo aspecto destacado. Trata-se de uma qualidade necessária em caso de conflito. Ela depende do Estado, da sociedade civil e do setor privado, que deverão assegurar que, na crise, o governo continue funcionando, que a população tenha suas necessidades básicas atendidas e que as forças armadas sejam supridas com toda a logística necessária. Defender a sociedade alemã da espionagem, sabotagem, e interferência estrangeira ilegítima, bem como da desinformação, também é uma forma de se fortalecer a resiliência, e por essa razão ações nesse sentido também são destacadas na Estratégia.

Quando destaca o aspecto da sustentabilidade, a Estratégia aponta para o combate à crise climática, apontada como uma ameaça à própria subsistência da humanidade, com impactos para a estabilidade entre países e regiões. Assim, os alemães se impõem o objetivo de “reduzir drasticamente as emissões, que atualmente ainda estão em ascensão e alcançar resultados urgentemente. Ao mesmo tempo, perseguir estratégias de adaptação que limitem os impactos da crise climática, de modo a proteger tanto pessoas quanto espaços naturais”. Nesse sentido é interessante destacar que os alemães afirmam no documento que “onde os governos minem a segurança e o estado de direito, iremos centrar a nossa cooperação em maior medida em atores não estatais, no nível local e em abordagens multilaterais.” Interessante notar que essa afirmação reforça temores recorrentes em países em desenvolvimento, de que a pauta ambiental possa ser instrumentalizada para o atingimento de interesses geopolíticos inconfessáveis, uma vez que quem julgaria que os governos estariam “minando a segurança climática” seria o próprio Estado alemão.

O documento alemão, de 73 páginas, cujo espírito tentei captar na análise acima, é bastante abrangente ao tratar de ameaças não-tradicionais à segurança. Mas, se comparado aos documentos congêneres das grandes potências, falha ao tratar das ameaças mais tradicionais, de cunho geopolítico, que saltam aos olhos no atual momento da história. Mas, é um primeiro passo, que mostra uma Alemanha que volta ao jogo geopolítico, praticamente empurrada pela invasão russa à Ucrânia. Os alemães ainda estão cruzando seu Zeitenwende. E todo mundo certamente vai prestar muita atenção.

Leia a Estratégia de Segurança aqui:

Estrategia nacional de segurança Alemanha

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O início da contraofensiva ucraniana

Finalmente, a tão anunciada contraofensiva ucraniana teve início. Junto com ela, a intensificação da disputa de versões e de narrativas, naturais em tempos de guerra, em que cada uma das partes em conflito tenta fazer parecer, à opinião pública local e estrangeira, que a balança da guerra está a pender para o seu lado. Enxergar por entre a bruma da guerra, na magistral imagem clausewitzniana que ilustra a incerteza e a confusão inerentes ao conflito, não é tarefa fácil. Para isso, entretanto, pode-se recorrer à algumas ferramentas, como o conhecimento histórico e doutrinário acerca das operações ofensivas.

Vamos começar por uma definição. Operações ofensivas são operações agressivas, onde predominam o movimento, a manobra e a iniciativa, para lançar-se contra o inimigo, no local e momentos decisivos, destruindo-o ou neutralizando-o. Para ter sucesso, o atacante precisa ter uma superioridade de meios em relação ao seu adversário. Por isso, deve evitar as partes mais fortes do inimigo, procurando forçá-lo a atuar em uma direção inesperada, preferencialmente onde o terreno não esteja preparado para a defesa.

Dito assim, pode parecer simples, mas realmente não é. Por isso, não espere resultados rápidos da ofensiva ucraniana.

No caso, é importante notar que os russos dispõem de uma maior quantidade de soldados; tiveram bastante tempo para preparar suas defesas, construindo centenas de quilômetros de linhas de trincheiras, tanto em largura quanto em profundidade; lançaram muitos campos de minas, ao logo de toda a frente; prepararam os tiros de artilharia, que certamente já estão regulados nas direções de ataque mais prováveis; pré-posicionaram suprimentos logísticos, especialmente munições e treinaram contra-ataques em suas linhas defensivas.

