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Comunidade Global de Futuro Compartilhado: a Grande Estratégia da China para a conformação de uma nova Ordem Internacional

Este artigo foi originalmente publicado na página eletrônica do Centro de Estudos Estratégicos do Exército

 1. Introdução

A presente análise destina-se a apresentar três documentos oficiais que, dentre outros, conformam a Grande Estratégia da República Popular da China. Foram escolhidos aqueles que mais diretamente se relacionam à área de Segurança e Defesa e que impactam a Política Externa Brasileira, consequentemente sendo de interesse para o planejamento e a execução das atividades internacionais do Exército Brasileiro. Trata-se dos documentos “Comunidade Global de Futuro Compartilhado”, “Inciativa Cinturão e Rota” e “Iniciativa de Segurança Global”.

O presidente Xi Jinping, da China, possui uma ideia muito clara da direção para onde quer levar o país sob sua liderança. Ele já sintetizou seu desejo por intermédio da formulação do “sonho chinês” representado pela “grande revitalização da nação chinesa” [1]. Trata-se de uma visão nacionalista, originada no movimento republicano que derrubou a Dinastia Qing, no início do século XX, e que tem por objetivo fortalecer o país, restaurando seu status de grande potência, uma verdadeira busca da reconquista de uma grandeza perdida. Segundo este entendimento, os cerca de cem anos que transcorreram entre a Primeira Guerra do Ópio (1839), ainda na Dinastia Qing, e a vitória da Revolução Comunista (1949) constituem o “século da vergonha” no qual a China perdeu sua grandeza em virtude da espoliação de suas riquezas pelas potências colonialistas e pelo Japão. A grande revitalização da nação chinesa é um conceito que inclui dimensões políticas, econômicas, militares, científico-tecnológicas, sociais e ambientais, todas elas voltadas para uma “reconstrução nacional”.

Trata-se de um conceito diretamente relacionado ao de “Grande Estratégia”. De acordo com Rushi Doshi (2021), Grande Estratégia é uma teoria de como o Estado atinge seus grandes objetivos relacionados à segurança de uma forma que é ao mesmo tempo intencional, coordenada, e implementada pelos múltiplos meios que o Estado dispõe: militares, econômicos e políticos. Ou seja, é uma responsabilidade do governo em todo o seu conjunto, extrapolando áreas ou setores específicos. Ainda segundo Doshi, o que faz uma estratégia “grande” não é simplesmente o tamanho dos objetivos estratégicos que estão sendo perseguidos, mas também o fato de que diferentes meios à disposição do Estado são empregados para seu atingimento. Esse tipo de capacidade de coordenação é rara, de forma que a grande maioria dos Estados não possui uma Grande Estratégia.

No peculiar sistema de governo chinês, onde o “Partido comanda tudo” (Friedberg, 2023), o Conselho de Estado da República Popular da China é o órgão máximo do poder executivo, estando este poder, tanto quanto o poder judiciário, subordinados ao legislativo liderado pelo Partido Comunista. Trata-se de uma estrutura que abarca todos os ministérios e é atualmente liderada pelo Primeiro-Ministro Li Qiang, que assumiu o cargo em março de 2023.

O Conselho de Estado possui uma página na rede mundial de computadores (english.www.gov.cn), onde se encontram publicados uma série de documentos oficiais do governo chinês. Dentre esses, estão listados noventa e sete White Papers, produzidos entre 31 de março de 2011 e 23 de janeiro de 2024. Dentre esses, destaca-se o documento A Global Community of Shared Future: China’s Proposals and Actions.[2]

É importante destacar, de início, que os documentos a seguir brevemente apresentados são declaratórios, expondo uma série de intenções que, evidentemente, devem ser cotejadas com a realidade empírica para que se possa estabelecer um juízo de valor sobre sua real aplicação em termos práticos.

2. A “Comunidade Global de Futuro Compartilhado”

Publicado em setembro de 2023, possui trinta e sete páginas, divididas em um prefácio, cinco seções e uma conclusão. Trata das propostas e ações que a República Popular da China considera serem as suas contribuições para os esforços globais para proteger a Terra – o lar compartilhado de toda humanidade – e “criar um futuro melhor e mais próspero para todos”. Em uma linguagem quase poética, o documento afirma que “para construir uma comunidade global de futuro compartilhado, todos os povos, todos os países e todos os indivíduos – nossos destinos estão interconectados – devem permanecer juntos na adversidade e não importa o quão difícil seja, navegar em direção a uma maior harmonia neste planeta que chamamos de lar”.

Segundo o texto, a ideia de uma comunidade global de futuro compartilhado, lançada pelo presidente Xi Jinping em 2013, vem ganhando apoio internacional. O documento afirma que desde a dimensão bilateral até a multilateral, e da regional à global, teriam sido alcançados resultados inovadores em todas as frentes. As quatro iniciativas que baseiam a proposta, a Iniciativa Cinturão e Rota, a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global e a Iniciativa Civilização Global, teriam criado raízes e frutificado, “trazendo prosperidade e estabilidade ao mundo e criando benefícios substantivos para as pessoas”.

Enfatiza-se a ideia de que a interdependência entre as nações é uma tendência predominante ao longo da história, que foi intensificada pelos avanços atuais da tecnologia da informação, levando os países a um ponto inédito de interconexão e interdependência. Mas, ao mesmo tempo que o mundo alcança tal nível de interdependência, a humanidade se depara com desafios globais que exigem uma resposta unificada de todas as nações. O documento aponta que os deficits de paz, desenvolvimento, segurança e governança somente podem ser enfrentados pelo trabalho conjunto da comunidade internacional.

Assim, reafirma-se que a China defende um novo tipo de relações internacionais, assentadas no “respeito mútuo, na equidade, na justiça e na cooperação vantajosa para todos”, com o objetivo de desenvolver parcerias globais e “construir uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade”.

Ao apontar os caminhos a serem seguidos para alcançar esse “futuro compartilhado”, o documento indica algumas soluções. A primeira seria a busca de um novo tipo de globalização, que superasse os problemas apontados no modelo atual das relações internacionais, no qual a globalização econômica não refletiria as demandas, nem representaria os interesses dos países em desenvolvimento. A “lei da selva, o jogo de soma zero e a mentalidade do ganhaou-perde ou de quem ganha-leva-tudo” exacerbariam a divisão entre ricos e pobres, como seria evidenciado pelo crescente fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e dentro dos países desenvolvidos.

Ao invés disso, os países deveriam seguir uma política de abertura e se opor explicitamente ao protecionismo, à construção de cercas e barreiras e às sanções unilaterais, de modo a conectar as economias e construir conjuntamente uma economia mundial aberta.

O documento afirma que a China defende a paz, o desenvolvimento, a equidade, a justiça, a democracia e a liberdade, como sendo os valores comuns da humanidade. Entretanto – e isso é importante – destaca que diferentes civilizações têm entendimentos diferentes sobre a natureza desses valores. E faz uma comparação com a Coca-Cola, em evidente crítica aos Estados Unidos.

Democracy and freedom are the common goals of humanity. There is no single model of democracy that is universally applicable, far less a superior one. Democracy is not Coca-Cola, tasting the same across the world as the syrup is produced in one single country. Democracy is not an ornament, but a solution to real problems. Attempts to monopolize the “patent” of democracy, arbitrarily define the “standards” of democracy, and fabricate a false narrative of “democracy versus authoritarianism” to provoke confrontation between political systems and ideologies are practices of fake democracy. Promoting the common values of humanity is not about canonizing the values of any particular country, but about seeking common ground while reserving differences, harmony without uniformity, and fully respecting the diversity of civilizations and the right of all countries to independently choose their social systems and development paths. (China, 2023)

O trecho destacado acima, que usa a Coca-Cola como metáfora, expressa a visão chinesa sobre democracia e liberdade, enfatizando uma diversidade de modelos democráticos e a rejeição da imposição de um único padrão universal. Desse modo, a democracia e a liberdade são objetivos comuns para toda a humanidade. No entanto, o documento defende que não existe um modelo único de democracia que possa ser aplicado universalmente, muito menos um que seja superior aos outros. Essa afirmação sugere que cada país deve ter a liberdade de desenvolver sua própria forma de democracia, adaptada às suas condições e necessidades específicas. Essa visão está alinhada com a abordagem diplomática da China, que defende a não interferência nos assuntos internos de outros países – e, por conseguinte, a não interferência de potências estrangeiras em sua próprias questões, como Taiwan, Tibete e Xinjiang, por exemplo – e a promoção de um mundo multipolar onde diferentes sistemas políticos e modelos de desenvolvimento possam coexistir pacificamente. Através dessa declaração, a China está, ao mesmo tempo, respondendo às críticas ocidentais sobre seu sistema político e promovendo sua visão de uma ordem internacional que seria, segundo seu entendimento, mais inclusiva e diversa.

Na última seção do documento, o governo chinês lista o que considera serem as principais contribuições do país no caminho da construção de uma humanidade de futuro compartilhado.

Em seguida, passa a tratar das três iniciativas globais que foram lançadas de forma concomitante à Iniciativa da Humanidade de Futuro Compartilhado: a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global, e a Iniciativa de Civilização Global.

Por meio da Iniciativa de Desenvolvimento Global, a China apresenta o que diz ser seu compromisso com o desenvolvimento global. O objetivo fundamental da iniciativa seria acelerar a implementação da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. Dessa forma, o documento passa a apresentar iniciativas práticas, como a criação de um fundo destinado ao desenvolvimento global e à cooperação Sul-Sul, no valor de US$ 4 bilhões, além de muitas outras iniciativas bilaterais e multilaterais de cooperação.

Por meio da Iniciativa de Segurança Global, a China afirma que procura trabalhar com a comunidade internacional na defesa do espírito da Carta das Nações Unidas, abordando os riscos e desafios de segurança tradicionais e nãotradicionais com uma “mentalidade de ganha-ganha e criando um novo caminho para a segurança que caracterize o diálogo sobre o confronto, parceria sobre aliança, e resultados ganha-ganha sobre jogo de soma zero”. Nesse sentido, o documento lista uma série de iniciativas nas quais a China desempenharia um papel relevante na busca de soluções para graves questões de segurança internacional, destacando sua efetiva atuação militar nas missões de paz da ONU. Esta iniciativa será melhor detalhada mais à frente, neste documento.

Por meio da Iniciativa Civilização Global, a China defende o respeito pela diversidade das civilizações, seus valores comuns e o intercâmbio e a cooperação internacionais mais estreitos. A Iniciativa Civilização Global faz “um apelo sincero para que o mundo melhore os intercâmbios e o diálogo entre civilizações e promova o progresso humano com inclusão e aprendizado mútuo, inspirando a construção de uma comunidade global de futuro compartilhado”.

As três iniciativas acima ressoam aspectos do Realismo Moral, uma teoria de Relações Internacionais desenvolvida pelo professor chinês Yan Xuetong. Yan (2019) acredita que a China somente ultrapassará os EUA na liderança do Sistema Internacional se adotar as políticas certas, sendo um Estado “grande e responsável”. Isso não acontecerá apenas pelas ações chinesas, mas sim a partir da percepção que os outros Estados tiverem das atitudes da potência oriental. Dito de outra forma, a China somente será “grande e responsável” se assim for vista pelos outros países. Para que isso seja alcançado, o Realismo Moral enfatiza os valores morais de “retidão e benevolência” sobrepujando os valores ocidentais de “igualdade e democracia”. A teoria apela a uma política de liderança pelo exemplo, que evitaria os “padrões duplos”, que Yan identifica nas práticas ocidentais, especialmente nas dos EUA.

É também inevitável relacionar o texto ao que Amitav Acharya (2019) denomina “Idealismo Cultural” chinês. Segundo esse autor, há um modelo moral, comportamental, afetivo e cultural na identidade chinesa, oriundo de uma cultura milenar e tradicional, que seria propensa ao entendimento mútuo, e à cooperação entre as nações em busca da paz e de uma governança global.

Assim, fica claro que os estrategistas chineses buscam, por intermédio do documento, demonstrar que o futuro que imaginam para a humanidade está fortemente baseado na integração dos valores culturais e dos princípios diplomáticos chineses, promovendo uma visão que “reflete tanto a sua herança histórica como as suas aspirações globais modernas”. Trata-se, portanto, de um novo modelo de Ordem Internacional, que superaria a Ordem Liberal vigente, erigida no pós-guerra e liderada pelos Estados Unidos.

É claro que aquilo que é expresso no documento é o que o Estado chinês declara praticar. Nem sempre as políticas declaradas são as efetivamente praticadas, e a leitura sempre deve ser realizada de forma crítica e com este fato em mente.

Finalmente, o documento “A Global Community of Shared Future: China’s Proposals and Actions” apresenta vários elementos que indicam sua conexão com uma Grande Estratégia da China, conforme a definição de Rushi Doshi (2021) sobre a coordenação intencional de meios militares, econômicos e políticos para atingir objetivos estratégicos de longo prazo. Aqui estão algumas evidências nesse sentido:

  1. Coordenação de Políticas e Iniciativas Globais. O documento detalha várias iniciativas chinesas, como as já citadas Iniciativa Cinturão e Rota, Iniciativa de Desenvolvimento Global, Iniciativa de Segurança Global, e Iniciativa Civilização Global. Essas iniciativas conformam claramente esforços coordenados que integram meios econômicos, políticos e de segurança para fortalecer a influência global da China e moldar uma nova ordem internacional mais favorável aos interesses chineses.
  2. Proposição de uma Nova Ordem Internacional. O documento descreve a visão chinesa para um “futuro compartilhado”, que desafia a atual ordem internacional liderada pelo Ocidente e propõe uma nova abordagem para a governança global, a cooperação internacional e a segurança coletiva. Esta visão inclui a promoção de uma “nova abordagem para as relações internacionais”, que enfatiza o respeito mútuo, a justiça, a igualdade e a cooperação benéfica para todos.
  3. Integração de Valores Culturais e Diplomáticos. O documento também enfatiza a integração dos valores culturais chineses, as tradições diplomáticas e as lições históricas nas práticas e na estratégia exterior da China. Isso indica uma tentativa deliberada de moldar a percepção global sobre a China e posicionar suas tradições e valores como fundamentais para o futuro da governança global.
  4. Foco em Segurança e Desenvolvimento Sustentável. Há um esforço significativo para conectar as iniciativas de desenvolvimento com a segurança global e a estabilidade, refletindo uma abordagem holística que interliga o crescimento econômico com a segurança e a influência política. Isso é evidente no esforço para promover a segurança através do desenvolvimento e vice-versa, argumentando que a segurança e o desenvolvimento são indissociáveis e fundamentais para a estabilidade internacional.
  5. Resposta aos Desafios Globais com Iniciativas Chinesas. Através de várias propostas, como a Iniciativa de Segurança Global e a Iniciativa Civilização Global, a China pretende posicionar-se como uma força líder no enfrentamento de desafios globais, propondo soluções que alinham os interesses internacionais com sua visão e liderança, refletindo uma estratégia abrangente para aumentar sua influência e moldar a ordem internacional de acordo com seus interesses.

3. A Iniciativa Cinturão e Rota

O documento que trata da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) [3], tradução para o Português preferida pelos chineses para “Yīdài yīlù 一带一路” – “Belt and Road Initiative”, em inglês, ou, como também é conhecida no Brasil, a “Nova Rota da Seda”, foi publicado em outubro de 2023, embora a Iniciativa seja bastante anterior a isso. Trata-se de um arrazoado de vinte e três páginas, constituído por um preâmbulo, cinco capítulos e uma conclusão.

No texto, a ICR, proposta pelo presidente Xi Jinping em 2013, é apresentada como “uma plataforma para a construção de uma comunidade global de futuro compartilhado”. Nesse sentido se busca enfatizar um caráter mutuamente benéfico dos projetos da iniciativa, que seriam “propostos pela China, mas pertencentes a todo o mundo”.

 

O texto faz uma relação histórica entre o “Cinturão” e a rota da seda ancestral, que há mais de dois mil anos ligou o Oriente ao Ocidente por intermédio das caravanas que atravessavam os desertos para promover o comércio, impulsionando o desenvolvimento regional e a prosperidade e moldando o “espírito da Rota da Seda, caracterizado pela paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizado e benefício mútuos”. Segundo a narrativa do documento, o “Cinturão” não era apenas um empreendimento comercial, mas também uma experiência de grandes trocas culturais, que proporcionou um grande impulso para o progresso da humanidade.

A “Rota”, por sua vez, se correlaciona historicamente com as rotas marítimas singradas pelos navegadores do passado, com as mesmas finalidades e ganhos atribuídos ao “Cinturão”. Com isso, o documento busca fazer uma ligação histórica com um passado de cooperação e ganhos mútuos (uma relação “win-win”) na relação entre a China e diferentes povos.

Há um nítido esforço em se apresentar a iniciativa como sendo “aberta e inclusiva”, uma vez que os empreendimentos por ela promovidos seriam fruto de extensivas consultas, contribuições conjuntas, e benefícios compartilhados. O desenvolvimento resultante das iniciativas contribuiria para a construção de um mundo mais pacífico, mais próspero e mais aberto, com mais inovação e progresso social.

Nesse sentido, o documento afirma que, para promover uma maior conectividade através da cooperação da ICR, a China procurará “facilitar a coordenação política, a conectividade de infraestruturas, o comércio desimpedido, a integração financeira e os laços mais estreitos entre pessoas”.

Como se vê, a Iniciativa é apresentada como uma ferramenta para o desenvolvimento não só da China, mas para todo o mundo. Afirma que a globalização econômica continua a ser uma tendência irreversível, e que é impensável um mundo em que os países voltem a um estado de isolamento. Entretanto, segundo os chineses, a globalização econômica foi dominada por poucos países que não têm contribuído para um desenvolvimento comum que traga benefícios a todos. Em vez disso, sempre segundo o texto, teria aumentado a diferença entre ricos e pobres, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e mesmo dentro dos próprios países desenvolvidos.

Dessa forma, os países em desenvolvimento pouco teriam se beneficiado da globalização econômica e até teriam perdido sua capacidade de desenvolvimento independente, o que dificultaria seu acesso ao caminho da modernização. Em uma crítica velada aos EUA, o texto assevera que “alguns países praticariam o unilateralismo, o protecionismo e o hegemonismo, dificultando a globalização econômica e, com essa postura, estariam ameaçando provocar a ocorrência de uma recessão econômica global”.

Atento ao espírito do tempo e às mudanças impostas pela crise climática, o documento apresenta a ICR como uma forma de a China compartilhar sua experiência em produção de energia renovável, proteção ambiental e produção limpa, empregando tecnologia, produtos e expertise na promoção do desenvolvimento verde.

O documento insiste que a Iniciativa se baseia em princípios de amplas consultas, contribuições conjuntas e benefícios compartilhados. Defende uma cooperação ganha-ganha na persecução de um bem maior e de interesses partilhados. Enfatiza que todos os países são participantes, contribuintes e beneficiários iguais, e incentiva a integração econômica, o desenvolvimento interligado e a partilha de conquistas.

Assim, um projeto que visa, na prática, ao financiamento e construção de obras de infraestrutura que beneficiarão as trocas comerciais entre diversos países e a China, é apresentado como uma verdadeira panaceia, um passaporte para um mundo muito melhor para todas as nações.

Da análise qualitativa do texto, percebem-se claramente vários indícios de que ele se alinha com uma Grande Estratégia chinesa, nos termos apresentados por Doshi (2021):

  1. Alinhamento com objetivos estratégicos chineses. O documento ressalta que a Iniciativa Cinturão e Rota é uma extensão moderna das antigas rotas da seda e visa a promover uma comunidade global de futuro compartilhado. Isso se alinha com os objetivos estratégicos chineses de estabelecer uma influência mais profunda em uma escala global, através da criação de conexões econômicas, políticas e culturais mais fortes, especialmente entre a Ásia, a Europa e a África.
  2. Promoção de uma conectividade multidimensional. A Iniciativa enfatiza o desenvolvimento de infraestrutura física e institucional para melhorar a conectividade entre os países participantes. Este esforço, apesar de proporcionar ganhos comerciais, não é apenas econômico, mas também um meio de fortalecer os laços políticos e culturais, essenciais para a expansão da influência e soft power chineses.
  3. Integração econômica e cooperação internacional. O projeto descreve a Iniciativa como uma plataforma para o desenvolvimento econômico compartilhado, promovendo investimentos e cooperação em infraestrutura, que é vista como uma forma de integrar economias de diferentes regiões mais profundamente na esfera econômica global liderada pela China.
  4. Sustentabilidade e desenvolvimento verde. A estratégia inclui um forte componente de desenvolvimento sustentável e verde, refletindo a coordenação de objetivos econômicos e ambientais com a agenda de política externa, posicionando a China como um líder em iniciativas globais de desenvolvimento sustentável.
  5. Envolvimento e benefícios compartilhados. A iniciativa é descrita como um esforço colaborativo que busca envolver múltiplos países e regiões, oferecendo benefícios mútuos, o que reforça o objetivo estratégico da China de se posicionar como uma potência benevolente e cooperativa no cenário mundial.

Pode-se perceber claramente aquilo que Doshi (2021) apresenta como aspectos constituintes de uma grande estratégia, quais sejam, a intencionalidade e a coordenação das ações, que são implementadas por múltiplos meios do Estado chinês, especialmente por intermédio de meios políticos e econômicos.

Embora no documento não sejam apresentadas ações implementadas por meios militares, aquelas diretamente relacionadas à segurança do Estado, é claro que, como mostra a teoria realista de John Mearsheimer (2014), se a China se transformar em uma potência econômica, é quase certo que vá transformar os ganhos econômicos em ganhos militares (Mearsheimer, 2014).

Dessa forma, pode-se concluir parcialmente que a presença de todos esses elementos indica que a Iniciativa Cinturão e Rota é uma valiosa ferramenta, inserida em uma estratégia chinesa muito mais ampla, para a expansão de sua influência global em persecução de objetivos que se enquadram no que pode ser compreendido como sendo uma Grande Estratégia chinesa.

4. A Iniciativa de Segurança Global

A “Iniciativa de Segurança Global” (ISG)4 foi lançada em fevereiro de 2023. Ela forma, juntamente com a Iniciativa Belt and Road, a Iniciativa de Desenvolvimento Global e a Iniciativa da Civilização Global, os quatro pilares da proposta chinesa de uma nova ordem internacional, consubstanciada na Comunidade Global de Futuro Compartilhado.