Os ucranianos sabem disso tudo. Por isso, não se espera que os primeiros movimentos – justamente os que estão em curso atualmente – sejam decisivos. Esses devem ser, de acordo com a doutrina e à luz do que a história militar nos ensina, ataques limitados ou secundários, para “testar” as defesas russas, iludi-las quanto à localização do ataque principal, descobrir fragilidades em seus dispositivos e atrair a movimentação das reservas inimigas para determinadas partes da frente de combate. Provavelmente os objetivos ucranianos nesse primeiro momento são curtos, sobre as primeiras linhas de defesa. Conquistando esses pontos na primeira linha, os ucranianos abrem “buracos” na defesa russa, que se sentirá obrigada a deslocar novas tropas para posições mais em profundidade, tamponando as brechas que foram abertas na defesa.

Seguindo-se essa linha de raciocínio, espera-se que os planejadores ucranianos tenham imaginado que, quando essa primeira fase do ataque estiver concluída a figura do campo de batalha vai mostrar pequenos avanços ucranianos em diferentes partes da frente. Prestem atenção a isso quando virem os mapas que serão divulgados pela imprensa.

Quando isso acontecer, os atacantes ucranianos estarão combatendo tropas russas em uma segunda ou terceira linha de defesa, ou seja, mais em profundidade. Lembrem-se que esses defensores mais em profundidade são aquelas reservas, a que me referi antes. Este será o momento para o desencadeamento de uma segunda onda de ataques, em outras partes da frente, essa sim, destinada a alcançar os objetivos decisivos mais em profundidade.

Como as reservas russas não poderão estar em dois lugares ao mesmo tempo, os ucranianos não precisarão enfrentar tantas linhas de defesa. Pelo menos é isso que os planejadores ucranianos provavelmente esperam que aconteça.

Tudo isso levará, no mínimo, algumas semanas para acontecer. A menos que aconteça um desastre nas defesas russas, o que não parece provável neste momento.

Mas prossigamos na tentativa de antever os movimentos do exército da Ucrânia, sempre à luz dos ensinamentos históricos e doutrinários. Se os planos da ofensiva derem certo, os ucranianos controlarão, ao final dessa fase, objetivos operacionais relevantes. Os locais escolhidos para a definição desses objetivos são aqueles que proporcionam aos ucranianos uma vantagem operacional marcante, como a cidade de Melitopol, por exemplo, que interrompe a ligação terrestre entre a Crimeia e a Rússia. De posse desses objetivos, a Ucrânia poderá tentar passar para a próxima fase de seu plano de campanha: o cerco e a destruição. Com as defesas desorganizadas pelo avanço da ofensiva, restarão bolsões russos. Estes passarão a ser cercados e destruídos.

É claro que a visão descrita acima é aquela em que tudo dá certo para os ucranianos. Os russos conhecem a doutrina e a história. Aprenderam com os erros da primeira fase da guerra e farão o que estiver a seu alcance para impedir que isso aconteça.

As próximas semanas e meses serão de combates muito duros na Ucrânia.

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O G7, a guerra na Ucrânia e a China

O Grupo dos Sete (G7), formado por Estados Unidos, Reino Unido, Japão, França, Canadá, Alemanha e Itália, reuniu-se para sua cúpula anual, na cidade de Hiroshima, no Japão, entre os dias 19 e 21 de maio. Além dos países que compõem o grupo, alguns outros foram convidados: Brasil, Índia, Austrália, Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia, Ilhas Cook e Comores. Além desses, um chefe de Estado foi recebido, com especial deferência: Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, país invadido pela Rússia em 24 de fevereiro do ano passado. Dois assuntos ganharam destaque no encontro: a guerra na Ucrânia e as relações dos países do G7 com a China.

O espectro da guerra em curso no território ucraniano acompanhou toda a reunião. A crise ganhou tal destaque nas conversas que é citada no comunicado final[1] do encontro como primeiro item das medidas concretas que estão sendo tomadas pelo G7: “Estamos tomando medidas concretas para apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário diante da guerra de agressão ilegal da Rússia”.