A ISG possui seis princípios fundamentais:

  1. Estar comprometido com uma visão “comum, abrangente, cooperativa e sustentável de segurança”.
  2. Respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países.
  3. Promover os propósitos e princípios da Carta da ONU.
  4. Levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todos os países.
  5. Estar comprometido com a solução pacífica das controvérsias entre países.
  6. Promover a segurança, tanto contra ameaças tradicionais, quanto não tradicionais (citando explicitamente terrorismo, mudanças climáticas, cibersegurança e biossegurança).

Interessante notar que esses princípios, elaborados quando o conflito da Ucrânia já estava em curso, apresentam dois itens relacionados aos interesses, tanto chineses, quanto russos e ucranianos. Ao destacar o respeito à soberania e integridade territorial de todos os países, há um claro alinhamento com o interesse ucraniano, afinal sua soberania foi desrespeitada e seu território foi invadido. Entretanto, ao citar as “legítimas preocupações de segurança de todos os países”, se está a fazer uma ligação com a narrativa russa de que a expansão da OTAN configura um risco à segurança da Rússia.

Para atender a esses princípios, os chineses propõem 20 pontos de possível cooperação com outros países:

  1. Participar ativamente da agenda para a paz da ONU, apoiando-a e fortalecendo-a nas suas missões de paz;
  2. Promover a cooperação e a coordenação entre as grandes potências, favorecendo a estabilidade e a coexistência pacífica.
  3. Fortalecer a compreensão de que “uma guerra nuclear não pode ser vencida”.
  4. Implementar integralmente as resoluções e convenções da ONU sobre armas nucleares, químicas e biológicas.
  5. Promover a solução política de questões e diferenças regionais entre os países, destacando o respeito à não interferência em assuntos internos de outros países.
  6. Apoiar e aperfeiçoar o mecanismo de cooperação e segurança da ASEAN.
  7. Implementar a Proposta de 5 Pontos para a paz e a estabilidade no Oriente Médio.
  8. Apoiar as iniciativas dos países africanos, da União Africana e de Organismos sub-regionais em seus esforços para resolver conflitos regionais, combater o terrorismo e garantir a segurança das vias marítimas de comunicação.
  9. Apoiar os países latino americanos e do caribe no atingimento dos compromissos expressos na Proclamação da América Latina e do Caribe como uma Zona de Paz.
  10. Prestar a devida atenção às legítimas preocupações dos países insulares do Pacífico acerca das mudanças climáticas e dos desastres naturais.
  11. Fortalecer o diálogo e a cooperação para o combate aos ilícitos praticados no mar, como a pirataria.
  12. Fortalecer o papel central da ONU no combate ao terrorismo.
  13. Aprofundar a cooperação internacional no campo da segurança da informação.
  14. Fortalecer o gerenciamento de riscos na área de biossegurança.
  15. Fortalecer a governança internacional da Inteligência Artificial, regulando sua utilização com fins militares.
  16. Fortalecer a cooperação internacional acerca de questões espaciais, protegendo a ordem internacional naquele domínio de acordo com as leis internacionais.
  17. Apoiar a Organização Mundial da Saúde em seu papel de liderança global para o gerenciamento e coordenação dos esforços globais no enfrentamento de pandemias.
  18. Promover a segurança alimentar e energética no mundo.
  19. Implementar efetivamente a Convenção da ONU para o enfrentamento do Crime Organizado Transnacional.
  20. Apoiar a cooperação internacional para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas e a implementação da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.

Por fim, o documento propõe cinco “plataformas de engajamento e cooperação”.

  1. Trabalhar firmemente em todas as instâncias da ONU para firmar consensos para solucionar as questões de segurança existentes no mundo.
  2. Promover o papel de vários organismos regionais multilaterais – o BRICS é citado, dentre outros asiáticos – para a promoção da paz e da estabilidade regionais.
  3. Promover reuniões bilaterais e multilaterais para tratar dos assuntos tratados pela ISG.
  4. Promover fóruns para discussão de assuntos de segurança, reunindo governos, think tanks e academia para a discussão de temas de segurança. (o documento cita o fórum de Xiangshan, o equivalente chinês ao Shangri-la Dialogue).
  5. Encorajar mais trocas entre os países, para estimular a cooperação e a busca de solução para desafios de segurança. (o documento fala em abrir 5 mil vagas na China para treinamento na área de segurança).

5. Conclusão

A análise dos três documentos-chave da Grande Estratégia da China – “Comunidade Global de Futuro Compartilhado”, “Iniciativa Cinturão e Rota” e “Iniciativa de Segurança Global” – revela um esforço intencional e coordenado para moldar a ordem internacional de acordo com os interesses e valores chineses. Esses documentos refletem uma visão abrangente e ambiciosa, integrando dimensões econômicas, políticas e de segurança para promover a ascensão da China como uma potência global.

Primeiramente, a “Comunidade Global de Futuro Compartilhado” apresenta uma visão idealista e cooperativa, onde a China se posiciona como uma defensora de uma nova ordem internacional baseada na equidade, justiça e respeito mútuo. O documento enfatiza a interdependência entre as nações e propõe soluções globais para desafios comuns, promovendo uma globalização mais inclusiva e sustentável. A retórica utilizada busca atrair apoio internacional e legitimar a liderança chinesa no cenário global, propondo um novo modelo de globalização que supere as falhas do sistema atual.

A “Iniciativa Cinturão e Rota” (ICR) é uma manifestação prática dessa visão, focada na criação de infraestrutura e na promoção do comércio entre a China e outras nações. Através de investimentos massivos e cooperação internacional, a ICR busca fortalecer as conexões econômicas e políticas da China com diferentes regiões do mundo. A iniciativa é apresentada como uma plataforma para o desenvolvimento mútuo, promovendo uma narrativa de benefícios compartilhados e cooperação ganha-ganha. Contudo, é evidente que a ICR também serve como um instrumento estratégico para expandir a influência chinesa e consolidar seu poder econômico e político globalmente.

A “Iniciativa de Segurança Global” (ISG) complementa essas estratégias, abordando questões de segurança de forma abrangente e propondo um modelo de cooperação internacional que privilegia o diálogo e a resolução pacífica de conflitos. A ISG reforça os princípios da Carta da ONU e promove a segurança coletiva, enfatizando a importância de enfrentar ameaças tanto tradicionais quanto não tradicionais. Através de uma série de propostas práticas e plataformas de engajamento, a China busca posicionar-se como uma força estabilizadora e um líder responsável na arena internacional, promovendo uma visão de segurança que reflete seus próprios interesses e valores.

Em conjunto, esses documentos demonstram uma Grande Estratégia chinesa que busca moldar a ordem internacional de maneira que favoreça seus objetivos estratégicos de longo prazo. Através da coordenação intencional de meios econômicos, políticos e de segurança, a China está implementando uma estratégia abrangente para aumentar sua influência global e promover uma nova ordem internacional que reflita suas aspirações e valores. A retórica de cooperação e benefícios mútuos, embora atraente, deve ser analisada bastante criticamente, considerando as implicações estratégicas e os interesses subjacentes da China.

Especialmente para o Brasil, a adesão às propostas chinesas deve ser sopesada, uma vez que a movimentação chinesa não pode ser apartada da competição sistêmica em curso entre a China e os EUA. O Brasil, único país do hemisfério ocidental a compor os BRICS, e líder natural na América do Sul, já tem na China seu maior parceiro comercial. Caso caminhe em direção a uma maior aproximação estratégica com a China, estará sujeito a pressões diretas e indiretas e cada vez mais intensas por parte dos EUA.

A ascensão da China como uma potência global e suas tentativas de reconfigurar a ordem internacional são vistas com desconfiança por diversas nações, especialmente no Ocidente. A capacidade da China de efetivamente transformar sua visão em realidade dependerá de sua habilidade em navegar essas complexidades e construir alianças que sustentem suas iniciativas. Portanto, enquanto os documentos analisados revelam uma estratégia clara e bem articulada, a trajetória futura da China no cenário internacional permanece incerta e sujeita a múltiplas variáveis.

 

REFERÊNCIAS

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YAN, X. Leadership and the Rise of Great Powers. Princenton: Princeton University Press. 2019

[1] 1“Zhōnghuá mínzú wěidà fùxīng” – 中华民族伟大复兴. Em inglês, a tradução mais encontrada é “The great rejuvenation of the Chinese nation”. Em portugês, a tradução indicada nos próprios documentos chineses usa a palavra “revitalização”.

[2] Disponível em https://www.mfa.gov.cn/eng/zxxx_662805/202309/t20230926_11150122.html 

[3] Disponível em https://english.www.gov.cn/archive/whitepaper/202310/10/content_ WS6524b55fc6d0868f4e8e014c.html

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A nova (e inédita) Estratégia de Segurança da Alemanha

A Alemanha divulgou sua Estratégia de Segurança. Trata-se de um documento inédito no pós-guerra, no qual o governo alemão divulga as bases de uma segurança que se quer integrada e voltada para o cidadão alemão, para que este possa “continuar vivendo em paz, com liberdade e segurança”.

O documento é assinado pelo chanceler Olaf Scholz e pela ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock e afirma que o ambiente de segurança no qual a Alemanha está inserida vive um momento de virada, de “divisão de águas”: na expressão em alemão, um Zeitenwende. É uma obvia referência à situação internacional, de guerra na Europa e de acirramento da competição sistêmica entre EUA e China.

Porém, trata-se também de um Zeitenwende no que se refere ao pensamento estratégico alemão. O fato desse documento ser o primeiro do gênero é sintomático do trauma que a sociedade alemã carrega desde o fim da 2ª guerra mundial, que se refletiu na dificuldade de desenvolvimento de um pensamento estratégico voltado para o fortalecimento de seu aparato de defesa. Agora, os alemães correm atrás do prejuízo, anunciando que “o governo federal fará da Bundeswehr uma das forças armadas convencionais mais eficazes da Europa nos próximos anos, capaz de responder e agir rapidamente em todos os momentos”.

Esse anúncio é feito com muito cuidado, quase se desculpando. O texto esclarece que a Alemanha tem consciência de sua história e por isso é grata pela reconciliação com os países vizinhos, em especial com a França, e que continua a assumir responsabilidade pelo direito de Israel de existir.

O documento aponta a Rússia como a mais significativa ameaça para a segurança Euro-Atlântica. Os estrategistas alemães apontam para um mundo crescentemente multipolar, em que alguns países estariam tentando mudar a ordem internacional, motivados por suas percepções acerca de uma rivalidade sistêmica. Nesse contexto, a China é apresentada como um parceiro, um competidor e um rival.

Ainda na apresentação da conjuntura mundial, o texto identifica que guerras, crises e conflitos nas vizinhanças da Europa têm um efeito adverso na segurança da Alemanha e da própria Europa. Estados frágeis nesse entorno estariam se tornando paraísos para grupos terroristas, enquanto conflitos internacionais se ampliariam para Estados vizinhos. Em acréscimo a essa realidade, os estrategistas alemães apontam para outras ameaças complexas: terrorismo, extremismo, crime organizado, ataques cibernéticos, todos com capacidade de causar graves danos à segurança alemã.

A crise climática também é definida como uma grave ameaça à própria subsistência das pessoas e aos fundamentos da economia. Ela ameaça milhões de pessoas no mundo, pela destruição do meio-ambiente e consequentes fome, pobreza e doenças.