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi citada como uma séria violação do Direito Internacional, especialmente da Carta da ONU. Em face disso, o G7 se compromete a “intensificar seu apoio diplomático, financeiro, humanitário e militar à Ucrânia, aumentando os custos para a Rússia e aqueles que apoiam seu esforço de guerra e continuar a combater os impactos negativos da guerra sobre o resto do mundo”.

A região do Indo-Pacífico também recebeu destaque na declaração final do encontro. Os países do G7 se disseram comprometidos com um “Indo-Pacífico livre e aberto, que seja inclusivo, próspero, seguro, baseado no estado de direito e que proteja os princípios compartilhados, incluindo soberania, integridade territorial, resolução pacífica de disputas, liberdades fundamentais e direitos humanos”.

As relações dos países do grupo com a China também mereceram uma atenção especial. Eles afirmam que suas políticas não são projetadas para prejudicar a China ou impedir o seu progresso e o desenvolvimento econômico. Pelo contrário, o G7 afirma que uma China em crescimento, que obedeça às regras internacionais, seria de interesse global. Em seguida, entretanto, o grupo afirma que a China praticaria políticas não comerciais, que distorceriam a economia global. O país transferiria ilegalmente tecnologia e divulgaria dados descumprindo as normas internacionais. Outro foco de preocupação do G7 em relação à China é a situação no Mar do Sul da China e em Taiwan. O grupo declarou que se oporia fortemente a qualquer tentativa unilateral de mudança do status quo da região pela força ou pela coerção, em clara referência à situação taiwanesa. Também afirmou ser contrário à militarização do Mar do Sul da China, afirmando que as pretensões territoriais chinesas não encontram amparo na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Uso do Mar. O grupo ainda se disse preocupado com a situação dos direitos humanos em Xinjiang, no Tibete e em Hong Kong.

Os chineses imediatamente reagiram, se dizendo gravemente preocupados com a declaração. Afirmaram que os países do G7 vêm, ao longo dos últimos anos, interferindo grosseiramente nos assuntos internos da China referentes à Taiwan, Hong Kong, Xijiang e Tibete. Além disso, o grupo semearia a discórdia entre os países no Mar do Sul da China. Em alerta ao Ocidente, os chineses disseram que para a manutenção da paz no Estreito de Taiwan é imperativo que os países do G7 se oponham a qualquer ato que estimule a independência do arquipélago. Os chineses, por fim, pediram ao G7 que “descarte a mentalidade da Guerra Fria e o preconceito ideológico, pare de interferir grosseiramente nos assuntos internos de outros países, pare com a prática de formar pequenos círculos para o confronto em bloco e pare de criar deliberadamente antagonismo e divisão na comunidade internacional”.

As posições apresentadas pelos países que compõem o G7 em sua reunião, que acaba de se encerrar, explicita o momento de intensa disputa geopolítica em curso. A guerra na Ucrânia é um sintoma dessa confrontação, e a troca de acusações entre os países do grupo e a China, é outro. Espera-se que as tensões no Indo-Pacífico não ultrapassem o nível da retórica e evitem a confrontação armada porque, diferentemente da guerra entre russos e ucranianos, onde a participação direta da OTAN no conflito vem sendo evitada, no Mar do Sul da China ou no Estreito de Taiwan essa contenção dificilmente seria possível, o que transformaria tais conflitos em crises muito maiores do que a atualmente em curso na Ucrânia.

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[1] https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2023/05/20/g7-hiroshima-leaders-communique/




A China usará seu poder militar em Taiwan?

Mais uma vez se elevaram as tensões no Estreito de Taiwan. A China fez um grande exercício militar, com dezenas de aeronaves e navios de guerra, simulando uma operação de ataque e bloqueio naval do arquipélago.

As manobras se iniciaram imediatamente após o encontro entre a líder taiwanesa, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, deputado Kevin McCarthy, em território norte-americano. Foi uma repetição do que aconteceu no ano passado, quando a reação chinesa à visita da deputada Nancy Pelosi, antecessora de McCarthy, também foi expressa por intermédio de exercícios militares de vulto em torno da ilha de Taiwan.