Para fazer face a tudo isso, a estratégia tem seu foco no conceito de Segurança Integrada. Esta é definida como sendo aquela que reúne todos os instrumentos à disposição do Estado que, sendo afetos às questões de segurança, sirvam para proteger o cidadão alemão de ameaças externas. Essa abordagem parte da premissa de que a segurança é parte e objetivo de todas as políticas, de forma que, se ela se deteriorar, cada política, em todos os setores governamentais, será afetada.

O foco da segurança, de acordo com a Estratégia, seria o indivíduo, a garantia de seus direitos democráticos e de suas liberdades. Na medida que isso tudo seja garantido, a estabilidade do Estado e da sociedade estariam garantidas. Essa ênfase no indivíduo é ainda mais salientada quando a Estratégia se afirma alinhada com uma política externa feminista, que defende os direitos e a representatividade de mulheres e de grupos marginalizados.

 

Os alemães desejam que sua segurança integrada seja defensiva, resiliente e sustentável. Ao ser defensiva, ela deverá possuir uma capacidade dissuasória crível, no âmbito da OTAN, que garanta que eventuais inimigos se abstenham de agir contra a Aliança. Para isso, o governo alemão informa que vai fortalecer suas forças armadas, consideradas “o pilar da dissuasão convencional na Europa”. Assim, se informa que a Alemanha perseguirá o objetivo de garantir investimentos de 2% do PIB em defesa, aumentará seus investimentos em proteção a infraestruturas críticas, diplomacia efetiva, prevenção e atuação em desastres e engajamentos em assistência humanitária. Tudo isso com o objetivo de tornar as forças armadas alemãs “uma das mais efetivas forças convencionais da Europa”.

A resiliência é o segundo aspecto destacado. Trata-se de uma qualidade necessária em caso de conflito. Ela depende do Estado, da sociedade civil e do setor privado, que deverão assegurar que, na crise, o governo continue funcionando, que a população tenha suas necessidades básicas atendidas e que as forças armadas sejam supridas com toda a logística necessária. Defender a sociedade alemã da espionagem, sabotagem, e interferência estrangeira ilegítima, bem como da desinformação, também é uma forma de se fortalecer a resiliência, e por essa razão ações nesse sentido também são destacadas na Estratégia.

Quando destaca o aspecto da sustentabilidade, a Estratégia aponta para o combate à crise climática, apontada como uma ameaça à própria subsistência da humanidade, com impactos para a estabilidade entre países e regiões. Assim, os alemães se impõem o objetivo de “reduzir drasticamente as emissões, que atualmente ainda estão em ascensão e alcançar resultados urgentemente. Ao mesmo tempo, perseguir estratégias de adaptação que limitem os impactos da crise climática, de modo a proteger tanto pessoas quanto espaços naturais”. Nesse sentido é interessante destacar que os alemães afirmam no documento que “onde os governos minem a segurança e o estado de direito, iremos centrar a nossa cooperação em maior medida em atores não estatais, no nível local e em abordagens multilaterais.” Interessante notar que essa afirmação reforça temores recorrentes em países em desenvolvimento, de que a pauta ambiental possa ser instrumentalizada para o atingimento de interesses geopolíticos inconfessáveis, uma vez que quem julgaria que os governos estariam “minando a segurança climática” seria o próprio Estado alemão.

O documento alemão, de 73 páginas, cujo espírito tentei captar na análise acima, é bastante abrangente ao tratar de ameaças não-tradicionais à segurança. Mas, se comparado aos documentos congêneres das grandes potências, falha ao tratar das ameaças mais tradicionais, de cunho geopolítico, que saltam aos olhos no atual momento da história. Mas, é um primeiro passo, que mostra uma Alemanha que volta ao jogo geopolítico, praticamente empurrada pela invasão russa à Ucrânia. Os alemães ainda estão cruzando seu Zeitenwende. E todo mundo certamente vai prestar muita atenção.

Leia a Estratégia de Segurança aqui:

Estrategia nacional de segurança Alemanha

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O Exército com os olhos no futuro

“Não importa quão claramente se pense, é impossível prever com precisão o caráter do conflito futuro. A chave é não estar tão longe do alvo que se torne impossível ajustar uma vez que o personagem seja revelado”.

Sir Michael Howard

Tentar prever os acontecimentos futuros é uma tarefa arriscada. Mas, identificar tendências e possíveis cenários vindouros é uma atividade fundamental para os planejadores das mais variadas atividades humanas, na iniciativa privada ou no setor público. Somente dessa forma as organizações poderão se preparar para os desafios que o futuro lhes reserva.

No campo militar, não poderia ser diferente. Pelo contrário, é famosa a máxima que critica os exércitos que se preparam para lutar sua última guerra, em vez da próxima guerra. Winston Churchill disse certa vez que era “uma piada na Grã-Bretanha dizer que o War Office está sempre se preparando para a última guerra. Mas isso provavelmente é verdade para outros departamentos e outros países, e certamente foi verdade para o Exército francês.” O primeiro-ministro britânico se referia à invasão da França pelo exército nazista, em 1940. Os estrategistas franceses estavam preparados pala lutar a guerra de 1919, mas os alemães inovaram com a blitzkrieg e venceram os franceses em poucos dias.

A guerra de alta intensidade em curso na Ucrânia relembrou aos militares de todo o mundo que um longo período de paz não é uma garantia de que não haverá mais conflitos armados. E que, para estarem em condições de cumprir suas destinações, as Forças devem estar preparadas para as próximas guerras.

Com esse objetivo, o Exército Brasileiro acaba de publicar o manual de fundamentos Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040. Trata-se de uma antevisão da forma como se espera que a Força Terrestre cumpra sua missão no horizonte temporal do ano de 2040.

No documento, os estrategistas do Exército Brasileiro delineiam o contexto operacional futuro, no horizonte temporal de 2040. Trata-se de um esforço em caracterizar as possibilidades de futuro e suas consequentes implicações para a Defesa Nacional e para a Força Terrestre.

Assim, visualiza-se um ambiente de acirramento da competitividade interestatal, de centralidade do setor científico-tecnológico e de rearranjos de balanças de poder regionais. Além disso, diversas questões relacionadas às mudanças climáticas potencializarão tensões geopolíticas, enquanto o espaço cibernético se tornará cada vez mais um palco de atuação, muitas vezes desestabilizadora, de Estados, grupos e indivíduos. Tudo isso com profundas implicações na forma como a Força Terrestre deverá se preparar para ser empregada no cumprimento de suas missões.

As operações militares em 2040 serão realizadas em um ambiente preponderantemente urbano, de hiperconectividade, no qual a informação e a percepção que a opinião pública terá dos acontecimentos será de extrema relevância. O combate será crescentemente digitalizado e automatizado, o que imporá uma aceleração no ritmo das ações. Os ciclos decisórios serão encurtados e os responsáveis pelas tomadas de decisão terão cada vez menos tempo à sua disposição. A letalidade será mais seletiva, e as ações no campo de batalha serão muito mais monitoradas por plataformas remotas e autônomas. Isso contribuirá para uma crescente judicialização dos conflitos, uma vez que as ações dos contendores nos campos de batalha serão expostas à opinião pública mundial com muito maior facilidade.

Para cumprir suas missões nesse ambiente, o Exército deverá estar preparado para, atuando de forma conjunta com as outras forças armadas, na presença de diversas agências, das mais distintas áreas de atuação, governamentais ou não, garantir a soberania nacional negando a eventuais oponentes o acesso e a liberdade de ação em áreas de interesse nacional.

O conceito operacional, ou seja, a maneira como o Exército aplicará suas capacidades para cumprir suas missões, deverá garantir a derrota do inimigo por meio da convergência de efeitos letais e não letais, de forma sincronizada, nos diversos domínios (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético e eletromagnético) e nas três dimensões do combate (física, humana e informacional).

Para poder atuar desta forma em 2040, o Exército planeja e age de forma a aperfeiçoar as capacidades já existentes e a criar outras ainda não disponíveis, em um processo de contínuo aperfeiçoamento. A ferramenta para isso é o Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEX). Ele contém, dentre outras coisas, o Plano Estratégico do Exército que, em ciclos de quatro anos, planeja as ações e iniciativas estratégicas que vão proporcionar ao Exército as condições de fazer face aos desafios atuais e futuros. Dessa forma, os próximos quatro ciclos, que se iniciam em 2024, delineiam a trajetória do Exército até atingir o estado que se deseja alcançar em 2040.

Algumas dessas ações demonstram o acima descrito.  No que concerne aos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP), os conhecidos drones, há um projeto em andamento, inclusive com o recebimento do primeiro sistema de categoria 2[1], o Nauru 1000C. Trata-se de um sistema de fabricação nacional, composto por três aeronaves remotamente pilotadas, uma base móvel com três estações de controle de solo, duas câmeras estabilizadas, radares GMTI e SAR, scanners 3D, dois terminais de transmissão de dados de 60km e um terminal de enlace de dados de 100km. Esse equipamento adiciona importante capacidade de vigilância e sensoriamento do campo de batalha, fundamental ao combate moderno, como se comprova diariamente no conflito em curso na Ucrânia.

O programa estratégico Forças Blindadas é fundamental para a necessária transformação do Exército, especialmente na mecanização das brigadas de infantaria motorizadas[2], e na modernização das brigadas de cavalaria, ações absolutamente necessárias para a construção de um instrumento militar compatível com os desafios atuais e futuros. Contempla as diversas famílias de blindados. É no escopo desse projeto que estão o desenvolvimento e a aquisição dos blindados Guarani em suas múltiplas versões, das Viaturas Blindadas Leves Multirarefas e das modernas Viaturas Blindadas de Combate de Cavalaria Centauro 2.

O programa Astros abrange a aquisição de plataformas móveis de lançamento de foguetes e mísseis. Esses armamentos, como a guerra na Ucrânia comprova mais uma vez, são muito importantes para o combate de alta intensidade na atualidade, e permanecerão relevantes no horizonte temporal de 2040. Uma iniciativa considerável no âmbito do projeto é o desenvolvimento, pela indústria nacional, de mísseis com a capacidade de atingir, com precisão, alvos à distância de 300km, o que aumentará a capacidade dissuasória nacional.

Evidentemente, a execução de todos os programas, seus projetos, ações e iniciativas são condicionados pelas disponibilidades orçamentárias. Nesse sentido, o Exército tem aprimorado sua governança, de modo utilizar de modo ótimo os recursos que lhe são disponibilizados.

Os exemplos acima ilustram apenas alguns aspectos mais visíveis dos projetos em curso. O Plano Estratégico do Exército (2024-2027) lista cerca de 400 ações e iniciativas estratégicas que levam ao atingimento dos objetivos estratégicos do Exército.

Dessa forma, fica claro que o Exército Brasileiro está atento às grandes questões geopolíticas e às conjunturas nacional e internacional, que naturalmente condicionarão seu emprego em atendimento à suas missões constitucionais. Tudo isso para atender à máxima de “estar preparado para a próxima guerra”, e não para “as guerras já travadas”, proporcionando à nação brasileira as ferramentas militares terrestres necessárias ao enfrentamento dos complexos desafios atuais e futuros.