A reintegração de Taiwan à soberania chinesa é um ponto central e inegociável para o governo chinês. Trata-se de um objetivo permanente que o Partido Comunista Chinês se impôs atingir até o ano de 2049, data do centenário da República Popular da China.

O uso do instrumento militar para forçar o retorno de Taiwan à soberania chinesa não é descartado nos documentos de segurança de Pequim. Também não o é nos discursos do presidente Xi Jinping. Ao contrário, no discurso de abertura do 20.º Congresso do Partido Comunista, realizado em 16 de outubro do ano passado, o presidente declarou: “Continuaremos a lutar pela reunificação (com Taiwan) pacífica, com a maior sinceridade e o maior esforço, mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força, e nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

A conjuntura internacional, tensionada a níveis altíssimos pela invasão russa do território ucraniano, adiciona ainda mais complexidade à questão taiwanesa. Embora sejam questões diferentes, a guerra na Europa relembrou a todos que o instrumento militar continua disponível para ser usado pelas nações para alcançar objetivos políticos e estratégicos.

Assim, toda a modernização das forças armadas chinesas ocorrida nas últimas décadas e bastante acelerada nos últimos dez anos sob a liderança de Xi Jinping é claramente voltada para a construção de um instrumento militar capaz de realizar a conquista militar de Taiwan.

A projeção de uma força militar do mar para a terra, a chamada operação anfíbia, que necessariamente ocorre quando se tenta conquistar militarmente uma ilha, talvez seja a mais complexa entre as operações militares. Para fazer face a tal desafio, uma eventual ação militar chinesa para a conquista do arquipélago de Taiwan dependeria de uma marinha poderosa, capaz de isolar o arquipélago de forma que os taiwaneses não recebessem apoio externo de seus aliados. Os chineses já superam os norte-americanos em número de navios de guerra, somando cerca de 340 belonaves. Os submarinos, as armas mais adequadas à missão clássica das marinhas de negar ao adversário o uso do mar, fundamentais num bloqueio naval, são contados, na China, às dezenas: 6 submarinos lançadores de mísseis balísticos intercontinentais, 9 de ataque de propulsão nuclear e 56 convencionais, de motor diesel/elétrico. Quando Xi Jinping chegou ao poder, a China não possuía nenhum porta-aviões. Hoje, o país já tem dois, sendo um de fabricação própria, e há um terceiro em construção. Os navios-escolta, fragatas, corvetas, contratorpedeiros, entre outros, somam mais de uma centena.

Junte-se a isso a modernização estrutural das forças armadas, que foram reunidas por Xi Jinping em comandos conjuntos permanentemente ativados, e a transformação das demais forças, com a mecanização completa do exército e o seu desenvolvimento em múltiplos domínios, com moderna missilística, meios de guerra eletrônica e cibernética.

Ainda assim, uma opção militar seria arriscadíssima para Pequim. Suas forças armadas carecem de experiência de combate e sua cultura organizacional desencoraja a iniciativa das lideranças intermediárias, o que pode ser um problema grave numa operação altamente descentralizada como o são os assaltos anfíbios que projetariam as forças chinesas em Taiwan.

Além disso, há o possível adversário extracontinental. As forças armadas norte-americanas são a mais poderosa máquina de guerra já formada. Até que ponto haveria um decisivo engajamento do poder militar norte-americano em face de um ataque chinês à ilha é uma questão em aberto. Via de regra, países somente se envolvem diretamente em conflitos militares na defesa de seus interesses vitais. Os interesses dos EUA na manutenção do atual status quo do Estreito de Taiwan são, sem dúvida, consideráveis, mas não se tem como certeza de que sejam suficientes para fazer com que se envolvam diretamente num conflito naquela região.

A guerra é a maior de todas as adversidades. Foi o general Eisenhower, justamente o comandante da mais importante operação anfíbia da História – o assalto das tropas aliadas às praias da Normandia, no dia D –, que afirmou: “Odeio a guerra como só pode odiá-la um soldado que a vivenciou, sua brutalidade, sua estupidez”. Esperemos que os tambores da guerra não voltem a ser ouvidos Estreito de Taiwan.

Este artigo foi originalmente publicado no jorna O Estado de São Paulo, em 23 de abril de 2023

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Principais pontos da declaração conjunta entre Brasil e China

A viagem marca o 30º ano da Parceria estratégica Brasil-China. 2024 será o 50º ano das relações diplomáticas entre os dois países.

1. As duas partes reafirmaram o compromisso com valores considerados comuns, como a paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade. Salientaram a importância do direito internacional e o papel central da ONU nas relações internacionais.

2. O Brasil reiterou sua aderência ao princípio de uma só China, com Taiwan sendo parte inseparável do Estado chinês.

3. Os dois lados reconheceram a necessidade de se reformar o Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, a China afirmou “compreender e apoiar” que o Brasil desenvolva um papel “mais proeminente” na organização, sem textualmente apoiar o pleito brasileiro de tornar-se membro permanente no Conselho de Segurança.

4. Em relação à guerra na Ucrânia, os dois países reafirmaram que o diálogo e a negociação são as únicas saídas viáveis para a crise. Nenhuma ação prática de tentativa de intermediar negociações de paz foi anunciada.

5. Brasil e China decidiram fortalecer sua cooperação na área de proteção ambiental e combate à mudança do clima. Os dois países querem trabalhar conjuntamente nas áreas de energias renováveis, transição e eficiência energética, com ênfase em bioenergia, hidrogênio e combustíveis sustentáveis para aviação, e promover investimentos recíprocos, pesquisa e inovação na área de transição energética.

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6. A China anunciou apoio à candidatura da cidade de Belém para ser a sede da COP-30, em 2025.

7. Os dois países sublinharam o papel relevante da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN). O Brasil não se comprometeu em aderir à iniciativa do Cinturão e da Rota, a chamada “Nova Rota da Seda”.

8. Brasil e China deverão aumentar o intercâmbio nas áreas da cultura, turismo, educação e esporte, inclusive com a celebração de acordos para coprodução televisiva e cinematográfica. Também se afirmou a intenção de aumentar os intercâmbios acadêmicos e o ensino dos respectivos idiomas.

9. As duas partes reafirmaram o valor estratégico da cooperação bilateral em agricultura e comércio agrícola, pesca e aquicultura.

10. As duas partes concordaram em incentivar ativamente empresas dos dois países a fazer investimentos recíprocos, em particular nas áreas de infraestrutura, transição energética, logística, energia, mineração, agricultura, indústria, sobretudo de alta tecnologia, além do setor aeroespacial e de tecnologia da informação e comunicações. Nesse sentido, foi assinado o Protocolo Complementar para o Desenvolvimento Conjunto de CBERS-6 e o Plano de Cooperação Espacial 2023-2032 entre o Brasil e a China.

11. O Brasil reiterou o convite para os investidores da China ampliarem seus investimentos no Brasil, com ênfase no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

12. Os dois países fortalecerão o comércio em moedas locais.

Como se vê, foi uma declaração que abrangeu um amplo espectro de assuntos. Não houve, entretanto, nenhuma surpresa ou anúncio que possa ser considerado bombástico.

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Consulte a declaração em https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-conjunta-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-popular-da-china-sobre-o-aprofundamento-da-parceria-estrategica-global-pequim-14-de-abril-de-2023 




A Finlândia entra para OTAN

A Finlândia ingressou oficialmente na Organização do Tratado do Atlântico Norte no último dia 04 de abril.  Somou-se, assim, à aliança ocidental de segurança, que agora passa a contar com trinta e um países.

Criada em 1949, no ambiente marcado pela bipolaridade do sistema internacional entre EUA e União Soviética, no pós 2ª Guerra Mundial e início da Guerra Fria, a OTAN se conformou como um arranjo de defesa coletiva, por intermédio do qual os Estados-membros concordam em atuar conjuntamente, em apoio mútuo, caso qualquer um dos países da aliança seja atacado.