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[1] Equipamentos de até 150 Kg

[2] Até o momento, duas Brigadas de Infantaria Motorizadas já foram mecanizadas pelo projeto: A 15ª Bda Inf Mec, de Cascavel/PR e a 11ª Bda Inf Mec, de Campinas/SP. A 9ª Bda Inf Mtz, do Rio de Janeiro/RJ e a 3ª Bda Inf Mtz, de Cristalina/GO já começaram a receber as viaturas Guarani e as Viaturas Blindadas Leves Multitarefas.




Coreia do Sul lança Estratégia para região do Indo-Pacífico

A Coreia do Sul acaba de lançar sua Estratégia para a região do Indo-Pacífico, um movimento saudado pelos EUA e criticado pela China. O documento destaca que a capacidade nuclear, assim como o programa de mísseis da Coreia do Norte são uma forte ameaça a paz na região.

O documento é cuidadoso em relação à China. afirmando que ela é um “parceiro chave para alcançar a prosperidade e a paz na região” e com o qual terão “um relacionamento sólido e maduro à medida que buscam interesses compartilhados com base no respeito mútuo e na reciprocidade”.

Os coreanos afirmam que irão fortalecer sua aliança com os EUA, pois ela foi “peça fundamental para a paz e a prosperidade na Península Coreana e no Indo-Pacífico nos últimos 70 anos. Afirma ainda os 2 países compartilham os valores de liberdade, democracia e direitos humanos.

Em breve, farei um texto analisando o documento, que você pode acessar na integra no link abaixo:

ROK-Indo-Pacific-Strategy-Dec-2022




Os Novos documentos de Segurança e Defesa dos Estados Unidos

Introdução

Recentemente, o governo norte-americano divulgou dois documentos da área de Segurança e Defesa, em sequência: sua nova Estratégia Nacional de Segurança, no dia 12 de outubro, e sua Estratégia de Defesa, no dia 27 de outubro de 2022.

Em conjunto, os dois documentos desvelam a maneira como os norte-americanos enxergam o mundo e definem os princípios que guiarão suas ações estratégicas, para conformá-lo, de maneira que, no futuro, esteja alinhado aos seus interesses e princípios.

1. Estratégia Nacional de Segurança

De acordo com o diagnóstico do documento, o mundo está atravessando um momento crucial, sendo os próximos anos decisivos para a definição do futuro dos Estados Unidos (EUA) e de todo o planeta. Nessa circunstância, o país teria dois grandes desafios estratégicos: o primeiro seria a competição com a China, cujo resultado definiria a ordem internacional pós Guerra Fria. O segundo seria o enfrentamento dos desafios compartilhados globalmente, quais sejam, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar, as doenças pandêmicas, o terrorismo, a escassez energética e a inflação. Por serem desafios compartilhados, esses últimos exigiriam a cooperação entre os países. Entretanto, essa cooperação estaria sendo dificultada pelo próprio ambiente de competição geopolítica, que alimentaria nacionalismos e populismos.

No documento, os EUA se posicionam como líderes das democracias mundiais no enfrentamento às autocracias. A Rússia é apresentada como uma ameaça imediata à ordem internacional aberta e livre, pelo desrespeito ao Direito Internacional e pela invasão à Ucrânia. Os russos são acusados de atuar contra os interesses norte-americanos, em várias partes do mundo, inclusive, dentro dos EUA. O apoio à Ucrânia é reafirmado, bem como a intenção de conter a Rússia em todos os campos do poder.

A China, entretanto, é apresentada como o verdadeiro competidor dos EUA, uma vez que teria a intenção de reconfigurar a ordem internacional em seu próprio benefício e, consequentemente, em desfavor dos norte-americanos.

Ao afirmar que pretendem competir com a China, os EUA asseveram, dentre outros aspectos, que irão apoiar seus aliados no Indo-Pacífico, para que tomem suas decisões de forma livre da coerção chinesa. Também dizem que irão responsabilizar Pequim por “genocídio e crimes contra a humanidade em Xinjiang, violação dos direitos humanos no Tibet e desmantelamento da autonomia e das liberdades em Hong Kong”.

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Em relação à Taiwan, os norte-americanos afirmam que a paz e a estabilidade do Estreito de Taiwan são críticas para a segurança da região e do mundo. Afirmam que continuam apoiando a política de “uma só China”, contrária à independência da ilha, discordando de quaisquer tentativas de mudança no “status quo” da região. Entretanto, de acordo com a lei que rege as relações com o país, manterão o apoio militar para que aquela ilha esteja em condições de se defender de qualquer agressão chinesa.

A crise climática recebe destaque, sendo apresentada como o “desafio existencial do nosso tempo”. Afinal, o aquecimento do planeta colocaria em perigo os norte-americanos e demais habitantes do planeta, arriscando os suprimentos de comida e água, a saúde pública, a infraestrutura e a própria segurança nacional norte-americana. O documento cita, ainda, as afirmações de cientistas, segundo os quais, sem uma ação global imediata para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, em breve, serão excedidos os 1,5°C de aquecimento, o que ocasionará o aumento do nível do mar e uma perda catastrófica de biodiversidade.

Ao tratar da postura dos EUA em relação às regiões do mundo, o documento esclarece sua opção pela Ásia, mais especificamente pelo Indo-pacífico, considerado o epicentro da Geopolítica no século 21. A Aliança Atlântica, entretanto, não é esquecida, e os EUA reafirmam seu compromisso com a OTAN e seus parceiros europeus. A América do Sul não é citada especificamente, sendo englobada quando o documento trata sobre o Hemisfério Ocidental. Porém, o texto aborda a proteção da “interferência e coerção” que seriam praticadas por Rússia, China e Irã contra países da região. O Brasil só é citado no documento devido à Amazônia, uma vez e superficialmente, para se falar na necessidade de preservação daquele bioma.

O documento deixa nítido o entendimento norte-americano de que, apesar da guerra na Ucrânia e das ameaças nucleares que ressurgiram com ela, o mundo caminha para uma nova disputa bipolar, entre EUA e China. Portanto, na China, estarão a atenção e o foco da política exterior norte-americana. Entretanto, a competição dar-se-á em todo o globo terrestre, com os EUA buscando espaço e alinhamentos que lhes sirvam tanto na disputa contra a China quanto no apoio às políticas e estratégias de enfrentamento dos “desafios compartilhados” por toda a humanidade.

acesse o documento na íntegra:

Estratégia Nacional de Segurança dos EUA

 2. Estratégia Nacional de Defesa

Em perfeito alinhamento com a Estratégia de Segurança, a Estratégia de Defesa igualmente apresenta um cenário internacional de segurança complexo, com desafios causados por mudanças geopolíticas, tecnológicas, econômicas e ambientais. A competição estratégica com a China é apresentada como o mais complexo desafio à segurança dos EUA, uma vez que aquele país teria um comportamento “coercivo e crescentemente agressivo, com o objetivo de remodelar a região do Indo-Pacífico e o Sistema Internacional, com a finalidade de adequá-los aos seus interesses”. Por sua vez, a Rússia é apresentada como a ameaça do momento, uma vez que “usa a força para mudar fronteiras, ignorando a soberania de países vizinhos, para reimpor uma esfera de influência imperial”.

Portanto, China e Rússia, nessa ordem, são apresentadas como as mais perigosas ameaças à segurança dos EUA. Na verdade, trata-se do aprofundamento da mudança de foco, que também havia ocorrido no governo Trump, o qual listou China, Rússia, Irã e Coreia do Norte como as principais ameaças, na Estratégia de Defesa divulgada à época. A mudança se detém no fato de que, até então, o terrorismo figurava, nos documentos oficiais dos EUA, como principal ameaça à segurança do país.

O documento também lista como ameaças: a Coreia do Norte, em razão de seu status de potência nuclear; o Irã, em razão de seu programa nuclear, das exportações de armas e de seu papel “desestabilizador no Oriente Médio”; além de grupos terroristas como a Al Qaeda, o ISIS e seus afiliados.

As mudanças climáticas, que são percebidas pela elevação das temperaturas médias, elevação dos níveis do mar, mudança nos regimes das chuvas e maior frequência de eventos climáticos extremos, são apresentadas como motrizes de novos conflitos, como, por exemplo, o derretimento da calota polar, no Ártico, que modifica a geoestratégia da região, aumentando a disputa interestatal naquela parte do globo.

Para enfrentar todos esses desafios, a Estratégia norte-americana apresenta uma ferramenta, a chamada “Dissuasão Integrada”. São ações destinadas a alinhar as políticas, os investimentos e as atividades do Departamento de Defesa dos EUA que sustentem e fortaleçam a dissuasão do país em relação aos seus adversários.

Essa dissuasão envolve o aprimoramento de ações em várias áreas que: neguem aos inimigos a possibilidade de conquistar territórios; aumentem a resiliência norte-americana em face de ataques adversários; e demonstrem aos inimigos que os custos de um eventual ataque serão muito superiores a eventuais benefícios. Nesse sentido, a Estratégia prevê investimentos em novas capacidades, como as de ataques a longas distâncias, sistemas de armas hipersônicas e sistemas autônomos. Ademais, priorizar-se-á o desenvolvimento dos campos espacial e cibernético, a capacidade de combater guerras irregulares, o apoio a aliados que estejam enfrentando os inimigos dos EUA, as medidas diplomáticas e as sanções econômicas.

acesse o documento na íntegra:

Estratégia Nacional de Defesa dos EUA

 3. Outros documentos estratégicos

Em complemento às Estratégias de Segurança e de Defesa, os EUA também publicaram a revisão de sua postura nuclear. No documento, reafirma-se a importância da dissuasão nuclear nesse ambiente de deterioração da segurança internacional. A previsão é de que a China possua 1.000 ogivas nucleares até o final da década. Assim, segundo a avaliação norte-americana, na década de 2030, os EUA enfrentarão, pela primeira vez em sua história, duas grandes potências nucleares como concorrentes estratégicos e potenciais adversários. Isso criará novas tensões na estabilidade e novos desafios para a dissuasão, a segurança, o controle de armas e a redução de riscos.

Embora não seja considerada uma rival na mesma escala que a China e a Rússia, a Coreia do Norte também representaria uma ameaça persistente e um perigo crescente para os EUA e a região do Indo-Pacífico, à medida que expande, diversifica e aprimora suas capacidades nucleares, de mísseis balísticos e não nucleares, incluindo seu estoque de armas químicas. Uma crise ou conflito na península coreana poderia envolver vários atores com armas nucleares, aumentando o risco de um conflito mais amplo.

Ainda segundo o documento, o Irã não possui, hoje, uma arma nuclear. No entanto, as recentes atividades iranianas, anteriormente limitadas pelo acordo nuclear (JCPOA), são motivo de grande preocupação, pois são aplicáveis a um programa de armas nucleares. A política dos EUA é impedir que o Irã obtenha uma arma nuclear.

Os EUA consideram, ainda, que a aquisição de armas nucleares por outros Estados pode levar a novos desafios de dissuasão. A atual instabilidade do ambiente de segurança, incluindo as ações do Irã, da Coreia do Norte e a guerra na Ucrânia, poderia criar ou aprofundar incentivos à proliferação nuclear.

Outro anexo à Estratégia de Defesa é a Revisão de Defesa Contra Mísseis. O documento se destina a fornecer orientação ao Departamento de Defesa sobre a estratégia e política de defesa antimísseis. Segundo a análise, os adversários dos EUA estão desenvolvendo, colocando em campo e integrando capacidades aéreas e de mísseis cada vez mais avançadas. Essas capacidades aéreas e de mísseis representariam um risco crescente para o país, seus aliados e parceiros.

Em razão disso, as defesas antimísseis são consideradas críticas para impedir ataques contra os Estados Unidos. Dessa forma, o documento considera ser um imperativo estratégico continuar os investimentos e a inovação no desenvolvimento de capacidades antimísseis de amplo espectro.

Conclusão

Um aspecto da estratégia de dissuasão integrada proposta pelos EUA, em sua Estratégia de Defesa, que merece especial atenção do Brasil é a previsão de uma cerrada colaboração com “aliados e parceiros”. Nesse sentido, é interessante notar que, na Declaração de Brasília, resultante da 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, realizada em julho deste ano, os EUA fizeram constar um item que reconhece a “Dissuasão Integrada como um constructo para manter a paz e a estabilidade no Hemisfério Ocidental, priorizando a cooperação regional em todos os domínios de defesa e segurança e reduzindo barreiras em relação ao compartilhamento de informações e capacidades”. Por não ter sido alcançado um consenso sobre esse item, os Ministros da Defesa decidiram que o conceito de Dissuasão Integrada deveria ser aprofundado em estudos no âmbito da Junta Interamericana de Defesa.

Como se vê na Declaração de Brasília, os EUA tentam, por meio da aproximação com as Forças Armadas dos demais países das Américas, consubstanciada pela Dissuasão Integrada, reunir “aliados e parceiros” no enfrentamento de seus adversários. Uma vez que a China, seu principal oponente, é o principal parceiro econômico da maioria dos países da região e tem estabelecido laços cada vez mais estreitos com vários deles, fica claro que se está caminhando em um terreno particularmente espinhoso nas relações internacionais.

Os documentos de Segurança e Defesa dos EUA refletem o momento de contestação da Ordem Internacional, vigente desde o término da 2ª Guerra Mundial, reforçada pelo fim da Guerra Fria, segundo a qual os EUA ainda se apresentam como potência hegemônica. O desafio militar russo e a ascensão chinesa impõem aos norte-americanos uma série de desafios, no sentido de tentar manter sua proeminência geopolítica, sendo o que se constata com a publicação das Estratégias.

Esse tensionamento entre as grandes potências causa reflexos em todo o mundo. Na América do Sul, ele é percebido com crescente intensidade, com movimentos de ambos os oponentes para conter o adversário e atrair os sul-americanos para sua esfera de influência.

Os governos do subcontinente – e do Brasil, em especial – terão o desafio de atuar com equilíbrio, na busca por alcançar seus próprios objetivos sem abrir mão de seus princípios, mantendo a estabilidade e buscando o desenvolvimento regional, sempre com o foco nos próprios interesses nacionais e na manutenção da paz.

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A nova Estratégia de Segurança dos EUA

Os Estados Unidos divulgaram a sua nova Estratégia Nacional de Segurança no último dia 12 de outubro. O documento desvela a maneira como os norte-americanos enxergam o mundo e define os princípios que guiarão suas ações estratégicas para conformá-lo de forma que, no futuro, esteja alinhado aos seus interesses e princípios.

O mundo, de acordo com o diagnóstico do documento, está atravessando um momento crucial, sendo os próximos anos decisivos para a definição do futuro dos EUA e de todo o planeta. Nessa circunstância, os Estados Unidos teriam dois grandes desafios estratégicos: o primeiro seria a competição com a China, cujo resultado definiria a ordem internacional pós Guerra Fria. O segundo seria o enfrentamento dos desafios compartilhados globalmente, quais sejam, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar, as doenças pandêmicas, o terrorismo, a escassez energética e a inflação. Por serem desafios compartilhados, esses últimos exigiriam a cooperação entre os países. Entretanto, essa cooperação estaria sendo dificultada pelo próprio ambiente de competição geopolítica, que alimentaria nacionalismos e populismos.

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No documento, os EUA se posicionam como líderes das democracias do mundo no enfrentamento das autocracias. A Rússia é apresentada como uma ameaça imediata à ordem internacional aberta e livre, pelo desrespeito à lei internacional e pela invasão à Ucrânia. Os russos são acusados de atuar contra os interesses norte-americanos em várias partes do mundo e, inclusive, dentro dos EUA. O apoio decidido à Ucrânia é reafirmado, bem como a intenção de conter a Rússia em todos os campos do poder.

A China, entretanto, é apresentada como o verdadeiro competidor dos EUA, uma vez que teria a intenção de reconfigurar a ordem internacional em seu próprio benefício e, consequentemente, em desfavor dos norte-americanos.

Ao afirmar que pretendem competir com a China, os EUA asseveram, dentre outras coisas, que irão apoiar seus aliados no Indo-Pacífico para que tomem suas decisões de forma livre da coerção chinesa. Também dizem que irão responsabilizar Pequim por “genocídio e crimes contra a humanidade em Xinjiang, violação dos direitos humanos no Tibet e desmantelamento da autonomia e das liberdades em Hong Kong”.

Em relação a Taiwan, os norte-americanos afirmam que a paz e a estabilidade do Estreito de Taiwan são críticas para a segurança da região e do mundo. Afirmam continuar apoiando a política de “uma só China”, não apoiando a independência da ilha. Dizem ainda ser contrários a que qualquer dos lados promova tentativas de mudança no “status quo” da região. Entretanto, de acordo com a lei que rege as relações do país com Taiwan, manterão o apoio militar para que Taiwan esteja em condições de se defender de qualquer agressão chinesa.

A crise climática recebe destaque, sendo apresentada como o “desafio existencial do nosso tempo”. Afinal, o aquecimento do planeta colocaria em perigo os norte-americanos e as pessoas de todo o mundo, arriscando os suprimentos de comida e água, a saúde pública, a infraestrutura e própria segurança nacional norte-americana. O documento afirma ainda que sem uma ação global imediata para reduzir as emissões, cientistas afirmam que em breve serão excedidos os 1,5ºC de aquecimento, o que ocasionaria o aumento do nível do mar e uma perda catastrófica de biodiversidade.

Ao tratar da postura dos EUA em relação às regiões do mundo, os EUA deixam clara sua opção pela Ásia, mais especificamente pela região do Indo-pacífico, considerada o epicentro da geopolítica no século 21. A aliança atlântica, entretanto, não é esquecida, e os EUA reafirmam seu compromisso com a OTAN e seus parceiros europeus. A América do Sul não é citada, sendo região englobada quando o documento se debruça sobre o Hemisfério Ocidental. Entretanto, os EUA falam em proteger a região da “interferência e coerção” que seriam praticadas por Rússia, China e Irã contra países da região. O Brasil não é citado no documento. Apenas a Amazônia, uma vez e superficialmente, para se falar na necessidade de preservação daquele bioma.

O documento deixa nítido o entendimento norte-americano de que, apesar da guerra na Ucrânia e das ameaças nucleares que ressurgiram com ela, o mundo caminha para uma nova disputa bipolar, entre EUA e China. Será, portanto, na China, que estarão a atenção e o foco da política exterior norte-americana.

Leia a Estratégia de Segurança:

Biden-Harris-Administrations-National-Security-Strategy-10.2022

Leia a Estratégia de Defesa

2022-NATIONAL-DEFENSE-STRATEGY-NPR-MDR

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A nova estratégia de segurança russa

No último dia 02 de julho, o presidente Vladimir Putin assinou a nova Estratégia de Segurança da Rússia. O documento substituiu a que estava em vigor, que datava de 2015. A renovação da Estratégia era esperada, uma vez que esses documentos são concebidos para vigorarem por seis anos.

Em 44 páginas, os estrategistas russos anunciam que o mundo passa por uma fase de transição, com a emergência de potências interessadas em modificar a ordem global, antes fortemente marcada pela unipolaridade representada pela proeminência de uma única superpotência e de seus aliados, para uma nova ordem, marcada pela multipolaridade. Essa transição teria o potencial de causar conflitos, pois a perda da primazia pelo Ocidente geraria distúrbios e reações, cada vez mais graves.

Os principais objetivos para a defesa dos interesses nacionais da Federação Russa seriam: preservar a unidade da nação, proteger o sistema constitucional, apoiar a sociedade civil, desenvolver o espaço informacional, desenvolver a economia, proteger o meio ambiente, fortalecer os valores tradicionais e manter estabilidade social, especialmente em face de ameaças externas.

A aproximação dos países da OTAN das fronteiras russas é apresentada no documento como sendo a principal ameaça à segurança nacional russa, que acusa os EUA de abandonarem acordos de desarmamento, levando a uma corrida armamentista. Essas ameaças são apontadas como razões para que a Rússia fortaleça ainda mais seu potencial militar.

Os russos apontam no documento a ação de forças estrangeiras, que atuariam tanto em território russo quanto no exterior, explorando dificuldades socioeconômicas para enfraquecer a coesão interna do povo russo. O documento também acusa o ocidente de atuar contra os valores tradicionais dos russos, impondo uma exacerbação do individualismo, propagandeando atitudes egoístas e culto à violência, numa tentativa de destruir a soberania e a cultura da Federação Russa.

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autor – Steven Lee Myers

O ocidente também é acusado de, ao impor sanções econômicas e comerciais, dificultar as exportações russas de recursos naturais. O documento também identifica ações de contenção aos planos russos de desenvolver novas rotas comerciais, inclusive no Ártico.

Os russos pretendem diminuir as transações em dólar, com o objetivo de fortalecer a própria moeda. Os estrategistas russos reconhecem a necessidade de desenvolver e diversificar a economia do país, que precisaria passar a produzir e exportar itens de maior valor agregado, além de atuar para reduzir a dependência que a economia do país possui em relação a tecnologias importadas.

Sempre de acordo com o documento, a Federação Russa buscaria, em suas relações internacionais, os seguintes objetivos: fortalecer a estabilidade do sistema legal internacional, a fim de impedir sua aplicação de forma seletiva; fortalecer a paz mundial, evitando a eclosão de uma guerra mundial; aprimorar os mecanismos internacionais de segurança coletiva; impedir o uso de forças armadas em desacordo com o previsto na Carta da ONU; aprofundar a cooperação com os Estados-membros da CEI[1], Abecásia, Ossétia do Sul[2] e com os Estados-parte da União Eurasiana; desenvolver uma cooperação estratégica com China e Índia; participar ativamente dos BRICS; trabalhar pela estabilização de situações de crise em países fronteiriços à Rússia; fortalecer laços fraternais entre as nações russas, bielorrussas e ucranianas e; contrapor-se às tentativas de falsificar a história.

Como se vê, a Estratégia de Segurança da Rússia aponta para uma maior aproximação do país da China e da Índia e continua reconhecendo a OTAN como principal inimiga. O documento enfatiza que os russos se consideram vítimas de uma guerra cultural, onde os “valores russos” estariam sendo atacados pelo ocidente, com o objetivo de enfraquecer a coesão nacional. Os russos dão grande importância à sua área de influência, especialmente aos países que lhe fazem fronteira. As referências à Belarus e Ucrânia não são em vão, pois trata-se de dois países emblemáticos na disputa por influência travada entre russos e ocidentais.

Todo documento dessa natureza tem, entre seus objetivos, passar mensagens tanto para o público interno quanto para a comunidade internacional. Neste caso, não há muito espaço para dúvidas. Os russos traçaram as linhas vermelhas que, de seu ponto de vista, não devem ser ultrapassadas pelo ocidente. O problema é que, ao ler os documentos similares dos países da OTAN[3], descobre-se que, do ponto de vista da Aliança do Atlântico Norte, as linhas vermelhas não são coincidentes. É nesse descompasso que está a maior ameaça à paz mundial.