Figura 1 – Países da OTAN. Fonte Al Jazeera

O crescimento da organização se deu de forma paulatina. Em 1949, foi constituída por apenas doze membros, dez da Europa Ocidental, mais EUA e Canadá.  Foi com a implosão da União Soviética e o fim da Guerra Fria que a aliança ganhou vários novos integrantes, países localizados cada vez mais ao leste da Europa, no que a Rússia sempre percebeu como sendo o seu “espaço de influência”. Isso aconteceu inclusive com os antigos membros do Pacto de Varsóvia, a aliança militar liderada pela então União Soviética, além de países que a tinham integrado, como os países Bálticos: Estônia, Letônia e Lituânia. A última adesão tinha sido a da Macedônia do Norte, em 2020.

A Finlândia e a Suécia, entretanto, haviam resistido às tentações de entrar para a aliança, adotando uma neutralidade pragmática, que acabou por caracterizar sua postura estratégica até aqui. Os finlandeses tinham boas razões para isso. Parte integrante da Suécia do século doze até 1809, a partir daquele ano seu território passou a ser um Grão Ducado do império russo, conseguindo tornar-se independente apenas após a revolução russa, em 1917. Na segunda guerra mundial, apesar de uma defensiva obstinada na guerra russo – finlandesa, foi obrigada a ceder parcela de seu território à Rússia.

Esse histórico de enfrentamentos com o poderoso vizinho de Leste convenceu os finlandeses de que a coisa certa a se fazer seria, a partir daí, garantir uma neutralidade que, como contrapartida, permitisse uma boa convivência com a Rússia.

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Isso mudou em 24 de fevereiro do ano passado. A invasão do território ucraniano pelos russos trouxe insegurança para a população finlandesa, que passou considerar que a melhor forma de se proteger seria buscar a segurança sob o pacto de defesa coletiva da OTAN.

O desfecho evidentemente desagradou a Rússia, e foi um enorme revés estratégico para o presidente Putin. Afinal, a principal justificativa apresentada pela Rússia para a invasão da Ucrânia foi a aproximação da OTAN de suas fronteiras, desconsiderando os alertas russos e as alegações de que o país sentia sua própria segurança ameaçada. Uma Ucrânia integrada a OTAN era inadmissível para Putin, segundo sua própria lógica.

Acontece que, com a entrada da Finlândia para a OTAN, a fronteira direta entre os países da aliança e a Rússia, que se restringia a poucas centenas de quilômetros com os países bálticos, com a Noruega no extremo Norte, e no exclave de Kaliningrado, foi acrescentada em mais de 1.300 Km de fronteiras diretas entre Finlândia e Rússia.

A expansão da OTAN não se restringirá à Finlândia. A Suécia, que vem tendo seu ingresso postergado pela Turquia, por razões mais explicadas pelas dinâmicas internas da política turca do que de outra ordem, vinculadas a questões que envolvem a concessão de asilo pela Suécia a cidadãos turcos de origem curda acusados de terrorismo, certamente será aceita até o ano que vem.

Uma OTAN fortalecida pela guerra na Ucrânia certamente será um componente fortemente considerado por estrategistas russos, mas também pelos chineses. O desdobramento de armamento nuclear russo em território de Belarus já pode ser considerada uma reação. Outras virão, e isso se refletirá na corrida por maiores investimentos em defesa em todo mundo.

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Xi Jinping e Putin se encontram em Moscou

O presidente da China, Xi Jinping viajou à Rússia, onde se encontrou com o presidente Vladimir Putin, pela quadragésima vez desde que se tornou presidente, em 2013. Tendo sido seu primeiro destino depois de assumir seu terceiro mandato, foi um encontro muito significativo, especialmente por ocorrer em meio à invasão russa à Ucrânia. Até por isso, foi um movimento criticado no Ocidente, onde vozes europeias e norte-americanas denunciaram a visita como uma demonstração explícita do apoio chinês à Rússia.

No documento conjunto[1] divulgado após o encontro, Xi e Putin reafirmaram a solidez da parceria entre os dois países, afirmando que “as relações russo-chinesas […] atingiram o nível mais alto de sua história e continuam a se desenvolver de forma constante”. Os dois países declararam não constituírem uma aliança político-militar nos moldes da Guerra Fria, mas uma “forma superior” de interação estatal, que não se dirige contra terceiros países. Disseram notar a grande velocidade das transformações em curso no mundo, que estaria rumando aceleradamente para um modelo multipolar, em que potências regionais teriam o legítimo direito de defender seus interesses. Para os dois líderes, entretanto, manifestações de hegemonismo, unilateralismo e protecionismo ainda seriam generalizadas no sistema internacional, em uma afirmação claramente endereçada aos EUA.