Acesse ao documento aqui Estratégia Nacional de Segurança a Rússia

[1] A CEI (Comunidade dos Estados Independentes) foi criada em 1991, após a desagregação da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Os países integrantes são: Armênia, Belarus, Cazaquistão, Federação Russa, Moldávia, Quirquistão, Tadjiquistão, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Turcomenistão (membro associado).

[2] Abecásia e Ossétia do Sul são regiões da Geórgia que foram reconhecidas como independentes pela Federação Russa.

[3] Fiz a análise de documentos dos EUA, OTAN e do Reino Unido, disponíveis em https://paulofilho.net.br/2018/03/26/mudancas-nas-prioridades-de-defesa-norte-americanas/ , https://paulofilho.net.br/2020/12/06/a-visao-da-otan-para-2030/ , e

https://paulofilho.net.br/2021/03/23/como-os-britanicos-veem-seu-papel-no-mundo-em-2030-e-como-estao-se-preparando-para-exerce-lo/




Você conhece o livro A ARTE DA GUERRA, de Sun Tzu?

O autor de “Arte da Guerra” na verdade se chamava Sun Wu. “Tzu”, ou “Zi”, como é mais comumente chamado na China, significa algo como “Mestre” ou “Venerável”. Logo, Sun Tzu significa “O Mestre Sun”.

Ele nasceu na cidade de Lean (hoje Huimin, província de Shandong), por volta de 550 AC, na província de Qi, mas veio a tornar-se General do estado de Wu.

A Batalha de Boju, em 506 AC, ficou conhecida como a mais importante vitória em combate dentre as obtidas por Sun Tzu.O Estado de Wu estava em guerra contra o Estado de Chu. Sun Tzu assumiu o comando das tropas após impressionar o Rei He Lu com seu conhecimento militar e seu tratado, sobre a Arte da Guerra.

A Arte da Guerra é uma obra-prima do pensamento militar. Sua importância transcendeu o tempo, tornando-se um clássico obrigatório, não só para militares, mas para todos que se interessam por estratégia, no ocidente e no oriente.

O livro está estruturado em treze capítulos:

  1. Estabelecendo planos
  2. Em combate
  3. A Estratégia de ataque
  4. Disposições táticas
  5. O uso da energia
  6. Pontos fortes e fracos
  7. Manobrando
  8. Variações táticas
  9. Em marcha
  10. Terreno
  11. As nove situações
  12. O ataque com fogo
  13. O uso de espiões

A obra pode ser dividida em duas partes. Nos seis primeiros capítulos, de “Estabelecendo planos” até “Pontos fortes e fracos”, o autor aborda principalmente aspectos do nível estratégico, enfatizando a tomada de decisão, a análise da estratégia adotada pelo inimigo e cálculos de poder de combate. Nos sete capítulos seguintes, a análise vai ao nível tático, com aspectos relacionados à ofensiva, à defensivas e ao resultado dos combates.

Logo na primeira frase primeiro capítulo, “Estabelecendo planos”, Sun Tzu alerta para a importância capital da guerra para o Estado.

A Arte da Guerra é de vital importância para o Estado. É questão de vida ou morte, uma estrada tanto para a segurança quanto para a ruína. Portanto, é um tema de estudos que não pode, de forma nenhuma, ser negligenciado.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 1

Ainda no primeiro capítulo, são listados cinco fatores que devem ser sempre levados em consideração na tomada das decisões: a lei moral, o céu, a terra, o comandante e o método e a disciplina.

Pela lei moral, segundo Sun Tzu, os governados seguiriam seu soberano, à despeito do risco de suas vidas, em uma guerra. O soberano, para tanto, deveria reunir os predicados morais para conquistar essa confiança, sendo sábio, sensato, honesto e justo.

O céu dizia respeito ao clima, à hora da batalha, à estação do ano.

A terra está relacionada ao terreno, às distâncias, às passagens largas ou estreitas, aos campos fechados ou abertos.

O comandante deveria ser avaliado por sua sabedoria, honradez, habilidades guerreiras, confiança, benevolência, severidade e justiça.

O método e a disciplina se referem à organização do exército e seu preparo logístico.

Assim, Sun Tzu traça princípios basilares que, se atendidos, levariam os exércitos à vitória.

No encerramento do capítulo, Sun Tzu dá ênfase ao logro.

Todas as guerras são baseadas no logro. Portanto, quando capazes de atacar, devemos parecer incapazes, ao usarmos as nossas forças, devemos parecer inativos, quando estivermos próximos, devemos parecer distantes e quando distantes, devemos parecer próximos.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 1

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No segundo capítulo, Sun Tzu alerta para as campanhas prolongadas que acabam por exaurir os recursos do Estado. O que realmente importa na guerra, é uma rápida vitória, e não campanhas prolongadas. Assim, a principal ideia do primeiro capítulo é a importância de um planejamento detalhado, que considere fatores fundamentais para uma boa decisão, que sempre deverá ser implementada com a máxima utilização da dissimulação, do logro, do engano.

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Adaptação e prefácio de James Clavell

No terceiro capítulo, Sun Tzu trata das estratégias ofensivas. É neste capítulo que se encontra a famosa frase de que “lutar e vencer todas as batalhas não é a excelência suprema; a excelência suprema é quebrar a resistência do inimigo sem lutar”.

Para Sun Tzu, o General habilidoso é aquele que sabe o momento de lutar e o de não lutar. Aquele que souber manipular suas forças, sendo inferiores ou superiores em número. Aquele cujo exército, estando preparado, souber esperar o momento em que o inimigo estiver despreparado.

Para isso, o deverá conhecer muito bem o seu exército e o exército inimigo.

Se conheceres o inimigo e a ti mesmo, não temas o resultado de cem batalhas. Se conheceres a ti mesmo, mas não ao inimigo, para cada vitória, terás uma derrota. Se não conheceres nem a ti mesmo, nem ao inimigo, sucumbirás a todas as batalhas.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 3

No capítulo 4, Sun Tzu assevera que o guerreiro habilidoso, primeiro coloca-se em posição de não ser derrotado, para só então aguardar a oportunidade de derrotar o inimigo.

O grande guerreiro, também, não apenas vence; mas vence com facilidade. Isso acontece porque ele não comete erros e também por colocar-se em uma posição que torna a derrota impossível.

Como se vê, neste capítulo, mais uma vez Sun Tzu enfatiza a importância de um planejamento minucioso, que explore as vulnerabilidades do inimigo e respeite o momento certo de se fazer a guerra.

A ideia principal do capítulo 5 é a utilização máxima da força do exército, atacando o inimigo da forma mais eficiente possível. Sun Tzu utiliza a figura de uma pedra lançada contra um ovo para caracterizar o emprego correto da massa de um exército contra um ponto vazio ou mal defendido pelo inimigo.

Sun Tzu fala no emprego de dois tipos de tropas, as regulares (Zheng), e as extraordinárias (Qi). Essas duas devem ser empregadas em combinação, de múltiplas formas, com flexibilidade, para se alcançar a vitória. As forças regulares serão necessárias para engajar-se nas batalhas, mas as extraordinárias, para assegurar a vitória. As táticas utilizadas pelas forças extraordinárias são aquelas surpreendentes e singulares. As táticas das forças regulares são as habituais.

No capítulo 6, Sun Tzu explora a importância de se obter vantagem sobre o inimigo. Esta vantagem é obtida pela surpresa, pela velocidade, pelo sigilo.

Táticas militares são como águas que fluem, pois a água em seu curso natural precipita-se dos locais altos para os baixos. Do mesmo modo, na guerra, o caminho é evitar o forte e atacar o que é fraco. A água molda seu curso de acordo com o solo sobre o qual ela flui. Do mesmo modo, o soldado realiza sua vitória de acordo com o inimigo que está enfrentando.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 6

Assim como a água não possui forma constante, na guerra não existem condições constantes. O bom capitão é aquele que consegue modificar suas táticas de acordo com cada oponente, obtendo assim a vitória.

A partir do capítulo 7, Sun Tzu passa a fazer considerações de um nível mais tático que estratégico. Volta a enfatizar a importância da dissimulação e do sigilo. Também enfatiza a importância das manobras desbordantes e envolventes.

Fala da dificuldade de comunicação na confusão da batalha, ressaltando a importância do uso de bandeirolas, estandartes e tambores, como instrumentos de transmissão de ordens. Nesse sentido fica clara a preocupação com o que modernamente se considera o Comando e Controle.

Lista uma série de recomendações táticas, como nunca atacar estando seu exército em parte mais baixa do terreno, com o inimigo no alto, ou nunca cercar completamente um inimigo, deixando uma rota de fuga para evitar pressionar demais um inimigo desesperado.

As recomendações eminentemente táticas continuam no capítulo 8. O Comandante deve executar seu planejamento após um minucioso estudo do terreno e do inimigo.

A arte da guerra nos ensina a não confiar na possibilidade de que o inimigo não venha, mas na nossa prontidão para recebê-lo; não na possiblidade de que ele não ataque, mas no fato de que fazemos nossa posição inexpugnável.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 8

Nos capítulos 9, 10 e 11, Sun Tzu continua tratando de aspectos táticos. Trata da utilização do terreno em marchas e nos acampamentos. Explica como ler os indícios das próximas ações a serem executadas pelo inimigo.Sun Tzu lista 5 erros que podem arruinar um general: a imprudência, que o leva à destruição; a covardia, que o leva a captura; um temperamento irritadiço, que pode ser estimulado por insultos; a de se possuir um sentido de honra muito sensível, que o deixará suscetível à armadilha dos insultos; a de se preocupar demasiadamente com seus homens, que o fará sucumbir a preocupações e problemas.

Trata também das qualidades e defeitos dos generais, com lições de liderança. Afirma que o general que avança sem cobiçar a fama e retrocede sem temer a desonra, cujo pensamento é apenas proteger a sua terra e prestar bom serviço a seu soberano, é a “joia do reino”.

Considera teus soldados como teus filhos e eles te seguirão até o mais profundo dos vales; cuida deles como teus próprios amados filhos e eles estarão a teu lado, até mesmo para a morte. Se, no entanto, fores indulgente, mas incapaz de fazeres sentida tua autoridade, bondoso, mas incapaz de fazer cumprir teus comandos e, ademais, incapaz de reprimires a desordem, então, teus soldados devem ser comparados a crianças mimadas. Eles são inúteis para quaisquer propósitos práticos.

Sun Tzu. A Arte da Guerra/Cap 10

Por fim, lista nove tipos de terrenos onde pode haver combate, tratando de como deve se desenvolver o combate em cada um deles.

Nos capítulos 12 e 13, Sun Tzu trata de dois tópicos especiais. Como utilizar o fogo nas ofensivas e como empregar os espiões.

A Arte da Guerra é um livro espetacular, que merece uma leitura reflexiva. Não só por sua incrível abrangência, ao tratar de aspectos estratégicos e táticos, como por sua incrível atualidade, mesmo passados 2,5 mil anos de sua redação.

Ao fazer sua leitura, entretanto, há que se estar atento à tradução realizada. Via de regra, as traduções são feitas do chinês para o inglês e deste, para os demais idiomas, o que pode resultar em interpretações bem distintas da original. A língua chinesa é extremamente concisa. Diferentemente do pensador ocidental, o pensador chinês não defende discursivamente suas ideias. Assim, o pensamento de Sun Tzu foi interpretado ao longo dos séculos, por uma tradição tipicamente chinesa de comentaristas. Dessa forma, cabe ao leitor fazer sua interpretação do que foi escrito. Isso é tão importante quanto o que está redigido literalmente.

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UM MUNDO MULTIPOLAR

O general fuzileiro naval James Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos, esteve em visita à Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, em 14 de agosto. Foi apenas uma das escalas do militar da reserva em sua viagem à América do Sul, que também incluiu a Argentina, o Chile e a Colômbia. Em sua palestra para os alunos do Curso de Altos Estudos, Política e Estratégia (Caepe), o experiente soldado, comandante de tropas nas guerras do Iraque e do Afeganistão, destacou que selecionara três prioridades no desempenho de sua função, equivalente à de Ministro da Defesa na estrutura brasileira.

A primeira prioridade seria aumentar a letalidade dos militares americanos, de modo a aumentar também a dissuasão em face de possíveis agressores. A segunda seria ampliar e fortalecer o relacionamento das Forças Armadas norte-americanas com as forças dos países aliados. E a terceira prioridade, melhorar as práticas gerenciais e o trato com o dinheiro público no âmbito do Departamento de Defesa.

Neste artigo, vou me ater às duas primeiras prioridades citadas. A primeira alinha-se perfeitamente com o movimento feito pelos EUA no sentido de redirecionar sua estratégia de defesa e reestruturar suas Forças Armadas. Após um período em que se dedicou quase que exclusivamente à guerra assimétrica, enfrentando oponentes que de forma alguma poderiam contrapor-se ao poderio econômico, bélico e industrial norte-americano, os EUA agora reconhecem que, na atual realidade de distribuição multipolar do poder, podem ser desafiados por oponentes com capacidade militar equivalente ou mesmo, em alguns aspectos, superior. Estamos falando da Rússia e da China.

Para fazer face a esse desafio os EUA reestruturam suas Forças Armadas. Recentemente foi criado um Comando para o Exército do Futuro, focado no desenvolvimento de novas capacidades e na adoção de novas tecnologias para o Exército. Isso para não falar na anunciada e ainda não muito clara criação da chamada Força Espacial, que seria mais uma força armada norte-americana.

Quando falou da segunda prioridade, o general Mattis deixou clara a finalidade de sua visita. Estava tratando justamente de tentar “ampliar e fortalecer o relacionamento com os países aliados”. Fez referência a um valor caríssimo aos militares de todo o mundo: a camaradagem e a amizade forjada nos campos de batalha. Citou o fato histórico da aliança que uniu brasileiros e americanos nos campos de batalha da Itália durante a 2.ª Guerra Mundial e lembrou o fato de sermos, Brasil e Estados Unidos, as duas maiores democracias do Ocidente. Elogiou a Escola Superior de Guerra e lembrou a presença constante de estudantes americanos na instituição.

Falou ainda sobre o que entende ser o objetivo de nações que têm “valores comuns” e “interesses compartilhados”: a construção de um hemisfério que seja uma “ilha de democracia e prosperidade num mundo instável”. A transcrição do discurso do general Mattis pode ser encontrada no site da ESG.

O movimento da diplomacia militar norte-americana em direção aos principais países sul-americanos coincidiu com um fato diplomático significativo. Como se sabe, a China considera Taiwan uma província rebelde e não aceita que os países mantenham relacionamento diplomático com o governo da ilha. Fazer essa escolha implica necessariamente abrir mão de ter relações diplomáticas com a China.

Pois bem, praticamente ao mesmo tempo que Mattis visitava a América do Sul, na América Central, El Salvador, que mantinha relacionamento diplomático com Taiwan, mudou de posição e passou a reconhecer a República Popular da China. Atualmente, apenas 16 países no mundo, além do Vaticano, ainda optam por se relacionar com Taiwan, ao invés da China, a grande maioria da América Central e do Caribe – Belize, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas são exemplos. O movimento de El Salvador foi feito pouco tempo depois de o Panamá e a República Dominicana terem feito o mesmo. É desnecessário salientar quão significativo do ponto de vista geopolítico é a balança mudar de lado justamente nesses países localizados geograficamente tão perto dos EUA.

O aumento da influência econômica chinesa nas Américas do Sul e Central é evidente. As trocas comerciais entre o gigante asiático e a América Latina e o Caribe chegaram a US$ 244 bilhões ano passado, duas vezes mais que uma década antes, de acordo com o Global Development Policy Center, da Boston University. Desde 2015 a China é o principal parceiro comercial da América do Sul. As vendas de equipamentos militares também são crescentes. Destaca-se a Venezuela, mas várias outras nações das América do Sul e Central e do Caribe têm adquirido diversos tipos de materiais de defesa dos chineses.

Isso ao mesmo tempo que do outro lado do mundo a “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative, na tradução chinesa para o inglês), a principal ação de relações exteriores do governo Xi Jinping, ganha impulso. Trata-se de uma iniciativa que visa a fortalecer os laços econômicos com os países da Ásia, África e Europa, o que poderia, em tese, criar uma dependência econômica que alinharia esses países à China e aos seus interesses geopolíticos.

O mundo vive uma era de crescentes riscos para a segurança e nós deveríamos estar atentos aos “tombos dos dados” que podem afetar-nos como país, conforme bem destacou o professor Celso Lafer em artigo neste espaço, em 19 de agosto. E como ele lembrou, citando Hanna Arendt, “somos do mundo, e não apenas estamos no mundo”.

As disputas geopolíticas estão sendo travadas à luz do dia e nos afetam. O Brasil, por seu tamanho, sua importância, sua História e seu destino, não pode ficar a reboque dos acontecimentos.




O ENCONTRO DE CÚPULA DE HELSINQUE

Um dia após premiar os franceses, campeões da Copa da Rússia, perante uma audiência global de mais de 1 bilhão de pessoas, Vladimir Putin viajou a Helsinque, capital da Finlândia, para encontrar-se com o presidente dos EUA, Donald Trump.

O encontro ocorreu após uma intensa movimentação diplomática de ambos os presidentes. Putin vinha de encontrar-se na semana anterior com Ali Akbar Velayati, ex-ministro das Relações Exteriores do Irã, homem de confiança e conselheiro do presidente Ali Khamenei. Antes disso, em 11 de julho, reunira-se com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A guerra civil na Síria certamente esteve na pauta das conversas.

Trump encerrou com o encontro de Helsinque uma atribulada viagem à Europa, que se iniciou em Bruxelas, com a reunião dos países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Foi um encontro tenso, no qual Trump exigiu que países-membros da aliança militar aumentassem seus gastos com defesa. Ao mesmo tempo, criticou fortemente a Alemanha por, no seu entender, depender excessivamente do fornecimento de gás natural russo. De Bruxelas, seguiu para Londres, para encontrar-se com a primeira-ministra Thereza May. Lá, concedeu uma entrevista em que criticou May pela forma como está conduzindo a saída do Reino Unido da União Europeia. Trump ainda encontrou tempo para chocar os líderes europeus declarando que a União Europeia seria “inimiga comercial” dos EUA.

A semana que antecedeu a reunião de Helsinque contextualiza o encontro e mostra como é o momento dos dois presidentes. Putin vive fase de grande visibilidade, surfando a onda positiva de ter sido o anfitrião de uma Copa do Mundo. Trump, bastante criticado no seu país e na Europa, acusado de tratar melhor os russos, inimigos históricos, do que os próprios aliados europeus. Como se não bastasse, no dia do encontro uma sequência inacreditável de publicações no Twitter expôs Trump a uma onda de críticas ainda maior. Ele escreveu que o relacionamento entre os EUA e a Rússia nunca tinha estado tão ruim quanto atualmente graças a muitos anos de “tolices e estupidez” dos próprios EUA. Imediatamente depois, a conta oficial do Ministério das Relações Exteriores russo respondeu simplesmente: “Nós concordamos”. Talvez seja um caso único na história em que um presidente publicamente e algumas horas antes de se encontrar com o maior adversário reconhece que os problemas que existem entre seus países são de sua própria culpa.

Os problemas a que o presidente Trump se refere e que colocaram as relações entre Rússia e EUA num nível alto de tensão são variados e complexos. Há a questão da interferência dos russos, acusados de atuar por meio de ações de guerra cibernética nas eleições americanas de 2016. Há, também, a guerra civil na Síria, com toda a sua complexidade, que opõe nos campos de batalha sírios coalizões lideradas, de um lado, pelos EUA e, de outro, pelos russos. Outro ponto de grande sensibilidade são a anexação da Crimeia e a ação militar russa (encoberta, mas nem tanto) na Ucrânia, que é a causa das sanções econômicas impostas à Rússia pelos EUA e por seus aliados.

Como se vê, assuntos a serem resolvidos – ou pelo menos que merecessem alguma tentativa de encaminhamento de soluções futuras – não faltavam. Entretanto, na entrevista coletiva concedida ao término da reunião, Trump focou suas respostas na política interna, preocupado em tentar demonstrar que os russos não interferiram nas eleições que o conduziram ao poder. Afinal, admitir tal interferência, tida como certa pelas próprias autoridades das agências de inteligência norte-americanas, seria de alguma forma admitir uma sombra de ilegitimidade no processo eleitoral que o conduziu à presidência. Para isso, disse que Putin negara peremptoriamente tais ações e que ele não tinha nenhum motivo para desconfiar de que isso não fosse verdade. Evidentemente, Putin disse o mesmo. Quanto à crise da Ucrânia/Crimeia, nenhuma novidade. Quanto à Síria, a reafirmação de que ambos os países estão combatendo os terroristas. Ou seja, quanto aos assuntos que realmente importam do ponto de vista geopolítico, nada de relevante.

Ou quase nada. Putin e Trump afirmaram que a era de desconfianças da guerra fria não deveria existir mais, que o mundo hoje mudou e que não deveria haver razão para tensões entre Rússia e EUA.

Essa afirmação não encontra amparo na realidade e é negada pelos próprios documentos de nível político/estratégico de ambos os países. A Estratégia Nacional de Defesa dos EUA, documento de janeiro deste ano, portanto da administração Trump, identifica que os EUA enfrentam uma era em que a competição estratégica entre os Estados é a maior ameaça à segurança e cita a Rússia como um país que viola fronteiras e pressiona diplomática e economicamente seus vizinhos.

Já os russos, em sua Estratégia de Segurança Nacional, publicada em 31 de dezembro de 2015, citam que os EUA e aliados, a fim de manter a atual dominância sobre os assuntos internacionais, adotam uma “política de contenção” que se opõe à implementação de uma política externa russa independente. Expressa, ainda, que a Otan atua em violação às normas do Direito Internacional, expandindo as atividades militares em direção às fronteiras da Rússia, sendo uma ameaça à segurança daquele país.

Ou seja, o discurso de Trump foi focado em seus problemas internos e não levou em consideração os graves desafios geopolíticos identificados nos documentos produzidos por sua própria administração. Já Putin, para aproveitar a metáfora futebolística, entrou em campo e nem precisou se defender. O adversário cedeu o terreno e ele jogou solto, fez embaixadinhas para a torcida e correu para o abraço. A torcida adversária e os comentaristas não entenderam nada…