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Os dois presidentes concordaram em fornecer apoio mútuo na proteção dos interesses fundamentais de cada um de seus Estados, principalmente soberania, integridade territorial, segurança e desenvolvimento; reafirmaram o interesse em aprofundar e expandir a cooperação no processo de modernização de seus países e declararam trabalhar para promover “uma ordem mundial multipolar, a globalização econômica e a democratização das relações internacionais”, para o desenvolvimento de uma “governança global de forma mais equitativa e racional”.

Novamente tendo os EUA como alvo, o documento informa que China e Rússia “se opõem à que um Estado imponha os seus valores a outros Estados, traçando linhas ideológicas, criando uma falsa narrativa sobre o chamado confronto entre democracias e autocracias, usando a democracia e a liberdade como pretexto e instrumento político para pressionar outros Estados” e que “cada Estado tem o direito de escolher independentemente o caminho do desenvolvimento no campo dos direitos humanos”, opondo-se a interferência de forças externas em assuntos internos.

Foram fechados diversos acordos, além de promessas de maior integração nas áreas de Defesa, do comércio bilateral, do setor financeiro, apoiando a expansão do uso de moedas nacionais em suas trocas comerciais, dos setores de energia, indústria, espacial, educacional, cultural e da ciência e tecnologia. As duas partes concordaram ainda em prover a integração entre a União Econômica da Eurásia e a Iniciativa Cinturão e Rota, ou One Belt, one Road.

Em relação à segurança internacional, Putin e Xi Jinping disseram que nenhum Estado deve garantir sua segurança em detrimento da segurança de outro Estado. Essa afirmação se coaduna perfeitamente com a retórica de Putin em relação à ameaça que a aproximação da OTAN das fronteiras russas representaria ao seu país. Os dois líderes também expressaram séria preocupação com a parceria trilateral AUKUS (Austrália – Reino Unido – EUA, para fornecimento de submarinos de propulsão nuclear à Austrália), a qual acusaram de ameaçar a estabilidade estratégica na região do Indo-Pacífico.

Tendo Xi Jinping chegado à Moscou após ter divulgado seu plano de doze pontos para a celebração da paz entre Rússia e China, havia expectativa de que ocorresse algum anúncio nessa direção. Entretanto, a visita não trouxe nenhuma contribuição efetiva para a paz. Anunciou-se entretanto, que o presidente Xi Jinping pretende conversar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky sobre sua proposta para o fim das hostilidades.

Durante a visita houve ainda um episódio muito representativo do atual momento de transformações geopolíticas. Ao se despedirem de uma das reuniões, antes de entrar no carro, em frente aos repórteres, Xi disse a Putin que o mundo está vivendo um momento de mudanças, como não se vê há cem anos, e que são eles próprios, os dois líderes, que as estão promovendo. Putin respondeu, concordando. Ao afirmar isso perante as câmeras, Xi assume o protagonismo chinês e concede aos russos um papel relevante no processo de transição em curso no ambiente internacional, rumo a um mundo multipolar, mesmo que o papel da Rússia nessa transformação esteja sendo desempenhado preponderantemente pelo uso do poder militar, em uma guerra de conquista de territórios que contraria princípios basilares do direito internacional.

A viagem de Xi Jinping à Rússia não deixa margem para dúvida acerca do alinhamento das duas nações, acima de qualquer outra relação bilateral que ambos os países possam ter, em claro desafio aos EUA e ao Ocidente que tentam isolar a Rússia. A China, entretanto, redobra a aposta no relacionamento com aquele país. O cálculo chinês passa pela convicção de que um futuro confronto com os EUA no campo militar, se não é uma certeza, é uma possibilidade. E, nesse caso, a China precisará contar com o valioso apoio russo nos campos militar e tecnológico, bem como de seus valiosos estoques de energia.

[1] http://kremlin.ru/supplement/5920

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